Acórdão do Tribunal da Relação de Lisboa | |||
| Processo: |
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| Relator: | GRANJA DA FONSECA | ||
| Descritores: | COMPRA E VENDA REGISTO PREDIAL | ||
| Nº do Documento: | RL | ||
| Data do Acordão: | 04/07/2005 | ||
| Votação: | UNANIMIDADE | ||
| Texto Integral: | S | ||
| Privacidade: | 1 | ||
| Meio Processual: | APELAÇÃO | ||
| Decisão: | CONFIRMADA | ||
| Sumário: | 1 – Um dos efeitos essenciais do contrato de compra e venda é a transmissão da propriedade ou titularidade do direito. 2 – Para que o contrato de compra e venda de bens imóveis não fique confinado entre comprador e vendedor, ou seus herdeiros, há que o levar ao registo pois este é pressuposto da sua eficácia relativamente a terceiros. 3 – A inoponibilidade de direitos a um terceiro, para efeitos de registo predial, pressupõe que ambos os direitos provenham de um mesmo transmitente comum, excluindo-se os casos em que o direito em conflito com o direito não inscrito deriva de uma diligência judicial, seja ela arresto, penhora ou hipoteca judicial. 4 – Assim, a compra e venda de uma fracção de um imóvel constituído em propriedade horizontal, apesar de registada em data posterior ao registo da penhora sobre a mesma fracção, é eficaz em relação ao adquirente do bem penhorado, por venda judicial. | ||
| Decisão Texto Integral: | Acordam no Tribunal da Relação de Lisboa: 1. Açorimo – Consultores Imobiliários, L. da intentou, na 16ª Vara Cível de Lisboa, a presente acção declarativa de condenação, com Processo Ordinário, contra Hipólito Santos Ribeiro, Caixa Económica Açoreana, S. A., e Simpo – Sociedade Imobiliária Portuguesa, S. A., pedindo que seja declarada a única e exclusiva proprietária da fracção autónoma, designada por letra “A”, correspondente à cave e logradouro, um compartimento e tardoz, do prédio urbano sito na Rua do Pico, n.º 32 e 32-A, da freguesia de Arroios, no concelho de Lisboa e descrita na 1ª Conservatória do Registo Predial de Lisboa sob o n.º 311 da freguesia de Arroios, e a condenação do 1º réu a restituir-lhe essa fracção. Alega, em síntese, que adquiriu à Simpo, por escritura pública celebrada em 8/05/1990, a aludida fracção autónoma, tendo procedido ao registo daquela aquisição, apenas, em 17/11/2000. Tal fracção autónoma foi, porém, objecto de penhora em 21/04/1999 e registada em 21/05/1999, no âmbito do processo que a Caixa Económica Açoreana, ora 2ª ré, moveu contra a Simpo, ora 3ª ré, que corre seus termos na 12ª Vara Cível de Lisboa/2ª Secção. Em 4/12/2000, foi a mencionada fracção vendida judicialmente mediante proposta por carta fechada, decidida pelo Tribunal, pelo valor de 10.005.000$00 ao 1º réu. Contestou o 1º réu, invocando o incidente por ele suscitado no processo de execução, que não foi provido, tentando impedir a compra por ter sabido que a executada não era proprietária do prédio, mas em vão. A 2ª ré contestou, alegando que a autora não protestou (artigo 910º CPC) nem deduziu embargos de terceiro e deduziu reconvenção, pedindo a condenação da autora nas despesas advindas do facto de não ter registado a sua compra. A autora replicou, alegando que nada deve à ré. Foi, então, proferido saneador – sentença, julgando-se procedente a acção, sendo os réus condenados a reconhecer a propriedade da autora sobre a fracção referida e o 1º réu a restituí-la à autora, satisfeito que esteja o disposto no artigo 910º, n.º 2 do CPC, oportunamente se levando esta decisão ao registo predial e julgando improcedente a reconvenção. Inconformados, apelaram a ré Açoreana (recurso julgado deserto) e o réu Hipólito, formulando as seguintes conclusões: 1ª – No Processo de Execução, a Apelada deduziu Embargos de Terceiro e requereu a suspensão da execução, que foram indeferidos. 2ª – A Apelada não recorreu daqueles indeferimentos, tendo-se conformado com as decisões de indeferimento: 3ª – A Apelada nunca teve posse relevante do prédio, já que a penhora foi registada em 20/05/1999, a sentença de despejo por si referida só transitou em julgado em 30/09/1999, a execução dessa sentença só foi requerida em 17/11/2000 e apenas em 21/03/2001 o despejo foi efectivado, data em que o prédio foi judicialmente entregue ao Apelante; 4ª – A compra da Apelada, porque registada em data posterior ao registo da penhora, é ineficaz em relação ao Exequente e, por conseguinte, relativamente ao Apelante enquanto adquirente do bem penhorado. 5ª – O preço referido no artigo 910º, n.º 2 do CPC, por força do disposto na alínea b) do artigo 670º do CC, aplicado pelo artigo 759º, n.