Acórdão do Tribunal da Relação de Lisboa | |||
Processo: |
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Relator: | MANUEL GONÇALVES | ||
Descritores: | PROPRIEDADE HORIZONTAL CONDOMÍNIO ASSEMBLEIA DE CONDÓMINOS REQUISITOS | ||
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Nº do Documento: | RL | ||
Data do Acordão: | 05/20/2010 | ||
Votação: | UNANIMIDADE | ||
Texto Integral: | S | ||
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Meio Processual: | APELAÇÃO | ||
Decisão: | CONFIRMADA A DECISÃO | ||
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Sumário: | - Nos Aldeamentos turísticos, é em princípio Administrador, a entidade exploradora; - À convocação e funcionamento da Assembleia de Proprietários, em tudo o que não estiver previsto de forma diversa, é aplicável o regime previsto para a propriedade horizontal; - O impresso onde se contém a designação do dia, ora local e ordem de trabalhos da Assembleia de Proprietários, não carece de ser assinado, desde que a carta registada enviada, contenha os elementos quanto à entidade convocante (Administrador); - A apreciação das dívidas dos proprietários, relativas à falta de pagamento da sua comparticipação para as despesas comuns, contém-se necessariamente, no ponto de «aprovação das contas respeitantes à conservação e fruição das instalações e equipamentos comuns e às do funcionamento dos serviços de utilização turística de uso comum». (Sumário do Relator) | ||
Decisão Texto Parcial: | ![]() | ||
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Decisão Texto Integral: | Acordam no tribunal da Relação de Lisboa: B..., intentou contra ALDEAMENTO TURÍSTICO ... (representada pela sociedade C..., SA), acção de anulação de deliberações da Assembleia de Proprietários daquele Aldeamento, que teve lugar em 06.08.2007. Para o efeito, alega em síntese o seguinte: A A., é proprietária de uma casa no Aldeamento requerido, designada por Vila (...). Por carta datada de 26.07.2007, não assinada, foi comunicado à A. que estava convocada para o dia 06.08.2007, uma Assembleia de Proprietários da R., e respectiva ordem de trabalhos. A A. alertou por escrito que a convocatória não havia sido entregue com a antecedência legal e solicitou que em tempo útil lhe fosse facultada a consulta dos elementos em que as contas se baseavam. Por carta expedida em 05.11.2007, recebeu a A. a acta da Assembleia, que se realizara na data agendada. Constatou ainda a A., que haviam sido discutidos assuntos que nem sequer constavam da ordem e trabalhos. Contestou a Ré, (fol. 58), dizendo em síntese o seguinte: O R., não tem capacidade judiciária, o que determina a absolvição da instância – art. 493 nº 2 c) e 494 CPC. Ao caso não é aplicável a acção de anulação prevista no art. 1433 CC. Há muito caducou o direito da A., a pedir a anulação das deliberações tomadas em 06.08.2007. Nem o «Aldeamento Turístico ....» nem «Sociedade C..., SA» podem ser demandadas. A convocatória para uma reunião, não está dependente da assinatura do documento enviado. A convocatório foi expedida por carta registada com a/r. Replicou a A. (fol. 95). Foi proferido despacho saneador (fol. 109), em que, entre outras coisas: - Se decidiu não haver a falta de personalidade judiciária, invocada pela R; - Se decidiu não poder a A. intentar a presente acção, e com fundamento em erro na forma de processo, absolveu-se a R., da instância. Recorreu a A. (fol. 118). Conhecendo do recurso, foi proferido acórdão pelo Tribunal da Relação de Lisboa, em que se conclui da seguinte forma: «Por todo o exposto e tendo em conta o art. 712 CPC, acorda-se ... em julgar procedente o recurso de apelação interposto ... revogando-se, nessa medida, o despacho recorrido, e determinando-se a normal tramitação dos presentes autos». Os autos baixaram à 1ª instância, onde se procedeu a julgamento (fol. 183, 186), após o que foi proferida decisão da matéria de facto (fol. 188). Foi proferida sentença (fol. 193), em que se conclui da seguinte forma: «Pelo exposto decide-se julgar a presente acção improcedente e, em consequência, absolver o R., do pedido contra si formulado». Inconformada recorreu a A., formulando as seguintes