Acórdão do Tribunal da Relação de Lisboa | |||
Processo: |
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Relator: | ANTÓNIO SANTOS | ||
Descritores: | HABILITAÇÃO DE HERDEIROS RELAÇÃO JURÍDICA RELAÇÃO PROCESSUAL | ||
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Nº do Documento: | RL | ||
Data do Acordão: | 11/02/2010 | ||
Votação: | UNANIMIDADE | ||
Texto Integral: | S | ||
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Meio Processual: | APELAÇÃO | ||
Decisão: | PROCEDENTE | ||
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Sumário: | 1) O incidente da habilitação visa determinar as pessoas que têm legitimidade para ocupar no litigo a posição/lugar do defundo e a chamar essas pessoas ao processo, a fim de com elas continuar a instância: 2) Após a habilitação, operada a modificação subjectiva, no lugar em que estava o falecido passa a estar uma outra, o seu sucessor; 3) Ocupando um requerido de incidente de habilitação o lugar de réu na acção principal , não pode ele, através da habilitação , passar a ocupar o lugar da falecida quando esta era a autora da referida acção principal. (Sumário do Relator) | ||
Decisão Texto Parcial: | ![]() | ||
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Decisão Texto Integral: | Acordam os Juízes na 1ª Secção do Tribunal da Relação de Lisboa * * 1.Relatório. Por apenso a acção especial de divisão de coisa comum que “A” intentou em 12/11/2008 contra “B”, vieram “C” e “D” deduzir incidente de habilitação de herdeiros de “A”, pedindo a habilitação de ambos os requerentes, bem como de “E” e de “F” , para todos serem habilitados nos autos supra referidos em substituição da Autora “A”, porque entretanto falecida em 1/6/2009. Para tanto e em síntese alegaram que “A” faleceu em 01.06.2009, sendo que à data deixou duas filhas, a saber, a “C” e a “E” , ambas casadas e as suas únicas e universais herdeiras, com exclusão de quaisquer outros . Regularmente citada a parte sobreviva (“B”) da acção principal e os restantes sucessores, apenas “B” deduziu oposição à habilitação, alegando, em síntese, ser também ele herdeiro de “A”, pois que, à data do seu falecimento, estavam casados no regime de separação de bens, e , portanto , deveria ele também ser considerado herdeiro da falecida “A” . Seguiu-se depois, e de imediato ( em sede do incidente de habilitação apenas foi produzida prova documental), a decisão final do incidente de habilitação , pois que considerou a Juiz a quo que o estado dos autos e a prova entretanto para o mesmo carreada permitia proferir decisão segura sem necessidade de produção de qualquer outro meio de prova, nos termos do disposto no artigo 374.°, n.º 1 do CPC. . Na referida decisão, considerando-se resultar dos documentos carreados para os autos que à data do seu falecimento ( 1/6/2009 ) tinha ela (a “A” ) duas filhas, a saber, “C” ( nascida a 15/5/1956 ) e “E” ( nascida a 31/05/1968),e estava casada com o requerido/contestante “B”, declarou-se como habilitados para os termos da acção principal e passando a ocupar a posição da falecida, quer a requerente do incidente de habilitação “C”, quer a requerida “E”, quer ainda e finalmente o contestante e a parte sobreviva “B”. Inconformados com a decisão proferida que pôs termo ao incidente de habilitação de herdeiros, na parte em que nela se considerou provado que “A” faleceu em 1/6/2009 no estado de casada com “B”, apelaram então os requerentes “C” e “D”, impetrando a revogação da decisão da primeira instância, no que concerne à matéria de facto assente no respectivo ponto 2, passando a ser dado como factualidade assente que “A” faleceu em 01.06.2009 , sim , mas no estado de viúva. Na respectiva peça recursória formularam os apelantes , em síntese, as seguintes conclusões: - A douta sentença recorrida, ao considerar como provado no ponto dois da factualidade dada como assente que “A” faleceu em 01/06/2009 no estado de casada com “B”, errou na matéria de facto que julgou provada; - É que, considerar, sem mais, que os documentos autênticos, na referida parte (estado civil de “B” e “A”, como estando casados entre si) fazem prova plena