Acórdão do Tribunal da Relação de Lisboa
Processo:
1292/2008-4
Relator: SEARA PAIXÃO
Descritores: CONTRATO DE TRABALHO A TERMO
SUBSTITUIÇÃO
AUSÊNCIA
IMPEDIMENTO
Nº do Documento: RL
Data do Acordão: 05/28/2008
Votação: UNANIMIDADE
Texto Integral: S
Meio Processual: APELAÇÃO
Decisão: REVOGADA
Sumário: I - Como decorre da al. a) do nº 1 do art. 143º do Código do Trabalho a contratação a termo incerto só é válida para substituição de trabalhador ausente ou de trabalhador que se encontre temporariamente impedido de prestar serviço, por qualquer motivo.
II - Mas por trabalhador ausente ou temporariamente impedido de prestar serviço, nos termos e para efeitos da referida norma legal, deve entender-se aquele trabalhador que não pode temporariamente prestar serviço à empresa e não alguém que por vontade da empresa continua a prestar serviço na mesma empresa embora noutro local.
III - Verificando-se pela própria justificação constante do contrato que o trabalhador substituído continuou a prestar serviço noutro local da empresa, para onde foi deslocado por vontade desta, deve considerar-se inválida a referida justificação e, nos termos do nº 2 do art. 130º do CT, considerar-se o contrato sem termo.
(sumário elaborado pelo Relator)
Decisão Texto Integral: Acordam na secção social do Tribunal da Relação de Lisboa:

Relatório

A… instaurou a presente acção declarativa de condenação, emergente de contrato individual de trabalho, sob a forma de processo comum, contra CTT – CORREIOS DE PORTUGAL, S.A. pedindo que:
a) se declare sem termo o contrato de trabalho celebrado entre a A. e a R. em 1 de Junho de 2004 por inexistência de motivo atendível para aposição de termo resolutivo nos termos do artigo 131º do CT;
b) se declare ilícito o despedimento da A. operado pela R. em 24/01/2006 por aplicação do disposto no artigo 429º do CT;
c) se condene a R. a reintegrar a A. sem perda de categoria e antiguidade bem como a pagar-lhe todas as retribuições desde o momento do despedimento até efectiva reintegração;
d) se condene a R. no pagamento de juros de mora desde a data do despedimento e reportados às datas de vencimento de cada prestação que se mostre ser da obrigação da R. – a retribuição mensal da A.
Para tanto, alegou em síntese que foi admitida para trabalhar por conta e sob a autoridade da R. em 1/6/2004 mediante contrato de trabalho ao qual foi fixado termo resolutivo com prazo incerto para substituição de outro trabalhador deslocado pela R. para outro centro de distribuição para aí exercer funções de chefia.
Até ao presente o referido trabalhador não regressou ao seu local de trabalho, não se verificando pois os pressupostos do termo do contrato.
No dia 20/01/2006 o chefe da A. disse-lhe para ir assinar a rescisão do contrato, a qual operava a partir de 21/01/2006, o que aquela recusou. No dia 24/01/2006 a A. preparava-se para iniciar a laboração quando a sua chefia lhe disse para sair imediatamente porque não havia trabalho para ela, o que configura um despedimento ilícito.
O motivo justificativo do termo deve ser considerado nulo porque não configura nenhuma situação temporária uma vez que a R. pode manter indeterminadamente aquele trabalhador na situação de chefia em interinidade e porque o mesmo não se encontra ausente nem temporariamente impedido de prestar serviço.
Regularmente citada, a R. apresentou contestação, concluindo pela improcedência da acção e pela sua absolvição do pedido.
Alegou, em resumo, justificou o contrato com um motivo válido que é o regime de interinidade de funções, situação temporária.         
O trabalhador substituído deixou de estar em situação de interinidade para passar a estar colocado definitivamente no CDP para onde foi deslocado, facto de que a R. só teve conhecimento no dia 20/01/2006, razão pela qual neste dia comunicou à A. a cessação do seu contrato de trabalho pois deixou de existir o motivo que esteve na origem da sua contratação.
Não era possível prever se o trabalhador substituído ia ou não regressar ao seu local de trabalho de origem e quando.
            Foi proferido o despacho saneador, tendo sido dispensada a selecção da matéria de facto assente e da base instrutória e designado dia para julgamento.
Realizou-se a audiência de julgamento, como da acta respectiva consta, no final da qual foi proferido o despacho que fixou a matéria de facto provada com a respectiva fundamentação, o qual foi objecto de reclamação por parte do ilustre mandatário da Autora, que foi oportunamente indeferida.
De seguida foi elaborada a sentença que julgou a presente acção improcedente, por não provada e absolveu a Ré do pedido.