conclusões: 1- A A., proprietária de uma casa no Aldeamento Turístico...., intentou acção contra o R., pedindo a anulação das deliberações tomadas na Assembleia de Proprietários daquele Aldeamento, que se realizara em 06.08.2007, invocando em suma o seguinte: - A convocatória para a Assembleia, expedida por carta datada de 26.07.2007, não fora efectuada com a antecedência legal e não vinha sequer assinada; - Tendo a Assembleia como ordem de trabalhos a aprovação das contas do ano 2006 e do orçamento para o ano de 2008, a carta não continha os elementos necessários à apreciação das contas ou à aprovação do orçamento; - Tendo o A, solicitado que lhe fossem facultados aqueles elementos, os mesmos não foram disponibilizados; - Não tendo a A., podido comparecer à Assembleia, por carta datada de 05.11.2007, foi-lhe remetida cópia da Acta da mesma através da qual a A., constatara que: - As contas de 2006 e o orçamento para 2008 haviam sido aprovadas sem que quaisquer esclarecimentos fossem prestados aos proprietários sobre a que é que se referiam as diversas rubricas e sem que da Acta resultasse sequer que tais rubricas haviam sido discutidas; - Foram aprovadas dívidas referentes aos proprietários das casas do Aldeamento, entre as quais figurava uma dívida da A., no montante de 10.285,92 euros, sem que esse assunto constasse da pretensa convocatória da Assembleia e sem que tivesse sido apresentada à Assembleia como é que se concluíra pela existência daquelas dívidas e respectivos montantes. 2- Em sede dos art. 6º, 15º, 16, da petição inicial, invocou a A., que os documentos enviados pelo R., com a petição inicial e que foram juntos com documentos 3 a 6, com a mesma petição, não permitiam perceber a justificação das diversas rubricas a que se referiam, referindo ainda nos art. 6º e 7º, da mesma petição que, dada essa insuficiência, solicitava ao Presidente da Administração do R., que lhe fosse facultada em tempo útil a possibilidade de consulta dos documentos que sustentavam os diversos valores das contas do ano de 2006 e o orçamento para o ano de 2008, e que tal consulta não lhe fora facultada. 3- Na resposta dada à matéria de facto, foi dado por provado sob o nº 6 que a A. solicitara aqueles elementos ao Presidente da Administração do R., mas não considerou provado que: - Tais elementos solicitados não haviam sido fornecidos; - Os Doc 3 a 6 oferecidos com a petição inicial eram insuficientes e nada esclareciam acerca das diversas rubricas descriminadas nos art. 15º e 16º da petição inicial. 4- Na verdade, na resposta dada à matéria de facto, nenhuma referência é feita ao facto de os elementos pedidos não terem sido fornecidos ou sobre a insuficiência das dados constantes dos doc 3 a 6 para apreciação das rubricas deles constantes, consignando-se na parte final da decisão sobre a matéria de facto que nenhuns outros factos se consideravam provados. 5- Ora para além de ter sido produzida prova testemunhal em audiência de julgamento, incluindo os próprios AA., dos doc 3 a 6, que sem hesitações afirmaram que a A., por intermédio do seu marido, havia solicitado a consulta dos documentos justificativos das diversas rubricas que constavam dos doc. 3 a 6 e que a mesma havia sido recusada, na contestação da R., não é deduzida qualquer oposição ao facto afirmado de tal recusa de consulta, razão porque, nos termos do art. 490 nº 2 CPC, tal facto tinha que ser dado por confessado e provado nos autos. 6- Quanto à insuficiência dos doc 3 a 6, oferecidos com a petição inicial, a prova dessa matéria resulta desde logo da leitura dos mesmos, pois, no doc. 3, Parecer do Revisor Oficial de Contas, no seu nº 3 é feita referência aos documentos apreciados, documentos esses que não são descriminados, e no nº 4 expressamente se diz que o Parecer se baseou na análise das notas explicativas que não se refere quais sejam. 7- No dc. 4 as diversas rubricas fazem referência a «Notas» que serão eventualmente notas explicativas ou documentos de suporte das despesas e que não foram disponibilizadas. 8- Nos dc 5 e 6, nenhuma nota explicativa aparece que suporte as diversas rubricas. 