Acórdão do Tribunal da Relação de Lisboa
Processo:
10069/2005-6
Relator: FÁTIMA GALANTE
Descritores: EXECUÇÃO
NULIDADE
CITAÇÃO
REGISTO PREDIAL
Nº do Documento: RL
Data do Acordão: 01/19/2006
Votação: UNANIMIDADE
Texto Integral: S
Meio Processual: AGRAVO
Decisão: NÃO PROVIDO
Sumário: 1. A citação do titular inscrito de bens penhorados, prevista no artigo 119º CRP, está sujeita às disposições gerais do processo civil sobre citações. Assim, deve indicar-se ao citado, sob pena de nulidade da citação, a cominação, prevista no n. 3 do citado artigo 119, em que incorre se não fizer nenhuma declaração.
2. A intervenção acidental nos termos do art. 119º, CRP proporciona a emissão de declaração que, na perspectiva do interesse fundamental da pessoa cujo património foi atacado por um acto de execução, tem a enorme vantagem de, pelo simples facto de ser produzida, paralisar aquele acto e os que lhe sucederam.
3. O citando considera-se em parte incerta se se frustrar a citação por via postal e a secretaria obtiver informação de que nas bases de dados dos serviços de identificação civil, da segurança social, da Direcção-Geral dos Impostos e da Direcção-Geral de Viação não existe nenhum registo da residência, local de trabalho, sede ou local onde funciona normalmente a administração do citando, caso em que se procederá à citação edital.
(F.G)
Decisão Texto Integral: 15
ACORDAM NA 6ª SECÇÃO DO TRIBUNAL DA RELAÇÃO DE LISBOA
I - RELATÓRIO
L, executado na execução que lhe move M, veio arguir nulidades, alegando que foi indevidamente utilizada a citação edital da sociedade Av. Igreja, Lda, ao ser dado cumprimento ao disposto no art. 119° do CRPredial, uma vez que, ao abrigo do disposto no art. 244.° do CPC, não se pode considerar que sociedade esteja ausente em parte incerta.
Termina pedindo a anulação do processado desde o requerimento apresentado a fls. 301.
A exequente vem pronunciar-se no sentido da improcedência da arguição de nulidades.

Foi proferido despacho que considerou indevidamente utilizada a citação edital, o que equivale a falta de citação, nos termos do art.° 195.° c) do C.P.C. Assim, foi julgada procedente a invocada nulidade, declarando-se nulo o processado posterior. Mais se ordenou a citação do titular inscrito, nos termos do art. 119.° n.° 1 do C.R.P.

