Acórdão do Tribunal da Relação de Lisboa | |||
Processo: |
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Relator: | FÁTIMA GALANTE | ||
Descritores: | RECUPERAÇÃO DE EMPRESA EXECUÇÃO | ||
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Nº do Documento: | RL | ||
Data do Acordão: | 09/21/2006 | ||
Votação: | UNANIMIDADE | ||
Texto Integral: | S | ||
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Meio Processual: | AGRAVO | ||
Decisão: | PROVIDO | ||
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Sumário: | Não tendo transitado em julgado o despacho que ordenou o arquivamento do processo de recuperação de falência, sendo, por isso, ainda, possível o prosseguimento da acção de recuperação de empresa, a prossecução da execução que corre termos contra o requerente do processo de recuperação, consubstancia um ataque ao património do devedor, em clara violação do disposto no art. 870° do CPC. (F.G.). | ||
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Decisão Texto Integral: | 8 ACORDAM NA 6ª SECÇÃO DO TRIBUNAL DA RELAÇÃO DE LISBOA I –RELATÓRIO No âmbito da execução que o B, S.A intentou contra J, foi ordenada a suspensão da instância executiva ao abrigo do disposto no art. 870º do CPC, por ter sido intentado processo especial de recuperação de empresa junto do Tribunal de Comércio de Lisboa. Porém, em 04/05/2005, o Exequente requereu a prossecução da execução, tendo junto aos autos cópia do despacho arquivamento proferido nos autos de recuperação de empresa. Veio, entretanto, o Executado J requer fosse ordenada a suspensão da instância, tendo para tanto alegado que a referida sentença de arquivamento proferida nos autos de recuperação de empresa não transitou em julgado, estando pendentes dois recursos - um quanto ao indeferimento dos meios de prova requeridos com a reposta à oposição e outro quanto à decisão final de arquivamento do processo de recuperação de empresa - pelo que se mantêm intactos os pressupostos do disposto no art. 870° do CPC. Em 18/10/2005, o Exequente pugnou pelo prosseguimento da execução, alegando, além do mais, que a instauração de um processo de recuperação não determina a suspensão da acção executiva e que o pedido de suspensão da instância executiva, ao abrigo do disposto no art. 870° do CPC, também não é aplicável, na medida em que exige, para além de ter sido intentado processo de insolvência, que a suspensão se torne necessária para impedir pagamentos a credores do insolvente. Foi, então, proferido despacho que determinou o prosseguimento da execução, por considerar que “…o processo de recuperação de empresa se mostra, por enquanto, arquivado…”. Inconformado, veio o Executado agravar do despacho, tendo, no essencial, formulado as seguintes conclusões: 1. Ao recurso interposto do despacho de arquivamento do processo especial de recuperação de empresa não é aplicável o disposto no art. 229° do CPEREF. 2. Ao recurso interposto do despacho de arquivamento do processo de recuperação de empresa é aplicável o regime geral dos agravos previsto no Código de Processo Civil. 3. O recurso interposto da decisão que põe termo ao processo sobe imediatamente, nos próprios autos e com efeito suspensivo, nos termos do disposto nos arts. 734° n° 1 al. a) e 736° e 740° n° 1 do CPC. 4. Mesmo segundo a tese expendida pelo Tribunal a quo quanto à aplicabilidade do art. 870° do CPC e ao efeito do recurso, não poderia ser levantada a suspensão da instância, uma vez que o recurso em causa tem efeito suspensivo, nos termos do disposto nos arts. 734° n° 1 al. a) e 736° e 740° n° 1 do CPC. 5. Ficou provado que o processo de recuperação de empresa requerido pelo ora agravante se encontra pendente, uma vez que da decisão proferida no referido processo foi interposto recurso. 6. Devem não só ser suspensas as diligências que afectem directamente o património do devedor, como também aquelas que em si mesmo não consubstanciam uma ataque ao património da empresa devedora, mas que decorrem da prática de actos que podem consubstanciar um ataque ao património. 7. O despacho recorrido ofende a regra da proibição de tratamento privilegiado de credores - consagrada no disposto no art. 62° do CPEREF, sendo um dos princípios enformadores do direito falimentar. 