Acórdão do Tribunal da Relação de Lisboa
Processo:
5269/2004-1
Relator: PAIS DO AMARAL
Descritores: ARROLAMENTO
ARRESTO
PROVIDÊNCIA CAUTELAR
Nº do Documento: RL
Data do Acordão: 07/08/2004
Votação: UNANIMIDADE
Texto Integral: S
Privacidade: 1
Meio Processual: AGRAVO
Decisão: NEGADO PROVIMENTO
Sumário:
Decisão Texto Integral: Acordam no Tribunal da Relação de Lisboa:

(A), (B), (C), (D), (E), (F), (G) e (H) propuseram contra (S) a providência cautelar de arresto preventivo com os seguintes fundamentos:
Desde há cerca de três anos, os Requerentes jogam semanalmente, em conjunto, no Totoloto e Jocker, repartindo as respectivas despesas e os prémios.
Jogam com três chaves fixas, no sistema de apostas múltiplas de 8 cruzes, a que correspondem 28 apostas.
Têm entre si organizada uma contabilidade, através da qual aquele que está encarregado de proceder à entrega dos boletins presta contas semanalmente aos outros de todas as despesas efectuadas e dos prémios recebidos.
Desde Outubro de 1997 até Dezembro de 1998 foi o Requerido que ficou encarregado de proceder ao preenchimento e entrega dos boletins.
Os Requerentes vieram a apurar que na extracção nº 44, no dia 1/11/98, tinha sido premiado um boletim, não pela chave numérica, mas sim pelo Jocker, e que havia sido atribuído o primeiro prémio no valor de 187.714.203$00. O custo das respectivas apostas foi por todos suportado em partes iguais, como sempre fizeram.
Todos têm direito a repartir entre si o prémio, em partes iguais. O Requerido encontra-se a utilizar a totalidade daquela importância.
Os Requerentes têm igualmente direito a repartir entre si o valor dos prémios correspondentes ao boletins da semana 42, cujo montante ignoram.
Os Requerentes têm receio de não virem a receber esses valores e de perderem o seu crédito. Pedem que seja decretado o arresto dos bens que indicam.
Inquiridas as testemunhas arroladas, foi decretado o arresto.
Citado o Requerido, veio deduzir oposição alegando, em síntese, que o boletim premiado não contém nenhuma das chaves referidas no artº 4º do requerimento inicial e termina por pedir que seja julgado improcedente o pedido de arresto, condenando-se os Requerentes, como litigantes de má fé, em multa e indemnização de valor nunca inferior a 20.000.000$00.
Entretanto, pelo despacho de fls. 626, foi ordenado o desentranhamento das folhas 588, 589, 595 e 598 a 603.
Não se conformando com o teor do despacho vieram os Requerentes, a fls. 635, interpor recurso, que foi recebido como agravo, com subida diferida.
Os Agravantes apresentaram a respectiva alegação que finalizaram com as seguintes conclusões:
A - O douto despacho recorrido, como alegado, é ferido de vários vícios que o tomam nulo, devendo como tal ser revogado.
B - Os Agravantes peticionaram o arresto de várias contas bancárias em que foram depositadas importâncias provenientes do prémio do Totoloto, em causa nos presentes autos, nomeadamente das contas referidas no BIC e na CGD.
C - Deferidos tais arrestos, por douto despacho de 24/8/99, foram notificadas estas entidades para arrestarem tais contas até ao valor dos cheques, e ainda para prestarem todas as declarações que pudessem interessar aos presentes autos, como resulta dos ofícios de Fls. 327 e 330, remetidos respectivamente à CGD e ao BIC.
D - Este despacho transitou em julgado, e foi proferido já após o Agravado ter apresentado a sua Oposição em 18/8/99.
E - Tais entidades limitaram-se a comunicar ao Tribunal o arresto dos saldos, sem qualquer esclarecimento sobre a não apreensão da totalidade do montante, e as razões respectivas, assim desrespeitando o disposto nos Arts. 861-A e 856º, nº 2, do CPC, como resulta dos ofícios de Fls. 346 do BIC e de Fls. 355 da CGD.
F - Os documentos agora mandados desentranhar de Fls. 595 e 598/602, ofícios do BIC, mais não são do que complemento dos anteriormente já juntos a Fls. 536/560, e em cumprimento dos doutos despachos do Mº Juiz "a quo" de Fls. 427, proferido em 17/12/99, de Fls. 483 proferido em 7/2/00, e de Fls. 586, proferido em 6/7/00.
