Acórdão do Tribunal da Relação de Lisboa | |||
Processo: |
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Relator: | JORGE LEAL | ||
Descritores: | DIREITO À IMAGEM JOGADOR PROFISSIONAL FOTOGRAFIA ILÍCITA INDEMNIZAÇÃO | ||
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Nº do Documento: | RL | ||
Data do Acordão: | 12/18/2007 | ||
Votação: | MAIORIA COM * VOT VENC | ||
Texto Integral: | S | ||
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Meio Processual: | APELAÇÃO | ||
Decisão: | IMPROCEDENTE | ||
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Sumário: | I – Embora o direito à imagem seja irrenunciável e inalienável, não estão proibidas limitações ao exercício desse direito, nomeadamente a cedência a terceiro, por futebolistas, do direito à exploração comercial da sua imagem de desportistas profissionais. II – Viola o disposto no artigo 79º nº 1 do Código Civil e no artigo 10º da Lei nº 28/98, de 26.6 (Lei do Contrato de Trabalho Desportivo) a empresa, proprietária de uma revista, que nesta publica cromos contendo imagens de futebolistas profissionais, sem obtenção de autorização por parte destes nem da sociedade a quem aqueles haviam concedido o direito de explorar comercialmente, com exclusividade, a sua imagem, sob a forma de cromos, alusiva à sua condição de futebolistas. III – Tal conduta fundamenta a condenação da referida empresa no pagamento, à sociedade detentora do exclusivo, de indemnização por dano patrimonial e no pagamento, aos futebolistas envolvidos, de indemnização por danos não patrimoniais. (JL) | ||
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Decisão Texto Integral: | Acordam os juízes no Tribunal da Relação de Lisboa RELATÓRIO Em 14 de Setembro de 1998 P, Lda, sociedade em liquidação, B e outros, intentaram na comarca de Sintra acção declarativa de condenação, com processo ordinário, contra I, S.A.. Alegaram, em síntese, que a A. é uma sociedade que tem como actividade, entre outras, a criação, produção e comercialização de colecções de cromos, nomeadamente representando jogadores e equipas de futebol. Em 17.11.1994 a A. celebrou com o Sindicato um contrato mediante o qual este último, em representação dos jogadores envolvidos, concedeu à A. o direito exclusivo à utilização e reprodução da imagem dos jogadores profissionais de futebol nas colecções de cromos, calendários e “trade cards” e incluindo a edição de cromos relativos a Campeonatos Europeus e Mundial em que participe a Selecção Nacional. A Ré, sem obter a necessária autorização, produziu e mandou imprimir uma colecção de cromos e respectiva caderneta que, para além de outras personalidades conhecidas do grande público, representam jogadores de futebol portugueses, entre os quais os ora AA.. Tais cromos são comercializados com a edição da Revista “100% Jovem”, produzida e distribuída pela Ré, desde Novembro de 1996 e pelo menos até ao mês de Janeiro de 1998. Com a comercialização dos cromos a Ré obteve benefícios patrimoniais sem pagar a quem de direito, contrariamente à A. que, além de pagar o devido a quem lhe concedeu o referido direito exclusivo, investiu e investe largas somas de dinheiro, tendo tido em virtude da actuação da Ré dificuldade em vender os seus produtos, com uma diminuição de comercialização de cromos e cadernetas pelo menos idêntica ao número de cromos e cadernetas que a Ré emitiu e comercializou ao longo dos seus 16 números. Está em causa um acto de concorrência desleal (artigo 260º do Código da Propriedade Industrial), que ademais viola o direito ao valor comercial do nome e imagem dos futebolistas associados no Sindicato (artigo 79º do Código Civil), como é o caso, entre outros, dos AA. . Qualquer um dos três Autores viu publicada a sua imagem milhares de vezes, correspondente à tiragem do número da revista em que apareceu, sem autorização, para fins puramente comerciais, tendo assim sido violado o seu direito à imagem. Por outro lado os AA. tiveram de instaurar um procedimento cautelar e intentar a presente acção, para fazerem valer os seus direitos, tendo para o efeito tido de contratar os serviços de advogado, cujos honorários terão de suportar. Os AA. concluíram pedindo que a Ré seja condenada a: 1. Reconhecer que a A. P é titular dos direitos exclusivos identificados na presente acção; 2. Reconhecer que a sua comercialização pela Ré é ilegal, pelo que esta se deve abster de reproduzir os cromos, colecções e cadernetas assim como de os utilizar e comercializar; 3. Inutilizar todos os cromos, colecções e cadernetas ilegalmente reproduzidas e ainda em seu poder; 4. Indemnizar a A. P num montante correspondente aos prejuízos por esta sofridos, a liquidar em execução de sentença; 5. Indemnizar cada um dos AA. , num montante não inferior a Esc. 2 500 000$00 (€ 12 469,95); 6. Pagar aos AA. uma compensação pela mora a partir da data da citação à taxa de 15% ao ano. A Ré contestou a acção, pugnando pela sua total improcedência, alegando, em síntese, que publicou as aludidas imagens, juntamente com outras, no exercício do direito de expressão e informação através da imprensa, tendo por objecto figuras que gozam de notoriedade e que foram fotografadas durante a ocorrência de factos que tiveram lugar publicamente. Alegou desconhecer o alegado pelos AA. quanto aos direitos de exclusividade da A. assim como quanto aos prejuízos sofridos por aqueles. Procedeu-se à selecção dos factos assentes e da base instrutória, sem reclamações. Realizou-se audiência de discussão e julgamento e, a final, o tribunal proferiu decisão quanto à matéria de facto, sem reclamações. Em 04 de Abril de 2007 foi proferida sentença que julgou a acção parcialmente procedente e consequentemente condenou a Ré a: A) Reconhecer que a A. P é titular dos direitos exclusivos identificados na presente acção; B) Reconhecer que a sua comercialização pela R. é ilegal, pelo que esta se deve abster de reproduzir os cromos, colecções e cadernetas assim como de os utilizar e comercializar; C) Inutilizar todos os cromos, colecções e cadernetas ilegalmente reproduzidas e que estejam ainda em seu poder; D) No pagamento da quantia de € 3.000,00 (três mil euros) a cada um dos demandantes futebolistas, a título de danos não patrimoniais e no pagamento dos respectivos juros de mora, à taxa legal, contados desde a citação, até efectivo e integral pagamento. E) No pagamento à demandante do montante que se apurar em sede de execução de sentença no que respeita aos prejuízos da A., incluídos lucros cessantes, em consequência dos factos, tendo tal indemnização como limite máximo ressarcível o montante de € 6.000,00 (seis mil euros). Com custas pelas partes, na proporção do respectivo decaimento. A Ré apelou da sentença, tendo apresentado alegação em que formulou as seguintes conclusões: A) Assim, violou-se o disposto no art° 483°, 1, CC quanto a todos os AA – não provou a prática de um facto ilícito, faltando por isso um dos elementos da responsabilidade civil (facto ilícito); A)1) O direito à imagem é um direito pessoal que não pode ser alienado por outrem. É nula a cedência do direito à imagem de jogadores profissionais de futebol ao seu Sindicato, ainda que limitada a uma utilização colectiva do retrato dos jogadores em determinado tipo de publicações. A cedência desse direito pelo Sindicato a terceiros é também, nula por este não poder dispor, jure próprio, de um direito pessoal dos jogadores seus filiados e por estes jamais lho poderem transmitir. Só os titulares daquele direito podem impedir que a sua imagem possa ser exposta, reproduzida ou lançada no comércio (STJ, 8-11-2001: CJ/STJ, 2001.3°. 