9- Sendo pois insuficientes tais documentos para que sobre as diversas rubricas possa ser tomada qualquer deliberação pela Assembleia. 10- A douta sentença recorrida ao não dar como provados tais factos, cometeu manifesto erro de julgamento em matéria relevante para a decisão da causa. 11- Está dado como provado na sentença recorrida no facto nº 4 que a convocatória da Assembleia não estava assinada e que continha uma menção «O Presidente da Mesa da Assembleia de Proprietários». 12- Aquela menção traduzia que quem assinava a carta era o Presidente da Mesa da Assembleia de Proprietários, mas a carta não estava assinada. 13- Existem aqui dois aspectos a ter em conta: - Em primeiro lugar, nos termos do Regulamento de Administração do Condomínio (doc. 1, oferecido com a petição inicial) a Assembleia de Proprietários só pode ser convocada pela Assembleia ou por proprietários que representem pelo menos 25% do valor do empreendimento – ver art. 10º nº 1 e 2 do Regulamento citado – e nunca pelo Presidente da Mesa da Assembleia de Proprietários. - Em segundo lugar a convocatória é um documento particular e, por essa razão, tinha que ser assinada pelo seu autor para valer como tal ou por alguém a seu rogo (se não souber escrever) ou conter a reprodução mecânica da assinatura (em caso em que o uso o permita ou sejam as cartas de grande quantidade) – art- 373 CC. 14- Assim sendo, a convocatória é inexistente – Ver acórdãos da Relação de Coimbra, de 27 de Fevereiro de 2007, e da Relação de Lisboa, de 16 de Abril de 2009. 15- A douta sentença recorrida, ao decidir que a convocatória da Assembleia era válida violou pois os art. 373, 1433 nº 1 CC, com referência ao art. 10º nº 1 e 2 do Regulamento de Proprietários do Aldeamento Turístico .... 16- É manifesto que para aprovação das contas do ano de 2006 e do orçamento para 2008, aos proprietários tinham de ser facultados elementos para que pudessem avaliar da correcção e justeza dos valores apresentados. 17- Não sendo deliberadamente fornecidos tais elementos é evidente que está a ser coarctado o direito de aprovar ou não as contas ou o orçamento e de eventualmente impugnar todas ou algumas delas e, no caso da A., que não foi à Assembleia, coarctado está até o direito se opor à concreta aprovação de uma ou outra rubrica porque não sabe sequer a que respeita. 18- A aprovação das contas sem o conhecimento prévio dos proprietários consiste afinal na exigência de um voto de confiança renunciativo ao direito de aprovar ou não as contas e o orçamento, constituindo pois um manifesto abuso de direito que é ilegítimo – art. 334 CC – tendo por consequência a nulidade da deliberação que aprovou as contas de 2006 e o orçamento de 2008. 19- A sentença recorrida ao decidir pela validade da deliberação violou assim, o art. 334 CC. 20- Para que as dívidas ao Aldeamento pudessem ser discutidas elas tinham de constar da convocatória da Assembleia ou dos documentos relativos às contas de 2006 ou no orçamento para 2008, mas o que sucede é que nem na Ordem de Trabalhos da Assembleia consta tal matéria, nem as dívidas ao Aldeamento constam das contas de 2006 ou do orçamento de 2008 e, assim sendo, a A., e os restantes condóminos ficavam convencidos de que essa matéria não seria tratada. 21- é pois nula por violação do art. 1433 nº 1 CC, a aprovação dessas dívidas entre as quais a relativa à A., mais uma vez se assistindo a uma situação clara de abuso de direito coarctando-se o direito de a A., participar na deliberação sobre essa matéria, mostrando-se pois, também aqui violado o art. 334 CC. Foram apresentadas contra alegações (fol. 227), em que se conclui da seguinte forma: a) Os factos alegados nos art. 7º, 15º e 16º da p. i., não foram confessados nem sobre eles foi feita prova em sede de audiência e julgamento. b) De qualquer forma, nos termos do art. 685-B CPC, a recorrente teria o ónus de indicar com exactidão as passagens da gravação em que se funda a sua impugnação – o que não se verificou. c) A insuficiência de um documento, enquanto facto juridicamente relevante, tem de ser alegada e provada em juízo, o que a recorrente não fez, e a prova desse facto não se retira da leitura dos próprios documentos alegadamente «insuficientes», como