Acórdão do Tribunal da Relação de Lisboa | |||
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| Relator: | GRANJA DA FONSECA | ||
| Descritores: | ACIDENTE DE VIAÇÃO DANOS MORAIS PARAGEM DE VEÍCULO INDEMNIZAÇÃO | ||
| Nº do Documento: | RL | ||
| Data do Acordão: | 10/04/2007 | ||
| Votação: | UNANIMIDADE | ||
| Texto Integral: | S | ||
| Meio Processual: | APELAÇÃO | ||
| Decisão: | CONFIRMADA A DECISÃO | ||
| Sumário: | 1 – Ocorrendo a situação dum acidente de viação, causalmente imputável a terceiro, de que resultaram danos no veículo que obrigam à sua reparação e correspondente paralisação, o sistema legal confere ao lesado o direito à reconstituição natural da situação. 2 - A consumação dessa exigência de ordem legal poder-se-á fazer através da entrega de um veículo com características semelhantes ao danificado, facultando-se ao lesado a sua utilização durante o período de carência ou poderá traduzir-se na atribuição da quantia suficiente para contratar o aluguer de um veículo com características semelhantes. 3 - Em qualquer circunstância não podem deixar de ser invocadas e ponderadas as regras de boa fé para que aponta o artigo 762º do CC, sendo vedado ao lesado fazer exigências irrazoáveis que revelem a adopção de um comportamento abusivo que desvie as normas de tutela do seu objectivo principal que consiste no ressarcimento de danos efectivos e não no agravamento da posição do responsável. 4 - Devem ser igualmente tidos em conta, a par dos prejuízos causados ao lesado, os benefícios que lhe advenham da situação de modo a evitar um justo enriquecimento à custa do responsável. 5 - Não existe justificação legal para exigir do lesado a comprovação prévia do tipo de utilização que habitualmente conferia ao veículo ou, sequer, a demonstração do uso que pretende dar ao veículo substitutivo. 6 – Uma vez que o sistema atribui ao lesado o direito à reconstituição natural da situação, Se o lesado, eventualmente confrontado com a rejeição da sua pretensão de substituição do veículo ou de atribuição de um montante razoável para a concretizar, tomar a iniciativa de proceder ao aluguer de um veículo de características semelhantes às do sinistrado, nenhuma dúvida ressaltará quanto ao reconhecimento do seu direito ao reembolso das quantias despendidas durante o período de privação do uso. 7 – Do mesmo modo, o simples facto dessa faculdade não ter sido utilizada ou, mais do que isso, o facto de o lesado ter enfrentado uma recusa ilegítima de substituição, não pode desembocar, sem mais, na total liberação do responsável. 8 - Assim, se a privação do veículo durante um determinado período originou a perda das utilidades que o mesmo era susceptível de proporcionar e se essa perda não foi reparada mediante a forma natural de reconstituição, impõe-se que o responsável compense o lesado na medida equivalente. 9 - A falta de prova de despesas causalmente realizadas depois do sinistro não determina necessariamente a ausência de prejuízos, os quais não deixam de ser representados pelo desequilíbrio de natureza material correspondente à diferença entre a situação que existiria e aquela que é possível verificar depois de se constatar a efectiva privação do uso de um bem, sendo isso o bastante para determinar o ressarcimento através da única via possível, isto é, mediante a atribuição de uma compensação em dinheiro, se necessário recorrendo à equidade para alcançar a justa quantificação. 10 - Mesmo quando se trate de veículo em relação ao qual inexista prova de qualquer utilização lucrativa não está afastada a ressarcibilidade dos danos, tendo em conta a mera indisponibilidade do bem, sem embargo de, quanto aos lucros cessantes, se apurar que a paralisação nenhum prejuízo relevante determinou, designadamente, por terem sido utilizadas outras alternativas menos onerosas e com semelhante comodidade, ou face à constatação de que o veículo não era habitualmente utilizado. G.F. | ||