113) – vidé CC, artº 73°. B) É por isso nulo o contrato dos autos assinado entre a A. e o Sindicato; C) Ao editar e comercializar os alegados cromos dos autos, a R. conteve-se nos limites do direito a informar – Lei de Imprensa – art° 1°, 1; D) Com efeito: a) a R. agiu no direito a informar e nele se contém a publicação do material editorial em causa, a saber-se: b) representa 5/6 por cento do conteúdo editorial; c) é incluído no conteúdo editorial geral da Revista (o que sucedeu em todos os números desta que estão em causa); d) na Revista tratou-se genericamente o conjunto de fotos e texto de personalidades ligadas ao espectáculo em geral e desporto, por sugestão dos leitores; e) não se substitui ou concorre, por isso, com as cadernetas de cromos da A.; f) pois quem os procura, pretende coleccionar as figuras de uma actividade desportiva – p. e. futebol e não se satisfaz por isso com "episódica" foto de um jogador fora da caderneta; g) ou seja, não deixou de constituir na prática o exercício do direito a informar, pois que disseminada a matéria informativa na Revista, com equilíbrio quanto ao espaço, quer quanto aos diversos conteúdos, quer o seu tratamento em face das preferências dos leitores por estes assumidas em inquérito (potenciais leitores). E) Assim, o conceito P do ponto de vista da edição dos cromos constitui uma realidade em tudo diversa dos objectivos e conteúdo editorial da iniciativa da Revista 100% Jovem – vidé Doc. 1 junto com o requerimento da R., junto aos autos e datada de 14/6/2006 e Doc. (idem) – edição da A., dos cromos do campeonato do mundo de futebol – caderneta e saqueta, sendo a edição impressa em Espanha. F) Não se provou nos autos, seja pela decisão da matéria de facto, confissão da R. (que não teve lugar) ou por documento que aos AA. tivessem sido causados prejuízos decorrentes da edição dos cromos dos autos. G) Apenas podem relegar-se para liquidação em execução de sentença os prejuízos que se prove existirem — Ac. RP, 1/10/92, MMJ, 420, 671. H) No nosso direito, a ilicitude não se confunde com o dano; compreendida como violação do direito, é colocada antes do dano - Prof. Diogo Leite de Campos, ROA, 46,1,51. I) Quanto aos AA. não se provou que tivessem sofrido prejuízos em resultado da alegada emissão de cromos pela A.; Ia) Nem se provou que tivessem sido causados à A. P quaisquer prejuízos; J) Quanto a todos os AA. faltam dois elementos típicos da responsabilidade civil — facto ilícito e dano; L) Reputam-se de exagerados para mais os valores fixados na sentença a título de danos morais devidos aos AA; M) Impõe-se que os danos morais sejam razoavelmente graves, gravidade essa que deve ser alegada e provada (AcTRL, 00100174,14.4.2002, dgsi.pt) — o que não é o caso dos autos, quanto aos AA —; N) Deve julgar-se procedente o recurso e declarar-se nula a sentença dos autos; O) Se assim se não entender, deve absolver-se a R. do pedido; P) Se assim não se entender e apenas quanto ao pedido dos AA. deve reduzir-se o valor a título de danos morais. Q) Por erro de interpretação a decisão recorrida violou o disposto nos artigos: CC – 79º, 2,3 / 483º, 1 / 289º, 1; CPC – 661º, 2/ 565º / 566º, 3/ 668º, 1, d); Lei 2/99 de 13/1 – 1,1. Os apelados apresentaram contra-alegação, cujo teor sintetizaram nas seguintes conclusões: 1. O direito à imagem consubstancia-se com vários valores: a privacidade ou a intimidade do visado, mas também com a capacidade lucrativa da própria imagem e com a necessidade de evitar o seu aproveitamento abusivo por parte de terceiros; 2. O direito à imagem, como direito pessoal, permite a sua utilização pelo próprio para fins de exploração comercial, podendo ceder a sua gestão a entidades que representem os seus interesses; 3. Em consequência é válido o contrato celebrado entre o Sindicato a que os autos fazem referência e a ora recorrida P para utilização em exclusivo à utilização e reprodução da imagem dos jogadores profissionais de futebol representados pelo Sindicato, entre os quais os ora recorridos, nos precisos termos em que foi assinado. 4. No caso em apreço existe uma clara distinção entre a imagem do praticante desportivo tomada num espectáculo público onde exerce a sua actividade, outra coisa, muito diversa, é a utilização dessa imagem num produto comercial que nada tem de informativo, antes constitui uma utilização comercial dessa mesma imagem. 5. Uma colecção de cromos como a publicada pela ora recorrente Impala de artistas diversificados, designados por "estrelas" e não exclusivamente dedicada à prática desportiva, bem pelo contrário, não faz parte integrante da revista podendo dela serem destacados não só a caderneta como a totalidade dos cromos porquanto não se trata de uma revista em que a imagem do jogador aparece para ilustrar uma notícia, mas pelo contrário é a imagem do próprio jogador que se usa e vende. 6. O direito do praticante desportivo à sua imagem, donde a determinar o conteúdo e os limites da sua exploração comercial que legitimamente se comprime pelo carácter de figura pública em actuação desportiva ou no decorrer de alguma vida social, expande-se naturalmente no caso vertente. 7. Tal expansão obriga a quem a utiliza para um fim diverso da notícia ou informação a entender-se com ele ou um seu representante, uma vez que vai extrair proventos da sua imagem isolada e retirada do contexto de uma sua actuação num espectáculo desportivo ou no decorrer de uma entrevista. 8. O direito da informação não é, em determinados casos, sobreponível ao direito de imagem, que o limita, precisamente nas situações em que o interesse público for substituído por um interesse privado de carácter comercial, injustificando-se então o sacrifício de um direito alheio. 