uma vez que se trata de um facto «atestado com base nas percepções da entidade documentadora», daí a citação da norma contida no número 1 do artigo 371 ° do Código Civil , é equívoco que importa emendar ; - Na verdade, o documento em causa ( escritura de doação de 24/10/1990, e da qual consta a identificação como segundo outorgante de “A”, casada sob o regime de separação de bens com “B” ) não prova a sinceridade plena dos factos atestados pelo documentador ou a sua validade e eficácia jurídica, dado que isso não pode o documentador aperceber-se. Daí que o documento, provando terem sido feitas ao notário as declarações nele atestadas, não prova plenamente que tais declarações sejam válidas e eficazes, nesse sentido, Vaz Serra, RLJ, 111.°-302; - Acresce que ,consta da escritura junta aos autos por “B” que a notária verificou a identidade dos outorgantes, por conhecimento pessoal e não pela exibição de um qualquer documento que faça constar o seu casamento, transcrito, válido e eficaz perante a ordem jurídica portuguesa. Como tal, o estado de casados entre si pode ter sido, deve ter sido seguramente declarado ao notário, contudo não pode ser garantida a veracidade de tais declarações; - Assim sendo, o documento em questão é falso, nos termos do disposto no número 2 do artigo 372° do Código Civil, falso porque contém como objecto da percepção da autoridade ou oficial público qualquer facto que na realidade não se verificou, desde logo o casamento na ordem jurídica portuguesa de “B” e “A”; - Sendo bem possível que nos seus documentos identificadores conste o estado de casados, contudo não um com o outro, isto porque no ordenamento jurídico português, naquela data, “A” estava casada com “G” e, “B” , com “H”, nos termos de Certidão do registo nº, ... do ano de 1952, da Conservatória do Registo Civil da H... e que com o presente recurso se junta (Doc. 1 artigo 683°-B do Código de Processo Civil e 524°/2 do mesmo Diploma e composto pela certidão de nascimento de “B” e a de casamento do mesmo); - A decisão proferida, em primeira instância quanto à prova do casamento de “B” e de “A”, salvo o devido respeito, é assim ilegal, desde logo porque, face à ordem jurídica portuguesa, “B” não podia estar casado com “A” , por falta de capacidade civil daquele, face a impedimento dirimente absoluto que obsta ao contrato invocado, conforme artigos 1596°, 1600° e 1601º-c) do Código Civil ; - Estando o óbito de “G” aceite por “B”, como resulta da sua posição nos autos e consta de documento emitido em pais estrangeiro cuja autenticidade não foi objecto de quaisquer dúvidas, à data da decisão proferida, “A” é viúva de “G” e não casada com “B”, como deu por provado o Tribunal a quo na decisão objecto do presente recurso; - O ponto 2, segunda parte da factualidade assente, foi assim incorrectamente julgado, pelo que deve dar-se como provado que “A”, faleceu em 01.06.2009, é verdade, mas no estado de viúva , devendo tal situação ser ainda comunicada oficiosamente pelo Tribunal à Conservatória do Registo Civil competente, ao caso a de S..., conforme artigo 78°/1/2 do Código do Registo Civil; - Ao não decidir desta forma quanto ao facto em questão, o Tribunal, na sua douta sentença, violou o disposto nos artigos 371°/1, 372°/1/2, 1596°, 1600° e 1601º-c) do Código Civil e artigos 2°, 3°, 4°,6° e 49°/1 , todos do Código do Registo Civil; Termos em que, deve o presente recurso ser recebido e julgado procedente e, por via disso, ser revogada a decisão da primeira instância, relativa a matéria de facto assente no ponto 2, passando a ser dado como factualidade assente que “A” faleceu em 01.06.2009, no estado de viúva, com o que se fará serena, sã e habitual Justiça. Não houve contra-alegações. Thema decidenduum 1.1. - Colhidos os vistos, cumpre decidir, sendo que , estando o objecto do recurso delimitado pelas conclusões da alegação dos recorrentes (cfr. artºs. 684º nº 3 e 685º-A, nº 1, do Cód. de Proc. Civil ), a questão a apreciar e decidir é tão só a seguinte : - se deve ser alterada a decisão sobre a matéria de facto, na parte respeitante ao respectivo ponto dois. 2.Motivação de Facto. Em sede de sentença pelo tribunal a quo foram considerados provados os seguintes factos: 2.1.