| Decisão Texto Integral: | Acordam no Tribunal da Relação de Lisboa: 1. [Ana ] e [Maria] propuseram a presente acção declarativa de condenação, com processo ordinário, destinada a exigir responsabilidade civil, emergente de acidente de viação, contra Companhia de Seguros [...], pedindo a condenação da Ré a pagar: a) – À Autora Ana a quantia de 70.000,00 €, a título de indemnização, acrescida de juros de mora à taxa legal desde a citação; b) – À Autora Maria a quantia de 11.283,06 €, correspondente ao valor da reparação da viatura; 3.740 € de desvalorização da viatura; 1.416,59 € de paralisação da viatura; e danos não patrimoniais no valor de 500 €, tudo no total de 16.939,65 €. A fls. 224, as Autoras ampliaram o pedido, no sentido da Autora Maria ser indemnizada, atendendo a critérios de equidade, no montante de 7.500,00 €, em virtude do veículo 79-56-RU se encontrar, ainda, por reparar. Alegaram, em síntese, que, no dia 16 de Novembro de 2001, pelas 23,15 horas, a Ana conduzia o veículo ligeiro de passageiros, Peugeot, modelo 207, pertencente à Maria na Avenida Marquês de Tomar, no sentido Norte – Sul, na cidade de Lisboa, pela hemi – faixa destinada ao seu sentido de trânsito, a velocidade inferior a 40 Km/hora, dirigindo-se para o cruzamento formado pela referida Avenida Marquês de Tomar e a Avenida Miguel Bombarda. Ao chegar ao dito cruzamento, porque o semáforo apresentava a luz verde para os veículos que circulavam nesse sentido, continuou a sua marcha, sem alteração da velocidade imprimida e entrou no cruzamento. Quando o veículo da Autora se encontrava a meio do cruzamento, apareceu do seu lado esquerdo o veículo ligeiro de passageiros de matrícula 79-60-AA, conduzido pelo seu dono, que circulava pela Avenida Miguel Bombarda, no sentido nascente – poente, e se dirigia para o referido cruzamento, a velocidade superior a 100 Km/hora, vindo a embater no veículo da Autora, apesar de ter deixado um rasto de travagem de 14,10 metros, antes do embate. Na ocasião, os semáforos encontravam-se a funcionar com normalidade, apresentando luz vermelha para o veículo 79-60-AA e luz verde para o RU (veículo da Autora). Em consequência do embate, o RU rodopiou para a direita, capotando de seguida e imobilizando-se junto da margem direita da faixa de rodagem, com a frente virada para Poente, tendo a Ana perdido momentaneamente os sentidos. Sofreu, além do mais, forte traumatismo craneano com queixas de cefaleias, múltiplas escoriações na face e forte traumatismo do membro inferior esquerdo. Em consequência dos danos resultantes do embate, o veículo da Autora ficou incapacitado de circular, pelo que, a partir da data do acidente, ficou privada do uso de veículo automóvel, tendo recorrido ao automóvel de uma pessoa amiga a quem compensou com 4.000$00 por dia pelo uso e desgaste do veículo. Apesar do arranjo, o veículo RU, em virtude do acidente, sofre desvalorização e as peças substituídas são mais vulneráveis à ferrugem e corrosão e o veículo perde alguns níveis de qualidade e de segurança e torna-se mais barulhento. A Ré contestou, alegando que a culpa do acidente ficou a dever-se, em exclusivo, à 1ª Autora, por ter desobedecido ao semáforo que, no momento do acidente, emitia luz vermelha para o veículo “RU”, acrescentando desconhecer se os demais factos são ou não verdadeiros. Foi proferido o saneador e elaborada a base instrutória. Procedeu-se a julgamento, tendo sido dada resposta à matéria de facto e, em seguida, foi proferida sentença, julgando a acção procedente por provada, tendo, em consequência, sido a Ré condenada a pagar à Maria a importância de 11.283,06 € (onze mil duzentos e oitenta e três euros e seis cêntimos), com vista à reparação, 3.000 € pela desvalorização do veículo, dado circular apenas há cinco meses quando se deu o acidente e atendendo à equidade, uma vez que esta não pôde dispor de veículo durante dois meses, uma indemnização no valor de 100,00 €. Foi ainda a Ré condenada a pagar à Ana a quantia de 10.000,00 €. Inconformadas, recorreram as Autoras, formulando as seguintes conclusões: 1ª – No pedido formulado pelas ora recorrentes consta o seguinte: “Nestes termos e nos demais de Direito deve a presente acção ser julgada provada e procedente e, em consequência, ser a Ré condenada a pagar à Autora Ana a quantia de 70.000 € e à Autora Maria a quantia de 16.939,65 €, tudo acrescido de juros legais vincendos, contados desde a citação até efectivo e integral pagamento, bem como em custas e procuradoria”. 