Acórdão do Tribunal da Relação de Lisboa
Processo:
10266/2006-5
Relator: AGOSTINHO TORRES
Descritores: EXTRADIÇÃO
DETENÇÃO
CONTAGEM DOS PRAZOS
PRISÃO PREVENTIVA
Nº do Documento: RL
Data do Acordão: 01/09/2007
Votação: UNANIMIDADE
Texto Integral: S
Meio Processual: RECURSO PENAL
Decisão: NÃO PROVIDO
Sumário: 1.A “detenção” que arguido sofra no estrangeiro, no âmbito do processo da sua extradição ( in casu, da República Federativa do Brasil) para Portugal, não deve ser tida em consideração no cômputo do tempo da prisão preventiva, com as correspondentes consequências.
2.O excesso de prisão preventiva por cômputo daquela detenção no prazo desta é problema que deve ser colocado mais em sede de habeas corpus ( artº 222ºalª c) do CPP) do que em plano de recurso para a Relação a ser direccionado para o STJ.
3.Os prazos de duração máxima da prisão preventiva. estabelecidos no artigo 215º do Código de Processo Penal, são prazos ordenadores do processo penal que corre perante a jurisdição nacional, sendo regido pela lei portuguesa, não podendo os mesmos ser transpostos para o âmbito de um procedimento que, pelo direito internacional convencional, é regido pela lei estrangeira e cujo controlo está subtraído ao Estado Português.
4.À tramitação do processo de extradição aplica-se a lei da parte requerida, de acordo com o direito internacional convencional vigente, nos termos do disposto no art.15º, nº2, do Tratado de Extradição entre o Governo da República Portuguesa e o Governo da República Federativa do Brasil.
5.Enquanto a prisão preventiva constitui uma medida de coacção, decretada no âmbito do processo penal português, nas condições gerais previstas no art.204º, do CPP, a detenção provisória para extradição visa assegurar a possibilidade efectiva de execução da decisão de extradição, tendo lugar no âmbito do respectivo processo, a correr no Estado requerido, que não promove o processo penal, com pressupostos e com um regime diverso da prisão preventiva.
6.Uma solução que obrigasse a imputar na duração da prisão preventiva o tempo de detenção para extradição no estrangeiro poderia significar, no limite, que a prisão preventiva não poderia sequer ser aplicada, como seria o caso dos autos, perdendo o processo de extradição efeito útil.
Decisão Texto Integral: ACORDAM EM CONFERÊNCIA OS JUÍZES NA 5ª SECÇÃO PENAL DO TRIBUNAL DA RELAÇÃO DE LISBOA

I-RELATÓRIO
1.1- Na sequência de pedido de extradição solicitado ao Brasil pelas autoridades portuguesas, o arguido J. foi detido e, em Portugal, sujeito então a 1º interrogatório judicial no âmbito do presente inquérito nº 1469/02.4JFLSB- 8 Secção do DIAP de Lisboa.

Findo o mesmo, o Exº JIC determinou que o arguido ficasse em prisão preventiva.
Deste despacho recorre o arguido arguindo a sua nulidade, pedindo a sua substituição ou, então, a respectiva colocação em liberdade com apresentações.