pretende a recorrente. d) Não existe na lei qualquer exigência de que a convocatória para uma Assembleia de Proprietários seja assinada, pelo que, não sendo a assinatura um requisito substancial a sua falta não é fundamento de invalidade da convocatória. e) Não existe qualquer abuso de direito resultante das deliberações da Assembleia de Proprietários em análise, abuso esse que a recorrente nem sequer concretiza. f) É desnecessário que a aprovação de uma lista de dívidas conste da ordem de trabalhos porque essa lista é uma consequência da aprovação das contas. g) A douta sentença recorrida não cometeu qualquer erro na apreciação e julgamento da matéria de facto, na parte impugnada pela recorrente, nem aplicou incorrectamente o direito. Corridos os vistos legais, há que apreciar e decidir. FUNDAMENTAÇÃO. É a seguinte a matéria de facto considerada assente: 1- O R., é um empreendimento turístico (1º p.i.); 2- Nos termos do art. 12 do Regulamento de Administração do R., a Administração cabe à entidade exploradora do empreendimento, sendo que, no caso, tal exploração está cometida à Sociedade C..., SA (2º p.i.); 3- A A., é proprietária de uma casa no Aldeamento Turístico ..., designado Vila ... (3º da p.i.); 4- Por carta registada com aviso de recepção, datada de 26 de Julho de 2007, em folha com a denominação «Convocatória» e sem qualquer assinatura sob a menção «O Presidente da Mesa da Assembleia de Proprietários», foi comunicado à A., que estava convocada para uma Assembleia de Proprietários do Aldeamento Turístico..., em (....), com a seguinte ordem da trabalhos: I – Aprovação das contas respeitantes à conservação e fruição das instalações e equipamentos comuns e às do funcionamento dos serviços de utilização turística de uso comum, para o ano de 2006. II – Aprovação do orçamento de despesas respeitantes à conservação e fruição das instalações e equipamentos comuns e às do funcionamento dos serviços de utilização turística de uso comum, para o ano de 2008 (art. 4. p.i. e 28 da contestação); 5- Com aquela carta era junto um «Parecer do Revisor Oficial de Contas» para o período findo em 31.12.2006, um Mapa de Despesas e Receitas de 2006, um Mapa de Execução Orçamental de 2006, e um Budget 2008 (art. 5º p.i.); 6- A A., solicitou por escrito ao Presidente da Administração do R., que, em tempo útil que lhe fosse facultada a consulta dos elementos em que aquelas contas se baseavam, referindo ainda a A., nessa missiva que a convocatória não respeitou os prazos legais exigíveis e se apresentou desprovida da assinatura do Presidente da Mesa (art. 6º p.i.); 7- A A., não esteve presente na Assembleia referida (art. 7º p.i.); 8- Por via postal simples foi expedida no dia 5 de Novembro de 2007, para a A., a Acta da Assembleia de Proprietários do R., que tivera lugar no dia 6 de Agosto de 2007 (art. 8º p.i.); 9- Naquela assembleia foi posta à aprovação uma lista de dívidas dos proprietários do R., (art. 18 p.i.); 10- Na referida Assembleia foi aprovada um dívida imputada à A.,, no montante de 10.285,92 euros (art. 22º p.i.); 11- Na acta relativa à Assembleia de 6 de Agosto de 2007, consta que os proprietários presentes representavam 46,29% do valor total do Aldeamento Turístico ...; que as contas de 2006 foram aprovadas por 98,43% dos votos presentes; que o orçamento de 2008 foi aprovado por todos os presentes, sem qualquer voto contra e com apenas duas abstenções (art. 29 e 30º contestação); 12- Na mesma acta consta que «o representante da Administração apresentou à Assembleia a lista das dívidas, na presente data, referentes à comparticipação nas despesas respeitantes à conservação e fruição das instalações e equipamentos comuns e às do funcionamento dos serviços de utilização turística de uso comum, cuja aprovação permitirá a continuação da instauração contra os devedores das acções judiciais para cobrança dos montantes em causa, tendo sido aprovada a seguinte lista ...» (art. 31º e 32º da contestação; 13- A A., representada pelo seu cônjuge, participou em anteriores Assembleias de Proprietários do R., nas quais foram aprovadas listas como a referida em 12 (art. 34º e 38º da contestação); 14- A A., retirou a