2ª – Ora, a sentença é omissa quanto ao pagamento de juros por parte da recorrente Seguradora. Assim, atento o disposto no artigo 668º, n.º 1, alínea d) do CPC, a sentença é nula, pois o juiz deixou de se pronunciar sobre questões que devia apreciar, nulidade que aqui expressamente se invoca para todos os efeitos legais. 3ª – Os juros, quer pelos danos patrimoniais, quer pelos danos não patrimoniais, são devidos desde a citação, pois é a partir deste momento que o réu se constitui em mora, pelo que se impõe a condenação da recorrida Seguradora nestes termos. 4ª – Ao assim não decidir, a sentença recorrida violou ou/e aplicou erradamente, designadamente, o disposto nos artigos 562º, 564º, 566º, 805º e 806º do Código Civil e artigos 660º e 661º do CPC. 5ª – O montante atribuído a título de danos morais à recorrente Ana derivados das lesões advindas do presente sinistro é manifestamente insuficiente. 6ª – Face à matéria de facto provada e sem exageros nem miserabilismos, afigura-se-nos equitativa a verba indemnizatória, a título de danos não patrimoniais, de € 12.500. 7ª – Neste particular, a decisão recorrida violou, entre outras disposições legais, os artigos 483º, 562º, 564º e 566º do Código Civil. 8ª – Temos assim que o valor justo e equitativo decorrente da paralisação do veículo, (atento o facto que ainda hoje o veículo se encontra por reparar), se deve situar em montante superior a € 10.000. 9ª – O simples uso constitui uma vantagem susceptível de avaliação pecuniária, pelo que a sua privação consubstancia um dano que deve ser indemnizado como contrapartida da perda da capacidade de utilização normal durante o período de privação. Só que a recorrente Maria ainda se não encontra ressarcida do dano no seu veículo automóvel. 10ª – Em função do que resulta dito, a sentença recorrida fez má interpretação, entre outros, dos artigos 562º e 566º do Código Civil. A Apelada não contra – alegou. 2. Na 1ª instância consideraram-se provados os seguintes factos: 1º - No dia 16/11/2001, pelas 23 horas e 15 minutos, ocorreu um acidente em que foram intervenientes o veículo marca Peugeot, modelo 207, matrícula 79-56-RU de que era dona a Autora Maria e conduzido pela Autora Ana e o veículo 76-60-AA conduzido pelo seu dono Luís (alínea A). 2º - O veículo AA circulava pela Avenida Miguel Bombarda, em Lisboa, no sentido Nascente – Poente a uma velocidade de pelo menos 50 Km/h, enquanto o veículo 79-56-RU circulava na mesma Avenida no sentido Norte - Sul (alíneas B e C). 3º - O embate deu-se no cruzamento da Avenida Marquês de Tomar com a Avenida Miguel Bombarda, que é regulado por semáforos (alíneas D e E). 4º - A responsabilidade civil por danos causados pelo veículo 79-60-AA, estava transferida para a ré Companhia de Seguros [...] pela apólice n° AU21279587 (alínea F). 5º - Na altura do acidente o tempo estava bom e o piso encontrava-se seco e em bom estado de conservação (quesitos 1º e 2º). 6º- A Autora Ana circulava a uma velocidade não superior a 40 Km/h (quesito 3º). 7º - Quando o veículo 79-56-RU chegou ao cruzamento referido em 4º (alínea D) o semáforo apresentava-se-lhe com luz verde (quesito 4º). 8º - O veículo 79-56-RU continuou a sua marcha, sem alteração da velocidade imprimida e entrou no interior do cruzamento (quesito 5º). 9º - Quando se encontrava a meio do cruzamento surgiu o veículo 79-60-AA tendo ocorrido o embate (quesito 6º). 10º - O condutor do veículo AA travou, tentando evitar o embate (quesito 8º). 11º - Tendo percorrido 14,10 metros antes do embate (quesito 9º). 12º - O embate deu-se entre a frente do veículo AA e a parte lateral esquerda do veículo RU (quesito 11º). 13º - Em resultado do embate o veículo RU rodopiou para a direita e capotou de seguida (quesito 12º). 14º - Na altura do acidente a sinalização luminosa que regulava o trânsito na Avenida Miguel Bombarda e na Avenida Marquês de Tomar estava a funcionar sincronizada (quesito 13º). 