9. Encontrando-se preenchidos os pressupostos da responsabilidade civil excepto no que respeita à concreta quantificação dos prejuízos causados, há lugar à liquidação em execução de sentença nos termos do art° 661° n° 2 do Código de Processo Civil. Os apelados terminam pugnando pela improcedência do recurso e pela consequente manutenção da decisão recorrida. O tribunal a quo não sufragou a ocorrência de nulidade na sentença. Foram colhidos os vistos legais. FUNDAMENTAÇÃO O objecto de um recurso é delimitado pelas conclusões das alegações do recorrente, como decorre da conjugação entre os nºs 3 e 4 do artigo 684º e o nº2 do artigo 660º do Código de Processo Civil, aplicável à apelação nos termos do nº 2 do artigo 713º do mesmo Código (não relevando agora a possibilidade de ampliação prevista no artigo 684º-A). Assim, as questões a apreciar neste recurso são as seguintes: se é nulo o contrato celebrado pela Autora e o S, em que aquela se fundamenta para demandar a ora apelante e, consequentemente, se a sentença recorrida é nula, por não ter apreciado essa questão; se a conduta da apelante não é ilícita, por se ter contido nos limites do direito a informar; se não ficou provado que a conduta da apelante causou danos aos apelados; a dar-se como provada a ocorrência de danos morais em relação aos autores jogadores de futebol, se deve ser reduzido o valor indemnizatório fixado. Foi dada como provada e este tribunal aceita a seguinte Matéria de Facto 1. À data da propositura da presente acção, o A. B era jogador profissional de futebol no C (Alínea A) dos factos assentes). 2. O A. D era jogador profissional de futebol no A (B). 3. O A. J era jogador profissional de futebol no T (C). 4. A A. P. produz e comercializa muitas colecções de cromos que incluem desde cromos representando segmentos de filmes de grande actualidade ou séries de televisão até colecções que incluem jogadores e equipas de futebol (D). 5. A R. edita e comercializa diversos títulos de publicações periódicas (E). 6. A partir de Novembro de 1996 a R. começou a produzir e distribuir a Revista "100% Jovem" (F). 7. A qual começou a ter periodicidade quinzenal (G). 8. E a partir de Janeiro de 1997 passou a ter periodicidade mensal (H). 9. A Revista "100% Jovem" é comercializada em todo o território nacional (I). 10. A R., sem para tal ter autorização dos AA. e do Sindicato , produziu e mandou imprimir uma colecção de cromos com a fotografia de diversas personalidades sobejamente conhecidas do grande público, principalmente das camadas mais jovens, nomeadamente fotografias de jogadores de futebol portugueses, entre os quais fotografias dos AA. (J). 11. Tais cromos foram incluídos na edição da Revista "100% JOVEM" (L). 12. Entre Novembro de 1996 e Janeiro de 1998, cada número da Revista "100% JOVEM" publicou oito cromos de personalidades públicas, nos quais se incluía um a dois cromos de jogadores de futebol individualmente representados, entre os quais figuraram as imagens dos ora AA. - cfr. as diversas revistas "100% Jovem" juntas aos autos (no apenso A) e que no mais se dão por aqui integralmente reproduzidas (M). 13. A R., sem para tal ter autorização dos AA. e do Sindicato , produziu e mandou imprimir uma caderneta destinada a colocar os aludidos cromos, sendo que ao lado de cada um dos cromos que havia de ser colocado em tal caderneta constavam informações relativas à personalidade a que o respectivo cromo dizia respeito - cfr. doc. de fls.372 a 390 (do apenso A) dos autos que no mais se dá por aqui integralmente reproduzido (N). 14. Por carta de 16/01/1997, enviada pela A. à R. e entretanto recebida por esta, aquela solicitou à R. que cessasse a reprodução de cromos contendo selecções nacionais e jogadores de futebol (O). 15. Em resposta àquela carta, em 31/01/1997, a R. informou a A. que a reprodução daqueles cromos constituiu "um lapso" e que "a revista 100% Jovem fez cessar a divulgação das imagens referentes aos futebolistas profissionais portugueses, a partir da edição n°.5, referente a Fevereiro do 1997" - cfr. doc. de fls.391 do apenso A dos autos que no mais se dá por aqui integralmente reproduzido (P). 16. Em 17/9/1998 a A. P tinha como actividade principal a criação, a produção e a comercialização de publicações e de várias colecções, entre as quais as de cromos (Resposta ao Facto 1° da base intrutória). 17. Nas quais em 17/9/1998 a A. P ocupava posição destacada no mercado não só nacional como internacional (Resposta ao Facto 2°). 18. Em 17/9/1998 tais colecções de cromos eram postas à venda em sacos de papel, com 6 cromos cada e em todo o território nacional (Resposta ao Facto 3°). 19. Em 17/9/1998 os respectivos cromos destinavam-se a ser colados em cadernetas que a A. igualmente cria e comercializa (Resposta ao Facto 4°). 20. Por escrito datado de 17 de Novembro de 1994, intitulado de "Contrato de Cessão de Direito", assinado por um representante da A. e por um representante do Sindicato em representação dos jogadores envolvidos nesta acção, este, mediante contrapartida económica, concedeu à A. o direito exclusivo à utilização e reprodução da imagem dos jogadores profissionais de futebol nas colecções de cromos, calendários e "trade cards", incluindo a colecção de cromos relativos aos Campeonatos Europeu e Mundial em que participe a Selecção Nacional, tudo nos termos do escrito de fls.7 a 13 do apenso A que no mais se dá por aqui integralmente reproduzido (Resposta ao Facto 5°). 21. Com a publicação de cromos com a imagem de jogadores de futebol, a R. teve por objectivo aumentar a tiragem da "100% Jovem" (Resposta ao Facto 6°). 22. A R. fez publicar tais cromos sem entregar qualquer contrapartida pela utilização da imagem dos AA. (Resposta ao Facto 8°). 23. As imagens constantes dos aludidos cromos foram obtidas por jornalistas fotógrafos ao serviço da R. na execução de diversos serviços de reportagem (Resposta ao Facto 10°). 24. Todas as imagens constantes dos aludidos cromos foram tiradas em lugares públicos (Resposta ao Facto 11°). 25. A caderneta aludida em N) foi distribuída gratuitamente com o n°.1 da "100% Jovem" (Resposta ao Facto 12°). 26. E foi remetida posteriormente de forma gratuita aos leitores que a solicitassem à R. (Resposta ao Facto 13°). 27. Nas cadernetas referidas em N) as fotos dos jogadores de futebol não excediam cerca de 5 a 6% do respectivo conteúdo. - Resposta ao Facto 14°. 28. Os referidos cromos e caderneta foram publicados pela R. na sequência de estudos efectuados junto de potenciais leitores da "100% jovem" (resposta ao Facto 15°). 29. E para satisfação destes (Resposta ao Facto 16°). 30. Foram atendidas as preferências manifestadas pelos potenciais leitores (Resposta ao Facto 17°). 31. No 4° trimestre de 1996 a revista "100% Jovem" vendeu 71.442 exemplares (Resposta aos Factos 18°, 19° e 20°). 32. No 1° trimestre de 1997 a revista "100% Jovem" vendeu 47.395 exemplares (Resposta aos Factos 21° e 22°). 33. No 2° trimestre de 1997 a revista "100% Jovem" vendeu 42.205 exemplares (Resposta aos Factos 23° e 24°). 34. No 3° trimestre de 1997 a revista "100% Jovem" vendeu 45.156 exemplares (Resposta aos Factos 25° e 26°). 35. No 4° trimestre de 1997 a revista "100% Jovem" vendeu 51.855 exemplares (Resposta aos Factos 27° e 28°). 36. No 1° trimestre de 1998 a revista "100% Jovem" vendeu 56.300 exemplares (Resposta aos Factos 29° e 30°). 37. A A. suporta os custos da criação e produção das colecções de cromos (Resposta ao Facto 31°). 38. Em 17/9/1998 por cada cromo que a A. vendia tinha um ganho de Esc.1$00 (um escudo) (Resposta ao Facto 33°). 