8. A partir do momento em que o agravante requereu o processo de recuperação de empresa - e não tendo a decisão que decretou o arquivamento do mesmo transitado em julgado - deixa de poder decidir livremente, dos termos e condições de satisfação dos credores com créditos vencidos em data anterior à entrada da petição do processo especial de recuperação de empresa. Não foram produzidas contra-alegações. Corridos os Vistos legais, Cumpre apreciar e decidir. São as conclusões das alegações que delimitam o objecto do recurso e o âmbito do conhecimento deste Tribunal (arts. 684º, nº 3 e 690º, nº 1 do CPC), pelo que a questão a decidir consiste em saber se requerida a falência ou insolvência do executado, fica a execução suspensa. Os factos são os que constam do Relatório. III – O DIREITO 1. Quanto ao efeito do recurso de arquivamento Defende o Agravante, nas suas conclusões, que ao recurso interposto do despacho de arquivamento do processo especial de recuperação de empresa não é aplicável o disposto no art. 229° do CPEREF, concluindo que é aplicável o regime geral dos agravos. Donde, o recurso interposto do despacho de arquivamento, que põe termo ao processo, sobe imediatamente, nos próprios autos e com efeito suspensivo, nos termos do disposto nos arts. 734° n° 1 al. a) e 736° e 740° n° 1 do CPC e não com efeito devolutivo. Conclui, por isso, que não poderia ser levantada a suspensão da instância, uma vez que o recurso em causa tem efeito suspensivo. No entanto, este fundamento, não pode ser objecto do recurso aqui interposto. De facto, seja ou não aplicável, ao recurso interposto do despacho de arquivamento do processo de recuperação de empresa, o disposto no art. 229° do CPEREF, não pode, no âmbito do presente Agravo, apreciar-se da bondade da decisão relativa ao efeito do recurso interposto de uma decisão, relativa a um outro processo. A questão relativa à fixação do efeito devolutivo ou suspensivo ao recurso interposto do despacho que ordenou o arquivamento do processo de recuperação, há-se ser resolvida no âmbito desse processo. E, como se constata, ao recurso interposto da decisão que determinou o arquivamento do processo de recuperação, por entender que não podia prosseguir como acção de recuperação nem podia convolar-se em processo de declaração de falência, foi fixado o efeito devolutivo. Tudo isto para dizer que não pode, no âmbito deste agravo, discutir-se o feito fixado naquele outro recurso, que é o devolutivo. Vejamos, então, quais as implicações que a interposição de recurso com efeito devolutivo, pode ter no andamento da presente execução. 2. Da aplicação do art. 870º do CPC Como é sabido, decorre do disposto no art. 870° do CPC que qualquer credor pode requerer a suspensão da instância se demonstrar que o devedor requereu processo especial de recuperação de empresa ou de falência. Assim, hoje não se discute que qualquer credor do executado, mesmo não sendo reclamante no processo de execução, pode obter a suspensão dessa execução, desde que demonstre que foi instaurado processo de recuperação de empresa ou de falência do executado. O art. 870º do CPC insere-se num conjunto de disposições que procuram conferir aos credores, cujos créditos não foram verificados nem graduados, a possibilidade de agir não vindo a sofrer prejuízo com uma execução parcial e não universal. Assim, o art. 867º permite ao credor que não esteja munido de titulo exequível, requerer para que a graduação de créditos aguarde que, por sentença, obtenha titulo exequível e art. 871º, para a hipótese de pender mais de uma execução sobre os mesmos bens, sustando-se a execução em que a penhora tiver sido posterior, podendo o exequente reclamar o crédito em que o processo seja mais antigo. Tem-se em vista, portanto, evitar a excussão de bens do devedor sem consideração de todas as dívidas. Ou seja, a norma do art. 870.º do CPC vale por si própria, como protectora dos direitos de qualquer credor que, em termos preventivos, queira obstar a pagamentos privilegiados, por antecipação executiva singular. A suspensão da execução prevista no art. 870° do CPC, visa, também, acautelar que o património da empresa não seja atingido antes de concluído o processo de recuperação de empresa. Como refere Lopes do Rego, face ao preceituado no CPEREF, aprovado pelo DL 132/93 e alterado pelo DL 315/98, aplicável ao caso dos autos, “… a pendência de processo de recuperação, (art. 29º) e a declaração de falência (art. 154º) determinam a suspensão imediata das execuções pendentes contra o devedor (1). No caso sub judice o Agravante/Executado, requereu na 1ª instancia a suspensão da execução provando que foi requerido e distribuído um processo de recuperação de empresa. Foi, entretanto, proferida decisão que determinou o