Acórdão do Tribunal da Relação de Lisboa
Processo:
3639/2007-6
Relator: GRANJA DA FONSECA
Descritores: RESPONSABILIDADE CIVIL DO COMITENTE
RESPONSABILIDADE CIVIL DO COMISSÁRIO
COMPENSAÇÃO DE DÍVIDA
Nº do Documento: RL
Data do Acordão: 06/28/2007
Votação: UNANIMIDADE
Texto Integral: S
Meio Processual: APELAÇÃO
Decisão: CONFIRMADA A DECISÃO
Sumário: 1 – A responsabilidade objectiva só existe nas relações do comitente com o comissário, mas não quanto aos actos praticados por este. Aquele é responsável mesmo que não tenha culpa, mas só é responsável se o comissário, em princípio, tiver culpa. É preciso que sobre este recaia a obrigação de indemnizar.
2 – O comitente poderá, no entanto, responder independentemente de culpa do comissário, se tiver procedido com culpa. Neste caso, já não haverá responsabilidade objectiva, mas responsabilidade por factos ilícitos, baseada na conduta culposa do comitente.
3 – Tendo-se apenas provado que, por força do vento, um dos reclamos luminosos se partiu e o outro ficou torcido, e que a solicitação da ré/reconvinte, a autora/reconvinda enviou alguns seus funcionários para tentarem desmontar o reclamo que ficou torcido, com vista à sua eventual recuperação e remontagem, os quais acabaram por inutilizar completamente o reclamo que se encontrava torcido, temos que, perante tal situação, apenas se poderia colocar a possibilidade de existência de responsabilidade civil da autora, em função dos seus funcionários terem inutilizado o reclamo que ficou torcido por acção do vento quando o tentavam desmontar com vista à sua eventual reparação, se tivesse sido dado como assente a existência de um dano provocado de forma culposa, o que no caso concreto se não demonstrou.
(G.F.)
Decisão Texto Integral: Acordam no Tribunal da Relação de Lisboa:
1.
[P. P. Lda ] peticiona a condenação da ré [T M L.], a pagar-lhe a quantia de 874.055$00, acrescida dos juros vincendos à taxa legal sobre 836.550$00, até integral pagamento, pois que, no âmbito da sua actividade de produção e comercialização de produtos publicitários, forneceu à ré diversos materiais e serviços, no valor total de 836.550$00, discriminados em duas facturas, que esta não pagou, apesar de a tal ter sido instada.

A ré confessou os factos articulados pela autora e deduziu pedido reconvencional, peticionando que seja operada a compensação do crédito da autora com um crédito que sobre ela dispõe no valor de 1.540.000$00 e a condenação da autora a pagar-lhe o remanescente, alegando que, em 1 de Julho de 1999, a autora já lhe havia fornecido e montado dois reclamos luminosos na loja sita em vila Amélia, o que importou para a ré um custo de 1.872.000$00, tendo a autora montado esses dois reclamos luminosos de forma deficiente, pelo que em finais de Outubro de 2000, os mesmos dois reclamos, por força do vento que se fez sentir, ficaram torcidos, e, quando os colaboradores da autora, em Novembro de 2000, foram, desmontá-los, com vista à sua remontagem em condições de segurança, acabaram por inutilizar completamente um deles, o qual havia custado 800.000$00, acrescido de IVA (136.000$00), e cuja substituição foi orçamentada em 1.540.000$00.

Ao pedido reconvencional respondeu a autora, excepcionando a caducidade do direito da ré por não ter procedido à denúncia dos defeitos da obra no prazo de 30 dias a contar do seu descobrimento nos termos do artigo 1220º, n.º 1, do Código Civil e por não ter sido exercido no prazo de um ano após a entrega da obra, nos termos do artigo 1224º, n.º 1, do mesmo código e impugnou os factos alegados pela ré.

Foi saneado e condensado o processo.