º 3 do mesmo Código, abrange não só o preço propriamente dito, como também as despesas com sisa, com IMI, com registos, com condomínio, com obras de conservação inadiáveis no prédio e ainda os juros à taxa legal sobre as quantias despendidas. 6ª – O saneador – sentença, ao decidir como decidiu, violou o disposto no artigo 819º do CC e no n.º 1 do artigo 5º do CRP. A apelada contra – alegou, pugnando pela confirmação da sentença recorrida. 2. Na 1ª instância, consideraram-se provados os seguintes factos: 1º - A autora comprou à 3ª ré, por escritura celebrada em 8/05/1990, a fracção autónoma designada por letra “A”, correspondente à cave e logradouro, um compartimento e tardoz, do prédio urbano sito na Rua do Pico, n.º 32 e 32-A, da freguesia de Arroios, no concelho de Lisboa e descrita na 1ª Conservatória do Registo Predial de Lisboa sob o n.º 311 da freguesia de Arroios. 2º - E procedeu ao registo daquela aquisição, apenas, em 17/11/2000. 3º - Tal fracção autónoma foi objecto de penhora em 21/04/1999 e registada em 21/05/1999, no âmbito do processo que a Caixa Económica Açoreana, ora 2ª ré, moveu contra a Simpo, ora 3ª ré, que corre seus termos na 12ª Vara Cível de Lisboa/2ª Secção. 4º - E, em 4/12/2000, foi a mencionada fracção vendida judicialmente, mediante proposta por carta fechada, pelo valor de 10.005.000$00 ao 1º réu. E, tendo em conta os documentos juntos aos autos, consideram-se ainda provados os seguintes factos: 5º - Naqueles autos de execução, a autora/apelada deduziu embargos de terceiro, que foram liminarmente indeferidos, por caducidade, já que a embargante os não deduziu no prazo de trinta dias , sobre a data da penhora. 6º - O réu/apelante, ao tomar conhecimento da compra da fracção pela apelada, requereu, nos autos de execução, a anulação da venda judicial, o que foi indeferido, tendo sido fixado ao réu Hipólito o prazo de quinze dias para depositar o preço. 3. O âmbito do recurso delimita-se pelas conclusões do recorrente (artigos 684º, n.º 3 e 690º, n.º 1 CPC), só abrangendo as questões que nelas se contêm, ainda que outras tenham sido afloradas nas alegações propriamente ditas, salvo tratando-se de questões que o tribunal deva conhecer oficiosamente. Assim, tendo em conta as conclusões do apelante, colocam-se à apreciação do Tribunal as seguintes questões: a) – Se a apelada perdeu ou não o direito de aqui (na presente acção) fazer valer o seu direito de propriedade. b) – Se a venda judicial a favor do apelante se sobrepõe ou não à compra não registada antes da penhora. c) – Se o preço referido no artigo 910º, n.º 2 CPC abrange também as despesas com a sisa, com IMI, com registos, com condomínio, com obras de conservação inadiáveis no prédio e ainda os juros à taxa legal sobre as quantias despendidas. 4. No âmbito do processo que a Caixa Económica Açoreana, ora 2ª ré, moveu contra a Simpo, ora 3ª ré, a correr seus termos na 12ª Vara Cível de Lisboa/2ª Secção, a fracção autónoma designada por letra “A”, que, em 8/05/1990, havia sido comprada pela autora à ré Simpo, e registada (apenas) em 17/11/2000, foi aí objecto de penhora em 21/04/1999, registada em 21/05/1999, tendo sido vendida judicialmente, em 4/12/2000, mediante proposta por carta fechada, pelo valor de 10.005.000$00 ao 1º réu. Naqueles autos de execução, a Açorimo deduziu embargos de terceiro, que foram liminarmente indeferidos, por caducidade, e isto porque a embargante os não deduziu no prazo de trinta dias , sobre a data da penhora. Ora, não tendo sido apreciado o mérito dos embargos de terceiro, a rejeição liminar não obsta à propositura de acção de reivindicação pelo embargante, nem que este intente acção em que peça a declaração da titularidade do direito que obsta à realização ou ao âmbito da diligência (cfr. artigo 355º do CPC). Por outro lado, é certo que o réu Hipólito, ao tomar conhecimento da compra da fracção pela apelada, requereu, nos autos de execução, a anulação da venda judicial, o que foi indeferido, tendo-lhe sido fixado o prazo de quinze dias para depositar o preço. Mas é também certo que o despacho que indeferiu a requerida anulação da venda, (incidente ao abrigo do artigo 908º do CPC), não conheceu da questão em análise, como expressamente se salienta nesse despacho. A autora não perdeu, pois, o direito de aqui fazer valer o seu direito de propriedade sobre a aludida fracção. * A segunda questão consiste em saber se a venda judicial a favor do apelante se sobrepõe ou não à compra não registada antes da penhora.Como é sabido, um dos efeitos essenciais da compra e venda é a transmissão da propriedade da coisa ou da titularidade do direito (artigo 879º, al. a) do CC). Simplesmente, a eficácia não pode ser vista somente num plano interno (entre vendedor e comprador, ou seus herdeiros), mas também num plano exterior (em relação a terceiros). E neste plano há que tomar em conta os princípios do registo predial. A aquisição do direito de propriedade sobre imóveis está sujeita a registo (artigo 2º, n.