15º - Quando o condutor do veículo 79-60-AA chegou ao cruzamento da Avenida Miguel Bombarda com a Avenida Marquês de Tomar o sinal luminoso que regulava o trânsito apresentava sinal vermelho (quesito 14º). 16º - A Autora Ana não foi logo conduzida ao hospital (quesito 16º). 17º - Mais tarde, a Ana sentiu-se mal e foi transportada ao Hospital Garcia da Orta onde lhe foi diagnosticado traumatismo craniano com queixas de cefaleias (quesito 17º). 18º - A Autora Ana em resultado do embate apresentava múltiplas escoriações na face e um forte traumatismo do membro inferior esquerdo (quesito 18º). 19º - A Autora Ana efectuou vários exames de RX à cabeça e ao membro inferior Esquerdo, após o que teve alta clínica (quesitos 19º e 20º). 20º - Mas, devido ao seu estado de fraqueza e às fortes dores, associada ao pânico e pavor que sentia, manteve-se acamada, em casa (quesito 21º). 21º - A Ana sentia muitas tonturas, mal estar, dores e falta de forças para se movimentar porque sentia o corpo bastante dorido, o que motivou que em 21/11/2001 fosse transportada para o Hospital Garcia da Orta, onde foi atendida no serviço de urgência desse hospital, sendo-lhe diagnosticado traumatismo craniano e fortes hematomas nos membros inferiores (quesitos 22º, 24º e 25º). 22º - A Autora Ana foi medicada e foi-lhe recomendado que permanecesse no leito até se sentir melhor, o que fez (quesitos 26º e 27º). 23º - Só passados quinze dias após o acidente é que a autora Ana se levantou da cama, embora ainda sentisse fortes dores de cabeça e uma grande sensação de cansaço (quesito 28º). 24º - No momento da ocorrência do acidente e nos instantes que o precederam, a autora Ana sofreu um enorme susto e teve também consciência de que em consequência do acidente lhe poderiam advir lesões graves, o que lhe provocou um grande desgosto e angústia (quesitos 29º, 30º e 31º). 25º - Dada a eminência do acidente e da sua incapacidade de lhe escapar e da violência do embate receou pelo própria vida (quesito 32º). 26º - A autora Ana sofreu dores localizadas sobretudo nos membros inferiores durante três meses, tendo que tomar, em virtude das lesões sofridas no acidente, analgésicos e anti – inflamatórios (quesitos 33º e 35º). 27º - Antes do acidente, a autora Ana era sã, escorreita, saudável e nunca havia sofrido qualquer acidente ou enfermidade (quesito 39º). 28º - E era forte, dinâmica e com grande alegria de viver e com grande gosto e apetência pela prática desportiva, praticando atletismo – corrida - pelo menos três vezes por semana (quesitos 40º e 41º). 29º - E era uma pessoa de fáci1 e bem disposto relacionamento (quesito 42º). 30º - Após o acidente, passou a apresentar um comportamento apático e triste e tornou-se uma pessoa facilmente irritável e irascível (quesitos 45 e 48º). 31º - E as actividades que desenvolve exigem-lhe actualmente muito mais esforço do que antes do acidente, pelo que chega ao fim do dia bastante mais cansada do que antes do Acidente (quesitos 50º e 51º). 32º - E lamenta-se bastante com o que lhe sucedeu, falando do acidente muitas vezes (quesito 52º). 33º - Deixou de praticar desporto e apresenta dificuldades de concentração, dificuldade de suportar ruídos, propensão para estados de grande ansiedade e acentuado agravamento de estados nervosos (quesitos 53º e 57º). 34º - Em virtude do acidente, o veículo RU ficou totalmente destruído, com danos materiais no guarda-lamas, grelhas, pára-choques, portas, painéis, tejadilho, pára-brisas, diversos revestimentos na mala e pára-choques, embaladeiras e suportes diversos, dobradiças e revestimentos de painéis (quesito 65º). 35º - E nos faróis, farolins, piscas, instalações eléctricas, amortecedores, braços de suspensão, eixo T, manga eixo, óleo e travões, material de blindagem de discos, apoios de transmissão, tubo de escape completo, diversos frisos, forro do capot e da porta, tejadilho e diversos plásticos (quesito 66º). 36º - O valor da reparação ascendia a 11.283,06 € (quesito 67º). 37º - Após o sinistro, as autoras informaram a Ré da ocorrência deste (quesito 68º). 