1.2- O despacho recorrido foi do seguinte teor:
“A detenção foi legal, tendo sido o arguido entregue às autoridades portuguesas em 09.10.2006, às 23h30min, pelas autoridades brasileiras, no Aeroporto Internacional do Recife. A entrega do arguido ocorreu no âmbito de um processo de pedido de extradição apresentado pelas autoridades portuguesas às autoridades brasileiras.
Indiciam os autos a prática pelo arguido, em co-autoria, com os demais arguidos, da prática dos crimes de falsificação de documento e burla qualificada, p. e p., respectivamente, pelos arts.256°, n°l, alª. a), 217°, n°l e 218°, n°2, al. a), do Cód. Penal.
Os montantes indiciados nos autos atingem valores da ordem dos 4 milhões de euros.
O arguido, inquirido sobre os factos, refutou a sua prática e apresentou para os mesmos explicações pouco verosímeis. Assim, não se vislumbra que, pelo menos nesta fase de inquérito, efectivamente preste qualquer colaboração para a descoberta da verdade dos factos e se é um facto que tal atitude em nada o prejudica, também não permite criar no Tribunal um juízo de prognose favorável à sua colaboração ainda no decurso do inquérito.
Os montantes envolvidos como se disse são de monta, ao que não pode deixar de ser associado o correspondente poder económico do arguido para se movimentar para fora do país, como de resto já o fez, instalando-se no Brasil, país junto cio qual foi necessário suscitar um processo de extradição para que o arguido fosse ouvido pelas autoridades portuguesas no âmbito deste processo.
Assim, é por demais evidente o perigo de fuga e até o perigo de perturbação do inquérito, razão pela qual se mostram preenchidos os pressupostos do art° 204° al.s a) e b), do CPP.
Tendo em conta o elenco das medidas previstas no CPP, a única medida que se mostra adequada e ajustada às necessidades cautelares em apreço, é a medida de prisão preventiva, na medida em que apenas esta cerceia de forma efectiva o perigo do arguido se eximir à justiça portuguesa, razão pela qual deverá ser esta a medida que lhe venha a ser aplicada.
Quanto ao facto de o arguido se encontrar detido no âmbito do processo de extradição por tempo que extravasa os prazos referidos no art° 215° do CPP, entende este Tribunal que esses prazos deverão ser contabilizados em sede de contagem da pena, não podendo, contudo, servir para esgotar os prazos fixados na lei como prazos limite da prisão preventiva.
Com efeito, a prisão preventiva constituí uma medida de coacção decretada no âmbito de um processo criminal e visa assegurar finalidades cautelares relacionadas com aquele processo, sendo que a detenção provisória para extradição visa assegurar a possibilidade efectiva de execução da decisão de extradição, sendo pois diverso o regime jurídico destas duas medidas de privação de liberdade.
Deste modo, o tempo de detenção sofrido pelo extraditando no processo de extradição não deve ser adicionado ao tempo de prisão preventiva referido no processo criminal para efeitos de contagem do prazo de duração máxima desta medida de coacção.
Neste sentido, leiam-se os acórdãos do Tribunal da Relação de Lisboa de 14.02.2001 e da Relação de Coimbra de 02.06.2004, publicados respectivamente no site http:/ www.dgsi.pt. Esta questão já foi igualmente objecto de decisão do Tribunal Constitucional em sede de fiscalização concreta da constitucionalidade nos acórdãos n° 462/2004 e 298/99, ambos sumariados no site http://www.tribunalconstitucional.pt. , embora uma das decisões contenha voto de vencido.
Assim, e face do exposto, não se mostra, em nosso entender, excedido o prazo de prisão preventiva estatuído, antes da prolação de acusação, razão pela qual deverá o arguido permanecer sujeito à medida de coacção de prisão preventiva.
Passe os competentes mandados de condução ao EP.
Cumpra-se o disposto no art° 194° n° 3 do CPP. (…) “