39. Em 17/9/1998 por cada caderneta que a A. vendia tinha um ganho de Esc.25$00 (vinte e cinco escudos) (Resposta ao Facto 34°). O Direito Primeira questão (se é nulo o contrato celebrado pela Autora e o Sindicato) O direito à imagem faz parte do elenco dos direitos pessoais expressamente reconhecidos pela Constituição da República Portuguesa (artigo 26º nº 1). Na legislação ordinária, também o Código Civil, a par do reconhecimento, no artigo 70º, da existência de um direito geral de personalidade (cfr. Vaz Serra, Rev. de Leg. e Jur., ano 108º, nº 3557, pág. 318; Capelo de Sousa, “O direito geral de personalidade”, Coimbra Editora, 1995), regula, nos artigos 72º e seguintes, alguns direitos especiais da personalidade, entre os quais o direito à imagem. Com efeito, o artigo 79º do Código Civil estipula, no nº 1, que “o retrato de uma pessoa não pode ser exposto, reproduzido ou lançado no comércio sem o consentimento dela”, ressalvadas as excepções previstas no nº 2 do artigo, estas por sua vez delimitadas pela necessidade de protecção da “honra, reputação ou simples decoro da pessoa retratada” (nº 3). Está em causa a imagem física do homem ou da mulher, cuja reprodução e divulgação pode bulir, numa primeira linha, com a privacidade ou a intimidade do visado e, num segundo plano, com o seu bom nome ou reputação, em casos em que a imagem surge associada a um evento com conotações social ou moralmente negativas. Acresce, como aspecto associado à imagem que nos nossos dias assume enorme relevância, a capacidade lucrativa da mesma, cujo aproveitamento cabe ao respectivo titular (Guilherme Machado Dray, “Direitos de Personalidade”, anotações ao Código Civil e ao Código do Trabalho, Almedina, 2006, pág. 50). Ao ter por objecto um elemento inerente ao respectivo ser humano, o direito à imagem, tal como os restantes direitos de personalidade, é irrenunciável e inalienável, conforme aliás decorre do disposto no artigo 81º do Código Civil, que apenas admite a validade de simples “limitação” voluntária ao “exercício” dos direitos da personalidade, desde que não seja contrária aos princípios da ordem pública. Porém, conforme decorre desse preceito, não estão proibidas limitações lícitas ao exercício do direito à imagem que, não afectando esse direito, apenas incidem sobre expressões do mesmo. É admissível uma disponibilidade parcial, concreta, que não exclua a titularidade desse direito no futuro (Cláudia Trabuco, “Dos contratos relativos ao direito à imagem”, “O Direito”, ano 133, 2001, II, páginas 411 e 412). Haverá que proceder à ponderação dos interesses em jogo em cada caso concreto, tendo-se em consideração o direito fundamental em causa, o fim que se tem em vista e os contornos da limitação efectivamente negociada. Citando Cláudia Trabuco (estudo citado, página 452), “como critério decisivo neste processo de ponderação aparece a dignidade da pessoa humana mas, contrariamente ao que se possa pensar, este princípio, que joga sempre a favor da protecção dos direitos de personalidade do indivíduo, pode igualmente ser fundamento para o consentimento do mesmo numa limitação do exercício do seu direito. Isto porque, não só do princípio da dignidade humana, central no nosso ordenamento jurídico, decorrem, como vimos já, os poderes de autodeterminação e de autoconformação do indivíduo, como porque a relativização deste parâmetro é tornada possível por não se tratar hoje de um conceito absoluta e objectivamente definido, mas de um princípio para a definição de cujo conteúdo contribuem as convicções da própria pessoa. Nas palavras de Reis Novais, a dignidade humana é actualmente um conceito “essencialmente conformado pelas concepções e mundividência do interessado, a quem competirá, em última instância, a determinação do sentido da dignidade.” Está provado que “por escrito datado de 17 de Novembro de 1994, intitulado de "Contrato de Cessão de Direito", assinado por um representante da A. e por um representante do Sindicato , em representação dos jogadores envolvidos nesta acção, este, mediante contrapartida económica, concedeu à A. o direito exclusivo à utilização e reprodução da imagem dos jogadores profissionais de futebol nas colecções de cromos, calendários e "trade cards", incluindo a colecção de cromos relativos aos Campeonatos Europeu e Mundial em que participe a Selecção Nacional, tudo nos termos do escrito de fls.7 a 13 do apenso A” (nº 20 da matéria de facto). Conforme se colhe da cláusula 3ª do contrato, o mesmo teria a duração de seis épocas desportivas, com início na data da sua assinatura e termo em 31.7.2000. A apelante entende que sendo o direito à imagem um direito pessoal, que não pode ser alienado, é nula a cedência do direito à imagem de jogadores profissionais de futebol ao seu sindicato, ainda que limitada a uma utilização colectiva do retrato dos jogadores em determinado tipo de publicação. Assim, é também nula a cedência desse direito pelo Sindicato a terceiros, ou seja, à Autora/Apelada P. Em abono da sua tese a apelante invoca o acórdão do STJ, de 08.11.2001, publicado na Col. de Jur., STJ, 2001, t. III, 113. Neste acórdão deu-se como provado que o Sindicato obteve dos jogadores seus filiados uma declaração escrita com os seguintes dizeres: “O declarante cede ao Sindicato o seu direito de imagem como jogador profissional de futebol, inserido no conjunto de toda a classe profissional, relativo à edição de cromos, calendários de bolso, autocolantes e outro material congénere, podendo o Sindicato negociar e celebrar com quem entender contrato ou contratos para cessão daquele mesmo direito, recebendo para si as eventuais receitas que decorram de tais contratos.” O STJ entendeu que tal declaração formalizava uma cedência parcial do direito à imagem que constituía, face aos seus termos, uma transferência definitiva e genérica de um direito da personalidade, que não podia deixar de ser considerada como um negócio proibido. O STJ considerou que uma coisa é o consentimento na divulgação de um certo retrato e outra é “a atribuição do poder de dispor em geral da imagem da pessoa, do poder de expor, reproduzir ou lançar no comércio todos os retratos que dela disponha.” Para o STJ, no caso dos jogadores com o Sindicato, “é nula a cedência do direito à imagem, ainda que limitada a uma utilização colectiva do retrato dos jogadores em determinados tipos de publicações, pois, em todo o caso, trata-se da atribuição ao Sindicato do poder de dispor da imagem do jogador, do poder de expor, reproduzir ou lançar no comércio todos os retratos que dele disponha desde que respeitados os limites estabelecidos.” A situação dos nossos autos é algo diversa da que foi objecto do supra referido aresto do STJ. Aqui não está em causa uma prévia “cedência do direito à imagem” por parte dos jogadores ao Sindicato. Nestes autos deu-se como provado que o Sindicato negociou com a Apelada “em representação dos jogadores envolvidos nesta acção”, ou seja, dos jogadores ora Autores. Assim, está em causa um negócio que tem, afinal, como partes, a sociedade apelada e os jogadores, além do Sindicato (artigo 258º do Código Civil). Porém, admite-se que, face aos termos