Acórdão do Tribunal da Relação de Lisboa
Processo:
10194/2003-9
Relator: FRANCISCO NEVES
Descritores: DEPRECADA
PENHORA
REGISTO PROVISÓRIO
Nº do Documento: RL
Data do Acordão: 02/12/2004
Votação: UNANIMIDADE
Texto Integral: S
Privacidade: 1
Meio Processual: RECURSO PENAL
Decisão: NEGADO PROVIMENTO
Sumário:
Decisão Texto Integral: Acordam em conferência no Tribunal da Relação de Lisboa :

Por Apenso ao Processo do 3º juízo do Tribunal Judicial da comarca de Torres Vedras o Ministério Público instaurou Execução por Custas contra o executado (F), em cumprimento de pena no EP de Alcoentre. Indicou então o MP à penhora dois prédios rústicos ambos situados no concelho e comarca das Caldas da Rainha.
Dado a comarca da execução ser diferente da comarca da situação dos bens, o Tribunal de Torres Vedras deprecou ao Tribunal das Caldas da Rainha a respectiva penhora e notificação. Surgiram depois dúvidas no registo da penhora efectuado provisoriamente.
(...)
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p) 07.7.2003 - Tal promoção mereceu do Mmº Juiz titular do processo (Torres Vedras) o seguinte despacho: « O Digno Exequente alegando que as penhoras dos imóveis penhorados nos autos encontram-se ainda registados provisoriamente por dúvidas, como se alcança de fls. 111, cabendo à comarca de Caldas da Rainha, proceder em conformidade, de modo à conversão em definitivo, promove que se desentranhe e devolva para integral cumprimento, com conhecimento à Ex.ma Procuradora desse Círculo Judicial. Os presentes autos correm sob a forma de processo sumário para cobrança coerciva de pagamento de custas e multas, nos termos dos artigos 116º e 117º do Código das Custas Judiciais, assumindo assim o papel de exequente, enquanto parte processual. Nesta veste, cabe-lhe, como a qualquer outro exequente, diligenciar pela efectivação dos registos das penhoras, junto das entidades competentes e, enquanto órgão de corpo único, deve fazê-lo em qualquer comarca do país onde se situam os bens, mediante os respectivos serviços de apoio, fazendo posteriormente juntar aos autos, através de requerimento, as certidões comprovativas desses registos. Acresce que as cartas precatórias, salvo o devido respeito, são dirigidas ao tribunal da comarca em cuja área jurisdicional, o acto judicial deve ser praticado, como decorre do artigo 177º nº 1 do Cod. Proc. Civil, e não á prática de actos, cuja excecução é da responsabilidade das partes. Nesta conformidade indefiro o requerido. Notifique. Aguardem os autos o que vier a ser requerido, sem prejuízo do disposto no artº 285º do Cod. Proc. Civil. Torres Vedras, ds. ».
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Ora é exactamente deste despacho que o Digno Agente do Ministério Público / Torres Vedras traz o presente recurso, que motivou com a sua discordância, extraindo a final as seguintes conclusões :
1. «O despacho recorrido violou o disposto pelos Artºs 2º nº 1 al. o), 11º, 19º nº 1 do CRPredial.
2. Tal como o regime funcional consagrado pela Lei 60/98, designadamente no artº 64º 1º.
3. E impede o Representante do Estado de dar cumprimento ao preceituado pelo artigo 469º do CPP.
4. Razão pela qual deve ser revogado e substituído por outro que defira a pretensão do Ministério Público constante de fls. 133.
5. E concedido provimento ao recurso».
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O Mmº Juiz a quo declarou manter seu despacho e mandou subir os autos.
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Nesta Relação o Ex.mo Procurador-Geral-Adjunto limitou-se a apor o seu visto. Oficiosamente solicitou-se ao Tribunal e juízo a quo certidão da carta precatória expedida à comarca das Caldas da Rainha (Artº 744º/4 CPC). Junta aos autos, foi dada nova vista ao Ex.mo Procurador-Geral-Adjunto que de novo se limitou a apor o seu visto.
Teve lugar o exame preliminar a que se refere o Artº 417º nº 3 CPP.
Colhidos os vistos legais, cumpre apreciar e decidir.