1.3- Inconformado com este despacho, o arguido recorreu para esta Relação e apresentou as seguintes conclusões da motivação de recurso:
A)
O arguido, oportunamente indiciado pela prática dos crimes de burla qualificada, falsificação de documentos e branqueamento de capitais, respectivamente previstos e punidos pelos art°s. 217°., n°. 1, 218°., n°. 2, alíneas a) e b), aqui com referência ao art°. 202°., alínea b), 256°., n°s. 1, alínea a) e 3, com referência ao art°. 255°., todos do CP, e art°. 1°., n°. 1, da Lei 36/94, de 29 de Setembro, art°. 2º., n°. 1, alínea a), do DL 325/95, de 2 de Dezembro, com as alterações introduzidas posteriormente, actualmente p.p. art°. 2°., n°. 1, alínea a), do mesmo DL 325/95, e art°. 368°. A, n°. 1, do CP, na redacção da Lei 11/2004, de 27 de Março, em processo de Extradição, sempre à ordem dos presentes autos, já que contra si nenhum outro processo nacional ou internacional milita, viu-se detido, constituído arguido, em tempo e condições que melhor resultam de fls. dos autos, após processo de Extradição, e o cumprimento, ininterrupto, de dezanove meses e sete dias de prisão, acrescidos de cento e sessenta e um dias de créditos de trabalho, prestado no Estabelecimento Prisional no Brasil, a que se somam os entretanto cumpridos em território português, e entregue às autoridades portuguesas.
B)
Saneadas, pelo Supremo Tribunal Federal, todas as questões tidas por prejudicadas, apenas admitido esta subida instância, como praticado, e julgável em Portugal, o crime de burla agravada, foi o arguido entregue às autoridades portuguesas, em consequência, e no passado dia 10 de Outubro, presente à mm". Juíza de Instrução Criminal, para tornada judicial de primeiras declarações. Então,
C)
Na mesma diligência, com o devido respeito, lançando mão dos argumentos que sempre se mostram aplicáveis a qualquer processo, Sua Exa., a Exma. Procuradora Adjunta, como melhor resulta de fls., promoveu o que, em sede de pedido de Extradição havia já manifestado, ou seja, que fosse imposta ao arguido a medida de prisão preventiva.
D)
Tese que veio a merecer judicial provimento, tudo estribado nuns alegados perigo de fuga, dizendo-se que o arguido se terá ausentado em fuga para o Brasil, no facto dos montantes da burla se mostrarem elevados, sem que prova militasse ou se invocasse a tal propósito, num poder económico do arguido, apto a proporcionar-lhe eventuais novas fugas, concluindo-se que uma medida não detentiva ostentaria potencialidade para perturbar o inquérito.
E)
Tal douta decisão, que ora se sindica, mostra-se pré-conceituosa, assente em supostas anteriores fugas, que nunca ocorreram, antes sendo certo que o arguido se instalou no Brasil, sendo pública e notoriamente reconhecido como um excelente cidadão e profissional, sem mácula ou notícia de investigação criminal, em Portugal ou no Brasil, de onde também resultou a concessão da nacionalidade brasileira, por naturalização, ao invés do preconceito, se mostrando provado que, tão logo as autoridades o procuraram, facilmente sendo encontrado, detido e presente ao poder judicial, lembrando-se que a sua residência se mostrava conhecida publicamente, igualmente o seu local de trabalho, a final, lembrando, o que se mostra de relevo, ser o arguido senhorio do Consulado de Portugal. Perigo de fuga? Desconhecimento de paradeiro? Dificuldades em encontrar o arguido? Como assim?...
F) No que concerne aos alegados perigos que possam emergir de um dito elevado estatuto económico, bastará atentar-se na matéria dos autos para, objectivamente, aferir que os bens do arguido, património mobiliário e imobiliário, seja em Portugal ou no Brasil, sempre e só em razão e a pedido deste processo, se mostram congelados na totalidade.
G)
Perturbação do Inquérito? Em que medida objectiva poderá aceitar-se tal entendimento? O processo, como indica a respectiva identificação, ter-se-á iniciado no longínquo ano de 2002, desde então decorrendo a investigação, há muito se mostrando encerrada a actividade profissional do arguido, apreendidos milhares de documentos, certamente que já realizadas a maioria das diligências programadas, até se admitindo que apenas restaria tomar declarações ao arguido.
H)