38º - Após o acidente, o veículo RU deixou de poder funcionar, ficando a autora privada do uso do veículo automóvel, desde 16/11/2001 até 28/01/2002 (quesitos 69º e 70º). 39 - O veículo RU, na data do acidente, circulava havia cinco meses e nunca tinha sofrido qualquer acidente (quesitos 74º e 75º). 39º - O veículo AA colidiu frontalmente na lateral esquerda do veículo 79-56-RU e o embate deu-se para além da placa separadora que divide a Avenida Marquês de Tomar, no cruzamento da meia faixa de rodagem da direita daquela Avenida, atento o sentido Norte – Sul, com a Avenida Miguel Bombarda (quesito 89º). 40º - O veículo 79-56-RU ainda se encontra por reparar (quesito 92º). 3. É no corpo das alegações de recurso que têm de ser indicadas as razões da discordância com o julgado. Se aí o recorrente nada diz em contrário do decidido sobre determinada questão, é porque com aquela se conforma, transitando a decisão em julgado, não obstante as conclusões aflorarem eventualmente essa questão. Na verdade, as conclusões são um mero resumo dos fundamentos ou da discordância com o decidido, sendo ilegal o alargamento do seu âmbito para além do que do corpo daquelas consta. Assim, sendo o âmbito do recurso delimitado pelo teor das conclusões, só abrangendo as questões aí contidas, salvo se outras houver de conhecimento oficioso (artigo 690º, n. os 1 e 4), as recorrentes circunscrevem-no ao segmento da sentença que determinou o montante indemnizatório a título de danos morais a favor da autora Ana Rita, por força das lesões que lhe advieram em consequência do sinistro e à autora Maria Manuela a título de paralisação do veículo, suscitando previamente a nulidade por omissão de pronúncia quanto á questão dos juros de mora sobre as indemnizações fixadas. 3.1. Começam as recorrentes por suscitar a nulidade prevista na alínea d) do n.º 1 do artigo 668º CPC, com o fundamento de que, no pedido formulado pelas autoras, ora recorrentes, requeriam estas que a Ré fosse condenada a pagar à autora Ana Rita a quantia de 70.000 € e à Autora Maria Manuela a quantia de 16.939,65 €, tudo acrescido de juros legais vincendos, contados desde a citação até efectivo e integral pagamento, bem como em custas e procuradoria”, sendo a sentença omissa quanto ao pagamento de juros por parte da Seguradora. Verificada a arguida nulidade, foram os autos remetidos à 1ª instância, tendo a Exc. ma Juiz suprido a nulidade, conforme douto despacho de fls. 279, que não mereceu qualquer reparo das partes, razão por que esta primeira questão se encontra decidida. 3.2. Discorda a recorrente Ana que apenas lhe tenha sido atribuída a quantia de € 10.000, a título de danos morais derivados das lesões advindas do presente sinistro, considerando, face à matéria de facto provada, mais adequada a verba indemnizatória de € 12.500. A indemnização por danos não patrimoniais, como se dispõe no artigo 496º, n.º 3 CC deve ser fixada pelo tribunal, com base no princípio da equidade. Na apreciação dos elementos conducentes à obtenção de um valor justo, deve o julgador ter em atenção as circunstâncias referidas no artigo 494º, ou sejam, o grau de culpabilidade do agente, a situação económica deste e do sinistrado, as lesões sofridas por este e os sofrimentos resultantes dessas lesões, bem como os valores das indemnizações por danos não patrimoniais geralmente adoptados pela jurisprudência, tendo-se em conta as consequências morais que resultaram desses sofrimentos para os respectivos lesados. No que concerne à culpa do condutor do veículo automóvel seguro pela Ré, não pode, de modo algum, afirmar-se que a mesma seja de grau reduzido, moderado ou leve. Isto posto, considerando todos os aludidos factores a que alude o citado preceito, e nomeadamente os factos provados, torna-se patente que foram óbvias as dores sofridas pela Autora em consequência das lesões e tratamentos a que teve de sujeitar-se, sem esquecer que gozava de boa saúde e vigor antes do acidente. É indiscutível que os danos morais sofridos pela Autora, que se deixam enunciados, revestem acentuada gravidade, ficando a mesma com sequelas que necessariamente diminuem