sua unidade de alojamento da exploração turística (art. 41º contestação); 15- A presente acção deu entrada em juízo no dia 7 de Janeiro de 2008 (art. 10º resposta à contestação). O DIREITO. O âmbito do recurso afere-se pelas conclusões das alegações do recorrente, art. 660 nº 2, 6894 nº 3 e 690 CPC. Assim, e na ausência de questões de conhecimento oficioso, apenas haverá que conhecer das questões postas nessas conclusões. Na caso presente, atento o teor das conclusões formuladas, suscitam-se as seguintes questões: a) Alteração da decisão da matéria de facto; b) Mérito da sentença. I- Alteração da decisão da matéria de facto. Dispõe o art. 712 CPC que a decisão do tribunal da 1ª instância sobre a matéria de facto pode ser alterada pela Relação: a) Se do processo constarem todos os elementos de prova que serviram de base à decisão sobre os pontos da matéria de facto em causa, ou se, tendo ocorrido gravação dos depoimentos prestados, tiver sido impugnada, nos termos do art. 690-A, a decisão com base neles proferida; b) Se os elementos fornecidos pelo processo impuserem decisão diversa, insusceptível de ser destruída por quaisquer outras provas; c) Se o recorrente apresentar documento novo superveniente e que, por si só seja suficiente para destruir a prova em que a decisão assentou. Embora a lei faculte em termos gerais, que as partes peticionem a modificação da decisão da matéria de facto, exige no entanto que observem o ónus da discriminação fáctica e probatória – art. 690-A e o ónus conclusivo – art. 684 nº 3 e 690 nº 4 CPC. Dispõe o art. 690-A CPC que quando se impugne a decisão proferida sobre a matéria de facto, deve o recorrente obrigatoriamente especificar, sob pena de rejeição: quais os concretos pontos de facto que considera incorrectamente julgados; quais os concretos meios probatórios, constantes do processo ou de registo ou gravação nele realizada, que imponham decisão sobre os pontos da matéria de facto impugnados, diversa da recorrida. Convém observar que, o que está em causa não é a simples reavaliação da prova produzida e prolação de decisão com base na convicção então formada, como se de primeira «decisão» se tratasse. Em causa está a alteração de uma «decisão anterior», que foi fundada na livre convicção de quem a proferiu, o que aconteceu com a clara vantagem de ter acompanhado e dirigido, a produção da prova, numa relação de imediação que a gravação sonora não consente. Assim, uma eventual alteração só deverá ocorrer se houver elementos que a «imponham muito claramente», não bastando que a apreciação da prova disponível sugira respostas diferentes. Esta ideia ressalta das alíneas b) e c) do nº 1 do art. 712 ao condicionarem a modificação a decisão de facto proferida em 1ª instância à existência de elementos que, por si só, imponham decisão diversa da proferida. Nesta parte, pretende a apelante que à matéria de facto provada se adite a seguinte: - «Tais elementos (os referidos no art. 6º da matéria assente) solicitados não haviam sido fornecidos»; - «Os doc 3º a 6º, oferecidos com a petição inicial eram insuficientes e nada esclareciam acerca das diversas rubricas descriminadas nos art. 15º e 16º da petição inicial». Fundamenta. A apelante, da seguinte forma a sua pretensão: «Para além de ter sido produzida prova testemunhal em audiência de julgamento, incluindo os próprios AA., dos dc 3 a 6 que sem hesitações afirmaram que a A., por intermédio do seu marido, havia solicitado a consulta dos documentos justificativos das diversas rubricas que constavam dos doc 3 a 6 e que a mesma havia sido recusada, na contestação da R., não é deduzida qualquer oposição ao facto afirmado de tal recusa de consulta, razão porque, nos termos do art. 490 nº 2 CPC, tal facto tinha que ser dado por confessado e provado nos autos». Ainda que no caso presente, se mostrem registados os depoimentos das testemunhas, pelo que à partida não haveria impedimento na reapreciação da matéria de facto, com vista à eventual alteração da decisão que recaiu sobre a mesma, não se mostra minimamente observado o ónus da discriminação fáctica e probatória, a que se refere o art. 690-A nº 1 e 2 CPC. Com efeito, é manifestamente