Este, tão logo se viu representado neste processo, por sua vontade pessoal, com natural expressão processual, manifestou pretender confessar, integralmente e sem reservas, toda a sua participação criminosa, colaborar na prossecução do objectivo de diagnosticar o processo e prescrever soluções, também visando que se apure o real valor da lesão, não superior a 1'500.000,00 (um milhão e quinhentos mil euros), que pretende liquidar na totalidade e que, doravante, com a sua colaboração, possa o Estado Português, ADSE, evitar lesões anuais de não menos de setecentos e cinquenta milhões de euros.
I)
Para lá destas intenções, impõe-se referir que o arguido, repete-se, sempre e só, à ordem deste processo, cumpriu, até ao momento, no Brasil, dezanove meses e sete dias de prisão, a que acresce um crédito, por dias trabalhados em reclusão, de cento e sessenta e um, cabendo ainda somar os dias que decorrem da chegada a Portugal, ou seja,
J)
Assim, para lá do entendimento, de que se discorda, de que ao arguido apenas se mostra aplicável a medida coactiva de prisão preventiva, cujos pressupostos, na sua objectiva génese, como acima mitigadamente se elenca, se têm por não verificados, dando-se assim por não verificado o que se contém no art° 204°., do CPP, o que releva destes autos é a prisão, permita-se, grosseiramente ilegal, por violação do prescrito no art°. 215°., do CPP, prazos de duração máxima da prisão preventiva.
K)
Em sede de douta decisão judicial, a Mm°. JIC, referindo-se à questão, manifesta que é seu entendimento não se mostrar excedido o prazo de prisão preventiva, reportando tal inexistência de excesso ao momento da prolação da acusação. Porém,
L)
Não fundamentou a Distinta Magistrada em qualquer outra disposição ou alínea do citado art°. 215°., do CPP, onde radica a sua opção decisória, auto limitando-se a tal invocado momento, assim nos inibindo de sindicar tal estribo, em concreto permanecendo o arguido em prisão preventiva ao abrigo não se sabe de que limite, eventualmente o de doze meses, contados da data da sua presença no TIC ou seja, tendo-se por legal que a prisão preventiva se arraste até ao próximo dia 9 de Outubro de 2007, cumpridos que então sejam dezanove meses e sete dias de prisão, cento e sessenta e um dias de créditos, trezentos e sessenta e cinco dias, contados estes até tal absurdo. Mais,
M)
Da mesma douta decisão decorre que, passa a citar-se, ... prazos deverão ser contabilizados em contagem da pena...", ou seja, os dias de prisão cumpridos deverão ser descontados na pena de prisão,
N)
De onde resulta que, a sufragar este entendimento, a Mmª. JIC considera, e decide, o que se mostra mais grave, porque em sede imprópria, incompetente para tal, que o arguido será alvo de uma condenação, em extremo deste raciocínio, permanecendo fixada a ideia de que é letra morta o n°. 2, do art°. 32°., da CRP, lançando-se ao lixo todo o historial humano que levou à consignação do principio e da norma que consagram um direito de presunção de inocência, tão grotesco se mostrando este quadro que o arguido, tão logo chegou a Portugal, pensou socorrer-se da providência de habeas corpus, que tem como o mecanismo mais garantístico dos respectivos direitos. Porém,
O)
Atenta a prática judicial portuguesa, nomeadamente o sentido decisório da quase totalidade dos acórdãos proferidos pelo Supremo Tribunal de Justiça, que remetem para sede de recurso o mecanismo próprio de obstar à continuidade de prisões infundamentadas, entendeu-se ser de interpor o presente recurso,
P)
Através do qual se pretende, em conformidade com a justiça e a legislação em vigor, por violação dos prazos máximos de prisão preventiva, previstos no art°. 215°, do CPP,
Q)
Por violação do princípio da presunção de inocência, consagrado no n°. 2, do art°. 32°., da CRP,
R)
Por não verificação dos pressupostos determinantes da medida coactiva de prisão preventiva, que se contêm no art°. 204°., do mesmo citado compêndio,
S)
Por se mostrarem passíveis de aplicação medidas coactivas alternativas à prisão preventiva, como sejam, e se reclama, a prestação de TIR e sujeição a regime de apresentações, com a periodicidade que se tenha por adequada aos escopos processuais, admitindo-se uma periodicidade bi diária,
Vem requerer-se a V. Exas. seja declarada nula a sindicada decisão, em sua substituição se proferindo novo despacho acolhendo a suspensão da medida coactiva de prisão preventiva, ora em vigor, em sua alternativa se impondo ao arguido prestação de TIR e regime de apresentações, bi diárias que sejam.”