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2. FUNDAMENTOS

2.1- Objecto do recurso

Atento ao que descrito ficou constitui objecto do presente recurso a questão de saber se a diligência para a conversão do registo provisório em definitivo se deve fazer através de outra remessa da carta precatória (tese do recorrente) ou se através dos serviços de apoio do MP (posição do despacho recorrido).
Da 1ª vez lavrou-se o termo da penhora e da 2ª vez procedeu-se à sua correcção. Agora o MP pretende uma 3ª vez para a conversão do registo.
Para conhecer da questão importa ter presente o que se encontra legalmente estabelecido quanto aos meios de comunicação dos actos. E ainda que o presente processo foi instaurado antes do DL 38/2003 de 8/3 e DL 199/2003 de 10/9.
Situando-se os prédios penhorados no concelho e comarca das Caldas da Rainha claro que é a Conservatória do Registo Predial desta cidade a territorialmente competente para efectuar o registo da penhora (Artº 19º CRP), bem como depois emitir o respectivo certificado de registo e a certidão de encargos, a pedido dos interessados (Artº 41º CRP).
Por sua vez a competência territorial dos Juízes e dos Agentes do Ministério Público está repartida pelos, círculos judiciais e comarcas de conformidade com os respectivos Estatutos. Sendo que o Mmº Juiz e o Digno Agente do MP da comarca de Torres Vedras não têm competência territorial na Comarca das Caldas da Rainha. Sem prejuízo porém, dos actos ou documentos que se devam solicitar directamente a quaisquer autoridades, mesmo para fora da circunscrição territorial, (Artº 9º nº 2 CPP e Artº 176º nº 4 CPC). Já anteriormente assim era (Artº 92º CPP/29 e Artº 176º nº 6 CPC/1985).

2.2 - Duas vias de comunicação dos actos

Do disposto conjugadamente nos Artº 176º/1CPC, Artº 1º/1/b e 111º/3/b CPP resulta que entre um Tribunal deprecante e um Tribunal deprecado existem, além do mais, duas vias paralelas de comunicação dos actos:
· Uma via, através da secretaria judicial, entre o Juiz deprecante (no caso de Torres Vedras) e o Juiz deprecado (no caso Caldas da Rainha), relativamente aos actos da sua competência;
· Outra via, através dos Serviços Privativos, entre o MP deprecante (no caso Torres Vedras) e o MP deprecado (no caso Caldas da Rainha), relativamente aos actos da sua competência.
Frisamos este ponto: cada um relativamente aos actos processuais que cabem na sua competência, (Artº 1º nº 1 b) CPP).

2.3- Actos da penhora

De harmonia com o preceituado no Artº 836º/1/2/3 CPC os actos da penhora de imóveis são estes:
· Despacho a ordenar a penhora.
· Termo de penhora de imóvel
· Notificação do executado.
· Remessa da certidão do termo para efeitos de registo

O despacho a ordenar a penhora é necessário a fim de se aferir da sua legalidade. Foi proferido pelo Mmº Juiz das Caldas em 31/10/2002, aí determinando também a notificação do executado. O termo de penhora foi lavrado pela Secretaria das Caldas em 27.11.2002, abrangendo os dois móveis e com entrega ao depositário. Em 3/12/2002 foi entregue o Termo da penhora ao MP/Caldas para efeitos de registo da penhora. Por fim a notificação ao executado foi efectuada pessoalmente em 19.12.2002 no EP de Alcoentre, (notificação do despacho que a ordenou a penhora, do termo de penhora e do requerimento de nomeação de bens à penhora). .
Realizados todos estes actos carta precatória está integralmente cumprida e pronta a ser devolvido ao tribunal deprecante, onde se procederá de seguida à:
· Notificação das partes da recepção da carta (Artº 188º CPC).
· Remessa oficiosa pela secretaria ao exequente de certidão do termo para efeitos de registo, caso o não tivesse sido no tribunal deprecado.

Uma vez aqui chegados os actos judiciais da penhora estão cumpridos. Restará aguardar pela junção do certificado de registo da penhora e certidão de encargos para os ulteriores termos da execução (Artº 864º CPC).

2.4 - Actos de registo da penhora

O registo da penhora de imóveis constitui uma obrigação do exequente.
Conforme se salienta no no Ac. STJ de 373/64 in BMJ 135/348: «A penhora de imóveis fica efectivada com a notificação ao executado do despacho que a ordena e com o termo lavrado no processo, pelo qual os bens se consideram entregues ao depositário; o registo não é formalidade que entre na efectivação da penhora»..
Daí que, efectuada a penhora « A secretaria oficiosamente extrairá certidão do termo, que remeterá ao exequente, com vista à realização do registo da penhora» (Artº 838º nº 5 CPC).
O registo de penhora não é assim um acto judicial, a incluir nas competências do Juiz, quer no tribunal deprecante, quer no tribunal deprecado, mas antes um acto extra-judicial, um acto de registo, da incumbência do exequente, quer este esteja representado por Advogado, quer pelo Ministério Público.

Estando o exequente representado por Advogado, a secretaria judicial remete-lhe certidão do termo da penhora, cabendo depois a este, querendo, através do seu escritório proceder aos actos de registo, remover eventuais dúvidas, converter o registo provisório em definitivo, recolher o certificado de registo e a certidão de ónus e requerer por fim a sua junção ao processo.

Estando o exequente representado pelo Ministério Público, a secretaria judicial entrega-lhe certidão do termo da penhora, cabendo depois a este, querendo, através dos seus Serviços Privativos, proceder aos actos de registo, remover eventuais dúvidas, converter o registo provisório em definitivo, recolher o certificado de registo e a certidão de ónus e requerer por fim a sua junção ao processo, para os ulteriores termos (Artº 864º CPC).