A Autora, inconformada, interpôs o presente recurso e termina as suas alegações formulando as seguintes conclusões:
(…)
A Recorrida contra-alegou pugnando pela improcedência do recurso.
Remetidos os autos a este Tribunal da Relação, foram colhidos os vistos legais.
Cumpre apreciar e decidir.
As questões que emergem das conclusões do recurso consistem na alteração da matéria de facto constante do nº 12 dos factos provados e em saber se é válida a justificação do termo incerto aposto no contrato de trabalho celebrado entre a Autora e a Ré e respectivas consequências legais.

            Fundamentação de facto
A 1ª Instância considerou assentes os seguintes factos:
1. A A. foi admitida para trabalhar por conta e sob a autoridade da R. em 01.06.2004, com a categoria de CRT (carteiro) e a retribuição de € 560,90, que evoluiu para € 590,60, e para prestar serviço no Centro de Distribuição Postal de…. (CDP).
2. Ao contrato de trabalho foi fixado termo resolutivo com prazo incerto que depende da ausência, e foi celebrado para substituição, naquele centro de distribuição, de outro trabalhador, o CRT J…, deslocado pela R. para outro centro de distribuição, o de…, para aí exercer funções de chefia, dispondo a cláusula 1ª de tal contrato que “O 2º contratante compromete-se a prestar ao 1º a sua actividade profissional, ao abrigo do artigo 143º alínea a), desempenhando as funções de CRT, no CDP …. … pelo tempo necessário à substituição do CRT J…, que se encontra deslocado no CDP 7780… a executar funções de chefia em regime de interinidade.”
3. Até ao presente o referido CRT J… não regressou ao CDP de …, mantendo-se nas suas funções de chefia do CDP de ….
4. No dia 20.01.2006, o chefe do CDP de …, Sr. AG…, superior hierárquico imediato da A., telefonou-lhe depois do horário de trabalho, dizendo que ela devia ir na 2ª feira seguinte assinar a rescisão do contrato, a qual operava a partir de 21.01.2006.
5. Na 2ª feira, dia 23, a A. foi ao CDP da parte da tarde e, lá chegada, informou o seu superior hierárquico de que não assinaria qualquer rescisão por o CRT que substitui não ter regressado ao CDP, tendo então o referido chefe dito que se apresentasse para trabalhar no dia seguinte.
6. No dia 24.01.2006, pelas 7h, a A. apresentou-se no CDP, passou o cartão de ponto e, quando se preparava para iniciar a laboração, foi abordada pela sua chefia que lhe disse não ter trabalho para ela, pelo que a A. permaneceu nas instalações de trabalho até solução da situação.
7. Pelas 7h20m compareceu no CDP o Sr. C…, responsável de zona e superior hierárquico do chefe do CDP, que se dirigiu à A. perguntando o que fazia ali e, face à resposta de que estava para trabalhar, disse-lhe para sair imediatamente porque “não havia trabalho para ela nem agora nem nunca mais”.
8. A A. pediu então que a ordem lhe fosse dada por escrito, o que o Sr. Claudino recusou fazer dizendo que ele próprio seria testemunha, instando a A. a abandonar imediatamente as instalações, o que, face aos factos, acabou por fazer.
9. No próprio dia 24.01.2006 foi o chefe do CDP AG… que executou a distribuição de correspondência que estava distribuída à A., tendo-se deslocado a casa dela dizendo-se portador de recado do Sr. Claudino no sentido de a A. reconsiderar e assinar a rescisão do contrato que lhe faziam outro a termo certo e depois a integravam na empresa.
10. Entretanto o trabalho desenvolvido pela A., distribuição do correio na área que engloba a vila de …, passou a ser executado por um colega da A. que por seu lado foi substituído no trabalho que fazia por um outro trabalhador da R., ambos contratados a termo.
11. A R. não instaurou à A. qualquer processo disciplinar.
12. O CRT J… deixou de estar em situação de interinidade para passar a estar colocado definitivamente no CDP de …, facto este de que a R. só se apercebeu cerca de uma semana e uns dias antes de 20.01.2006.
13. Foi por esta razão que a R. comunicou à A. a cessação do seu contrato de trabalho.
14. Não era possível à R. prever se o trabalhador J… ia ou não regressar ao CDP de ….

Fundamentação de direito

Quanto à alteração do nº 12 da matéria de facto.
(…)
Improcedem, assim, as conclusões XI, XII, XIII e XIV do recurso.