Inconformada, veio a exequente agravar do respectivo despacho, tendo em conformidade apresentado, no essencial, as seguintes conclusões:
1. A Recorrente pediu que ao agravo fosse atribuído efeito suspensivo, nos termos do disposto no art° 740° n° 2 alíneas e) e d) e n° 3, alegando que decorre do cancelamento do registo da penhora a interrupção dos termos posteriores da venda do imóvel penhorado, o que implica mais atraso, na obtenção do pagamento do seu crédito; e que sendo o seu crédito emergente de obrigação alimentar judicialmente declarada, tais atraso e/ou comprometimento lhe acarretara prejuízo que é, por definição legal e sua própria natureza, de difícil reparação, decorrente da circunstância de protelar a sua situação de falta de condições de prover às despesas do seu sustento, que a obrigação alimentar visa assegurar.
2. O despacho de admissão, na parte em que atribui ao agravo efeito devolutivo, não se encontra sequer fundamentado, deixando igualmente de apreciar a procedência da alegação de prejuízo de difícil reparação feita pela Recorrente; violando dessa forma o dever genérico de fundamentação das decisões –art. 158°-, e o dever específico imposto na parte final do n° 3 do art. 740°, o que o torna nulo, ao abrigo do disposto nos art°s 666° n° 3 e 668° n° 1 alínea b).
3. A Recorrente foi requerente nos Autos de Arresto (Apenso A), em que foi requerido o Executado L, nos quais foi decretado o arresto sobre o imóvel Quinta da Vigia, ou, caso a aquisição do mesmo já se encontre registado provisoriamente, o arresto no produto da venda, notificando para o efeito a compradora identificada nos autos.
4. Da certidão negativa de notificação - datada 4 Agosto de 1996- consta expressamente que a escriturária judicial se deslocou à morada indicada e registada como sede daquela sociedade e ali foi informada que a mesma já aí não exercia a actividade há mais de quatro meses.
5. O prédio penhorado nos autos (por conversão em penhora, através de despacho de fls. 116 verso, do arresto decretado a fls. 73 do Apenso A), estava então, desde há dois meses, provisoriamente inscrito na 2a Conservatória do Registo Predial de Sintra a favor da referida sociedade.
6. Estando a ausência da sociedade em questão comprovada, a Recorrente requereu ao Tribunal em 07.11.2003, em cumprimento do referido art. 119° nºs. 1 e 2 do CRPredial, que ordenasse a afixação dos éditos, o que foi deferido e efectuado.
7. À data do registo do arresto e da penhora, e do registo de aquisição provisória do imóvel pela sociedade AV. IGREJA (Abril de 1996 a Fevereiro de 1997), nas Conservatórias dos Registos Comercial e Predial competentes constava inscrito como local da sede social a morada onde foi tentada e frustrada a sua citação pessoal, que por isso se revelou impossível.
8. Apenas em 14 de Novembro de 1997 foi escrita no registo comercial a deslocação dessa sede.
9. A impossibilidade da citação pessoal pela ausência do citando ocorreu e estava verificada no momento relevante, que era aquele em que se impunha dar-lhe conhecimento dos termos do arresto decretado sobre prédio provisoriamente registado em seu nome.
10. O momento relevante para a verificação da previsão da norma do n° 2 do art. 119° do CRP é o do registo provisório do arresto ou da penhora de bens inscritos a favor de pessoa diversa do executado.
11. O disposto no n° 2 do citado art. 119° do CRPredial, constitui norma especial relativamente à do art° 244° do CPC.
12 O momento da verificação da ausência é o do conhecimento nos autos do registo do arresto ou da penhora, sob pena de, em prejuízo do credor, se permitirem manobras fraudulentas do crédito.
13. Decidindo diversamente, o despacho agravado violou os princípios da fé pública e da publicidade registral, e da segurança jurídica a eles inerente, bem como a norma do art° 119° do CRP.
14. O cumprimento do disposto no art. 119° n° 2 do Código de Registo Predial, constitui um acto do Tribunal, cuja prática era devida ex officio, e independentemente de qualquer requerimento das partes, e de qualquer posição que pretendessem assumir sobre o mesmo, já que lhes não assistia qualquer direito de se oporem á respectiva prática.
15. Se a citação edital tivesse sido ordenada, como devia ter sido, logo após a certificação da não notificação do terceiro de 2 de Agosto de 1996, e oficiosamente pelo tribunal, Exequente e Executado não tinham sequer que da mesma ser notificados.
16. E se a Exequente tivesse então requerido o que veio a requerer apenas em 7 de Novembro de 2003, não estavam sequer ainda em vigor as normas dos art°s 229°-A e 260°-A do Código de Processo Civil, referentes às notificações entre Mandatários.
17. Não tendo a Exequente obrigação de notificar o Ilustre Mandatário do Executado do requerimento em questão, não foi omitida qualquer formalidade prescrita na lei.
18. Estando em causa apenas a citação de um terceiro a favor de quem está inscrito o imóvel penhorado, e as respectivas consequências, em qualquer caso não se vê como é que a pessoa do Executado ter sido prejudicado pelas omissões que alegou, que não se concede terem ocorrido, ou em que tais omissões pudessem influir no exame ou na decisão da Execução.
19. E assim é porquanto não é o mesmo titular de qualquer interesse legitimo na observância dos actos -notificações- que sustenta terem sido omitidos, o que, nos termos do disposto nos art°s 201° e 203° do CPC, sempre excluiria a verificação de quaisquer nulidades e a legitimidade do Executado para as arguir.
20. Tem de ter-se por absolutamente regular e legal a citação edital da sociedade Av da Igreja, Lda, não tendo sido omitidas quaisquer formalidades devidas, não se vislumbrando que interesse legítimo possa o Executado ter em sustentar, em nome de terceiro, coisa diversa.