amplos em que, por força desse instrumento negocial, os autores cedem à P o “direito à utilização e reprodução” da sua imagem, o colectivo de ilustres Conselheiros que subscreveu o dito acórdão também consideraria este contrato nulo quanto ao seu objecto. Afigura-se-nos, porém, que a posição a seguir deverá ser diversa. No nº 1 do artigo 10º do Decreto-Lei nº 305/95, de 18.11 (Regime Jurídico do Contrato de Trabalho do Praticante Desportivo e do Contrato de Formação Desportiva) estipula-se que “todo o praticante desportivo profissional tem direito a utilizar a sua imagem pública ligada à prática desportiva e a opor-se a que outrem a use ilicitamente para exploração comercial ou para outros fins económicos.” No nº 2 estabelece-se que “fica ressalvado o direito de uso da imagem do colectivo dos praticantes por parte da respectiva entidade empregadora desportiva.” Conforme esclarece João Leal Amado (“Contrato de trabalho desportivo anotado”, Coimbra Editora, 1995, pág. 41), “o contrato de trabalho vincula o praticante a prestar uma actividade desportiva sob a autoridade e direcção de uma entidade empregadora desportiva, mas o direito a utilizar / explorar comercialmente a sua imagem permanece na titularidade daquele (…)”. “A lei procede aqui a uma distinção entre a imagem do praticante e a imagem do colectivo dos praticantes: a exploração desta última cabe à entidade empregadora (nº 2), a exploração daquela cabe ao praticante (nº 1).” O Dec.-Lei nº 305/95 foi revogado pela Lei nº 28/98, de 26 de Junho. Nesta manteve-se inalterado o nº 1 do artigo 10º. Quanto ao nº 2, manteve-se a ressalva do direito de uso de imagem do colectivo dos praticantes, mas proclamando a possibilidade de o mesmo ser objecto de regulamentação em sede de contratação colectiva. A dignidade jurídica do poder exclusivo de cada um explorar comercialmente a sua imagem, nomeadamente nos casos de pessoas que gozam de celebridade, é geralmente reconhecida nas ordens jurídicas (conforme resulta do estudo de Cláudia Trabuco, citado, páginas 412 a 430). Assim, nos EUA desenvolveu-se o conceito do “right of publicity”, tido como o direito de cada um explorar economicamente o seu nome e imagem. Os autores americanos defendem que o “right of publicity”, contrariamente ao “right of privacy”, deve ser totalmente passível de comercialização, até porque o valor pecuniário do seu objecto – o “publicity value” que se construiu – seria diminuído ou destruído se não pudesse ser vendido. O direito é assim cedível por intermédio da concessão de licenças, que podem ou não ser exclusivas, os estritos limites definidos pela própria licença. Nestes termos, “o que é adquirido não é o direito em si mesmo mas apenas a permissão de utilizar aquele aspecto da identidade ou da performance da pessoa. Aquando da atribuição da licença, o titular do direito pode limitar a permissão apenas a determinados tipos de uso, a determinados produtos, duração ou território. Deste modo, qualquer utilização fora dos parâmetros definidos no acordo constituirá simultaneamente uma ofensa ao direito e um incumprimento do contrato.” (Cláudia Trabuco, estudo citado, pág. 418). Em Espanha, não levantou objecções o teor do artigo 42 do Convénio celebrado entre a “Liga Nacional de fútbol profesional” (LNFP) e a “Asociación de futbolistas Españoles” (AFE) – publicado no BOE 162/1998, de 22 de Junho -, no qual as duas associações acordaram na exploração conjunta, durante as épocas de 1998 a 2001, da imagem dos futebolistas do plantel de cada Clube e SAD filiados na LNFP, em relação ao fabrico, distribuição, promoção e venda de cromos «stick stack», «por up», «trading cards» e similares, com as respectivas cadernetas, nas quais se reproduzem a imagem e o nome dos citados futebolistas com a indumentária, distintivos e símbolos próprios dos clubes a que pertencem, revertendo os benefícios líquidos obtidos com tal exploração comercial na proporção de 65% para a Liga e 35% para a Asociación de futbolistas (conforme citação em “Los derechos de imagen en el âmbito del deporte profesional, especial referencia al fútbol”, de Alberto Palomar Olmeda e António Descalzo González, Madrid, Dykinson, 2001, pág. 78). A referida cláusula tem acolhimento legal no Real Decreto 1006/1985, respeitante ao Regime Jurídico do Contrato de Trabalho dos Desportistas Profissionais, em cujo artigo 7.3 se estipula que em relação à participação em benefícios derivados da exploração comercial da imagem dos desportistas, levar-se-á em conta o que possa determinar-se por”Convenio Colectivo” ou por pacto individual (Alberto Olmeda e António Gonzalez, obra citada, pág.76). A exploração comercial do direito à imagem é ainda uma manifestação da personalidade da pessoa visada. “Imagem e personalidade aparecem indissoluvelmente unidas, sendo aquela uma manifestação desta, de forma que a exploração comercial em nenhum momento pode pressupor que fica anulado o carácter que a impregna, e disso resulta que essa utilização seja limitada inclusivamente para o próprio titular do direito, que deve manter-se em estreita coerência com a dimensão moral que a ele preside; carece portanto do pleno ius disponiendi que constitui, sem dúvida, o atributo mais essencial do domínio. Só se dá a cessão de uma faculdade – de índole patrimonial – mas nunca a renúncia do direito à imagem, porque dele não dispõe o seu titular, nem como tal é adquirido por outra pessoa” (Luciano Cordero Saavedra, “El deportista profesional , Aspectos laborales y fiscales”, Valladolid, Editorial Lex Nova, 2001, páginas 136 e 137, tradução nossa). No dizer lapidar de Azurmendi Adarraga, citado por Luciano Saavedra (obra citada, página 136, nota 16, tradução nossa), “a exploração comercial não desvirtua o carácter pessoal que a própria imagem tem; mais do que isso, este aspecto essencial da referência à personalidade informa e delimita as condições de realização do aproveitamento económico da imagem humana”. Assim, a concessão da exploração comercial do direito à imagem deverá respeitar, conforme estipula o artigo 81º nº 1 do Código Civil, os princípios da ordem pública. Este preceito deverá ser interpretado e concretizado em ligação com o artigo 280º do Código Civil. “Não é só a contrariedade à ordem pública, mas também a contrariedade à lei e aos bons costumes que tornam ilícitos os negócios jurídicos que tenham como objecto bens da personalidade. A omissão, na letra do artigo 81º, nº 1, das referências à contrariedade à lei e aos bons costumes não legitima a conclusão “a contrario”, que seria manifestamente absurda” (Pedro Pais de Vasconcelos, “Direito de personalidade”, Almedina, 2006, pág. 155). De todo o modo, o regime jurídico do artigo 81º “reflecte uma prática bastante vulgarizada e tida como lícita de regular por negócio jurídico certos aspectos da personalidade ou certos direitos de personalidade. Assim acontece frequentemente com a utilização da imagem e da voz de certas pessoas no domínio da publicidade mediante remuneração, designadamente em meios