Procedeu-se à audiência de discussão e julgamento, tendo sido proferida decisão sobre a matéria de facto e, em seguida, a sentença, tendo a acção sido julgada procedente e, em consequência foi a ré condenada a pagar à autora a quantia de € 3.034,69 (três mil e trinta e quatro euros e sessenta e nove cêntimos) acrescida de juros vencidos e vincendos desde 14/01/2001 à taxa supletiva de juros moratórios de que sejam titulares empresas comerciais singulares ou colectivas, definida nos termos das disposições conjugadas dos artigos 559° do Código Civil e 102º do Código Comercial, e das Portarias n. os 262/99, de 12 de Abril, e 597/05, de 19 de Julho;

Foi ainda condenada a ré a pagar à autora a quantia de € 1.138,01 (mil cento e trinta e oito euros e um cêntimo) acrescida de juros vencidos e vincendos desde 17/11/2000 à taxa supletiva de juros moratórios de que sejam titulares empresas comerciais singulares ou colectivas, definida nos termos das disposições conjugadas dos artigos 559° do Código Civil e 102º do Código Comercial, e das Portarias n. os 262/99, de 12 de Abril, e 597/05, de 19 de Julho;

A reconvenção foi julgada improcedente, tendo a autora/reconvinda sido absolvida do pedido reconvencional.

Inconformada, recorreu a ré/reconvinte, formulando as seguintes conclusões:
1ª – O Tribunal a quo quando julgou a matéria de facto e respondeu ao quesito 3º, sendo que existia prova nos autos para responder a esse quesito de forma diferente, bem como quando respondeu aos quesitos 5º e 6º, dado que existia nos autos prova mais do que suficiente para responder afirmativamente a esses quesitos, pelo que se pretende com o presente recurso impugnar a matéria de facto nos termos do disposto no artigo 690º-A do CPC.
2ª – Com efeito, no que concerne ao quesito 3º, resulta do depoimento das testemunhas arroladas pela Apelada e pela Apelante, com depoimentos gravados nas cassetes 1, 2 e 3, lado A e lado B, que a solicitação da Ré/Reconvinte, ainda em Dezembro de 2000, a Autora/reconvinda enviou alguns dos seus funcionários para tentarem desmontar o mesmo reclamo que ficou torcido, com vista à sua recuperação e remontagem.
3ª – Assim, com os meios de prova citados, ficou suficientemente demonstrado que (i) a Apelada encarregou funcionários seus de desmontar o reclamo torcido pelo vento e proceder à sua recuperação e montagem; (ii) Tais funcionários actuaram no exercício das suas funções; (iii) Na tentativa de recuperarem o reclamo, os funcionários em questão, ao invés de desmontarem o mesmo peça a peça, ataram uma corda a uma viatura e puxaram o reclamo, de forma totalmente descuidada, causando a queda do mesmo no solo; (iv) Como consequência directa e necessária da queda, o reclamo ficou totalmente inutilizado.
4ª – Por assim ser, discorda-se do Tribunal a quo, quando entendeu que a ora Apelante não cumpriu o ónus da prova que lhe competia, uma vez que ficou suficientemente provado que os funcionários da Apelada actuaram de forma negligente, causando a inutilização do reclamo da Apelante, cujo valor ascende a € 4.668,75.
5ª – Na verdade, do depoimento da testemunha [Joaquim e Carlos] resulta claramente que o reclamo era recuperável, tendo sido os funcionários da Apelada que, ao invés de desmontarem o reclamo peça a peça de forma a procederem à sua reparação, utilizaram cordas agarradas a uma viatura de forma a endireitar o mesmo, acabando por provocar a sua queda e consequentemente a sua destruição total.
6ª – O que leva necessariamente a concluir que funcionários da Apelada agiram negligentemente no exercício das suas funções, por conta e risco daquela, sendo por conseguinte a Apelada responsável pelos danos causados à Apelada, no montante de € 4.668,75, nos termos do disposto no artigo 500º do Código Civil.
7ª – Assim, tendo presente a existência recíproca de créditos entre a Apelante e a Apelada, temos que deverá operar na hipótese sub judice a compensação de créditos, nos termos do disposto nos artigos 847º e 848º do CC, extinguindo-se desta forma o crédito da Apelada, devendo por conseguinte a Apelante ser absolvida do pedido deduzido e a Apelada condenada no pagamento do remanescente àquela.
8ª – No que concerne aos quesitos 5º e 6º, da análise do depoimento das testemunhas [Joaquim e Custódia] resulta claro que a Apelada, na pessoa do seu legal representante reconheceu que não tinha possibilidades de proceder à substituição do reclamo e assumiu a responsabilidade pelo valor do reclamo inutilizado, pelo que tais quesitos deveriam ter sido respondidos afirmativamente.
9ª – Sendo certo que a inexistência de qualquer documento escrito que comprove a referida assunção de responsabilidade /acordo não pode ser entendida, como o Tribunal a quo entendeu, no sentido de não ter sido feita prova de tal facto, na medida em que vigora no direito português o princípio da liberdade de forma, de acordo com o qual a validade da declaração negocial não depende da observância de forma especial, salvo quando a lei exigir, não sendo este o caso do acordo celebrado entre Apelada e Apelante, podendo por conseguinte ser feita prova do mesmo, através de prova testemunhal (artigo 393º CC a contrario), o que sucedeu na hipótese sub judice.
10ª – Assim, considerando-se provados os quesitos 5º e 6º, verifica-se uma assunção de responsabilidades por parte da Apelada, a qual implica necessariamente a procedência do pedido do Apelante, isto é, a compensação do seu crédito (valor do reclamo danificado € 4.668,75) com o crédito da Apelada (€ 4.172,70) e a continuação desta no pagamento do remanescente cujo montante ascende a € 496,05.
11ª – Pelo que, ao condenar a Apelante e ao julgar improcedente o seu pedido reconvencional, o Exc. mo Juiz a quo violou os artigos 219º, 393º, 487º, 500º, 562º, 563º, 847º e 848º do CC.