a sua qualidade de vida. Na impossibilidade de indemnizar os danos morais em toda a sua extensão, dado que os mesmos, pela sua própria natureza, não são dimensionáveis, há que procurar, por recurso à equidade, compensar, de algum modo, pecuniariamente, o sofrimento suportado pela Autora. A jurisprudência tem vindo a evoluir no sentido de considerar que a indemnização por danos não patrimoniais, para poder constituir uma efectiva possibilidade compensatória, tem de ser significativa, viabilizando um lenitivo para os danos suportados e, porventura, a suportar. No caso vertente, com vista à fixação da indemnização devida à Autora pelos referidos danos não patrimoniais, importa ponderar sobretudo as lesões sofridas, a intensidade das dores que suportou, as intervenções cirúrgicas e tratamentos a que foi submetida e as sequelas com que ficou. Ponderados estes elementos de facto, cremos estar correcta a indemnização fixada, correspondendo exactamente à quantia inicialmente reclamada a este título pela autora (cfr. artigo 83º da petição inicial). 3.2. Quanto aos danos decorrentes da paralisação do veículo, discorda igualmente a recorrente da indemnização fixada. A questão da indemnização pela simples privação do uso tem sido resolvida basicamente a partir da teoria da diferença. Quando a indemnização é negada, alega-se a falta de prova de uma diferença patrimonial entre a situação constatada no momento da decisão e a que existiria se não ocorresse o evento. Inversamente, a sua afirmação funda-se na constatação naturalística de que a privação do uso de uma coisa, inibindo o proprietário ou detentor de exercer sobre a mesma os inerentes poderes, constitui uma perda que deve ser considerada, tudo se resumindo à detecção do método mais adequado para a quantificação da indemnização compensatória. Tomando por base a situação dum acidente de viação, causalmente imputável a terceiro, de que resultaram danos no veículo que obrigam à sua reparação e correspondente paralisação, é incontroverso que o sistema confere ao lesado o direito à reconstituição natural da situação. A consumação dessa exigência de ordem legal poder-se-á fazer através da entrega de um veículo com características semelhantes ao danificado, facultando-se ao lesado a sua utilização durante o período de carência. Outra alternativa que igualmente permite aproximar o lesado da situação em que ficaria se não fosse o evento lesivo pode traduzir-se na atribuição da quantia suficiente para contratar o aluguer de um veículo com características semelhantes(1). É claro que em qualquer circunstância não podem deixar de ser invocadas e ponderadas as regras de boa fé para que aponta o artigo 762º do CC, sendo vedado ao lesado fazer exigências irrazoáveis que revelem a adopção de um comportamento abusivo que desvie as normas de tutela do seu objectivo principal que consiste no ressarcimento de danos efectivos e não no agravamento da posição do responsável. Devem ser igualmente tidos em conta, a par dos prejuízos causados ao lesado, os benefícios que lhe advenham da situação de modo a evitar um justo enriquecimento à custa do responsável. Mas, (2) eliminadas estas condicionantes de ordem geral, que visam impedir reclamações injustificadas ou excessivas ou que se destinam a atenuar as consequências de ordem patrimonial na esfera do responsável, não existe justificação legal para exigir do lesado a comprovação prévia do tipo de utilização que habitualmente conferia ao veículo ou, sequer, a demonstração do uso que pretende dar ao veículo substitutivo. “De um outro ângulo”, continuando a citar o mesmo Autor, “e mantendo as referidas cautelas, se o legislador, eventualmente confrontado com a rejeição da sua pretensão de substituição do veículo ou de atribuição de um montante razoável para a concretizar, tomar a iniciativa de proceder ao aluguer de um veículo de características semelhantes às do sinistrado, nenhuma dúvida ressaltará quanto ao reconhecimento do seu direito ao reembolso das quantias despendidas durante o período de privação do uso. Mais concretamente, se a questão vier a ser suscitada numa