G - O documento de Fls. 603, ofício CGD é complementar dos esclarecimentos
prestados em 4/11/99, a Fls. 404/9, na sequência dos doutos despachos proferidos a 422, em 10/12/99, de Fls. 483, de 7/2/00, e de Fls. 586, de 6/7/00.
H - Todos estes despachos há muito transitaram em julgado, com o conhecimento do Agravado, e dos titulares das respectivas contas, pelo que devem ser cumpridos nos seus precisos termos.
I - Aliás, e já anteriormente, por doutos despachos de Fls. 181/2, e 28/4/99,e de Fls. 249/51, de 16/6/99, ambos também transitados em julgado, já o Mº Juiz « a quo» havia decidido no sentido de que as entidades bancárias que fossem notificadas para arrestar contas, não se podiam limitar a comunicar os saldos, mas antes deveriam prestar os esclarecimentos necessários ao cumprimento integral da ordem judicial, ou das razões de o não fazer, pois só assim era dado cumprimento às disposições legais, sendo que as informações prestadas posteriormente eram tidas como complementares, e só atacável o despacho inicial.
J - Na verdade, tal como aí decidido, também os despachos de Fls. 483, de 712/00, e de Fls. 586, de 6/7/00, em que deferem o pedido de informações complementares, não ordenaram nada de novo, neles se reitera somente a ordem que já havia sido dada e que os bancos não cumprido nos seus precisos termos, despachos estes transitados em julgado, por não terem sido atempadamente recorridos.
K - Pese a existência de todos estes despachos anteriores transitados em julgado, através dos quais se ordenou às entidades bancárias referidas que juntassem documentos aos autos, o Mº Juiz "a quo" proferiu o douto despacho aqui recorrido, o qual é totalmente contrário ao já decidido, e sem fundamentação.
L - Em suma, o Mº Juiz "a quo" ordenou àquelas entidades bancária que juntassem os documentos, e agora ordenou o seu desentranhamento, em violação flagrante de caso julgado formal.
M - Mais, o Agravado veio reclamar de nulidade processual notoriamente inexistente, sendo que o meio próprio sempre seria o recurso do despachos que ordenaram a junção aos autos daqueles documentos.
N - Acresce ainda que as contas a que se referem estes documentos pertencem à R. CARLA e não ao Agravado, pelo que este não tem legitimidade para suscitar esse pretenso vício, quando a interessada consentiu, nada dizendo.
O - Certo é também que o silêncio dos Agravantes não produz qualquer efeito, nem tem qualquer cominação, pelo que, ao se referir a ele nos termos em que o fez, para decidir como decidiu, violou também, o Mº Juiz "a quo" a lei. (Arts. 207º do CPC e 218º do CC)
P - Aliás a posição assumida pelos Agravantes ao longo de todo o processo, é manifestamente contrária, isto é, que não constitui qualquer vício o pedido de elementos aos bancos, e daí tal ter requerido diversas vezes nos autos tais elementos, o que foi deferido, sendo mesmo certo que, a pronunciarem-se tinham dado origem a um incidente anómalo.
Q - Os requerimentos do Agravado de Fls. 614/6 de 30/10/00 e de Fls. 622/3 de 17/1/01, são manifestamente extemporâneos para reagir contra os despachos proferidos pelo tribunal, pelo que, esses sim, deveriam ter sido desentranhados.
R - A importância para os autos dos documentos mandados desentranhar é de grande relevância, para a verdade material e boa decisão da causa, tendo tal já sido apreciado como tal, e assim decidido, pelo que se devem manter no processo.
S - No douto despacho recorrido o Mº Juiz "a quo" não apreciou a legitimidade do Agravado, nem se pronunciou quanto a tempestividade da apresentação dos requerimentos, o que também constitui vício por omissão de pronúncia.
T - O douto despacho recorrido é ferido de nulidade por ter violado, entre outras disposições legais o disposto nos Arts. 672º, 158º, 668º, nº 1, alíneas b) e d), 207º, 265º nº 3, 266º, 519º, 519º-A, 531º, 535º, 542º, 543º e 201º, 861º-A, 856º, todos do CPC, o Art. 218º do CC e ainda os Arts. 78º e 79º do DL 298/92, de 31/12/92.