º 1, al. a) do CRP). Como está igualmente a penhora (artigo 2º, n.º 1, al. m) do CRP). Os factos sujeitos a registo só produzem efeitos contra terceiros depois da data do respectivo registo (artigo 5º, n.º 1 do CRP). Assim, pretendendo-se que a eficácia do contrato de compra e venda de bens imóveis não fique confinada ao plano interno, há que o levar ao registo, pois este é pressuposto da sua eficácia relativamente a terceiros. Enquanto o acto não figurar no registo, o alienante aparece, em relação a terceiros, como titular do direito que transferiu por mero efeito do contrato de alienação. O que deve, porém, entender-se por terceiros para efeitos do registo predial? Esta é a questão nuclear do presente recurso. Está, portanto, em causa saber o que são terceiros para efeitos do registo predial, tendo em vista a norma contida no n.º 5 do Código de Registo Predial (CRP). Defende o recorrente, usando um conceito amplo, que terceiro, para efeitos de registo predial, são todos os que, tendo obtido registo de um direito sobre determinado prédio, veriam esse direito ser arredado por qualquer facto jurídico anterior não registado ou registado posteriormente, sufragando desse modo a tese do Acórdão 15/97 do STJ. Assim, tendo a aludida fracção sido vendida judicialmente, a compra efectuada pelo recorrente prevaleceria sobre a venda anterior do mesmo bem, com registo posterior ao registo da respectiva penhora. A sentença aderiu ao conceito mais restrito, sufragado pelo Acórdão 3/99 do STJ, que revendo a doutrina do mencionado aresto de 20 de Maio de 1997, formulou o seguinte acórdão unificador de jurisprudência: «terceiros, para efeitos do disposto no artigo 5º do Código de Registo Predial, são os adquirentes de boa fé, de um mesmo transmitente comum, de direitos incompatíveis, sobre a mesma coisa». Neste acórdão uniformizador proferido pelo STJ, em 18/05/99, consagrou-se a orientação segundo a qual a inoponibilidade de direitos a um terceiro, para efeitos de registo predial, pressupõe que ambos os direitos advenham de um mesmo transmitente comum, excluindo-se os casos em que o direito em conflito com o direito não inscrito deriva de uma diligência judicial, seja ela aresto, penhora ou hipoteca judicial. “Actualmente o n.º 4 do artigo 5º (introduzido pelo DL n.º 533/99) consagra o conceito definido pelo acórdão uniformizador n.º 3/99, sem, porém, se referir ao requisito de «boa fé», o que, na prática, visto se tratar de uma omissão, em nada vai atenuar os termos restritivos do citado acórdão[1]”. Esta norma visa fixar o sentido que o legislador atribui às suas próprias palavras, precisando o respectivo conteúdo. Trata-se de uma norma interpretativa. Neste caso, a interpretação, partindo do legislador, não tem mero efeito filológico mas jurídico. “O legislador impõe que se entendam e se apliquem as suas expressões com o sentido que ele dá por fixado e não como qualquer outro. O preceito explicativo confunde-se com o preceito explicado, de que fica fazendo parte integrante, formando os dois, desde a origem, um todo único[2]”. Assim, a autora e o réu Hipólito não são terceiros entre si, pelo que a compra efectuada pela autora se impõe ao recorrente, apesar da data tardia do registo. * Tendo procedido a acção, considerou a sentença que o 1º réu goza, nos termos do disposto no artigo 910º, n.º 2 do CPC, de direito de retenção do prédio comprado enquanto lhe não for restituído o preço, podendo o proprietário reavê-lo dos responsáveis, se houver de satisfazer para obter a entrega da coisa reivindicada.Trata-se do preço depositado na Caixa Geral de Depósitos pelo réu Hipólito, nos termos do artigo 897º CPC, não englobando as despesas feitas com a satisfação das obrigações fiscais inerentes à transmissão, como se infere do artigo 900º, n.º 1 CPC, nem, por maioria de razão, quaisquer outras como despesas com IMI, com registos, com condomínio, com obras de conservação inadiáveis no prédio e ainda os juros à taxa legal sobre as quantias despendidas. 5. Pelo exposto, na improcedência da apelação, confirma-se a sentença recorrida. Custas pelo apelante. Lisboa, 7 de Abril de 2005. Granja da Fonseca Alvito de Sousa Pereira Rodrigues __________________________________________ [1] Isabel Pereira Mendes, Código de Registo Predial, 11ª edição, 90. [2] Inocêncio Galvão Telles, Introdução ao Estudo do Direito, vol. II, 132. |