Quanto à validade da estipulação do termo incerto constante do contrato de trabalho celebrado entre autora e Ré.
O Código do Trabalho manteve a possibilidade de serem celebrados contratos de trabalho a termo certo e a termo incerto.
No que se refere aos contratos de trabalho a termo certo, o C.T. adoptou, de forma inovadora, a técnica da cláusula geral seguida de uma enumeração meramente exemplificativa, conforme resulta do art. 129º nº 1 e 2.
Essa cláusula geral, constante do nº 1 do art. 129º estabelece que “o contrato a termo só pode ser celebrado para satisfação de necessidades temporárias da empresa e pelo período estritamente necessário à satisfação dessas necessidades”. 
No nº 2 do mesmo artigo indicam-se exemplificativamente as situações que se consideram integrar “as necessidades temporárias da empresa”.
Já no que se refere aos contratos a termo incerto, manteve-se a técnica da enumeração taxativa das situações em que é permitida essa modalidade de contrato a termo, embora tenha alargado significativamente o leque das situações em que ela é possível, conforme resulta da letra do nº1 do art. 143º, que estabelece que “sem prejuízo do previsto no nº 1 do artigo 129º, só é admitida a celebração de contrato de trabalho a termo incerto nas seguintes situações”.
A referência ao nº 1 do art. 129º apenas parece querer reiterar a exigência de uma necessidade temporária para justificar esta modalidade de contrato a termo incerto (neste sentido Júlio Gomes, Direito do Trabalho, I, pag. 606.
Ora, a al. a) do nº 1 do art. 143º do CT estipula o seguinte:
“a)  Substituição directa ou indirecta de trabalhador ausente ou que, por qualquer razão, se encontre temporariamente impedido de prestar serviço”.
No caso vertente verifica-se que A. e Ré celebraram um contrato de trabalho a termo incerto, com início em 01.06.2004, que contém a seguinte justificação “ao abrigo do artigo 143º alínea a), desempenhando as funções de CRT, no CDP 7630 … … pelo tempo necessário à substituição do CRT J…, que se encontra deslocado no CDP 7780 … Verde a executar funções de chefia em regime de interinidade.”
A decisão recorrida considerou válida esta justificação afirmando que “o exercício de funções em regime de interinidade é uma situação provisória por natureza, podendo acabar a qualquer momento sem que seja possível prever a data do regresso do trabalhador ao seu anterior posto de trabalho. Devido à sua colocação no CDP de … nesse regime, que implica que a sua deslocação para esse local não seja definitiva, o carteiro J… encontra-se efectivamente ausente e impedido temporariamente de prestar serviço no CDP de …, o que levou à necessidade da sua substituição neste local enquanto perdurar o exercício de funções em … no regime de interinidade. Deste modo, a contratação da A. a título provisório para assegurar esta substituição é válida e legítima, não se verificando qualquer nulidade do termo constante do contrato de trabalho sub judice”.
A Recorrente discorda da decisão recorrida por entender que “a previsão da al. a) do art 143° do Código do Trabalho se refere a ausência ou impedimento de um trabalhador no âmbito de uma Empresa, e não no contexto restrito de uma das múltiplas lojas de uma mesma Empresa. O trabalhador ausente ou temporariamente impedido de prestar serviço na formulação legal, é alguém que não pode prestar serviço à Empresa e não alguém que por vontade da Empresa continua a prestar serviço mas por vontade da mesma deslocada em outro local da dita Empresa”.
Pois bem, a nosso ver, a razão está do lado da Recorrente.
Em primeiro lugar, da letra da norma contida na al. a) do nº 1 do art. 143º do CT resulta claramente que a contratação a termo incerto só é válida para substituição de trabalhador ausente ou de trabalhador que se encontre temporariamente impedido de prestar serviço, por qualquer motivo.
Mas a ausência significa a não presença do trabalhador na empresa, o que pode ocorrer por múltiplas razões, nomeadamente casos de férias, doença, licença de maternidade ou paternidade, cumprimento de serviço militar obrigatório e muitos outros casos se poderia citar.
Assim, trabalhador ausente ou temporariamente impedido de prestar serviço, nos termos e para efeitos da referida norma legal, deve entender-se aquele trabalhador que não pode prestar serviço à empresa e não alguém que por vontade da empresa continua a prestar serviço na mesma empresa, embora noutro local.
Por outro lado, a substituição desses trabalhadores pode ocorrer de forma directa ou indirecta, o que significa que é permitida a substituição em cadeia ou em cascata, permitindo-se a contratação a termo de um trabalhador que não vai substituir o trabalhador impedido, mas outro trabalhador da empresa que se encontre a substituir o trabalhador impedido, por exemplo, no âmbito de uma alteração funcional ou de jus variandi ([1]).  
No caso em análise, verifica-se pela própria justificação constante do contrato para o termo incerto, que o trabalhador substituído, J…, continuou a prestar serviço no CDP 7780 …, para onde foi deslocado, sendo indiferente para o caso que executasse funções de chefia em regime de interinidade.
O trabalhador substituído não estava ausente da empresa, nem temporariamente impedido de prestar trabalho, pois que ele continuava a trabalhar na empresa.
Os conceitos de ausência e de impedimento a que se refere a al. a) do nº 1 do art. 143º, reportam-se a ausências e impedimentos do trabalhador relativamente à empresa em geral e não a certos locais desta, nem a certas formas de prestação da actividade.
Se assim não fosse, como bem refere o recorrente, qualquer empregador com múltiplos estabelecimentos poderia manter em rotação metade dos seus trabalhadores e manter contratados a termo incerto outros tantos, contornando desta forma a lei e o escopo que a motivou.
Conforme refere Monteiro Fernandes ([2]) “a exigência legal da indicação de motivo justificativo é uma consequência do carácter excepcional da contratação a termo e do princípio da tipicidade funcional que se manifesta no art. 129º: o contrato a termo só pode ser (validamente) celebrado para certos (tipos de) fins e na medida em que estes o justifiquem”.
Na verdade, a contratação a termo, só não é violadora do princípio da segurança no emprego constitucionalmente consagrado no art. 53º da CRP, porque se encontra vinculada a um complexo de regulação, constante do Código do Trabalho, que exprime o carácter excepcional das situações em que se pode recorrer a esse tipo de contratação, nomeadamente a exigência de que a forma escrita inclua a justificação dos motivos do recurso a essa contratação, assim criando o material necessário a um controlo judicial efectivo dos respectivos pressupostos ([3]).
Volvendo ao caso vertente, refira-se, ainda, que as funções que a A. exercia de distribuição do correio na área que engloba a vila de …, passaram a ser executadas por um colega da A., que por seu lado foi substituído no trabalho que fazia por um outro trabalhador da R., ambos contratados a termo, o que bem evidencia que essas funções não integravam uma necessidade transitória da empresa, que é o fundamento genérico da contratação a termo, nos termos da referência inicial do art. 143º para o nº 1 do art. 129º do CT.
Conclui-se, assim, que o motivo invocado para a celebração do contrato de trabalho a termo incerto não configura a situação prevista na al. a) do nº 1 do art. 143º do CT, não sendo, por isso, válida a justificação invocada para a celebração do contrato de trabalho a termo incerto, o qual, nos termos do nº 2 do art. 130º do CT, se considera sem termo.
E sendo um contrato sem termo, a cessação determinada pela entidade empregadora nos termos que constam dos nº 4 a 8 e 11 dos factos provados é ilícita, por não ter sido precedida de processo disciplinar e não existir justa causa, como decorre do disposto no art. 429º do CT.
Nos termos dos art. 436º e 437º do CT, tem a Recorrente direito à sua reintegração sem perda de categoria e antiguidade e a receber as retribuições que deixou de auferir desde 23.01.2006 (30 dias antes da propositura da acção) até ao trânsito em julgado desta decisão, deduzindo-se as importâncias que a trabalhadora tenha comprovadamente obtido com a cessação do contrato e que não receberia se não fosse o despedimento, bem como o montante do subsídio de desemprego auferido pela trabalhadora, devendo o empregador entregar essa quantia à Segurança Social (nº 2 e 3 do art. 437º do CT), tudo a liquidar em execução de sentença se necessário.