Ternos em que, deve ser dado provimento ao presente recurso, revogando o douto despacho ora recorrido, e substituindo-o por outro que indefira a pretensão do Agravado, deduzida no seu requerimento de 17/1/01, assim se mantendo nos autos os documentos mandados desentranhar, com as consequências legais.
Contra-alegou o Requerido defendendo que deve ser negado provimento ao recurso.
Produzida a prova apresentada pelo Requerido, foi fixada a matéria de facto provada.
Foi depois proferida decisão que, julgando improcedente a oposição, manteve a providência cautelar decretada.
Não se conformando com a decisão, o Requerido interpôs recurso, tendo apresentado a respectiva alegação cujas conclusões são as seguintes:
1. Contendo o boletim premiado uma aposta diferente da que o recorrente e os recorridos convencionaram fazer, não têm os recorridos o direito a qualquer parte do prémio.
2. Foi dado como assente que o recorrente (S)e os recorridos convencionaram jogar "única e exclusivamente" com as três chaves de oito cruzes referidas no artº 4º do requerimento inicial.
3. O boletim premiado não contém nenhuma das apostas que foi convencionada, mas uma aposta diferente, com menos um número.
4. A providência adequada ao caso identificado no requerimento inicial seria o arrolamento, por força do artº 421º do CPC.
5. O artº 1245º do Código Civil dispõe que do jogo nunca emergem obrigações civis, sendo certo que os recorridos pretendem extrair obrigações de um contrato de jogo em que nem sequer são partes.
6. De qualquer modo, nem o arrolamento nem o arresto deveriam ter sido decretados, verificada a contradição entre as chaves convencionadas e a chave diversa constante do boletim premiado.
7. Mas tendo-o sido, deveria ter sido julgada procedente a oposição em coerência com a prova feita nos embargos, maxime do que consta dos pontos 1,2 e 3 da matéria de facto provada.
8. E deveriam os recorridos ter sido condenados - como o devem ser - por litigar com descarada má fé ao peticionarem parte de um prémio obtido por uma aposta que nunca quiseram fazer, como resulta inequívoco da matéria de facto provada.
9. Os recorridos causaram com a sua providência prejuízos elevadíssimos aos recorrentes e provocaram inclusivamente o divórcio da recorrente Carla.
10. A douta decisão recorrida ofende o disposto nos artºs 387º e 421º do CPC ainda o are 1245º do Código Civil, no sentido acima exposto.
Nestes termos, deve a oposição ao arresto ser julgada procedente, ordenando-se o levantamento do mesmo.
Contra-alegaram os Requerentes pugnando por que seja negado provimento ao recurso.
Colhidas as provas legais, cumpre decidir.
xxx
Foram indiciariamente julgados provados os seguintes factos:

1º Há cerca de oito anos que alguns dos Requerentes começaram a jogar em conjunto no TOTOLOTO e Jocker, repartindo as respectivas despesas e os prémios.
2º Desde há cerca de 3 anos que os Requerentes jogam semanalmente com três chaves fixas, no sistema de apostas múltiplas de 8 cruzes, a que correspondem 28 apostas.
3º Para além destas apostas múltiplas, os AA. jogam também semanalmente no “JOCKER”.
4º Desde há aproximadamente dois anos que o Requerido faz parte deste grupo, que joga no Jocker, e com as referidas três chaves fixas, que são as seguintes:
- 3, 6, 16, 17, 21, 22, 40, 45
- 5, 12, 13, 21, 24, 26, 40, 42
- 5, 6, 11, 14, 18, 25, 27, 28
5º Em cada ano é encarregado um dos membros deste grupo para preencher e entregar todas as semanas o Boletim do Totoloto, de acordo com as chaves fixas.
6º Têm entre si organizada uma contabilidade, através da qual aquele que está encarregado proceder à entrega dos boletins, presta contas semanalmente aos outros de todas as despesas efectuadas e dos prémios recebidos, entregando ainda cópias dessa prestação contas.
7º Os saldos desta conta corrente servem para pagar as despesas das apostas subsequentes, e quando os mesmos têm algum significado para o pagamento de almoços de convívio entre todos, como sucede com o documento que se junta, rubricado pelo Requerido, de um jantar no dia 6/12/98, no Restaurante O Barracão, Adega Típica, em Verdelha do Ruivo.