A Apelada contra – alegou, defendendo a bondade da decisão recorrida.
2.
Na 1ª instância consideraram-se provados os seguintes factos:
1º - A autora é uma empresa que exerce a actividade de produção e comercialização de produtos publicitários (alínea A).
2º - No exercício da sua actividade, a autora, em 14/11/2000, produziu e entregou à ré duas decorações publicitárias para "outdoors" com 8m x 3m, executadas em impressão digital sobre tela em trevira, assim como forneceu estruturas para montagens de "outdoors", no valor global de € 3.034,69 (608.400$00), incluindo IVA (alínea B).
3º - No exercício da sua actividade, a autora, em 17/11/2000, procedeu à redecoração e montagem de duas faixas publicitárias, com as dimensões de 25m x 2m e redecoração de duas faixas publicitárias, com as dimensões de 800cm x 100cm e 700cm x 100cm, no valor global de € 1.138,01 (228.150$00), incluindo IVA (alínea C).
4º - Como consequência directa e necessária dos fornecimentos de materiais e prestação de serviços aludidos em 2) e 3), a autora emitiu à ré, respectivamente, a factura n.º 659, em 14/11/2000, no valor de 608.400$00, com vencimento em 14/01/2001, e a factura n.º 660, em 17/11/2000, no valor de 228.150$00, com vencimento em 17/11/2000 (alínea D).
5º - A ré, não obstante instada pela autora para o efeito, mediante contactos pessoais, telefónicos e por carta, não procedeu até à presente data ao pagamento dos montantes constantes nas aludidas facturas (alínea E).
6º - Em 01/07/1999, a autora forneceu e montou à ré/reconvinte dois reclamos luminosos na Loja da Vila Amélia, no valor unitário de € 3.990,38 (800.000$00), acrescido de € 678,37 (136.000$00), a título de IVA, ou seja, no valor global de € 9.337,50 (1.872.000$00), valor este que pagou à autora, conforme resulta da factura n.º 2256, de fls. 17 e 18, cujo teor se dá por reproduzido (alínea F).
7º - Em resposta à carta remetida pela autora/reconvinda, datada de 27/04/2001, solicitando à ré/reconvinte a liquidação, no prazo de 8 dias, das facturas aludidas em 4), a ré/reconvinte enviou à autora/reconvinda, a carta de fls. 19, datada de 07/05/2001, cujo teor se dá integralmente por reproduzido e na qual reclamou a existência de danos nos reclamos aludidos em 6) (alínea G e resposta ao quesito 9°).
8º - A esta carta a autora/reconvinda respondeu à ré/reconvinte com a carta de fls. 36 e 37, cujo teor se dá integralmente por reproduzido (alínea H).
9º - Em Dezembro de 2000, por força do vento, um dos reclamos luminosos partiu-se e o outro ficou torcido (resposta ao quesito 2°).
10º - A solicitação da ré/reconvinte, ainda em Dezembro de 2000, a autora/reconvinda enviou alguns seus funcionários para tentarem desmontar o mesmo reclamo que ficou torcido, com vista à sua eventual recuperação e remontagem (resposta ao quesito 3°).
11º - Tais funcionários acabaram por inutilizar completamente o reclamo que se encontrava torcido (resposta ao quesito 4°).
12º - Até à presente data a autora/reconvinda não pagou à ré/reconvinte o valor respeitante ao reclamo que acabou por ficar inutilizado (resposta ao quesito 7°).
13º - A ré/reconvinte procedeu à substituição do aludido reclamo (resposta ao quesito 8°).
3.
O âmbito do recurso determina-se pelas conclusões da recorrente (artigos 684º, n.º 3, 690º, n.º 1 CPC), só abrangendo as questões que nelas se contêm, ainda que outras tenham sido afloradas nas alegações propriamente ditas, salvo tratando de questões que o Tribunal deva conhecer oficiosamente (artigo 660º, n.º 2, ex vi do artigo 713º, n.º 1 CPC).