No caso de serem diferentes as comarcas da execução e da situação dos imóveis um dos meios de comunicação disponível ao exequente MP é o oficio precatório interno, através do qual o MP/deprecante envia/recebe os elementos necessários ao/do MP/deprecado com vista aos indicados fins.
2.5 - Entrega da certidão

Na prática judiciária a certidão a que se refere o Artº 838º nº 5 CPC tanto pode ser remetida ao exequente pelo tribunal deprecado, após a sua lavra, como pelo tribunal deprecante, após a junção da carta, como pode ser pedida verbalmente num lado ou noutro (Artº 174º CPC).
No caso sub judice tal certidão foi entregue ao exequente MP no tribunal deprecado (Caldas). Mas também o podia ter sido no tribunal da execução em Torres Vedras, após a recepção da carta precatória. Serve dizer isto para com assim representar que, na hipótese da sua entrega se ter operado em Torres, sempre a posterior tramitação do registo se teria de efectuar pelos próprios meios do exequente/MP.


2.6- Princípio da cooperação

Refere o Digno Recorrente na sua motivação que a sua promoção «no fundo tem subjacente o mesmo raciocínio havido aquando da primeira devolução e desentranhamento operado». Mas erradamente, visto que aquando da primeira devolução o que estava em causa era um acto judicial a levar a efeito na secretaria do Tribunal: a rectificação do termo de penhora mediante prévio despacho. Enquanto que agora o que está em causa é um acto extra-judicial (um acto de registo a levar a efeito na Conservatória do Registo Predial).
Na prática judiciária no dia a dia dos tribunais situações haverá de facto em que, sob promoção do MP e com a concordância do Juiz deprecado, a carta precatória aguarde algum tempo de modo a que venha a ser devolvida já com o certificado do registo predial e a certidão de encargos.
Mas isso nem sempre se poderá ter como um “direito adquirido”, capaz de fomentar um recurso como na situação sub judice.

Tempos houve em que efectivamente o Artº 162º CCJ preceituava que: «Se a penhora incidir sobre bens imóveis, a deprecada não será devolvida sem o certificado do registo predial e a certidão de encargos»
Mas esta norma foi revogada pelo DL 224/A/96 de 26/11/96, permanecendo hoje porventura como fonte inspiradora a que o mesmo efeito se alcance através do princípio da cooperação consagrado no Artº 266º CPC.
Só que mesmo à luz deste princípio e nas suas várias manifestações não resulta no caso que o mesmo não tenha sido acolhido no tribunal deprecado.
Afinal quando, esgotado de há muito o prazo de cumprimento, o Digno Agente do MP/Caldas promove a devolução da carta, está simultaneamente a remeter o tratamento da questão para as relações internas entre si e o seu Ex.mo Colega de Torres. De modo que vir agora o Digno Agente do MP/Torres com o presente recurso, por fora desse relacionamento, estará porventura a negar essa cooperação.

Por outro lado, não poderá acolher-se, como se pretende, que o Mmº Juiz de Torres depreque ao Mmº Juiz das Caldas que diligencie no sentido da conversão do registo provisório da penhora em definitivo, porquanto tal não se trata de matéria das suas atribuições. Nem sequer ao abrigo da cooperação, porquanto esta, a ser pedida, sê-lo-ia de localmente (Artº 187º/1º CPC).
Assim como descabido seria o Mmº Juiz de Torres deprecar ao Mmº Juiz das Caldas que dê «conhecimento à Sra. Procuradora desse Círculo» do estado da deprecada, visto tratar-se de matéria de natureza interna do MP.


2.7- Apresentação pelo correio

O despacho recorrido não violou nenhuma das apontadas normas. Entregue que foi a certidão do termo a marcha da execução está no campo do exequente, a quem cabe dar o impulso processual que entenda por conveniente. As vias para o registo estão abertas, quer através de ofício precatório ao MP /Caldas, quer directamente pelo correio à Conservatória das Caldas, nos termos dos Artºs 65º CRP, conjugado com o Artº 176º nº 4 CPC.
A documentação existente nos autos está à sua disposição, (Artº 174º CPC).

Quanto ao processo restará aguardar, sem prejuízo das regras próprias da interrupção da instância (Artº 285º CPC). Sendo que também neste ponto bem andou a decisão recorrida.
São tudo termos em que o recurso não merece provimento.

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3. DISPOSITIVO

Termos em que, de conformidade com os fundamentos expostos, acordam os juízes na 9ª Secção Criminal do Tribunal da Relação de Lisboa em negar provimento ao recurso e, consequentemente, confirmar a decisão recorrida.

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Sem tributação.
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Lisboa, 12 de Fevereiro dero 2004.

Francisco Neves
Martins Simão
João Carrola