Contra-alegou o Executado, que, no essencial, concluiu:
1. O recurso de agravo interposto pela Exequente, ora Agravante, foi admitido com subida diferida e em separado, ao abrigo daquilo que se encontra disposto no 923° do C.P.C. para os recursos com essa natureza interpostos em processo executivo, razão pela qual, não poderá ter efeito suspensivo.
2. E esse efeito suspensivo não pode, igualmente, decorrer da aplicação da alínea c) do n.º 2, do art. 740º do CPC, porquanto, o despacho que é objecto de recurso não ordenou o cancelamento de qualquer registo.
3. A penhora que foi efectuada sobre o prédio manteve-se, não podendo, por essa razão, ser cancelado o seu registo, cancelamento esse que não pode decorrer directa ou indirectamente do douto despacho proferido;
4. A Agravante pretende é a não execução imediata do despacho recorrido que causará prejuízos irreparáveis ou dificilmente reparáveis às partes envolvidas, pois, mantendo-se a indevida citação edital do terceiro titular e não tendo este reagido a tal citação, o seu silêncio terá um efeito cominatório, permitindo a conversão em definitivo do registo da penhora e a venda do prédio.
5. Depois de se frustrar a notificação da sociedade para efeitos do art. 119º CRPredial, nenhumas outras diligências para tentar descobrir o seu paradeiro ou dos seus legais representantes, foram encetadas.
6. Não ficou comprovada nos autos a ausência da notificanda, ou dos seus legais representantes, em parte incerta, que apenas poderia ser demonstrada caso outras diligências, nomeadamente, aquelas que estão previstas no Art. 244º do CPC, tivessem sido realizadas.
7. Nem sequer foi, à data da tentativa de notificação, junta qualquer certidão do registo comercial da sociedade ou feita qualquer averiguação junto do Registo Nacional de Pessoas Colectivas ou da Conservatória do Registo Comercial.
8. Em 2003, a Agravante requereu, invocando a frustração da notificação que teve lugar em 1996, a citação edital da sociedade mencionada, de forma imediata e sem requerer antes quaisquer diligências destinadas a apurar o seu paradeiro ou dos seus legais representantes.
9. A citação efectuada nos termos do art. 119° do R.Predial é, pela sua natureza e pelas consequências gravosas de que podem revestir-se, equiparada citação acção efectuada nos termos da lei processual civil.
10. Tratando-se de uma verdadeira citação, as regras que lhe são aplicáveis são aquelas que regulam a citação no CPC, exigindo-se, nomeadamente, para aplicação do nº 2 do art. 119º do CRP, a comprovação, através das diligências previstas no Art. 244° do CPC, da ausência do citando.
11. A nulidade da citação é de conhecimento oficioso podendo ser invocada por qualquer interessado, sendo, ainda, insanável.
12. O momento para aferir ausência do citando só pode ser aquele no qual seja efectuada a citação, sob pena de, a ter por certo o entendimento pugnado pela Agravante, impedir-se que, tendo havido alteração de morada ou sede do titular inscrito, desde a data do registo provisório do ónus, a sua citação seja sempre edital, em prejuízo das suas garantias de defesa.
13. Essa sociedade não tem paradeiro desconhecido e a citação edital, antes ordenada sem quaisquer diligências prévias visando a citação pessoal, prejudicou os seus direitos de livre acesso aos Tribunais.

Corridos os Vistos legais,
Cumpre apreciar e decidir.
Sendo as conclusões das alegações que delimitam o objecto do recurso e o âmbito do conhecimento deste tribunal (arts. 684º, nº 3 e 690º, nº 1 do CPC), salvo as questões de conhecimento oficioso (n.º 2 in fine do art.º 660º do Cód. Proc. Civil), exceptuando-se do seu âmbito a apreciação das questões cuja decisão esteja prejudicada pela solução dada a outras (n.º 2 1.ª parte do art. 660º do Cód. Proc. Civil), importa decidir:
a) do efeito do recurso interposto
b) se deve ou não ser mantida a decisão que considerou nula a citação do terceiro, para os termos do art. 119º CRPredial
Consideram-se exceptuadas as questões cuja decisão fique prejudicada pela solução dada a outras – art. 660º, nº 2 do CPC.