8º Sempre os Requerentes e o Requerido pagaram em partes iguais as despesas do jogo, e repartiram entre si do mesmo modo todas as receitas recebidas.
9º Desde Outubro de 1997 e até Dezembro de 998 foi o Requerido quem ficou encarregue de proceder ao preenchimento e às entregas dos boletins do Totoloto, e de elaborar e prestar contas ao grupo constituído por ele e pelos Requerentes.
10º O Requerido preencheu e entregou os boletins do Totoloto, pagou as despesas inerentes, cobrou dos demais as partes proporcionais, dividiu com estes também proporcionalmente as receitas, jantou com todos por conta dos saldos existentes, tendo elaborado as contas respectivas, as quais prestou.
11º Em finais do ano de 1998 e princípios de 1999, chamou a atenção dos Requerentes o facto de o Requerido efectuar várias despesas, tendo aparecido com um novo veículo da marca Opel, matrícula 73-69-MG, o qual lhes disse ter adquirido, e ainda declarado que iria frequentar um curso de pára-quedismo.
12º Estranhando tais despesas, inusitadas por parte do Requerido que não dispõe de meios económicos para tal, nem os seus familiares os têm também, os Requerentes procuraram averiguar o que sucedera.
13º A insistência dos Requerentes, referiu o Requerido que lhe havia saído na Lotaria, a ele e a um agente da PSP, com quem jogara à sociedade, a importância de 35.000 contos para cada um.
14º Porém, e para outras pessoas, o Requerido, diferentemente, declarou que lhe haviam saído, a ele e ao tal agente da PSP, Esc. 7.500.000$00, na Lotaria Popular.
15º Quer porque de versões diferentes se tratava, quer porque a Lotaria Popular não distribui prémios deste montante, os Requerentes suspeitaram que lhe teria saído dinheiro no Totoloto, nos boletins apresentados e pagos pelo grupo, do qual fazem parte os Requerentes e o Requerido, uma vez que este não joga sozinho, como sempre refere.
16º Porém, e tendo verificado cautelosamente as chaves e os números premiados nas últimas semanas, nenhuma dessas chaves correspondia aos números fixos com que o Requerido e os Requerentes jogam semanalmente, há cerca de 3 anos.
17º Sabendo ser hábito do Requerido entregar os boletins do Totoloto na Agência nº 01278, instalada na Rua Vieira da Silva, em Alcântara, Lisboa, procuraram o proprietário da mesma, Sr. Sousa, a fim de indagarem se tinha sido premiado algum boletim ali entregue.
18º Vieram a apurar que na extracção nº 44, do dia 1/1 1/98, tinha sido premiado um boletim, não pela chave numérica, mas sim pelo JOCKER, uma vez que ali havia sido entregue o que tinha o nº 4 957 508, que fora premiado,
19º E que este boletim fora atribuído o primeiro prémio no valor de Esc. 187.714.203$00, como resulta deste documento junto.
20º Vieram então os Requerentes a apurar que o Requerido havia tratado de tudo por forma a que o prémio deste boletim não fosse remetido para aquela agência, tendo ele recebido o dinheiro do prémio directamente na Santa Casa da Misericórdia.
21º Vieram então ainda os Requerentes a ter conhecimento que o boletim entregue pelo Requerido naquela mesma agência, e referente à semana correspondente à extracção nº 42, também havia sido premiado, sendo que este somente distribuiu pelos Requerentes a importância de Esc. 5.000$00, correspondente aos 3 últimos algarismos do JOCKER que nessa semana fora premiado.
22º O Requerido nunca referiu aos Requerentes que lhes haviam saído estes prémios, e tal não fez constar das contas que apresentou, pese tê-las já prestado e entregue os saldos ao Requerente que o ficou a substituir.
23º Mesmo no último jantar que efectuaram em conjunto em 6/12/98, isto é, já após este último prémio ter sido recebido, o Requerido nada referiu quanto a este sorteio, antes continuando a insistir com os Requerentes que lhe saíra dinheiro na Lotaria.
24º Desde a data da extracção nº 44, e até ao final do ano, o Requerido continuou a preencher os boletins pertencentes a ele e aos Requerentes, os quais, e todavia, não mais entregou na agência referida e onde era hábito fazê-lo.
25º O Requerido nunca joga individualmente, mas tão somente neste grupo constituído por ele e pelos Requerentes, sempre declarando publicamente que não joga, salvo e por excepção, neste grupo.