insuficiente, alegar-se que se fez prova testemunhal e documental. Dos documentos referidos 3 a 6, nada resulta quanto à eventual recusa dos elementos em causa. Também não corresponde à verdade que tal factualismo não tenha sido impugnado. Isso resulta, como refere a recorrida em contra-alegações, do art. 24 da contestação. Finalmente haverá que referir que nunca o tribunal poderia considerar provado que «Os doc 3 a 6 oferecidos com a petição inicial eram insuficientes e nada esclareciam acerca das rubricas descriminadas nos art. 15 e 16º da petição inicial», porquanto em causa está matéria conclusiva e não matéria de facto. O recurso não merece, nesta parte proceder. II – Mérito da sentença. Em causa está a regularidade de convocação de Assembleia de Proprietários de Aldeamento Turístico e eventual nulidade de deliberações, na mesma tomadas. Tem aqui aplicação o regime do DL 167/97 de 4 de Julho, nomeadamente com as alterações que lhe foram introduzidas pelo DL 55/2002, de 11 de Março. Dispõe o art. 1 DL 167/97 (com as alterações supra referidas) que (nº 1) «Os empreendimentos turísticos podem ser integrados num dos seguintes tipos: (...) b) Meios complementares de alojamento turístico». Os «meios complementares de alojamento turístico», são entre outros, os «Aldeamentos turísticos», art. 2º DR 34/97 de 17 de Setembro. Nos termos do art. 44 nº 1 (diploma citado) «A exploração de cada empreendimento turístico deve ser da responsabilidade de uma única entidade». Nos termos do art. 46 nº 1 DL 167/97, «Sem prejuízo do disposto no presente diploma e seus regulamentos, às relações entre os proprietários das várias fracções imobiliárias dos empreendimentos turísticos é aplicável o regime da propriedade horizontal, com as necessárias adaptações resultantes das características do empreendimento» Por sua vez dispõe-se no art. 49 nº 1 DL 167/97, que «Nos empreendimentos turísticos em que a propriedade das várias fracções imobiliárias que o compõem pertencer a mais de uma pessoa, as funções que cabem ao administrador do condomínio, nos termos do regime da propriedade horizontal, são exercidas, sem limite de tempo, pela respectiva entidade exploradora (...)» No caso presente, a entidade exploradora é «Sociedade C..., SA» (2 da matéria assente), pelo que é também esta a entidade administradora. No Regulamento de Administração do Aldeamento ... (documento junto aos autos a fol. 21 e segs), consta, entre outras coisas o seguinte: Art. 8º - «Compete à Administração providenciar pelo funcionamento, conservação e reparação das instalações e equipamentos comuns e dos serviços de utilização de uso comum ...»; Art. 9º nº 2 - «As comparticipações dos Proprietários serão efectuadas trimestralmente, até ao dia 30 do mês anterior ( ...) Nº 3 – O Proprietário que estiver em atraso no pagamento das comparticipações por mais de trinta dias será notificado, por meio de carta, para fazer face à liquidação( ...), se não o fizer a Administração deverá propor a correspondente acção judicial». Art. 10º - nº 1 A Assembleia de Proprietários reúne em sessão ordinária, mediante convocação da Administração: a) Nos três primeiros meses de cada ano para discussão e aprovação das contas respeitantes ao funcionamento, conservação e reparação das infra-estruturas, instalações, equipamentos e serviços referidos no art. 8º do Regulamento (...) as quais deverão ser acompanhadas de parecer elaborado pelo revisor oficial de contas, designado para o efeito pela Assembleia, sob proposta da Administração. b) Até ao dia 30 de Novembro de cada ano, para apresentação pela Administração do orçamento das despesas mencionadas na alínea anterior Nº 2 – A Assembleia reunirá também em sessão extraordinária quando for convocada pela Administração (...) Nº 3 – As reuniões da Assembleia serão dirigidas por uma Mesa constituída por um Presidente e um Secretário eleitos por período de quatro anos ...; Art. 11º - As reuniões da Assembleia serão convocadas com dez dias de antecedência por meio de carta registada para o domicílio habitual dos Proprietários ou entregue em mão mediante recibo assinado pelo Proprietário, devendo indicar os assuntos a tratar na sessão, e