eventual acção de indemnização em que, a par dos restantes pressupostos da responsabilidade civil, se apurem os factos anteriormente resumidos, a aplicação directa das normas sobre a responsabilidade civil garantirá suficientemente a procedência da pretensão”. Sendo, pois, inequívoco que o sistema atribui ao lesado o direito à reconstituição natural da situação, o simples facto de essa faculdade não ter sido utilizada ou, mais do que isso, o facto de o lesado ter enfrentado uma recusa ilegítima de substituição, não pode desembocar, sem mais, na total liberação do responsável. Pelo contrário, a recomposição da situação danosa reclama que, pela única via então possível, ou seja, pela atribuição de um equivalente pecuniário, o lesado consiga ser reintegrado. Deste modo, se a privação do veículo durante um determinado período originou a perda das utilidades que o mesmo era susceptível de proporcionar e se essa perda não foi reparada mediante a forma natural de reconstituição, impõe-se que o responsável compense o lesado na medida equivalente. A falta de prova de despesas causalmente realizadas depois do sinistro não determina necessariamente a ausência de prejuízos, os quais não deixam de ser representados pelo desequilíbrio de natureza material correspondente à diferença entre a situação que existiria e aquela que é possível verificar depois de se constatar a efectiva privação do uso de um bem. É isso o bastante para determinar o ressarcimento através da única via possível, isto é, mediante a atribuição de uma compensação em dinheiro, se necessário recorrendo à equidade para alcançar a justa quantificação. Prevista genericamente no artigo 4º do CC, esta figura encontra no instituto da responsabilidade civil um dos seus principais campos de intervenção, precisamente quando se trata de apurar os montantes indemnizatórios perante a indisponibilidade de elementos objectivos ou face à impossibilidade de determinação exacta de outros danos (artigo 566º, n.º 3). Por isso, pressupondo que a privação do uso de veículo representa sempre uma falha na esfera patrimonial do lesado e que, em regra, será causa de um prejuízo material, impõe-se avaliar qual a compensação ajustada ao caso, de acordo com as repercussões negativas e o destino que, em concreto, era dado ao bem. Essa compensação pode variar de acordo com o circunstancialismo presente em cada caso, designadamente tendo em consideração a disponibilidade de outro veículo com idêntica função ou o grau de utilização que efectivamente lhe seria dado durante o período da privação. Mesmo quando se trate de veículo em relação ao qual inexista prova de qualquer utilização lucrativa não está afastada a ressarcibilidade dos danos, tendo em conta a mera indisponibilidade do bem, sem embargo de, quanto aos lucros cessantes, se apurar que a paralisação nenhum prejuízo relevante determinou, designadamente, por terem sido utilizadas outras alternativas menos onerosas e com semelhante comodidade, ou face à constatação de que o veículo não era habitualmente utilizado. In casu, as Autoras, após o sinistro, informaram a Ré da ocorrência deste, tendo o veículo, a partir daí, deixado de poder funcionar. A Autora ficou, pois, privada do uso do veículo automóvel, a partir de 16/11/2001, encontrando-se ainda por reparar. Quer-nos, assim, parecer que, à míngua de outros elementos, o valor justo e equitativo, decorrente da paralisação do veículo, se deve fixar em € 1.000. 4. Pelo exposto, na parcial procedência da apelação, condena-se a Ré a pagar à Autora Ana a quantia de € 10.000, a título de indemnização por danos não patrimoniais e à Autora Maria a quantia de € 15.283,06, a título de indemnização por danos patrimoniais, confirmando-se a sentença em relação aos juros, por nessa parte haver transitado. Custas pelas Autoras e Ré, na proporção do decaimento. Lisboa, 4 de Outubro de 2007 Manuel F. Granja da Fonseca Fernando Pereira Rodrigues Fernanda Isabel Pereira ________________________ 1 - Cfr. Ac. da Relação de Coimbra, de 26-04-90, in CJ, II, 73. 2 - Abrantes Geraldes, Indemnização do Dano da Privação do Uso, 33. |