26º O Requerido é pessoa de fracos recursos económicos, o mesmo sucedendo com os Requerentes.
27º Por esta razão se propuseram desde sempre dividir em partes iguais as despesas do jogo no Totoloto por forma a poderem jogar em apostas múltiplas com menos custos, e com maiores probabilidades de lhes saírem prémios, e também de partilharem em partes iguais os prémios que lhes saíssem.
28º Assim, e no que se refere ao boletim ao qual foi atribuído o 1º Prémio do JOCKER, o da semana correspondente à extracção nº 44, o custo das respectivas apostas foi por todos suportado em partes iguais, como sempre fizeram,
29º Pelo que todos têm igualmente direito a repartirem entre si o prémio, em partes iguais, cabendo a cada um deles a quantia de Esc. 20.857.132$50, resultante da divisão pelos 9 do prémio, sendo assim de Esc. 166.857.070$00 a verba global que o Requerido lhes terá de pagar, à qual ainda deverão acrescer os respectivos juros moratórios vencidos e vincendos até total e efectivo pagamento.
30º O Requerido encontra-se a utilizar a totalidade daquela importância, e a auferir só ele dos respectivos rendimentos, que são substanciais.
31º Os Requerentes têm igualmente direito a repartirem entre si o valor dos prémios correspondentes aos boletins da semana 42, cujo montante ignoram, o qual terá de ser liquidado em sede própria.
32º Os Requerentes têm receio de não virem a receber esses valores, e de perderem o seu crédito, por o Requerido dissipar, sonegar ou ocultar bens, nomeadamente o próprio dinheiro recebido, ou de o aplicar em bens inscritos a favor de terceiros, nomeadamente familiares, o que virá a impossibilitar a realização coactiva do seu crédito.
33º Efectivamente, os Requerentes receiam que se não se impedir imediatamente o continuar a dispor livremente do dinheiro dos prémios, este o dissipe e, ou, oculte totalmente, com grave e irreparável prejuízo dos Requerentes, que ficarão impossibilitados de cobrar o seu crédito.
34º O único bem conhecido do Requerido é uma quota no valor nominal de Esc. 90.000$00 na sociedade Soares & Alves, Lda, com o capital de Esc. 550.000$00.
35º O Requerido exerce a sua actividade profissional no estabelecimento de talho que esta sociedade tem, sito igualmente na Rua Maria Pia, nº 379, em Lisboa.
36º Os Requerentes residem todos na mesma área do Requerido, conhecem-no há vários anos, convivem regularmente entre eles, e só lhe conhecem como bens e rendimentos os que estão relacionados com aquela sociedade, e os que fossem de seu pai, entretanto falecido, isto é. uma outra quota na referida sociedade, no valor de Esc. 370000$00 da qual ele e a irmã são os herdeiros.
37º Têm assim os Requerentes o justo receio de não serem pagos do seu crédito, porquanto o Requerido não tem condições económicas que lhe permitam pagar aos Requerentes aquilo que lhes deve, na sequência da acção que vão instaurar, sendo que se trata de montante elevado.
Da prova produzida após ter sido deduzida a oposição, resultaram ainda provados os factos seguintes:
1. Os Requerentes e o Requerido estabeleceram um acordo no sentido de repartirem os resultados das apostas que algum deles fizesse no Totoloto com as três chaves fixas referidas no artº 4º do requerimento inicial, no sistema de apostas múltiplas de 8 cruzes a que correspondem 24 apostas (provado por confissão de parte);
2. Os Requerentes e o Requerido uniram as suas vontades única e exclusivamente para apresentarem semanalmente e um deles subscrever um prognóstico colectivo com aquelas três chaves fixas de 8 cruzes cada e não com outras combinações (provado por confissão de parte);
3. O boletim premiado foi preenchido com 7 cruzes, a que correspondem 7 apostas (provado por confissão de parte, associada ao conteúdo do texto de fls. 68, cuja eficácia demonstrativa não foi vaIidamente posta em crise);
4. Não existia mecanismo de fiscalização do cumprimento do acordado (confissão de parte);
5. O boletim premiado contém, junto à palavra “nome”, a menção “(S) ” (o fixado emerge do conteúdo do texto de fls. 68, cuja eficácia demonstrativa não foi validamente posta em crise);
6. No caso dos autos, o prémio atribuído foi resultado de um sorteio do “jocker” (o ora cristalizado brota do que consta dos textos de fls. 40 e 68, cuja força demonstrativa não foi validamente questionada);
7. O impresso do boletim premiado foi recolhido no agente da Santa Casa da Misericórdia em que o mesmo foi apresentado (provado por confissão de parte).
x
Começaremos por conhecer do agravo como o impõe o artº 710º do Código de Processo Civil.