1.4- O MºPº na 1ª instância respondeu, propugnado pela manutenção do despacho recorrido, dizendo em conclusão:
“- é clara e consistente a prova já recolhida sobre a prática pelo arguido, ora recorrente, de nove crimes de burla qualificada, p. e p. pelo art.218º, nº2, al.a), do Cód. Penal.
- verificam-se todos os pressupostos, específicos e gerais, da aplicação da medida de prisão preventiva (art.202/nº1 al.a) e 204 C.P.P.);
- o arguido não apresentou qualquer prova, nem indicou qualquer elemento, que os permita afastar;
- a medida é adequada e proporcional ao caso (art.193 C.P.P.);
- não foram violadas as disposições legais e diplomas invocados, ou outros;
- nem direitos, liberdades e garantias do arguido,
Andou bem a Mmª JIC ao decidir como decidiu, pelo que deve ser negado provimento ao recurso, mantendo-se o despacho recorrido.”

1.5- Nesta Relação, ao abrigo do artº 416º do CPP, a Exª Srª Procuradora Geral Adjunta emitiu também parecer aderindo no essencial à posição do MºP na 1ª instância. E salientou também posição no sentido de o tempo de detenção provisória sofrido pelo arguido no Brasil na decorrência da organização e cumprimento da extradição não dever ser computado nos prazos de prisão preventiva em curso mas antes e apenas no cômputo final da pena que venha a ser aplicada.
1.6-O recorrente respondeu, alegando no essencial a sua discordância em moldes semelhantes aos antes invocados na sua motivação de recurso.
Os autos, após admissão e exame preliminar do recurso pelo relator, foram remetidos à presente conferência cumprindo-se a formalidade dos vistos prévios aos Exºs Juízes Adjuntos. Cumpre pois conhecer.


II-CONHECENDO

2.1- O âmbito dos recursos encontra-se delimitado em função das questões sumariadas pelo recorrente nas conclusões extraídas da respectiva motivação, sem prejuízo, no entanto, das questões que sejam de conhecimento oficioso , cfr se extrai do disposto no artº 412º nº 1 e no artº 410 nºs 2 e 3 do Código de Processo Penal (c.p.p.)
Isto, sem prejuízo do dever de conhecimento oficioso de certos vícios ou nulidades, designadamente dos vícios indicados no art. 410º, n.º2 do CPP vide Ac. STJ para fixação de jurisprudência 19.10.1995 publicado no DR, I-A Série de 28.12.95.
Tais conclusões visam permitir ou habilitar o tribunal ad quem a conhecer as razões de discordância dos recorrentes em relação à decisão recorrida vide ,entre outros, o Ac STJ de 19.06.96, BMJ 458, págª 98 e o Ac STJ de 13.03.91, procº 416794, 3ª sec., tb citº em anot. ao artº 412º do CPP de Maia Gonçalves 12ª ed; e Germano Marques da Silva, Curso Procº Penal ,III, 2ª ed., págª 335; e ainda jurisprudência uniforme do STJ (cfr. Acs. do STJ de 16-11-95, in BMJ 451/279 e de 31-01-96, in BMJ 453/338) e Ac. STJ de 28.04.99, CJ/STJ, ano de 1999, p. 196 e jurisprudência ali citada), bem como Simas Santos / Leal Henriques, Recursos em Processo Penal, 5ª ed., p. 74 e decisões ali referenciadas.


Tratado de Extradição celebrado entre a República Federativa do Brasil e a República Portuguesa, aprovado pela resolução da Assembleia da República nº 5/94, de 3/2 e ratificado pelo Decreto do Presidente da República nº 3/94, da mesma data, sem prejuízo da aplicabilidade do regime estabelecido na Lei nº 144/99, de 31/8, como decorre do disposto nos nºs 1 e 2 do artigo 1º deste último diploma.

2.2- No presente recurso estão em apreciação as seguintes questões:

Encontra-se excedido o prazo de prisão preventiva por dever considerar-se no seu cômputo o tempo de detenção sofrido no Brasil?
A medida de coacção aplicada devia ser antes outra, não detentiva?