Sendo assim, colocam-se à apreciação deste tribunal as seguintes questões:
1ª – Reapreciação da matéria de facto: respostas dadas aos quesitos 3º, 5º e 6º;
2ª – Se, em face da alteração da resposta dada ao quesito 3º, se pode concluir pela actuação negligente dos funcionários da Apelada no exercício das suas funções, por conta e risco daquela, sendo por conseguinte a Apelada responsável pelos danos causados à Apelante, no montante de € 4.668,75, nos termos do disposto no artigo 500º do Código Civil.
3ª – E se, alterada a resposta aos quesitos 5º e 6º, se pode concluir pela existência recíproca de créditos entre a Apelante e a Apelada e se, operando a compensação de créditos, nos termos do disposto nos artigos 847º e 848º do CC, se extinguiu desta forma o crédito da Apelada, devendo por conseguinte a Apelante ser absolvida do pedido deduzido e a Apelada condenada no pagamento do remanescente àquela.
8ª – E se, face à resposta a dar a esses quesitos, se verifica uma assunção de responsabilidades por parte da Apelada, que, a existir, implicaria necessariamente a procedência do pedido do Apelante, isto é, a compensação do seu crédito (valor do reclamo danificado € 4.668,75) com o crédito da Apelada (€ 4.172,70) e a condenação desta no pagamento do remanescente cujo montante ascende a € 496,05.
4.
A ré aceita que, no ano 2000, celebrou com a autora contratos mediante os quais esta se obrigou perante a ré a realizar uma obra (decorações publicitárias para "outdoors e faixas publicitárias) mediante o pagamento do preço acordado.
Trata-se de um contrato de empreitada, tal como se encontra definido no artigo 1207º CC, tendo-se a autora obrigado a realizar certa obra e a ré, como dona da obra, a pagar o preço convencionado.