- “A” instaurou em 12.11.2008 acção especial de divisão de coisa comum contra “B”. 2.2.- “A” faleceu em 01.06.2009, no estado de casada com “B”. 2.3. - “C” nasceu em dia 15.05.1956 e é filha de “I” e de “A”. 2.4.- “E” nasceu em dia 31.05.1968 e é filha de “I” e de “A”. 2.5.- “G” faleceu em 14.06.1994,em O..., Califórnia, nos EUA. 2.6.- Em 30.12.1972 “C” e “D” celebraram casamento entre si. 2.7.- Em 04.07.1984 “E” e “F” celebraram casamento entre si. * 3.Motivação de direito. 3.1. – Da impugnação da decisão ( respectivo ponto 2 ) sobre a matéria de facto provada: É inquestionável que o legislador consagrou, com as reformas no processo civil desencadeadas a partir de 1995 ( maxime com o DL nº 39/95, de 15/2), um efectivo segundo grau de jurisdição em sede de apreciação da matéria de facto, passando doravante a 2 dª instância a dispor de efectivos e ampliados poderes no que ao julgamento daquela concerne Para o efeito, obrigado está porém o recorrente a observar/cumprir determinadas regras processuais,a que acresce (para que a modificação da matéria de facto seja possível) a necessidade de verificação de determinados pressupostos. Assim (cfr. artº 685-B,nº1, alíneas a) e b),do CPC) e em primeiro lugar, deve o recorrente, obrigatoriamente, especificar quais : a) Os concretos pontos de facto que considera incorrectamente julgados; b) Os concretos meios probatórios, constantes do processo ou de registo de gravação nele realizada, que impunham decisão sobre os pontos da matéria de facto impugnados diversa da recorrida. Depois, exigível é, outrossim, que se constate verificar-se qualquer um dos pressupostos/fundamentos previstos no artº 712º, nº1, alíneas a),b) e c), do CPC, a saber : a) constarem do processo todos os elementos de prova que serviram de base à decisão sobre os pontos da matéria de facto em causa ou se, tendo ocorrido gravação dos depoimentos prestados, tiver sido impugnada, nos termos do artigo 690.º-A, a decisão com base neles proferida; b) resultar dos elementos fornecidos pelo processo, necessariamente, prolação de decisão diversa, insusceptível de ser destruída por quaisquer outras provas; c) Ter o recorrente apresentado documento novo superveniente e que, por si só, seja suficiente para destruir a prova em que a decisão assentou. Tendo presentes tais regras e pressupostos orientadores e exigíveis, para que ao tribunal da Relação seja lícito alterar a decisão do tribunal de 1ª instância sobre a matéria de facto, é tempo, agora, de verificar se os apelantes as cumpriram e , ademais, se os apontados pressupostos previstos no artº 712º, nº1, se verificam. Ora , sob o ponto de vista formal, importa admitir que os apelantes , não apenas cumpriram o que lhes era exigido no que respeita à indicação de quais os concretos pontos de facto que consideram incorrectamente julgados pelo tribunal a quo ( a factualidade incluída no item 2.2. da motivação de facto ) , como outrossim indicaram quais os concretos meios probatórios, constantes do processo e que , na sua perspectiva ,impunham uma decisão de facto diversa da recorrida . Acresce que, sendo certo que in casu (cfr. al. b), do n.º 1, do art.º 690.º-A, do CPC) não ocorreu a gravação de quaisquer depoimentos ( que não houve ), é nossa convicção porém que dos autos constam todos os elementos ( documentais) de prova que serviram de base à decisão sobre o concreto ponto de facto vertido ( e impugnado) no item 2.2. da motivação de facto . (1) Verificam-se, pois, todos os pressupostos ( cfr. artºs 685º-B nº 1 e 712º ,nº1,alínea a), primeira parte, ambos do CPC ) que possibilitam a este tribunal, como o requereram ( e como obrigados estavam a fazê-lo ) os apelantes , sindicar a decisão do tribunal a quo na parte respeitante ao facto nº 2 inserto na motivação de facto. Dito isto, vemos que o tribunal a quo, em sede de fundamentação da factualidade que considerou provada, e designadamente no que concerne à ( factualidade incluída no item 2.2. da motivação de facto, teceu as considerações/justificações que nos