de comunicação social. Estas práticas são pacificamente aceites e não suscitam reparo” (Pedro Pais de Vasconcelos, obra citada, pág. 156). “A autonomia privada, dentro dos limites do artigo 81º do Código Civil, permite modelar o conteúdo da autorização, que pode ser concedida em exclusivo e com atribuição de poderes, se necessário de representação, para a defesa judicial desse exclusivo contra o uso abusivo por terceiros, assim como pode ser concedido como uma licença de uso não exclusivo” (Pedro Pais de Vasconcelos, obra citada, pág. 158). Acompanhamos o STJ, no acórdão proferido em 25.10.2005 (internet, itij, processo 05A2577), quando diz que “o direito à imagem, em si, enquanto direito de personalidade, é inalienável, mas a exploração comercial da imagem de alguém não o é, podendo ser feita pelo próprio titular desse direito directamente ou por intermédio de outrem, ou por outrem com o seu consentimento. Pelo que um contrato de cedência do próprio direito à imagem seria efectivamente nulo por contrário à ordem pública, nos termos dos art.ºs 81º, n.º 1, e 280º, n.º 2, do Cód. Civil, mas o mesmo não se passa em relação à cedência daquela exploração comercial, que a lei expressamente permite. O que não pode ser cedido é, pois, o direito à própria imagem (se o fosse, o titular nem poderia mostrar a ninguém uma fotografia de si próprio, nomeadamente incluí-la no seu bilhete de identidade, onde acabaria por ser exibido a outrem), não o direito à sua exploração comercial.” O acórdão explicita: “na hipótese dos autos, o que está em causa não é o poder de dispor em geral da imagem da pessoa para fins comerciais, o poder de lançar no comércio todos e quaisquer retratos de que alguém, não titular do respectivo direito à imagem, disponha. O que está em causa é apenas a exploração comercial, durante um período determinado e com proveito económico para o próprio desportista, da imagem de desportista profissional de um futebolista - à qual a própria lei reconhece portanto valor económico -, por meio dos retratos, filmes, desenhos ou outras formas de exibição que, apenas nessa qualidade e durante esse período, sejam produzidos com base na sua imagem, e não no que possa respeitar a todo e qualquer aspecto da sua vida íntima e privada.” E acrescenta-se: “Obviamente que a exploração em causa produzirá benefícios económicos para a empresa que, autorizada pelo desportista, a ela proceda, mas, perante o risco que esta corre, e como dessa actividade não resulta a perda do direito à imagem pelo próprio titular mas apenas uma limitação provisória da exploração comercial da mesma enquanto desportista, tal não choca a ordem pública, e, não constituindo subtracção genérica do direito à imagem do desportista, é a forma de possibilitar a este, como titular desse direito, que, por sua vez, também aufira por essa via benefícios económicos para ele próprio, ao receber uma contraprestação pela cedência do direito àquela exploração comercial. É, aliás, mesmo esse o meio normal, a fim de poder concentrar-se no exercício da sua actividade desportiva, pelo qual procede ele próprio também a essa exploração da sua imagem, permitida pela legislação especial já indicada, na qual, como se disse, não se estabelece restrição idêntica à que possa resultar do disposto no dito art.º 79º.” Estas considerações são aplicáveis ao caso dos autos. Através do contrato sub judice os autores jogadores profissionais não alienaram o direito à sua imagem. Apenas concederam a terceiro, por um período limitado no tempo, um determinado aproveitamento da sua imagem, da qual continuam a ser os titulares e da qual continuam a gozar e fruir, para além da limitação, socialmente adequada, supra mencionada, constante no negócio. O contrato em causa não enferma, pois, da nulidade que lhe é apontada. Não tinha, assim, o tribunal a quo de dela conhecer, sendo certo que tal questão não lhe foi apresentada pelas partes (artigos 668º nº1, alínea d) e 660º nº 2 do Código de Processo Civil). Segunda questão (se a conduta da apelante não é ilícita, por se ter contido nos limites do direito a informar) Está provado que a Ré produziu e mandou imprimir uma colecção de cromos com a fotografia de diversas personalidades sobejamente conhecidas do grande público, principalmente das camadas mais jovens, nomeadamente fotografias de jogadores de futebol portugueses, entre os quais fotografias dos AA. (nº 10 da matéria de facto). Tais cromos foram incluídos na Revista “100% Jovem”, pertencente à Ré/Apelante, nos números de Novembro de 1996 a Janeiro de 1998 (nºs 11 e 12 da matéria de facto). Simultaneamente a Ré produziu e mandou imprimir uma caderneta destinada a colocar os aludidos cromos (nº 13 da matéria de facto). Com a publicação de cromos com a imagem de jogadores de futebol a Ré teve por objectivo aumentar a tiragem da “100% Jovem” (nº 21 da matéria de facto), sendo certo que antecedeu tal decisão de estudos efectuados junto de potenciais leitores, que deram conta das suas preferências (nºs 28 a 30 da matéria de facto). As imagens constantes dos aludidos cromos foram obtidas por jornalistas fotógrafos em lugares públicos, ao serviço da Ré, na execução de diversos serviços de reportagem (nºs 23 e 24 da matéria de facto). A referida publicação de imagens dos Autores jogadores profissionais foi efectuada sem o consentimento destes (nº 10 da matéria de facto). Porém, a Ré/Apelante entende que tal consentimento era desnecessário, uma vez que a publicação do retrato dos Autores ocorreu no exercício do direito a informar, nos termos previstos na Lei nº 2/99, de 13 de Janeiro (Lei da Imprensa). Vejamos. A par dos direitos pessoais como o direito à imagem (artigo 26º) a Constituição da República Portuguesa reconhece, na categoria dos direitos fundamentais, a liberdade de expressão e informação (artigo 37º nº 1: “Todos têm o direito de exprimir e divulgar livremente o seu pensamento pela palavra, imagem ou por qualquer outro meio, bem como o direito de informar, de se informar e de ser informado, sem impedimentos nem discriminações”) e a liberdade de imprensa (art.