Resultou, de facto, provado que a autora produziu e entregou à ré duas decorações publicitárias para "outdoors" com 8m x 3m, executadas em impressão digital sobre tela em trevira, assim como forneceu estruturas para montagens de "outdoors", no valor global de € 3.034,69, incluindo IVA e procedeu à redecoração de faixas publicitárias no valor global de € 1.138,01 incluindo IVA e que até ao momento a ré não pagou, estando em dívida as quantias referidas.
Assim, a situação em apreço enquadra-se num caso de incumprimento contratual Com efeito, atento o preceituado nos artigos 798° e 799°, n.º 1, ambos do Código Civil, "o devedor que falta culposamente ao cumprimento da obrigação torna-se responsável pelo prejuízo que causa ao devedor; incumbe ao devedor provar que a falta de cumprimento não procede de culpa sua".
A ré não pagou até ao momento o preço que tinha acordado, faltando portanto ao cumprimento da sua obrigação, assim como não veio ilidir a presunção legal de culpa, pelo que ter-se-á que concluir por um incumprimento culposo.

Assim, não restam dúvidas de que a autora tem direito ao pagamento do preço.

Nos termos do artigo 406° do Código Civil, "os contratos devem ser pontualmente cumpridos".

No caso concreto a obrigação tinha prazo certo já que a factura n.º 659, emitida em 14/11/2000, no valor de 608.400$00, vencia em 14/01/2001, e a factura n.º 690, emitida em 17/11/2000, no valor de 228.150$00, vencia em 17/11/2000.
A simples mora constitui o devedor na obrigação a reparar os danos causados ao credor (art. 804°, nº 1 do Código Civil).
Na obrigação pecuniária, a indemnização corresponde aos juros a contar do dia da constituição em mora, nos termos do artigo 806°, nº 1, do referido diploma legal.

Desta forma, à quantia em dívida, acrescem os juros vencidos e vincendos sobre o capital em dívida desde a data de vencimento de cada uma das facturas à taxa supletiva de juros moratórios de que sejam titulares empresas comerciais singulares ou colectivas, definida nos termos das disposições conjugadas dos artigos 559° do Código Civil e 102º do Código Comercial, e das Portarias n. os 262/99, de 12 de Abril, e 597/05, de 19 de Julho.
5.
Mas se a ré afinal reconhece que a autora executou a obra e foi ela que não satisfez o pagamento, por que não cumpriu, enquanto dona da obra?

Por uma razão simples.
Pretende a ré a compensação do crédito da autora por conta de um crédito no valor de 936.000.000$00 e a condenação da autora a pagar-lhe o remanescente. Tal crédito corresponderia ao valor que teve de suportar com a substituição de um reclamo luminoso que havia custado 800.000$00, acrescido de IVA (136.000$00) e que a autora, em seu entender, teria montado de forma deficiente, sendo que, em finais de Outubro de 2000, por força do vento que se fez sentir, ficou torcido, e quando os colaboradores da autora, em Novembro de 2000, foram desmontá-lo, com vista à sua remontagem em condições de segurança, acabaram por inutilizar completamente.
Como através dos factos provados, não conseguiu demonstrar que tenha havido instalação defeituosa, ficava prejudicada a questão da aplicação das normas constantes dos artigos 1218° e seguintes do Código Civil relativamente à denúncia e eliminação de defeitos da obra e inerentes prazos de caducidade, que havia suscitado.
Mas impunha-se ainda à recorrente responsabilizar a apelada pelos prejuízos sofridos, pela destruição do reclamo e que tal destruição pudesse ser imputada à negligência dos funcionários da ré.
Daí o quesito 3º e a importância duma resposta positiva a tal quesito, sob pena de se desmoronar a tese da responsabilidade da Apelada.