permitimos passar de seguida a transcrever : “ O Tribunal formou a sua convicção para a determinação da matéria de facto dada como provada, com base na análise crítica e ponderada, dos documentos junto aos autos, nomeadamente assento de óbito de fls. 7, assentos de nascimento de fls. 10 e 15, assentos de casamento de fls. 13 e 17, certidão de óbito emitida pelo Estado da Califórnia, nos EUA, com a ref 23371 e certidão de casamento emitida pelo Estado do Nevada, nos EUA, com a ref. 24071, bem como escritura pública de doação de fls. 33 a 35. Com efeito, foi fundamental para formar a convicção do Tribunal no sentido de dar como provado o facto constante sobre o n.º 2 o confronto e conjugação da certidão de óbito de “G”, da certidão de casamento de “A” e “B” e ainda a escritura pública de doação junto aos autos. Efectivamente, muito embora conste da certidão de óbito de “A” o estado de casada com “G”, o certo é que este faleceu em data anterior (em 14.06.1994) à ora habilitanda conforme resulta do teor da certidão de óbito emitida pelo Estado da Califórnia, nos EUA, com a ref. 23371, sendo que o seu óbito não se encontra ainda averbado no Registo Civil. Por outro lado, pela conjugação da certidão de casamento emitida pelo Estado do Nevada, nos EUA, (ref. 24071) com a escritura pública de doação (de fls. 33 a 35) é possível apurar que “A” e “B” celebraram casamento entre si no Estado do Nevada, nos EUA. A este respeito urge frisar que, muito embora o nome constante na referida certidão de casamento seja "“A J”" e não "“A”" as regras de experiência comum, a demais documentação junta aos autos e a falta de impugnação deste facto pela parte contrária permitem concluir com a segurança jurídica que ao caso se impõe que estamos perante a mesma pessoa. De facto, o apelido "“J”" é precisamente o apelido do anterior marido de “A”, “G”, ao que acresce o teor da escritura pública de doação junta aos autos e segundo a qual, no dia 24.10.1990, “A” foi identificada na referida escritura como " casada sob o regime de separação de bens com “B”” , sendo que, nos termos do artigo 371.°, n." 1 do CC ,os documentos autênticos, nesta parte, fazem prova plena uma vez que se trata de um facto "atestado com base nas percepções da entidade documentadora". Ademais, mais se diga que, a certidão de casamento emitida pelo Estado do Nevada, nos EUA, foi notificada à parte contrária (ref. 24071), não tendo sido por esta impugnada. Deste modo, atendendo a todos os elementos de prova junto aos autos e às considerações supra expostas, o Tribunal não pode deixar de concluir que efectivamente “A” e “B” celebraram casamento entre si no Estado do Nevada, nos EUA, sendo por demais evidente que quer o óbito de “G” quer este casamento não se encontram ainda averbados ao registo civil da habilitanda em virtude de terem verificado em país estrangeiro, com as inerentes dificuldades que os processos de averbamento acarretam “ . Da apontada explanação, praticamente toda ela direccionada para a explicação exaustiva da ratio de se considerar como provado o facto constante sobre o n.º 2 da factualidade considerada assente , desde logo resulta que , ao contrário do que concluem os apelantes em sede de peça recursória , não se baseou o tribunal a quo e no que ao facto referido concerne , apenas e tão só em escritura de doação, mas também e fundamentalmente em teor de certidão de casamento emitida pelo Estado do Nevada, nos EUA e que, notificada que foi à parte contrária (ref. 24071), não foi objecto de qualquer reparo. Daí que, sendo pertinentes as considerações dos apelantes no que concerne à fragilidade ( em face do que resulta do disposto no artº 371º do CC e do facto de , da escritura de doação referida, não resultar que a identidade dos outorgantes foi verificada através da exibição de um qualquer documento de identificação ou outro, antes se baseou tão só no conhecimento pessoal da notária ) do teor da escritura de doação para , por si só e a partir dela , fundamentar o facto vertido no ponto 2 da factualidade assente, tal pertinência já se esboroa quando tal documento é coadjuvado e alicerçado com a