Para apreciação do presente recurso importa ter presentes os factos constantes do Relatório e ainda os seguintes FACTOS PROVADOS:
1. No âmbito da providência cautelar de arresto em que foi requerente a Agravante e requerido o Agravado, foi decretado o arresto do imóvel “Quinta da Vigia”.
2. O arresto do prédio foi convertido em penhora.
3. O registo do arresto e da penhora ficaram provisórios, uma vez que o referido imóvel estava registado, provisoriamente, a favor da sociedade “Av. Igreja”.
4. Em 1996 foi ordenada a notificação da sociedade Av. Igreja, Lda, terceiro a favor de quem se encontra registado o referido imóvel, no âmbito do procedimento cautelar de arresto.
5. Em Agosto de 1996 foi lavrada certidão negativa de notificação da dita sociedade, de acordo com a qual e segundo informação, a mesma já aí não exercia a actividade há mais de quatro meses, tendo os sócios da mesma cedido as suas quotas, desconhecendo-se o nome dos sócios, bem como o local da nova sede.
6. Em 2003, no seguimento de requerimento da Exequente, foi ordenada a citação edital da sociedade Av. Igreja Lda.
7. Não consta dos autos a realização de quaisquer diligências com vista a apurar o paradeiro da referida sociedade.

III - O DIREITO
1. Quanto ao efeito do recurso
A título de questão prévia, a Exequente, ora Agravante, vem impugnar o efeito atribuído ao presente recurso, por pretensa violação das alíneas c) e d) do n.º 2 e do nº 3 do Art. 740º do C.P.C.
Ora, o agravo interposto foi admitido com subida diferida e em separado, ao abrigo do disposto no Art. 923º do C.P.C. para os recursos com essa natureza interpostos em processo executivo. Daí que ao recurso não pudesse ser fixado o efeito suspensivo.
Por outro lado, o despacho recorrido, ao contrário do que parece resultar das alegações de recurso, não ordenou o cancelamento de qualquer registo, limitando-se a julgar nula a citação nos termos do art. 119º do CRPredial, do terceiro, a favor de quem está inscrito o bem penhorado.
Mas, obviamente, a penhora que foi efectuada sobre o prédio manteve-se, não podendo ser cancelado o seu registo, pelo que não se mostra violado o art. 740º, nº 2 do CPC.
Por outro lado, os agravos dos despachos cuja execução os torna absolutamente inúteis (art. 740º, nº 3), são aqueles cujo eventual e futuro provimento em nada aproveitará ao agravante. Nesse caso, sim, o agravante sofre um prejuízo, pois que a decisão, ainda que eventualmente favorável, é, para ele totalmente inoperante e ineficaz. O despacho recorrido causar-lhe-á, pois, um prejuízo que, mesmo que viesse a ter êxito no agravo, não conseguiria afastar. Para evitar esse prejuízo que, não obstante o provimento, seria irreparável, é que se justifica a subida e o conhecimento imediatos pelo tribunal superior e de efeito suspensivo, justificado pelo prejuízo irreparável ou de difícil reparação causado pela execução da decisão (art. 740º, nº 3 do CPC).
As consequências da anulação do processado, no caso dos autos, têm apenas a ver com a tramitação posterior ao acto de citação, cuja repetição o despacho ordenou nos termos que dele constam, por forma a permitir que o titular inscrito venha a tomar posição quanto à titularidade do prédio penhorado.
O efeito devolutivo fixado ao recurso vem permitir, tão só, a execução do despacho em causa ou seja, a citação do titular inscrito e o posterior prosseguimento da execução.
E caso venha a ser dado provimento ao recurso, passa a ter validade a citação edital que o tribunal recorrido anulou.
Não se pode confundir o efeito processual de anulação do processado (inconveniente normal decorrente da revogação de determinados despachos ou decisões) com prejuízo irreparável, que aqui não ocorre. O recurso não se torna inútil, com o prosseguimento dos autos. Não sendo suspensa a execução, deverá esta prosseguir a sua normal tramitação, independentemente dos recursos que nela tenham sido interpostos.
Também o facto de estarmos no âmbito de uma execução por alimentos, que não deve ser suspensa, não pode justificar a fixação do efeito suspensivo (o que parece até um contra-senso). Ademais, não está sequer comprovado nos autos que a anulação do processado, ponha em causa a subsistência da Recorrente.
Assim sendo, o presente recurso de agravo tem efeito devolutivo, tal como foi fixado na 1ª instância.