Decisão:
Nos termos expostos, acorda-se em julgar procedente o recurso e, revogando-se a decisão recorrida, decide-se:
A) declarar sem termo o contrato celebrado entre a Autora e a Ré em 1.06.2004, por invalidade do motivo invocado para a aposição do termo resolutivo e ilícito o despedimento da Autora operado em 24.01.2006;
B) Condena-se a Ré a reintegrar a Autora sem perda de categoria e antiguidade e a pagar-lhe as retribuições que esta deixou de auferir desde 23.01.2006 (30 dias antes da propositura da acção) até ao trânsito em julgado desta decisão, deduzindo-se as importâncias que a trabalhadora tenha comprovadamente obtido com a cessação do contrato e que não receberia se não fosse o despedimento, bem como o montante do subsídio de desemprego auferido pela trabalhadora, devendo o empregador entregar essa quantia à Segurança Social (nº 2 e 3 do art. 437º do CT), tudo a liquidar em execução de sentença se necessário.
C) Custas da acção e do recurso a cargo da Ré.

Lisboa, 28/5/2008


Seara Paixão
Ferreira Marques
Maria João Romba

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[1] Júlio Gomes, Direito do Trabalho, vol. I, pag. 594 e Paula Ponces Camacho, em O Contrato de Trabalho a Termo, em A reforma do Código do Trabalho, Coimbra editora, pag. 296 .
[2] Direito do Trabalho, pag. 12ª ed., Almedina, pag.  314.
[3] Cfr. Ac. do Tribunal Constitucional nº 683/99 de 21.12.99, in DR, II, nº 28, de 3.02.2000.