o dia, hora e local da reunião; Art. 13º - São funções da Administração: a) Convocar a Assembleia e executar as suas deliberações; b) Elaborar e apresentar o orçamento anual das despesas bem como as contas relativas a cada ano; c) Cobrar as receitas e efectuar as despesas; d) Exigir dos Proprietários a comparticipação prevista no art. 9º (...). Perante o tribunal de 1ª instância, pediu a ora apelante a anulação das deliberações da Assembleia de Proprietários, realizada em 06.08.2007, invocando para o efeito, os seguintes vícios: a) A Convocatória da Assembleia não se encontrava assinada; b) Na referida Assembleia, foram discutidos assuntos, que não constavam da ordem de trabalhos. Não se conformou a apelante com a sentença que conheceu dos vícios invocados, e no presente recurso, suscita as mesmas questões. Além dessas, suscita uma nova (não posta à consideração do tribunal de 1ª instância) e que consiste, no entender da apelante, em a Assembleia de Proprietários ter sido convocada pelo Presidente da Mesa da Assembleia. Quanto à questão nova, como é entendimento uniforme da jurisprudência, não pode a mesma ser conhecida, pois que os recursos destinam-se a reexaminar as questões já apreciadas e decididas pela instância inferior e não a obter decisões novas, a não ser que se imponha o conhecimento oficioso. No caso presente, não se impõe o conhecimento oficioso, e mesmo que isso ocorresse, em face da matéria assente, sempre com este fundamento, improcederia o recurso, pois que além de nem se mostrar alegado e provado que a Assembleia de Proprietários foi convocada pelo Presidente da Mesa da Assembleia, a actuação da apelante patenteia, o entendimento contrário, conforme se alcança dos art. 4º, 5º e 6º da matéria. Falta de assinatura da folha constante da carta registada com aviso de recepção, com a denominação de «Convocatória». Defende a apelante que, não contendo a «convocatória» assinatura, a mesma é inexistente. Fundamenta tal conclusão, por recurso ao art. 373 CC. Desde já se dirá que o preceito citado – art. 373 CC – não tem no caso presente a relevância que a apelante pretende retirar. É que a falta de «assinatura» de um documento particular, não gera a «inexistência» do mesmo, podendo apenas relevar a nível da força probatória, art. 374 CC. Já se fez referência ao regime legal da «convocatória» de Assembleia de Proprietários e a quem detém competência para tal. A forma de convocatória prevista no Regulamento, não difere no essencial, do regime geral, previsto para a propriedade horizontal. Com efeito, também aqui, a Assembleia deverá ser convocada pelo Administrador (art. 1436 alínea a) CC), e a convocação deverá ser feita «por meio de carta registada, enviada com dez dias de antecedência, ou mediante aviso convocatório feito com a mesma antecedência, desde que haja recibo de recepção assinado pelos condóminos» - art. 1432 nº 1 CC. Também quanto ao conteúdo da convocatória, o regime é similar, exigindo-se que indique o dia, hora, local e ordem de trabalhos da reunião ... – (art. 1432 nº 2 CC). Os requisitos da «Convocatória são os referidos. Não exige a lei que o «impresso» (folha de papel), onde se contém as indicações do dia, hora local da Assembleia, e ainda a ordem de trabalhos, se mostre assinado pelo Administrador, mas apenas que contenha aqueles elementos, que provenha do Administrador e que seja enviada ou entregue, (podendo mesmo ser entregue em mão), com a antecedência legal. No caso presente, a «Convocatória» foi feita por carta registada com aviso de recepção. Ou seja, lançou-se mão de meio mais solene do que o previsto (simples carta registada). Como é sabido a carta registada com aviso de recepção, contém todos os elementos de identificação da entidade emitente, pelo que o destinatário, não poderá invocar desconhecimento sobre aquela entidade. No caso presente, não pode a apelante invocar desconhecimento ou dúvidas quanto à entidade que emitiu a convocatória. E isso resulta nomeadamente da sua actuação, pois que recebida a «Convocatória» por carta registada com aviso de recepção, dirigiu carta à Administração, solicitando elementos complementares. A forma da convocatória, não