º 38º). A Lei nº 2/99, de 13 de Janeiro (Lei da Imprensa), explicita que a liberdade de imprensa “abrange o direito de informar, de se informar e de ser informado, sem impedimentos nem discriminações” (nº 2 do artigo 1º). Porém, a liberdade de imprensa admite, obviamente, limites, os quais são, nos termos do artigo 3º do diploma, “os que decorrem da Constituição e da lei, de forma a salvaguardar o rigor e a objectividade da informação, a garantir os direitos ao bom nome, à reserva da intimidade da vida privada, à imagem e à palavra dos cidadãos e a defender o interesse público e a ordem democrática.” Neste enquadramento se insere o disposto no nº 2 do artigo 79º do Código Civil, que dispensa o consentimento do retratado para a reprodução da sua imagem “quando assim o justifiquem a sua notoriedade, o cargo que desempenhe, exigências de polícia ou de justiça, finalidades científicas, didácticas ou culturais, ou quando a reprodução da imagem vier enquadrada na de lugares públicos, ou na de factos de interesse público ou que hajam decorrido publicamente.” Os Autores são membros destacados de uma classe profissional que se dedica a uma actividade que suscita enorme interesse por parte do público. São, por isso, pessoas que gozam de notoriedade. Porém, isso não significa que a sua imagem possa ser reproduzida por outrem sem sua autorização, em qualquer circunstância, mesmo que tal não prejudique a sua honra, reputação ou decoro (situações estas que, nos termos do nº 3 do artigo 79º do Código Civil, derrogariam a previsão do nº 2). Sob pena de se aplicar às figuras públicas um tratamento de desfavor, violador do princípio da igualdade (cfr. Pedro Pais de Vasconcelos, “Direito de personalidade”, citado, pág. 82), haverá que operar aqui um critério de adequação social (Menezes Cordeiro, “Tratado de Direito Civil Português”, I, Parte Geral, Tomo III, Almedina, 2ª edição, 2007, pág. 241). “As esferas pública e individual-social permitem retratar sem autorização, consoante a circunstâncias e os objectivos, mas apenas para documentar o que lá se passa: não, por exemplo, para obter imagens para uma campanha publicitária” (Menezes Cordeiro, obra citada, pág. 241). Relativamente aos retratos tirados em lugares públicos, de factos de interesse geral ou que hajam decorrido publicamente, “tudo depende (…) das circunstâncias e do destino das imagens captadas: elas só podem visar documentar o sucedido: não, por exemplo, animar campanhas publicitárias, sem autorização do próprio” (Menezes Cordeiro, idem, página 241). Conforme lapidarmente se diz no acórdão que esta Relação proferiu na providência cautelar apensa a estes autos (relatado pelo Desembargador Proença Fouto, em 28.01.1999, publicado na Colectânea de Jurisprudência, ano XXIV, tomo I, pág. 93 e seguintes), “a finalidade da livre publicação do retrato de uma pessoa famosa há-de ser posta ao serviço da informação legítima do público”. No caso dos autos, ficou provado que a reprodução dos retratos foi efectuada não para ilustrar qualquer notícia, reportagem ou artigo de opinião, mas tão só para integrar uma colecção de cromos, destacada da revista, com a qual se pretendia favorecer as respectivas vendas. Conforme se expendeu no supra referido acórdão desta Relação, “no concreto, a questão nem se coloca em termos de afrontamento (ou colisão) entre o direito à informação e o direito à imagem. De forma apodíctica se vê que não está em jogo o interesse público, não havendo que ponderar o relevo axiológico jurídico ou ético-jurídico dos direitos aludidos. Aqui e agora, a questão a disciplinar respeita tão só a actividades patrimoniais. Os cromos com as fotografias dos jogadores de futebol dos autos haviam sido incluídos pela requerida na revista 100% Jovem para favorecer a sua venda. Há, por conseguinte, um aproveitamento do divulgador, a ré, da imagem de pessoas notáveis os jogadores de futebol em causa, cujas fotografias inconsentidas foram obtidas de actuações públicas em que os mesmos participaram, visando obter uma maior tiragem da dita revista. Quer dizer: a requerida apropriou-se da notoriedade dos jogadores para exploração comercial da sua imagem que eles, com razão, não aceitam. Trata-se, obviamente, de um uso ilícito da imagem dos jogadores requerentes proibido pelos arts 79º, nº 1, do C.Civil e 10º da Lei nº 28/98, de 26.6.” Conclui-se, assim, que não se verifica a situação de exclusão da ilicitude invocada pela apelante. A conduta da apelante viola igualmente os direitos da sociedade P, uma vez que esta, como se viu supra, havia validamente adquirido o direito de explorar comercialmente, com exclusividade, a imagem dos Autores, sob a forma da reprodução da sua imagem em cromos, alusiva à sua condição de futebolistas. A circunstância de a publicação das imagens dos jogadores ter sido disseminada pela apelante numa colecção que incluía figuras de outras áreas que não o futebol, porventura em termos diversos daqueles que a apelada normalmente utiliza, não obsta ao supra exposto: é que, face ao negócio realizado, era à apelada que cabia decidir os moldes concretos em que iria explorar, sob a forma de cromos, a imagem dos jogadores e auferir os consequentes benefícios. Assim, a publicação dos aludidos cromos pela apelante carecia, em última análise, da autorização da apelada. Improcede, pois, o recurso, nesta parte. Terceira questão (danos sofridos pelos apelados) Quanto à apelada: Na sentença recorrida entendeu-se que a apelada sofreu, em virtude da conduta da apelante, danos patrimoniais, cuja fixação em concreto se relegou para execução de sentença, com o limite máximo de € 6 000,00. A apelante defende que não se provou que a aludida edição de cromos causou prejuízos à apelada, pelo que não há prejuízos cuja liquidação deva ser relegada para execução de sentença. Vejamos. Ao quesito nº 32º, cuja redacção é “A partir da publicação dos cromos com jogadores de futebol pela R., a A. deixou de comercializar pelo menos o mesmo número de cromos e cadernetas que a R. emitiu e comercializou entre Novembro de 1996 e Janeiro de 1998” a resposta foi “não provado”. A aludida resposta negativa foi fundamentada pela seguinte forma: “A resposta ao quesito 32.°, ficou a dever-se à ausência de prova que permita sem margem para dúvidas assim concluir. Na verdade, a testemunha Maria Helena Santos referiu que sim, mas não soube concretizar em que termos tal se traduziu, limitando-se a referir genericamente que deve ter sido necessariamente assim, já que, em seu entender, existia uma concorrência directa entre os cromos da autora e os cromos da ré, relativamente aos jogadores de futebol em causa. Ou seja, este depoimento ficou-se um pouco por considerações genéricas da testemunha e mais convicções do que factos concretos dos quais se pudesse retirar sem margem para dúvidas que existiu uma relação causa-efeito. Note-se que nem a prova pericial assim permitiu concluir. Finalmente, uma nota para referir o depoimento de parte da autora, que também foi no sentido apontado pelo quesito, mas o mesmo não permitiu que ficássemos com a convicção firme e certa de que a menor venda sofrida pela autora de cromos e cadernetas, se tenha ficado a dever necessariamente e em que medida à publicação da ré. Além do mais, nesta matéria, nunca este depoimento poderia ser determinante, sem qualquer outra prova de suporte, já que a parte não está sequer aqui a confessar um facto que lhe é desfavorável, pelo contrário. Não pode nessa medida este depoimento por si só ser suficiente para provar exactamente o contrário daquilo que a parte que o requereu pretendia. Seria necessário outro meio de prova para nos convencer da relação causa efeito que a autora pretende aqui. Ora, isso não aconteceu na nossa convicção.” Do teor da fundamentação como, de resto, da própria resposta, resulta que pura e simplesmente não se provou que da conduta da Ré/Apelante resultou uma diminuição na comercialização de cromos e cadernetas por parte da apelada. Mas tal não significa que a conduta da Ré não tenha causado à Autora prejuízos, ou seja, danos ressarcíveis. O art. 562º do Código Civil estipula que “quem estiver obrigado a reparar um dano deve reconstituir a situação que existiria, se não se tivesse verificado o evento que obriga à reparação.