2.3- Por economia de esforços, seguindo de perto o sumário das questões feito pelo MºPº, dir-se-á de antemão que a posição do arguido se baliza deste modo:

- Pelos crimes de burla qualificada, falsificação de documentos e branqueamento de capitais, foi o arguido detido no competente processo de extradição;
- Corrida a legal tramitação foi apenas admitido como praticado e julgável em Portugal o crime de burla qualificada e o arguido entregue às autoridades portuguesas;
. No dia 10.10.2006, foi o arguido presente à Mmª Juíza de Instrução para tomada judicial de primeiras declarações;
. A Exmª Procuradora Adjunta promoveu, o que, em sede de pedido de extradição havia já manifestado, ou seja, que fosse imposta ao arguido a medida de prisão preventiva;
. Tese que veio a merecer judicialmente provimento, tudo estribado num alegado perigo de fuga, dizendo-se que o arguido se terá ausentado em fuga para o Brasil, que os montantes da burla se mostram elevados, que o poder económico do arguido lhe permite efectivar tais fugas, concluindo-se que uma medida não detentiva ostentaria potencialidade para perturbar o inquérito;
. A douta decisão, ora recorrida, salvo o devido respeito, mostra-se preconceituosa, assente em suposta anterior fuga, que nunca ocorreu;
. O arguido, ora recorrente, instalou-se no Brasil, sendo pública e notoriamente reconhecido como excelente cidadão e profissional, a quem foi concedida a nacionalidade brasileira e facilmente encontrado;
. Quanto ao perigo que possa emergir do elevado estatuto económico, bastará atentar-se na matéria dos autos, para objectivamente aferir que os bens do arguido, seja em Portugal seja no Brasil, se mostram congelados na totalidade;
. Não se verifica o perigo de perturbação do inquérito, tanto mais que o inquérito iniciou-se em 2002, desde então decorrendo a investigação, há muito se mostra encerrada a actividade, apreendidos milhares de documentos e certamente já foram realizadas a maioria das diligências programadas;
. O arguido manifestou pretender confessar, integralmente e sem reservas, toda a actividade delituosa, colaborar na prossecução do objectivo de diagnosticar o processo, visando que se apure o real valor da lesão, não superior a 1.5000.000,00€, que pretende liquidar na totalidade;
.O arguido só à ordem deste processo cumpriu, no Brasil, dezanove meses e sete dias de prisão, a que acresce um crédito, por dias de trabalho em reclusão de 161, cabendo ainda somar os dias que decorrem da chegada a Portugal;
. Assim, mostra excedido o prazo de duração máxima da prisão preventiva, pelo que a prisão é ilegal, por violação do art.215º, do CPP;
. A Mmª JIC decidiu que não se mostra excedido o prazo de prisão preventiva, porém, tal decisão não é fundamentada em qualquer disposição ou alínea do art.215º, do CPP;
. A decisão da Mmª JIC viola o disposto no art.32º, nº2, da CRP e o art.204º, do CPP;
. O douto despacho recorrido deve ser revogado e a medida de cocção fixada ser substituída pela prestação de TIR e apresentações à autoridade policial competente.