O recurso foi interposto do despacho de fls. 626 v. que é do teor seguinte: “face ao silêncio da contraparte, ponderado o disposto nos artºs 78º e 79º do Decreto-Lei nº 298/92, de 31/12, ordeno o desentranhamento das folhas referenciadas a Fls. 623”.
O despacho foi proferido na sequência do requerimento de fls. 622 e seguinte, apresentado pelo Requerido destes autos, no qual, alegando que a junção dos documentos bancários de fls. 588 e 589, 595, 598 a 603 constitui manifesta violação do sigilo bancário, pede que tais documentos sejam desentranhados, com as legais consequências.
Como dizem os Agravantes, já por eles havia sido requerido o arresto das contas bancárias em que foram depositadas importâncias provenientes do prémio do totoloto, tendo tal requerimento sido deferido e tendo sido ordenado pelo Tribunal à CGD e ao BIC que prestassem as necessárias informações.
O despacho transitou em julgado e os documentos ora em causa são uma consequência do mesmo. Os documentos ora mandados desentranhar, haviam sido juntos aos autos por ordem do Tribunal.
Por outro lado, não são agora as entidades bancárias ou a titular da conta que suscitam a questão do sigilo bancário. E quando essa questão foi suscitada, o Tribunal tomou posição, através do despacho de fls. 181 e seguinte, dizendo que o sigilo bancário cede perante a necessidade de informações sobre depósitos bancários penhoráveis e, por isso, reitera o pedido de informação que já havia sido formulado. No mesmo sentido foi proferido o despacho de fls. 249 e seguintes, tendo mesmo condenado o Banco em multa, por não ter fornecido as informações solicitadas.
Além disso, o silêncio da contraparte não produz o efeito que, ao que parece, o despacho pretende atribuir-lhe.
Não tendo sido impugnado em invocado qualquer vício do despacho, este transitou em julgado. Trata-se do caso julgado formal, previsto no artº 672º do Código de Processo Civil.
O caso julgado formal tem força obrigatória dentro do processo em que o despacho ou a decisão foram proferidos. O caso julgado formal, também chamado de simples preclusão, impede que no mesmo processo seja alterada a respectiva decisão.
Pelo exposto concede-se provimento ao agravo e revoga-se o despacho recorrido, o qual deverá ser substituído por outro que, indeferindo o requerimento de fls. 622 e seguinte, mantenha nos autos os documentos ora mandados desentranhar.
Custas pelo Requerido.
x
Passemos ao segundo agravo:
Alega o Requerido que, contendo o boletim premiado uma aposta diferente da que o recorrente e os recorridos convencionaram fazer, não têm os recorridos o direito a qualquer parte do prémio.
Acrescenta que foi dado como assente que o recorrente (S) e os recorridos convencionaram jogar "única e exclusivamente" com as três chaves de oito cruzes referidas no artº 4º do requerimento inicial e que o boletim premiado não contém nenhuma das apostas que foi convencionada, mas uma aposta diferente, com menos um número.
Esta posição não pode manter-se de pé perante a prova produzida. Na verdade, resulta dos autos que:
Há cerca de oito anos que alguns dos Requerentes começaram a jogar em conjunto no TOTOLOTO e Jocker, repartindo as respectivas despesas e os prémios.
Desde há cerca de 3 anos que os Requerentes jogam semanalmente com três chaves fixas, no sistema de apostas múltiplas de 8 cruzes, a que correspondem 28 apostas.
Para além destas apostas múltiplas, os Autores jogam também semanalmente no “JOCKER”.
Desde há aproximadamente dois anos que o Requerido faz parte deste grupo, que joga no Jocker, e com as referidas três chaves fixas.
Em cada ano é encarregado um dos membros deste grupo para preencher e entregar todas as semanas o Boletim do Totoloto, de acordo com as chaves fixas.