Na verdade, dispõe o artigo 483º do CC que “aquele que com dolo ou mera culpa, violar ilicitamente o direito de outrem ou qualquer disposição legal destinada a proteger interesses alheios, fica obrigado a indemnizar o lesado pelos danos resultantes da violação”.
Segundo o n.º 2 do preceito, “só existe obrigação de indemnizar independentemente de culpa nos casos específicos na lei”, sendo um destes casos o previsto no artigo 500º CC, a respeito da responsabilidade do comitente.

A responsabilidade objectiva só existe nas relações do comitente com o comissário, mas não quanto aos actos praticados por este. Aquele é responsável mesmo que não tenha culpa, mas só é responsável se o comissário, em princípio, tiver culpa. É preciso que sobre este recaia a obrigação de indemnizar, como diz o n.º 1 do artigo 500º.
A objectividade da responsabilidade lançada sobre o comitente traduz-se, praticamente, em ela não depender de qualquer culpa (dolo ou negligência) na escolha do comissário, nas instruções que a este tenham sido dadas ou na fiscalização do exercício da comissão.
O comitente poderá, no entanto, responder independentemente de culpa do comissário, se tiver procedido com culpa (culpa in eligendo, in instruendo, in vigilando, etc). Nesse caso, já não haverá responsabilidade objectiva, mas responsabilidade por factos ilícitos, baseada na conduta culposa do comitente(1).

Segundo os referidos preceitos, são, fundamentalmente, três os pressupostos que permitem aferir a responsabilidade do comitente:
a) - Vínculo entre o comitente e o comissário (liberdade de escolha e relação de subordinação);
b) – Prática do facto danoso no exercício das funções do comissário;
c) – Responsabilidade do comissário.

Desde logo, para que resultasse a responsabilidade da Autora, exigível seria a verificação dos três pressupostos referidos.
Exigia-se, portanto, que a Apelada tivesse encarregado alguns dos seus funcionários de desmontar o reclamo existente no telhado da Teljorge que ficou torcido por força do vento, com vista à sua recuperação e remontagem.
Exigia-se igualmente que tais funcionários tivessem agido por conta e no exercício das funções confiadas pela Apelada e que tivessem actuado de forma descuidada, quando puxaram o reclamo que estava torcido em cima do telhado da loja com uma corda atada a um veículo, causando a sua queda no solo e como consequência directa e necessária dessa queda a inutilização total do reclamo.

O certo é que, tendo-se apenas provado que, em Dezembro de 2000, por força do vento, um dos reclamos luminosos se partiu e o outro ficou torcido, e que, a solicitação da ré/reconvinte, ainda em Dezembro de 2000, a autora/reconvinda enviou alguns seus funcionários para tentarem desmontar o mesmo reclamo que ficou torcido, com vista à sua eventual recuperação e remontagem os quais acabaram por inutilizar completamente o reclamo que se encontrava torcido, temos que, perante tal situação, apenas se poderia colocar a possibilidade de existência de responsabilidade civil da autora em função dos seus funcionários terem inutilizado o reclamo que ficou torcido por acção do vento quando o tentavam desmontar com vista à sua eventual reparação, se tivesse sido dado como assente a existência de um dano provocado de forma culposa, o que no caso concreto não se pode inferir uma vez que, ao dar-se como assente que os funcionários da autora acabaram por inutilizar o reclamo que ficou torcido na tentativa de o recuperar, não se esclarece se, atento o estado em que o mesmo se encontrava, podia o mesmo ser desmontado e recuperado ou em que medida os funcionários negligenciaram a sua conduta. Ou seja, não se provou a existência de culpa por parte da autora.
Não existindo no caso concreto nenhuma disposição que consagre uma presunção legal de culpa, era à ré que incumbia provar a culpa da autora (artigo 487°, n.o 1, do Código Civil), o que não fez.