“ Tal obrigação só existe em relação aos danos que o lesado não teria sofrido se não fosse a lesão (art.º 563º do C.C.) e neles são incluídos não só o prejuízo causado como os benefícios que o lesado deixou de obter em consequência da lesão (564º nº 1). Em princípio a indemnização deverá visar a reconstituição natural, sendo fixada em dinheiro quando a reconstituição natural não for possível, não repare integralmente os danos ou seja excessivamente onerosa para o devedor (nº 1 do art.º 566º do Código Civil). Em regra a indemnização em dinheiro terá como medida a diferença entre a situação patrimonial do lesado, na data mais recente que puder ser atendida pelo tribunal, e a que teria nessa data se não existissem danos (nº2 do art.º 566º). Se não puder ser averiguado o valor exacto dos danos, o tribunal julgará equitativamente dentro dos limites que tiver por provados (nº 3 do art.º 566º). Se tal averiguação em concreto, ainda possível, não tiver sido conseguida antes da prolação da sentença, a sua fixação será relegada para liquidação ulterior (artigos 661º nº 2 do Código de Processo Civil e 565º do Código Civil). Provou-se que a A. adquiriu o direito exclusivo de comercializar a imagem dos autores, além de outros jogadores profissionais, sob a forma de cromos, durante seis épocas desportivas, com início na data da assinatura do contrato e termo em 31.7.2000. Para tal a A. teve de pagar ao Sindicato uma contrapartida económica. Ora, durante o período de vigência da aludida concessão em exclusivo à A. da possibilidade de explorar comercialmente a imagem dos AA., na modalidade descrita, a apelante produziu e comercializou, através da sua revista, dezenas de milhares de cromos contendo a imagem dos Autores, sem pagar qualquer contrapartida económica, seja aos jogadores, seja à apelada. Tal constituiu uma apropriação da imagem dos Autores que tem um valor patrimonial, emergente do valor comercial que aquela imagem, conforme supra exposto, tem no mercado. O dano a que a apelada foi sujeita traduz-se no valor de mercado correspondente à referida apropriação, tendo como referência a quantia que em circunstâncias idênticas à da publicação efectuada pela apelante a apelada poderia razoavelmente exigir como contrapartida pelo seu consentimento na publicação. Na falta de elementos bastantes para calcular tal valor, e no pressuposto de que os mesmos ainda poderão ser colhidos, aceita-se a decisão recorrida, de remeter para momento ulterior a liquidação do dano patrimonial sofrido pela apelada, com o limite, que não foi alvo de impugnação, de € 6 000,00. O recurso improcede, pois, também nesta parte. Quanto aos apelados B e outros: Retomando as considerações supra formuladas no que concerne à dupla vertente, patrimonial e não patrimonial, do direito à imagem, é pertinente reproduzir as palavras de Cláudio Trabuco (“Dos contratos relativos ao direito à imagem”, estudo citado supra, pág. 410): “(…) a exploração comercial que é feita da imagem da pessoa não desvirtua o carácter pessoal que ela tem. Além do mais, é este aspecto pessoal de referência à personalidade que enforma e delimita as condições de realização do aproveitamento económico da imagem humana. Tal possibilidade de aproveitamento económico não faz da imagem um bem patrimonial, pois que em caso algum se opera uma transferência da sua titularidade quando é negociada. E é exactamente a função delimitadora do seu carácter pessoal que justifica uma regra como a da revogabilidade a todo o tempo do consentimento, ainda que com lugar a prejuízos eventualmente causados à contraparte. Finalmente, não podemos deixar de ter em atenção que o direito à imagem, como direito de personalidade, não fazendo muito embora parte stricto sensu do património do indivíduo, pode ter grande relevância para a sua vida económica, até porque da sua lesão podem resultar não apenas danos não patrimoniais como também danos patrimoniais, assumindo esta questão uma maior relevância para as pessoas que alcançaram já um estatuto de certa notoriedade.” O tribunal a quo, na atribuição de indemnização a favor dos Autores jogadores (que fixou em € 3 000,00 para cada um), atendeu tão só a danos não patrimoniais. Julgamos que fez bem, uma vez que, como se viu, os AA. haviam transferido para a apelada o direito de explorar comercialmente o seu direito à imagem, pelo que a este respeito, e nada mais de relevante se tendo provado, a apelada é a única lesada. O artigo 496º do Código Civil estipula que “na fixação da indemnização deve atender-se aos danos não patrimoniais que, pela sua gravidade, mereçam a tutela do direito” (nº 1). A “gravidade” referida no preceito não tem a ver com o “montante” mas com a “seriedade”, ou melhor, a “juridicidade” (no sentido de relevância jurídica da realidade não patrimonial afectada) da situação (Menezes Cordeiro, obra citada, pág. 120). Ora, na presença de um direito de personalidade, tal “gravidade” tem-se como consubstanciada: a indemnização deve ser arbitrada (Menezes Cordeiro, idem, pág. 120). Acresce que, no ressarcimento dos danos não patrimoniais, a finalidade reparatória do padecimento do lesado é acompanhada de intuitos punitivos e preventivos (Antunes Varela, “Das obrigações em geral”, vol. I, 8ª edição, Almedina, Coimbra, 1994, pág. 619), conforme decorre do apelo que, para efeitos de fixação do valor da indemnização, se faz na lei para circunstâncias como a culpabilidade do agente, a sua situação económica e demais circunstâncias do caso (artigos 496º nº 3 e 494º do C.C.). O incremento do valor das indemnizações constitui, no dizer de Menezes Cordeiro, “uma peça-chave na concretização social dos direitos de personalidade” (obra citada, pág. 120). Os Autores viram a sua imagem corporal ser retratada e divulgada, sem o seu consentimento, em dezenas de milhares de revistas, em condições de publicidade mais alargadas do que as que em regra são praticadas pela apelada (que em geral confina a sua actividade à publicação de cromos contidos em sacos de papel – nº 18 da matéria de facto). Assim, o valor arbitrado, de € 3 000,00 euros, só se justifica, quanto ao seu baixo valor, pela circunstância de a aludida reprodução se ater à condição de jogadores de futebol, pela qual os AA. já eram conhecidos e atendendo à qual já haviam acedido a que a sua imagem fosse comercializada (embora, como se viu, em benefício de outra entidade que não a apelante). Afigura-se-nos, assim, que o recurso não merece provimento. DECISÃO Pelo exposto, julga-se a apelação improcedente e consequentemente mantém-se a decisão recorrida. Custas da apelação pela apelante. Lisboa, 18.12.2007 Jorge Leal Nelson Borges Carneiro Américo Marcelino (voto de vencido) |