Têm entre si organizada uma contabilidade, através da qual aquele que está encarregado proceder à entrega dos boletins, presta contas semanalmente aos outros de todas as despesas efectuadas e dos prémios recebidos, entregando ainda cópias dessa prestação contas.
Os saldos desta conta corrente servem para pagar as despesas das apostas subsequentes, e quando os mesmos têm algum significado para o pagamento de almoços de convívio entre todos.
Desde Outubro de 1997 e até Dezembro de 1998 foi o Requerido quem ficou encarregue de proceder ao preenchimento e às entregas dos boletins do Totoloto, e de elaborar e prestar contas ao grupo constituído por ele e pelos Requerentes.
O Requerido preencheu e entregou os boletins do Totoloto, pagou as despesas inerentes, cobrou dos demais as partes proporcionais, dividiu com estes também proporcionalmente as receitas, jantou com todos por conta dos saldos existentes, tendo elaborado as contas respectivas, as quais prestou.
Vieram os Requerentes a apurar que na extracção nº 44, do dia 1/1 1/98, tinha sido premiado um boletim, não pela chave numérica, mas sim pelo JOCKER, uma vez que ali havia sido entregue o que tinha o nº 4 957 508, que fora premiado, e que a este boletim fora atribuído o primeiro prémio no valor de Esc. 187.714.203$00, como resulta deste documento junto.
Vieram então os Requerentes a apurar que o Requerido havia tratado de tudo por forma a que o prémio deste boletim não fosse remetido para aquela agência, tendo ele recebido o dinheiro do prémio directamente na Santa Casa da Misericórdia.
Vieram então ainda os Requerentes a ter conhecimento de que o boletim entregue pelo Requerido naquela mesma agência, e referente à semana correspondente à extracção nº 42, também havia sido premiado, sendo que este somente distribuiu pelos Requerentes a importância de Esc. 5.000$00, correspondente aos 3 últimos algarismos do JOCKER que nessa semana fora premiado.
O Requerido nunca referiu aos Requerentes que lhes haviam saído estes prémios, e tal não fez constar das contas que apresentou, pese tê-las já prestado e entregue os saldos ao Requerente que o ficou a substituir.
Desde a data da extracção nº 44, e até ao final do ano, o Requerido continuou a preencher os boletins pertencentes a ele e aos Requerentes, os quais, e todavia, não mais entregou na agência referida e onde era hábito fazê-lo.
O Requerido nunca joga individualmente, mas tão somente neste grupo constituído por ele e pelos Requerentes, sempre declarando publicamente que não joga, salvo e por excepção, neste grupo.
Considerando os factos indiciariamente tidos como provados, a decisão não podia ter sido outra. Como aparentemente resulta dos autos, o boletim premiado não é uma aposta do Requerido, antes se englobando nas apostas do grupo, embora a chave tenha menos um número. O que importa é que o Requerido apresentou o boletim das apostas do grupo e a importância paga pelo boletim foi dividida por todos, conforme acordo existente entre eles.
Em suma, o boletim em causa não foi entregue pelo Requerido como sendo uma aposta sua, mas antes do grupo, pelo que se impunha que o respectivo prémio a todos devia pertencer. É claro que esta conclusão resulta da prova produzida que é necessariamente indiciária. Como é consabido, a providência cautelar tem carácter provisório, sendo certo que o Tribunal se limita a fazer uma apreciação sumária – summaria cognitio – da existência do direito, contentando-se com uma aparência do direito dos Requerentes – fumus boni juris. Tendo em conta a advertência que fizemos, atendendo à aparência do direito dos Requerentes, a providência não podia deixar de ser decretada.
Entende o Agravante que devia ter sido decretado o arrolamento em vez do arresto.
Como é sabido, existe alguma semelhança entre o arresto e o arrolamento. Utiliza-se o arresto para assegurar a garantia patrimonial do credor. Com o arrolamento pretende-se evitar o extravio, ocultação ou dissipação de bens.
No caso dos autos foi requerido o arresto. Embora o tribunal não esteja adstrito à providência concretamente requerida – artº 392º, nº 3 do C.P.C. – não se vê qualquer vantagem em alterar a providência, nem o Agravante a refere.
Pelo exposto, sem necessidade de mais desenvolvidos considerandos, nega-se provimento ao agravo e confirma-se a decisão recorrida.
Custas pelo Agravante.

Lisboa, 8/7/04

Pais do Amaral
André dos Santos
Santana Guapo