Compreende-se, pois, a pretensão da ré em ver alterada a resposta ao quesito 3º.
Perguntava-se, nesse quesito, se “a solicitação da Ré/Reconvinte, em Novembro de 2000, a Autora/Reconvinda enviou alguns seus funcionários tentar desmontar os mesmos reclamos, com vista à sua remontagem em condições de segurança”.

Neste momento, a Ré aceita a resposta dada aos quesitos 1º e 2º, ou seja, aceita não ter provado que na montagem dos dois reclamos (em forma de L), aludidos nos factos assentes na alínea F), colocados no telhado da loja da Ré, um voltado para a BP e o outro para a Quinta do Conde, tenham sido utilizados suportes demasiado frágeis, tal como aceita que, em Dezembro de 2000, por força do vento, um dos reclamos luminosos se partiu e caiu ao solo, enquanto o outro ficou torcido, mas ainda preso a uma parede do telhado, se bem que em perigo de cair e partir as telhas de lusalite do telhado da loja.

Defende, porém, a Ré que, apesar do reclamo ter ficado torcido, na sequência da intempérie, era reparável, tendo sido com essa intenção que os funcionários da Autora/Reconvinda se deslocaram às instalações da Ré /Reconvinte, no entanto, foi a imperícia dos mesmos que levou a que a parede a que o reclamo se encontrava preso caísse e consequentemente causou a queda daquele no chão, na sequência do uso indevido de umas cordas atadas a uma camioneta.
Não aceita, por isso, a ré que o Tribunal a quo tivesse respondido apenas que “a solicitação da Ré/Reconvinte, ainda em Dezembro de 2000, a Autora/Reconvinda enviou alguns seus funcionários para tentarem desmontar o mesmo reclamo, com vista à sua eventual recuperação e remontagem”.
Mas sem razão. Independentemente do cuidado posto pela Exc. ma Juiz no interrogatório das testemunhas, esclarecendo todas as questões que poderiam ficar porventura menos esclarecidas, não fora a sua argúcia e empenho, há de facto certos dados da experiência comum que importa realçar.

De facto, é do conhecimento comum, salvo raras excepções, que nenhum técnico seja qual for a sua área pode garantir a reparação ou recuperação de determinado objecto/bem, sem ter um contacto visual com o mesmo e averiguar a sua extensão.
Por isso, só quando os funcionários da Autora se encontrassem no telhado da loja, é que poderiam averiguar os estragos efectivos do reclamo, e só então poderiam concluir se os danos detectados eram ou não susceptíveis de reparação.

É também sabido que, embora um determinado objecto possa teoricamente ser reparável, os danos apresentados podem não aconselhar a reparação, dado o estado de degradação que possam apresentar.

Também não podemos esquecer que as condições de trabalho em cima do telhado, tal como nos foi referido pelas testemunhas, constituíam um verdadeiro perigo para os funcionários da autora, dada a força do vento, pelo que tinham de caminhar não só nos pontos de encontro das telhas mas atentos a toda a deslocação das correntes de ar, estando ainda cientes que importava quanto antes segurar o reclamo para evitar que, arrancado pelo vento, pudesse vir a destruir o telhado. Aliás, nenhuma testemunha nos diz que actuação dos técnicos da Autora não tenha sido a mais adequada, naquelas circunstâncias.

É certo que as testemunhas que, com conhecimento de causa, depuseram sobre este quesito, foram unânimes em referir que o reclamo tinha ficado torcido em cima do telhado da loja e viria a ficar todo partido quando caiu ao chão. Ficou também demonstrado que os funcionários da Autora, a dada altura, puxaram o reclamo, que estava torcido e em cima do telhado da loja, com uma corda atada a um veículo e que, ao cair no solo, acabou por ficar completamente inutilizado.
Mas poderiam ter feito de modo diferente?