certidão de casamento emitida pelo Estado do Nevada (ref. 24071). Não se olvida que, tal como o óbito e a filiação, o casamento há-de provar-se documentalmente, através da competente certidão do registo, ou de documento substitutivo ( cfr. artºs 1º , 2º e 211º, todos do CRC) , sendo que, mesmo o celebrado no estrangeiro entre dois portugueses, carece de ser registado ( cfr. artºs 178º e 184º, do CRC ) . Não se olvida, outrossim, que os factos sujeitos a registo obrigatório só podem ser invocados depois de registados e que a sua prova só pode ser efectuada pelos meios previstos do Código do Registo Civil ( vide artºs 2º e 4º deste último diploma ). Sucede que in casu, a habilitação surge e impõe-se como mero incidente de causa que corre em juízo, a saber uma acção especial de divisão de coisa comum que não de estado, não se justificando e impondo portanto que a prova da qualidade de herdeiro seja imperativamente efectuada nos mesmos termos e com as mesmas exigências que estão presentes quando a habilitação surge como objecto próprio de uma acção ( cfr- artº 2075º do Código Civil ) ou, sequer, como elemento ou requisito da aferição da legitimidade das partes (2). Consequentemente, porque de questão jurídica nuclear não se trata e discute na acção principal, não se afigura ser exigível que a respectiva prova deva, forçosamente , ser efectuada apenas e tão só tal como o impõem os artºs. 4º e 211º, ambos do Cód. do Registo Civil ( 3). Acresce que, em contradição com a posição que sustenta a peticionada alteração da factualidade inserta no item 2. da motivação de facto, já aos próprios apelantes não lhes repugna , ainda que agora relativamente ao óbito de “G”, facto também ele não registado ( por meio de assento lavrado por inscrição- cfr- artºs 50º,nº1 e 52º, alínea b) do CRC ) e apenas porque aceite ele pelo apelado, em considerá-lo como provado porque não impugnado, antes aceite pelo requerido/apelado “B”. Destarte, e sem necessidade de mais considerações, por se nos afigurarem pertinentes e convincentes as considerações do tribunal a quo no que concerne à ratio do facto inserto no ponto 2 da respectivo segmento factual decisório, e ademais, porque da conjugação dos apontados documentos (escritura pública de doação de 24.10.1990 e certidão de casamento emitida pelo Estado do Nevada, nos EUA ), é legitimo considerar como provada a factualidade vertida no ponto 2 da motivação de facto ( cfr. artº 774º,nº1, in fine, do CPC ), não se atende a pretensão dos apelantes. Deve, assim, permanecer intocável e nos exactos termos decididos pelo tribunal a quo, a decisão apelada no que respeita à factualidade assente ( ponto 2 , in fine ), o que ainda assim não conduz necessariamente à improcedência da apelação, como vamos ver já de seguida . * 3.2.- Da procedência da apelação, não obstante permanecer intocável/inalterável a matéria de facto considerada como assente pelo tribunal a quo. Como vimos supra, além de delimitado pelo objecto da acção e pelos eventuais casos julgados formados na instância recorrida e pela parte dispositiva da decisão impugnada que for desfavorável ao impugnante, o âmbito, subjectivo ou objectivo do recurso pode ser limitado pelo próprio recorrente, sendo que, in casu os apelantes atacaram fundamentalmente e prima facie apenas a matéria de facto ( parte dela) da decisão da 1ª instância, considerando-a incorrectamente julgada (error in judicando). Sucede que, porque entre a matéria de direito e a matéria de facto existe uma clara e inequívoca interdependência, é nossa convicção que , ainda que o não tenham referido de uma forma expressa e inequívoca, pretendem ( ao apelarem ) os apelantes insurgir-se contra o sector dispositivo da sentença na parte em que nela se decidiu declarar como habilitados não apenas a requerente do incidente “C” e a requerida “E”, mas ainda e também o contestante “B” ( a parte sobreviva ). Implicitamente, portanto, ainda que expressamente atacando apenas a parte da factualidade considerada como provada pelo tribunal a quo, o pedido da alteração daquela visou , manifestamente, a alteração do julgado no que ao habilitando “B” diz respeito. Assim, não olvidando ainda o disposto no artº 684º, nº2, do CPC in fine,nada obsta ao conhecimento da referida questão ( de direito) , não estando o tribunal ad quem impossibilitado ( antes pelo contrário ) de a conhecer ( cfr. artº 668º, nº1, alíneas d) e e) e artº 716º,nº1, ambos do CPC. Passemos, de imediato, a dela conhecer. Ora, em sede de motivação de direito, considerou-se na decisão apelada que ( alicerçando a decisão, na referida parte, v.g., em Salvador da Costa ( in Os Incidentes da Instância, 2' ed., Almedina, Coimbra, 1999, pág. 209), porque em incidente de habilitação "determina-se quem assume a qualidade jurídica ou a legitimidade substantiva, e não, em rigor, a legitimidade ad causam para ingressar na lide na posição da parte parte falecida ou extinta “,o facto de o requerido dos autos de habilitação “B” ser, simultaneamente, também Réu da acção principal e cônjuge da Autora falecida, tal não obstava à sua habilitação na qualidade de herdeiro da autora falecida “A”, ainda que naquela acção assumisse uma posição processual com interesses distintos e conflituantes , porque na qualidade de Réu. Tal entendimento, porém, olvida a natureza do incidente da habilitação - incidental - , quando através dele se tem por objectivo essencial e fundamental, a substituição ( modificação subjectiva da instância ) de uma das partes no âmbito de uma relação jurídica processual (cfr. João de Castro Mendes , in ob. Citada, pág. 236). Senão, vejamos. É incontroverso que o incidente da habilitação visa determinar as pessoas que têm legitimidade para ocupar no litigo a posição do defundo e a chamar essas pessoas ao processo, a fim de com elas continuar a instância ( cfr. José Alberto dos Reis, in Comentário ao Código de Processo Civil, vol. 3º, Coimbra editora, 1946, pág. 73 ). Após a habilitação, operada a modificação subjectiva, no lugar em que estava o falecido passa a estar uma outra, o seu sucessor. Dito de uma outra forma, designadamente como o faz Lopes Cardoso (4), “ O incidente de habilitação é um dos meios de modificar a instância quanto ás pessoas” e tem por objecto determinar quem tem a qualidade de herdeiro ou aquela que legitimar o habilitando para substituir a parte falecida “. Constitui, portanto, tal incidente, uma forma de modificação subjectiva da instância , que visa colocar um sucessor no lugar que o falecido ocupava no processo pendente, e a fim de causa poder prosseguir com ele , ou seja, o habilitado apenas vai ocupar a posição do falecido, exercendo os direitos e cumprindo as obrigações que a este último competiam, ficando sujeito à sua anterior actuação processual e devendo aceitar a tramitação no estado em que a encontrar e apenas impulsionando para o futuro e dentro destes limites, o processo. Concluindo, a habilitação-incidental tem como desiderato (5) promover a substituição da parte primitiva pelo sucessor na situação jurídica litigiosa, ocorrendo uma modificação subjectiva da instância (artº 270º, al. a), do C.P.C.), mediante a legitimação sucessiva do sucessor, enquanto tal e para a causa , ficando o seu efeito limitado a esta última, pois que o sucessor é habilitado não erga omnes, mas perante o litigante com o qual pleiteava o falecido ( cfr. ainda José Alberto dos Reis , in CPC anotado, vol. I, 1982, pág. 575). Importante, porém, é não olvidar nunca que a substituição ( modificação subjectiva da instância ) de uma das partes opera-se no âmbito de uma relação jurídica processual complexa , que é independente da relação material e que se estabelece sempre entre determinados sujeitos [ as partes, a saber, autor/s e réu/s) , tendo um objecto ( o pedido ) e uma causa de pedir ( cfr. artº 268º do CPC e José Alberto dos Reis , in Comentário ao Cód. de Processo Civil, vol. 3º, 1946, pág. 23 e segs.] . Postas estas breves e sintéticas considerações, manifestamente, não é de conceber que, precisamente porque o requerido do incidente de habilitação “B” , ocupa o lugar de réu na acção principal , possa agora e através da sua habilitação e colocação no lugar da autora/falecida da acção principal, passar a ocupar na