2. Da nulidade da citação
Alega a Agravante que, estando a ausência da sociedade em questão comprovada, a Recorrente requereu, em cumprimento do referido art. 119° nºs. 1 e 2 do CRPredial, que ordenasse a afixação dos éditos, o que foi deferido e efectuado.
À data do registo do arresto e da penhora sobre o imóvel, a sociedade a favor de quem estava o mesmo inscrito, tinha a sede social registada na morada onde foi tentada e frustrada a sua citação pessoal, que por isso se revelou impossível. Só em 14 de Novembro de 1997, foi registada a deslocação da sede da “Av. Igreja”. Assim, apenas restava proceder à citação edital.
Afirma, ainda a Agravante que a impossibilidade da citação pessoal pela ausência do citando ocorreu e estava verificada no momento relevante que era aquele em que se impunha dar-lhe conhecimento dos termos do arresto decretado.

Vejamos.
De acordo com os elementos constantes dos autos, verifica-se que em 1996 foi ordenada a notificação da sociedade "Av. Igreja, Lda.", terceiro cuja aquisição se encontra inscrita com prioridade face ao arresto e subsequente conversão deste em penhora, na sequência da decisão que decretou aquele arresto.
A referida sociedade foi notificada na morada da sua primeira sede, tendo essa notificação resultado frustrada, uma vez que, segundo informação prestada, a mesma já aí não exercia a actividade há mais de quatro meses, desconhecendo-se a sua nova sede ou quais os seus sócios.
Posteriormente, nenhumas outras diligências, para tentar descobrir o paradeiro ou o dos seus legais representantes, foram encetadas.
Nesta medida, não ficou comprovada nos autos a ausência quer da notificanda, quer dos seus legais representantes, em parte incerta, o que apenas poderia ser demonstrado caso outras diligências, nomeadamente, as previstas no art. 244º do CPC, tivessem sido realizadas.
Tão pouco foi, então, junta qualquer certidão do registo comercial da sociedade ou averiguado, nomeadamente junto do Registo Nacional de Pessoas Colectivas, qual a morada da sua nova sede.
Nenhuma outra diligência foi efectuada entre 1996 e 2003, altura em que a exequente, ora Agravante, invocando a frustração da notificação anterior, veio requerer a citação edital da sociedade mencionada, o que foi deferido.
Ora, a citação a que alude o art. 119º do CRPredial, atendendo quer à sua natureza quer às consequências gravosas de que poderá revestir-se, tem que ser equiparada à citação para qualquer acção efectuada nos termos da lei processual civil (1).
É por via deste acto que é chamado à execução, um terceiro, dando-se-lhe conhecimento de que um prédio cuja aquisição está registada a seu favor é objecto de penhora posterior, sendo certo que, se nada disser, determina a lei que a penhora será convertida em execução.
Ou seja, o silêncio do terceiro, titular inscrito, tem um efeito cominatório sendo equiparado a uma declaração expressa de que já não lhe pertence o prédio em questão.
A intervenção acidental nos termos do art. 119º, CRP proporciona a emissão de declaração que, na perspectiva do interesse fundamental da pessoa cujo património foi atacado por um acto de execução, tem a enorme vantagem de, pelo simples facto de ser produzida, paralisar aquele acto e os que lhe sucederam.
Basta, com efeito, ao titular inscrito fazer uma simples declaração de que o prédio lhe pertence para, sem mais diligências, o juiz ter de suspender a execução quanto àquele bem e remeter os interessados para os meios processuais comuns (cfr. art. 119º, citado, e seu nº. 4). Este art. 119º visa assegurar o princípio fundamental do trato sucessivo, definido e regulamentado nos art. 34º e 35º, CRP.
Se o titular inscrito se não opõe, ou, o que é mesmo, nada diz, o registo da penhora, de meramente provisório, passa a definitivo e a venda judicial pode ser feita com legitimidade. A penhora passará a ser oponível àquele titular inscrito, precisamente porque, expressa ou tacitamente, a ela se não opôs.
Assim sendo, tratando-se de uma verdadeira citação, aplicam-se aqui as regras que regulam a citação no Código de Processo Civil, exigindo-se, nomeadamente, para aplicação do n.° 2° do art. 119° do CRPredial, a comprovação, através das diligências previstas no art. 244° desse Código, da ausência do citando.