Os depoimentos das testemunhas da Ré que estavam cá em baixo puderam certamente constatar as condições climatéricas e que, quando foi atada a corda ao reclamo e à camioneta, para que ele ficasse mais seguro, não era previsível que a parede desse de si.

Nestas condições, nada nos garante que o reclamo, antes de cair ao solo, ainda seria susceptível de reparação ou se o mesmo já se encontrava de tal modo danificado que a sua reparação seria inviável. Muito menos se refere que outra técnica poderia ser usada naquelas circunstâncias de modo a evitar que o reclamo pudesse ser retirado de forma mais segura, evitando não só o eventual acréscimo dos danos no próprio reclamo, mas também os potenciais danos no telhado, se viesse a cair sobre o mesmo, arrastado pelo vento, sendo certo que as telhas eram de lusalite, o que fazia aumentar o perigo de poder vir a cair no interior da loja.
Não se pode, pois, concluir que a queda do reclamo do telhado tenha sido causa e consequência directa da danificação total do mesmo, nem que tenha havido imperícia por parte dos técnicos da autora.

Nenhuma censura merece, pois, a resposta ao quesito 3º, e, também, por isso, não pode deixar de improceder a tese da Reconvinte, ao pretender imputar à autora a responsabilidade dos prejuízos alegadamente sofridos por si.
6.
Defendia também a Apelante ser igualmente credora da Apelada no montante de € 4.172,70, atenta a alegada existência recíproca de créditos entre ambas, termos em que deveria operar a compensação de créditos.

Neste sentido prescreve o artigo 847º do CC:
1º - Quando duas pessoas sejam reciprocamente credor e devedor, qualquer delas pode livrar-se da sua obrigação por meio da compensação com a obrigação do seu credor, verificados os seguintes requisitos:
a) – Ser o seu crédito exigível judicialmente e não proceder contra ele excepção peremptória ou dilatória, de direito material;
b) – Terem as duas obrigações por objecto coisas fungíveis da mesma espécie e qualidade.
2 – Se as duas dívidas não forem de igual montante, pode dar-se a compensação na parte correspondente.
Nos termos do disposto no n.º 1 do artigo 848º CC, a compensação torna-se efectiva mediante declaração de uma das partes à outra.

A resposta positiva aos quesitos 5º e 6º era relevante para se saber se existia entre as partes uma reciprocidade de créditos, para que a Ré/Reconvinte pudesse fazer operar a compensação.
Perguntava-se em tais quesitos se, “em meados de Janeiro de 2001, um dos sócios gerentes da Autora/Reconvinda reconheceu perante a Ré que, àquela data, a Autora/Reconvinda não tinha possibilidades de proceder à substituição do reclamo”, mas “assumiu o mesmo perante a Ré/Reconvinte a responsabilidade da Autora/Reconvinda pelo valor do reclamo inutilizado”.
Tais factos não ficaram provados. Apenas as testemunhas funcionárias da Ré referem tal acordo, em manifesta dissonância com as testemunhas da Autora, para além de que o eventual acordo não tem qualquer apoio na prova documental junta (Fls. 8, 19, 36-37).

Na verdade, o que a Autora/Apelada fez foi orçamentar um novo reclame para a Ré/Apelante, orçamento este que não tinha qualquer razão de ser se a Autora tivesse assumido a responsabilidade que a Ré pretende fazer crer.

A resposta aos aludidos quesitos só poderia ter sido a que foi dada - não provados – pelo que é de manter a decisão recorrida também no que a esta questão diz respeito, não podendo deixar igualmente de improceder a questão da compensação.
7.
Pelo exposto, na improcedência da apelação, confirma-se a sentença recorrida.
Lisboa, 28 de Junho de 2007.
Manuel F. Granja da Fonseca
Fernando Pereira Rodrigues
Fernanda Isabel Pereira
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1 Antunes Varela, Código Civil Anotado, Volume I, 4ª edição, 507.