referida relação jurídica processual, concomitantemente e também, o lugar de autor. Ou seja, no âmbito de uma relação jurídica processual, não é concebível que uma parte ocupe , em simultâneo, dois dos três elementos subjectivos ( cada uma das partes e o Estado, sendo este representado pelo Juiz, e no exercício duma função de soberania, a função jurisdicional) que uma tal relação jurídica comporta e integra ( a de autor e de réu ). Que assim é decidiu já o STJ [ (6) no Ac. de 2/6/1964, in BMJ, 138, pág. 298 ], ao considerar que “ falecida a autora de acção intentada contra 2 dos seus filhos , não podem ser habilitados para , em seu lugar ocuparem a posição de autores, os seus filhos que nela figuram como réus, mas apenas os restantes “. Na mesma e douta decisão, a coadjuvar a apontada conclusão, considerou-se, e bem, que a habilitação incidental respeita tão só à transmissão da posição jurídica litigiosa, a qual não tem que coincidir com a transmissão universal dos direitos do falecido. Finalizando, apesar da não alteração da factualidade considerada como assente pelo Tribunal a quo,tal não implica a manutenção da decisão apelada, antes deve ela ser substituída por outra que, no seguimento do falecimento da autora “A”, declare como habilitados para os termos da acção principal e passando a ocupar a posição da falecida, apenas a requerente “C” e a requerida “E” Concluindo, a presente apelação procede, ainda que com base em fundamentos de direito não considerados e valorados pelos apelantes em sede de alegações da respectiva peça recursória . *** 4-Sumário: 1) O incidente da habilitação visa determinar as pessoas que têm legitimidade para ocupar no litigo a posição/lugar do defundo e a chamar essas pessoas ao processo, a fim de com elas continuar a instância: 2) Após a habilitação, operada a modificação subjectiva, no lugar em que estava o falecido passa a estar uma outra, o seu sucessor; 3) Ocupando um requerido de incidente de habilitação o lugar de réu na acção principal , não pode ele, através da habilitação , passar a ocupar o lugar da falecida quando esta era a autora da referida acção principal. *** 5.-Decisão. Pelo exposto acordam os Juízes na 1ª Secção do Tribunal da Relação de Lisboa , em 5.1.- Conceder provimento ao recurso de apelação apresentado pelos requerentes “C” e “D”; 5.2.- Revogar a decisão recorrida e, em substituição da mesma, declarar como habilitados para os termos da acção principal e passando a ocupar a posição da falecida “A” , apenas , quer a requerente “C”, quer a requerida “E” , prosseguindo com ambos os ulteriores termos da causa. As custas do incidente da habilitação serão por conta do contestante ( cfr. artºs 446º,nº1 e 2, e 453º,nº1, ambos do CPC ) e , as da presente Apelação, pela parte vencida a final na acção principal *** (1) Como refere António Santos Abrantes Geraldes, in Recursos em Processo Civil, novo regime, Almedina, pág. 313, verifica-se a previsão da alínea a), 1ª parte do nº1, do artº 712º, do CPC , quando ( o que sucede in casu ) “ (…) a decisão de facto, na parte impugnada, tenha sido exclusivamente sustentada na apreciação isolada ou conjunta de documentos. (2) É o caso , respectivamente, da habilitação-acção ou principal e da habilitação-legitimidade, como o referem J.Alberto dos Reis ( in CPC anotado, vol. I, 1982, pág. 572 e segs) e João de Castro Mendes ( in Direito Processual Civil, II, 1980, pág. 234 e segs. ). (3) Vide, ainda que a propósito de outro tipo de acção, o decidido pelo S.T.J. nos Acs. de 10/12/2009 e 20/1/2010, ambos disponíveis em www.dgsi.pt. (4)in Manual dos Incidentes da Instância em Processo Civil, Reimpressão, pág. 296. (5) Cfr. Lebre de Freitas , in Cód. de Proc. Civil Anotado, I, 635). (6) Vide José Alberto dos Reis , in Comentário ao Cód. de Processo Civil, vol. 3º, 1946, pág. 26 e segs, a propósito das relações jurídicas particulares e respectivos sujeitos que formam a relação jurídica complexa. (7) Referido por Lebre de Freitas , in Cód. de Proc. Civil Anotado, I, pág. 685). *** Lisboa, 2 de Novembro de 2010 António Santos Folque de Magalhães. Maria Alexandrina Branquinho. |