2.1. Ora, a citação edital tem lugar quando o citando se encontre ausente em parte incerta ou quando sejam incertas as pessoas a citar (artº. 233º/6).
No caso em apreço está em causa a citação do titular inscrito, que veio a operar-se por via edital, depois de tentada, sem êxito, a sua citação pessoal.
A titular inscrita alegou em 1ª instância, não ter havido diligências prévias à sua citação edital, designadamente, a junção da certidão de certidão de registo comercial da sociedade, para obter informação sobre a sua sede junto de quaisquer entidades oficiais.
E o tribunal a quo, com base nisso, concluiu pela procedência da arguição da falta de citação, por inobservância das formalidades prescritas no artigo 244º do CPC.
De facto, entre a junção da certidão negativa e o requerimento da Exequente, mediaram cerca de 6 anos, sendo certo, lamentavelmente, que nenhuma diligência foi efectuada. Durante esse tempo, nem a secção de processos procedeu qualquer diligência, nem as partes requereram o que quer que fosse e apenas em 2003, a requerimento da Exequente, foi ordenada a citação edital da titular inscrita.
No entanto, a citação edital é um sucedâneo da citação pessoal, a que só deve recorrer-se quando esta não for possível.
Bem se entende, que a lei processual tenha restringido a citação edital a casos contados - ela só deve ter lugar quando o citando se encontre ausente em parte incerta ou quando sejam incertas as pessoas a citar - casos em que é manifesta a impossibilidade de fazer valer a citação pessoal. E também não surpreende que o uso indevido - fora dos casos acabados de indicar - da citação edital, mesmo que nesta tenham sido observadas todas as formalidades de que a lei do processo a reveste, seja configurado como verdadeira falta de citação, e assim equiparado à completa omissão do acto.
Só depois de esgotadas as possibilidades de operar a citação pessoal - tendo por referência os procedimentos vazados na lei processual para a conseguir - e de se concluir ser impossível a (sua) realização, por o citando estar ausente em parte incerta (art. 244º/1) é que se deverá avançar para as diligências tendentes à efectivação da citação por via edital, devendo a secretaria diligenciar, junto de quaisquer entidades ou serviços, por informação sobre o último paradeiro ou residência conhecida do citando.

2.2. No caso em apreço, tendo sido ordenada a citação da titular inscrita, ora Recorrida, frustrou-se a citação pessoal.
Tendo tomado conhecimento da certidão negativa, a Exequente requereu a citação edital, o que veio, sem mais, a ser deferido pelo Exmo. Juiz.
O recurso a essa forma de citação foi, face ao que acima deixámos referido, prematuro, pois que, não tendo sido feita qualquer diligência, não podia haver a certeza de que a citanda se encontrava ausente em parte incerta, e só essa certeza permitiria lançar mão da citação edital. E, de facto, se isso tivesse sido feito, certamente se teria constatado a alteração da sede da sociedade.
E nem se diga, como a Agravante, que o momento para aferir da ausência do citando, para aplicação do nº 2 do art. 119º do CRPredial, é do registo provisório do ónus. Na verdade, o momento a que deve atender-se tem de ser aquele em que é tentada a citação, sob pena de impedir-se que, tendo havido alteração de morada ou sede do titular inscrito, desde a data do registo provisório do ónus, a sua citação seja sempre edital, com prejuízo das suas garantias de defesa.