enferma pois de qualquer vício, nomeadamente vício susceptível de gerar a anulação das deliberações tomadas na Assembleia de Proprietários convocada. O recurso improcede nesta parte. Sustenta ainda a apelante que na Assembleia de Proprietários, se discutiram assuntos que não constavam da ordem de trabalhos, nomeadamente na parte em que se apresentou uma lista de dívidas «referentes à comparticipação nas despesas respeitantes à conservação e fruição das instalações e equipamentos comuns e às do funcionamento dos serviços de utilização turística de uso comum, cuja aprovação permitirá a continuação da instauração contra os devedores das acções judiciais ... tendo sido aprovada a seguinte lista ...». Entendeu o tribunal de 1ª instância não assistir razão à autora com o seguinte fundamento: «Não nos parece que lhe assista razão, uma vez que esta aprovação ou apresentação de proprietários devedores se integra na aprovação do orçamento e contas relativas ao aldeamento dos autos, já que se afigura pouco curial apreciar contas, sem que se trate, igualmente das dívidas ...» A acta da Assembleia de 06.08.2007, encontra-se (cópia) junta aos autos, não se suscitando qualquer dúvida quanto à mesma (o documento é aceite por ambas as partes). Da referida acta, retira-se, nesta parte o seguinte: «O presidente da Mesa submeteu à votação o primeiro ponto da ordem da trabalhos, ou seja, a aprovação das contas de dois mil e seis (...) Ainda em relação a este ponto da ordem de trabalhos, o representante da Administração, apresentou à Assembleia a lista das dívidas, na presente data, referentes à comparticipação nas despesas respeitantes à conservação e fruição das instalações e equipamentos (...) tendo sido aprovada a seguinte lista (...) B... (Vila ...) – 10.285,92 euros (...)». Como se diz na sentença da 1ª instância, a aprovação das contas, terá necessariamente que passar pela apreciação das dívidas dos vários Proprietários, relativas à falta de pagamento das suas comparticipações, destinadas à conservação e fruição das partes e serviços comuns. Isso não constitui matéria autónoma, do ponto constante da ordem de trabalhos relativo à «aprovação das contas respeitantes à conservação e fruição das instalações e equipamentos comuns e às do funcionamento dos serviços de utilização turística de uso comum ...». A verdadeira motivação da presente acção, terá sido certamente, o facto de na Assembleia se ter mencionado o facto de a apelante se encontrar em dívida quanto à sua comparticipação nas despesas de conservação e fruição das partes comuns e serviços comuns. Em boa verdade, a Assembleia não aprovou dívidas (que eram pré-existentes). Apenas delas tomou conhecimento e as reconheceu/aprovou. Também, para lançar mão de acção judicial, contra os Proprietários relapsos (não se cuida aqui de distinguir qual a acção, se executiva, ou declarativa), não carece o Administrador da aprovação da Assembleia, pois que tal faculdade além de resultar da lei, mostra-se expressamente consagrada no Regulamento (art. 9º nº 3 Regulamento). Também nesta parte, improcede o recurso. Concluindo: - Nos Aldeamentos turísticos, é em princípio Administrador, a entidade exploradora; - À convocação e funcionamento da Assembleia de Proprietários, em tudo o que não estiver previsto de forma diversa, é aplicável o regime previsto para a propriedade horizontal; - O impresso onde se contém a designação do dia, ora local e ordem de trabalhos da Assembleia de Proprietários, não carece de ser assinado, desde que a carta registada enviada, contenha os elementos quanto à entidade convocante (Administrador); - A apreciação das dívidas dos proprietários, relativas à falta de pagamento da sua comparticipação para as despesas comuns, contém-se necessariamente, no ponto de «aprovação das contas respeitantes à conservação e fruição das instalações e equipamentos comuns e às do funcionamento dos serviços de utilização turística de uso comum». DECISÃO. Em face do exposto, decide-se: 1- Julgar improcedente o recurso de apelação, e confirmar a sentença recorrida; 2- Condenar a apelante nas custas. Lisboa, 20 de Maio de 2010. Manuel Gonçalves Ascenção Lopes Gilberto Jorge. |