Acórdão do Tribunal da Relação de Lisboa
Processo:
4208/2006-7
Relator: MARIA DO ROSÁRIO MORGADO
Descritores: EXIGIBILIDADE DA OBRIGAÇÃO
EXECUÇÃO
EMBARGOS DE EXECUTADO
FOTOCÓPIA
Nº do Documento: RL
Data do Acordão: 05/15/2006
Votação: UNANIMIDADE
Texto Integral: S
Meio Processual: APELAÇÃO
Decisão: NEGADO PROVIMENTO
Sumário: Homologada por sentença transacção em que a ré “ se compromete a pagar igualmente contra recibo as quantias despendidas pela autora nas consultas de ortodôncia, bem como os medicamentos que nesse âmbito lhe forem receitados”, considera-se inexigível a obrigação exequenda, ocorrendo a substituição, não aceite pelo devedor, dos originais dos recibos por mera fotocópia, fora do quadro legal decorrente dos artigos 383.º. e seguintes do Código Civil.
(SC)
Decisão Texto Integral: Acordam na 7ª Secção do Tribunal da Relação de Lisboa

1. Ana […] instaurou contra a Companhia de Seguros […] execução para pagamento de quantia certa visando a cobrança coerciva de 6.846,16 Euros, servindo de título executivo 16 documentos e a sentença homologatória de uma transacção celebrada entre as partes, no âmbito do processo apenso.

2. Ao abrigo do disposto no art. 813º, do CPC, veio a executada embargar dizendo, em síntese, que a exequente não apresentou os originais dos documentos que comprovam os pagamentos que diz ter feito. Argumenta ainda que não se pode pedir o pagamento coercivo de juros de mora, por os mesmos não estarem cobertos pela condenação.

3. Os embargos foram contestados e, a final, foi proferida sentença que julgou extinta a execução, com o fundamento de que a embargante/exequente não juntou aos autos os originais dos documentos alusivos ao pagamento, que diz ter feito.

4. Inconformada, apela a embargada e, em conclusão, diz:

- Deve ser alterada a decisão sobre a matéria de facto já que a prova produzida não permite dar por provado que a embargada tivesse sido interpelada pela embargante para juntar os originais dos documentos.

- A transacção, homologada por sentença, não exige apresentação dos originais dos documentos.

5. Nas contra alegações, pugna-se pela manutenção da decisão recorrida.

6. Cumpre apreciar e decidir.

7. A factualidade dada como provada na sentença recorrida é a seguinte:

No âmbito do apenso, a embargante a embargada acordaram entre si, além do mais, que a primeira pagaria “contra recibo as quantias despendidas pela embargada nas consultas de ortodôncia, bem como os medicamentos que nesse âmbito lhe forem receitados.”

Tal acordo foi homologado por sentença, já transitada.

A embargada reclamou da embargante, a coberto de tal acordo, as despesas documentadas a fls. 6 a 24, da execução, remetendo-lhe para tal efeito fotocópia dos aludidos documentos.
 
A embargante interpelou a embargada para lhe entregar os originais dos documentos, o que esta não fez.
 
A embargante, no âmbito da regularização dos sinistros só efectua o pagamento contra a apresentação dos originais das facturas ainda que, excepcionalmente, emita por vezes recibo que envia ao sinistrado com base apenas em cópias, mas impondo-lhe a obrigação de apresentar os originais, no acto do pagamento.
 
8. O Recurso de Facto

Não tendo a decisão sobre a matéria de facto sido impugnada nos termos legalmente prescritos – cf. art. 690º-A, 1 e 2, CPC -, não dispondo esta Relação de todos os elementos que serviram de base àquela decisão, nem se vislumbrando qualquer deficiência, obscuridade ou contradição - cf. art. 712º, do CPC -, impõe-se a rejeição do recurso de facto, mantendo-se inalterada a decisão proferida sobre a matéria de facto.

9. Enquadramento Jurídico
 
Alega a embargante que a embargada/exequente não dispõe de título executivo que sirva de base à execução, uma vez que não apresentou os originais dos documentos comprovativos dos pagamentos, que alegadamente fez.
 
Contra argumenta a embargada/exequente, dizendo que o título é a sentença homologatória de transacção, a qual não exige a exibição dos originais.
 
Vejamos.

À execução podem servir de base as sentenças condenatórias (al. a), do art. 46º, do CPC), como tal se considerando todas as sentenças, cujo comando encerre uma condenação, sejam ou não proferidas em acções de condenação.

 Não há dúvidas de que a sentença homologatória (v. art. 300º, nº3, do CPC) constitui, como as restantes sentenças de condenação, título executivo (cf., a propósito, Lebre de Freitas, A Acção Executiva, 42 e ss. e Miguel Teixeira de Sousa, A Acção Executiva Singular, 74,75), embora se deva ter em conta que o teor da sentença é complementado com o do negócio homologado.

 Ora, no caso concreto, nos autos de providência cautelar, as partes lavraram transacção (homologada por sentença, transitada em julgado) do seguinte teor (na parte que agora nos interessa):

 “A Ré compromete-se a pagar igualmente contra recibo as quantias despendidas pela Autora nas consultas de ortodôncia, bem como os medicamentos que nesse âmbito lhe forem receitados.”

Dos termos da transacção resulta que as partes acordaram, ao abrigo da liberdade contratual, que lhes é conferida pelo art. 405º, do CC, que a ora embargante se obrigava a apresentar recibo que comprovasse o pagamento das consultas médicas e dos medicamentos.

 Assim sendo, não tendo as partes prescindido da apresentação dos originais dos recibos, não podia a exequente - salvo caso de força maior[1] - tê-los substituídos por simples fotocópias, fora do quadro legal decorrente dos arts. 383º, 384º, 386º e 387º, ambos do CC [2].

Assim:

Estando o vencimento da obrigação simultaneamente dependente da verificação de uma condição (art. 270º, CC) e de uma contraprestação, a efectuar pelo credor (a apresentação dos recibos), sobre este recai a prova da verificação quer da condição, quer do oferecimento da contraprestação (cf. art. 804º, CPC).

Não o tendo feito, a obrigação exequenda não é exigível (art. 802º, CPC) – cf., a este respeito, o Ac. Rel. Évora de 29/9/1988, CJ, 1988, IV, 248.

Consequentemente, devem os embargos ser julgados procedentes (art. 814º, al. e), CPC).

10. Nestes termos, negando provimento ao recurso, acorda-se em confirmar a decisão recorrida (embora com diversa fundamentação).

Custas pela apelante.

Lisboa, 15 de Maio de 2006

(Maria do Rosário C. Oliveira Morgado)
(Rosa Maria Ribeiro Coelho)
(Maria Amélia Ribeiro)