Estabelece o art. 195º do CPC que há falta de citação, além do mais, quando se tenha empregado indevidamente a citação edital - al. c).
Com o início de vigência do Dec. lei nº. 183/2000, de 10 de Agosto, que alterou o Código, passou a constar do art. 233º, nº. 6, que "a citação edital tem lugar quando o citando se encontre em parte incerta, nos termos dos arts. 244º e 248º ...", enquanto o art. 244º, nº. 1, prescreve, ex novo, que "o citando considera-se em parte incerta se se frustrar a citação por via postal e a secretaria obtiver informação de que nas bases de dados dos serviços de identificação civil, da segurança social, da Direcção-Geral dos Impostos e da Direcção-Geral de Viação não existe nenhum registo da residência, local de trabalho, sede ou local onde funciona normalmente a administração do citando, caso em que se procederá à citação edital".
Além disso o referido Dec. lei nº. 183/2000, dispôs ainda quanto à aplicação temporal das alterações a que procede, determinando o respectivo art. 7º que "o regime estabelecido no presente diploma é imediatamente aplicável aos processos pendentes em que a citação do réu ou de terceiros ainda não tenha sido efectuada ou ordenada" (nº. 3), acrescentando que "a lei nova não prejudica as diligências em curso para realização de determinada modalidade de citação, sendo imediatamente aplicável se essa tentativa se frustrar" (nº. 4).
In casu, foi tentada a citação da titular inscrita em 1996, gorando-se a diligência e só em 2003, por impulso da Exequente, foi ordenada a citação edital, quando estava já em vigor a nova redacção dos arts. 233º, nº. 6 e 244º, nº. 1 (Dec. lei nº. 183/2000).
Ora, como se infere da conjugação dos dois preceitos, a citação edital só poderia ter sido ordenada depois de verificada a sua ausência em parte incerta, que só ocorre depois de a secretaria proceder a diligências em conformidade.
Não podia, portanto a citanda ser considerada como ausente em parte incerta, pelo que não estão preenchidos os requisitos que o art. 233º, nº. 6, exige para que se proceda à citação edital.
Assim, recorreu-se à citação edital numa situação em que tal não era ainda possível, pelo que é de concluir, tal como a decisão recorrida, que se empregou indevidamente essa modalidade de citação.

Como refere Alberto dos Reis (2), para a arguição da falta de citação não há prazo; enquanto o citando se mantiver em situação de revelia. Enquanto se mantiver alheio ao processo, está sempre a tempo de arguir a falta da sua citação. Seja como for, em qualquer processo onde haja citação, cabe ao juiz o poder-dever de controlar a sua regularidade mesmo que só pela arguição do interessado na sua repetição, venha a tomar conhecimento de irregularidades (3).
A nulidade advinda da falta de citação do titular inscrito implica a anulação dos termos subsequentes que dela dependam absolutamente (art. 201º, nº. 2), o que no caso em apreço se traduz na necessária anulação de todos os actos posteriores, impondo, como determinado, que a citação seja repetida com observância das formalidades legais exigidas.
Em consequência, fica prejudicado o conhecimento das demais questões (argumentos) suscitadas no agravo.

IV – DECISÃO
Termos em que se acorda em negar provimento ao agravo, mantendo-se a decisão recorrida.
Custas pela Agravante.
Lisboa, 19 de Janeiro de 2006.
(Fátima Galante)
(Ferreira Lopes)
(Manuel Gonçalves)
_______________________
1“I - A citação do titular inscrito de bens penhorados, prevista no artigo 119 CRP, está sujeita às disposições gerais do processo civil sobre citações. II - Assim, deve indicar-se ao citado, sob pena de nulidade da citação, a cominação, prevista no n. 3 do citado artigo 119, em que incorre se não fizer nenhuma declaração (CPC artigos 198, n. 1, e 235 nº 2)” – Ac. do STJ de 07-07-99 (relator Martins da Costa).
2 Comentário, vol. 2º, pág. 446/447 e Anot., I, 3ª ed. pág. 313; vide também J. Rorigues de Bastos, Notas ao Cód. Proc. Civil, 2ª ed., vol. I, pág. 397/398.
3 Ac. RP de .2.1999, (relator Fonseca Ramos).