arquivamento dos autos, considerando, assim, que o processo de recuperação não poderia prosseguir. Por isso, o Exequente requereu que a execução prosseguisse seus termos, o que veio a ser deferido, com fundamento, além do mais, no facto de, ao recurso interposto do despacho de arquivamento do processo de recuperação, ter sido fixado efeito devolutivo. Ainda assim, há que ter em atenção a norma do art. 870º do CPC. Diz o Agravante que, de acordo com o citado preceito, nunca poderia ser ordenada a prossecução da execução uma vez que estão preenchidos todos os pressupostos da suspensão da instância, nos termos e para os efeitos do disposto no art. 870° do CPC. De facto, dispõe o art. 870° do CPC que qualquer credor pode obter a suspensão da execução, a fim de impedir os pagamentos, mostrando que foi requerido processo especial de recuperação de empresa ou de falência do executado. Basta, na verdade, a instauração de um processo especial de recuperação de empresa para que a acção executiva se suspenda, não sendo necessário qualquer despacho de prosseguimento da acção. Também é certo que, da letra da lei decorre que qualquer credor pode requerer a suspensão da instância se demonstrar que o devedor requereu processo especial de recuperação de empresa ou de falência. Portanto, independentemente do efeito fixado, interposto o recurso da decisão de arquivamento do processo de recuperação, pode dizer-se que o processo de recuperação de empresa requerido pelo aqui Agravante se encontra pendente. Afigura-se, então, que a suspensão da execução só deverá ser levantada com o trânsito em julgado da decisão que determinou o arquivamento do processo de recuperação. É que independentemente do efeito atribuído ao recurso, a verdade é que se encontra pendente processo de recuperação de empresa. E a verdade é que não faria sentido prosseguir a execução, porque “o processo de recuperação de empresa se mostra, por enquanto, arquivado”, como se refere no despacho recorrido, correndo-se o risco de, caso viesse a ser dada razão ao Requerente ordenando-se o prosseguimento da tramitação do processo de recuperação, não ser, então, viável a aplicação de qualquer medida de recuperação, por, entretanto, a sociedade ter ficado irremediavelmente descapitalizada, com a venda do seu património no âmbito de execução, privilegiando-se, por outro lado, um único credor, em detrimento dos restantes. Tal como defende o Agravante, o despacho recorrido, ofende a regra da proibição de tratamento privilegiado de credores, consagrada no disposto no art. 62° do CPEREF, sendo um dos princípios enformadores do direito falimentar. Com efeito, a partir do momento em que o Agravante requereu o processo de recuperação de empresa - e não tendo a decisão que decretou o arquivamento do mesmo transitado em julgado - deixa de poder decidir livremente, dos termos e condições de satisfação dos credores com créditos vencidos em data anterior à entrada da petição do processo especial de recuperação de empresa. A prossecução da execução significa por si só a possibilidade da prática de actos que se traduzem num ataque directo, ou indirecto, ao património do devedor, o que tem como consequência uma violação grosseira do princípio da igualdade de tratamento dos credores. Tanto basta, a nosso ver, para que se considerem reunidos os pressupostos que determinaram a suspensão da execução e que se mantêm. Assim, estando pendente o processo de recuperação de empresa, mantém-se suspensa a presente execução. Em conclusão, não tendo transitado em julgado o despacho que ordenou o arquivamento dos autos, sendo, por isso, ainda possível que venha a ser proferido despacho de prosseguimento da acção de recuperação de empresa, a prossecução da presente execução consubstancia um ataque ao património do devedor, em clara violação do disposto no art. 870° do CPC. A prossecução da execução seria frontalmente contrária à protecção dos demais credores, e ilegal por violação do disposto no art. 870° do CPC e art. 62° do CPREF. IV – DECISÃO Termos em que acorda-se em conceder provimento ao agravo, revogando-se o despacho recorrido, determinando-se que a instância se mantenha suspensa, pelo menos, até ao trânsito em julgado da decisão proferida no âmbito do processo de recuperação de empresa. Sem custas. Lisboa, 21 de Setembro de 2006. (Fátima Galante) __________________________(Ferreira Lopes) (Manuel Gonçalves) 1 Lopes do Rego, Comentário ao Código de Processo Civil, pag. 584, 1ª edição, Almedina, Coimbra. |