2.4 - De acordo com o que se extrai dos elementos certificados nos autos, foi considerado pelo Mmº JIC estar fortemente indiciado que o arguido, ora recorrente, entre 1998 a Setembro de 2002 e Abril de 2002 a Novembro de 2003, fabricou ou ajudou a fabricar prescrições médicas de tratamentos de fisioterapia e de exames de radiologia, que remeteu para comparticipação pela ADSE utilizando para tal vários /«( cerca de 7) estabelecimentos de prestações de cuidados de saúde que explorava ou de que era sócio-gerente, logrando receber da ADSE pagamentos de exames e tratamentos que não se realizaram. E também se indicia fortemente dos autos que fabricou modelos 14 de ADSE (modelos de consultas), quer em seu nome, quer em nome de outro clínico, Drº Paulo Neves, logrando assim receber indevidamente comparticipações por consultas que não foram realizadas. Com a sua conduta o arguido logrou receber e prejudicar a ADSE em mais de quatro milhões de euros.
O arguido recorrente em 1º interrogatório negou o essencial os factos com os quais foi confrontado embora relativamente às consultas facturadas em seu nome e em nome do arguido Paulo Neves tenha assumido que as consultas facturadas foram efectivamente realizadas mas que foram facturadas consultas realizadas por outros médicos, sendo que alguns não tinham convenção com a ADSE. Esta foi pois a posição que manteve naquele acto judicial e em função de cujo limite substancial foi aferida a medida de coacção aplicada.
A MJIC considerou inícios fortes da prática pelo arguido de um crime de falsificação de documento, p. e p. pelo art.256º, nº1, al.a), e de um crime de burla qualificada, p. e p. pelo art.218º, nº2, al.a), do Cód. Penal decretando a sua prisão preventiva que fundamentou quer nesses indícios quer no perigo de fuga ( por se ter ausentado para o Brasil pouco após os factos e a respectiva averiguação pela ADSE) e de perturbação do decurso do inquérito.
Foi ainda considerado que os benefícios indevidamente recebidos são de valor muito elevado, possui o Recorrente poder económico permissivo da fácil movimentação para fora do país e que tal fazia prever que, antevendo a séria possibilidade de uma condenação em pena efectiva de prisão, se tentaria furtar à acção de justiça. O perigo de fuga era tido por demais evidente atendendo ao facto de o arguido Recorrente já se ter instalado no Brasil, junto do qual foi necessário suscitar um processo de extradição para que o arguido fosse presente às autoridades portuguesas.
Em despacho final no predito 1º interrogatório considerou-se também que, apesar de o arguido se encontrar detido no âmbito do processo de extradição por tempo que extravasava os prazos referidos no art.215º, do CPP, tal não impedia a aplicação de tal medida, uma vez que essa detenção só deveria ser contabilizada em sede de contagem de pena, não servindo para esgotar os prazos fixados na lei como prazos limite da prisão preventiva.

Já após o recurso instaurado e entradas as alegações o arguido voltou a ser interrogado e prestou declarações segundo as quais aceitaria a prática de grande parte dos factos e a minimização dos danos, oferecendo como garantia vasto património. Esta realidade processual não esteve naturalmente presente na avaliação da medida aplicada e não irá influenciar o destino da decisão de recurso pelas seguintes razões:
Em primeiro lugar, trata-se de considerar a justeza ou não decisão considerando apenas os pressupostos materiais e temporais em que se fundou e não o que posteriormente ocorreu.
Em segundo lugar, a avaliação da importância daquelas declarações dependerá da verificação da sua veracidade e grau de arrependimento, em sede de reavaliação da medida, a tomar oportunamente até 9 de Janeiro do corrente ano e nos termos do artº 213º do CPP.
Em terceiro lugar, não se dispõe de momento certificação processual segura acerca da substancial relevância processual probatória de tais declarações nem da idoneidade da garantia prestada, aceitando-se porém que, a ser exacto tudo o que o arguido afirma e a idoneidade daquela garantia patrimonial de ressarcimento dos danos, a sua posição nos autos poderá efectivamente revestir uma importância assinalável no quadro da possível revisão da medida aplicada.
O certo é porém, que tal relevância ultrapassa os pressupostos do despacho recorrido e das circunstâncias em que o mesmo foi pensado e proferido.


2.5 – Começando então pela questão do excesso de prisão preventiva:

O problema resume-se à questão de saber se a “detenção” que o arguido sofreu no estrangeiro, no âmbito do processo da sua extradição da República Federativa do Brasil para Portugal, deve ou não ser tida em consideração no cômputo do tempo da prisão preventiva, com as correspondentes consequências.
Uma vez que foi colocada no âmbito do presente recurso, dela se conhecerá, evitando assim eventual nulidade por omissão de pronúncia , ainda que se possa entender que o problema deveria ser colocado mais em sede de habeas corpus Cfr Acórdãos do Supremo Tribunal de Justiça proferido nos incidentes de "habeas corpus"- procº nº 1607/04-3 e nº 2134/04-3, apensos aos autos em que foi proferido Ac RP de 7.12.2005 ( relator António Guerra Banha) no mesmo sentido da não contagem do tempo de detenção para extradição para o cômputo da prisão preventiva. ( artº 222ºalª c) do CPP) do que em plano de recurso para a Relação, vista que é a definição e estatuto de competências ali previsto para, em casos como esse, ser direccionado claramente para o STJ.
Assim, vejamos:
Decorre do processo que o arguido foi detido no Brasil no dia 03.03.2005 (fls.7020) e foi entregue às autoridades portuguesas no dia 09.10.2006 e ouvido em 1º interrogatório no dia seguinte.
O processo de extradição e o processo penal perante a jurisdição portuguesa não se confundem entre si e em relação aos escopos visados.
Os prazos de duração máxima da prisão preventiva. estabelecidos no artigo 215º do Código de Processo Penal, são prazos ordenadores do processo penal que corre perante a jurisdição nacional, sendo regido pela lei portuguesa, não podendo os mesmos ser transpostos para o âmbito de um procedimento que, pelo direito internacional convencional, é regido pela lei estrangeira e cujo controlo está subtraído ao Estado Português.
À tramitação do processo de extradição aplica-se a lei da parte requerida, de acordo com o direito internacional convencional vigente, nos termos do disposto no art.15º, nº2, do Tratado de Extradição entre o Governo da República Portuguesa e o Governo da República Federativa do Brasil.
Enquanto a prisão preventiva constitui uma medida de coacção, decretada no âmbito do processo pena português, nas condições gerais previstas no art.204º, do CPP, a detenção provisória para extradição visa assegurar a possibilidade efectiva de execução da decisão de extradição, tendo lugar no âmbito do respectivo processo, a correr no Estado requerido, que não promove o processo penal, com pressupostos e com um regime diverso da prisão preventiva.
Uma solução que obrigasse a imputar na duração da prisão preventiva o tempo de detenção para extradição no estrangeiro poderia significar, no limite, que a prisão preventiva não poderia sequer ser aplicada, como seria o caso dos autos, perdendo o processo de extradição efeito útil.
Por outro lado, o artº 13º da Lei 144/99, de 31.08 prevê que “A prisão preventiva sofrida no estrangeiro ou a detenção decretada no estrangeiro em consequência de uma das formas de cooperação previstas no presente diploma são levadas em conta no âmbito do processo português ou imputadas na pena, nos termos do Código Penal, como se a privação da liberdade tivesse ocorrido em Portugal.
Quanto ao Cód. Penal, não prevê que a privação de liberdade sofrida no estrangeiro seja levada em conta no cômputo dos prazos de prisão preventiva, apenas se prevendo que seja tomada em consideração para outros efeitos ( vide os arts.80º a 82º) , ou seja deverá ser tida em conta no cumprimento da pena de prisão.
Esta questão tem sido maioritariamente, julgamos, decidida na jurisprudência, no aludido sentido. E foi já objecto de decisões do tribunal Constitucional, arestos citados no despacho recorrido, para cujos argumentos remetemos, ainda que ali tenham sido lavrados votos de vencimento.
Porém, não cremos dever aceitar pensamento diferente do ali produzido, já que pensamos ser a solução obtida a mais compatível com a razão de ser imanente ao processo penal e ao processo de extradição.
Em todo o caso, os argumentos fundamentais que suportam esta opção interpretativa são os seguintes, em resumo, como se colhe daqueles arestos e com as devidas adaptações:

«Nuclear à decisão, essencial mesmo, é a consideração do nº 1 do art. 13º da Lei nº 144/99, de 31 de Agosto, regendo em matéria de Cooperação Judiciária Internacional, e dispondo (...) que:

"A prisão preventiva sofrida no estrangeiro ou a detenção decretada no estrangeiro em consequência de uma das formas de cooperação previstas no presente diploma são levadas em conta no âmbito do processo português ou imputadas na pena, nos termos do Código Penal, como se a privação da liberdade tivesse ocorrido em Portugal".

O legislador nacional distingue, claramente, ao contrário do que sucedia no direito anterior, entre detenção e prisão preventiva; o Código de Processo Penal reserva a prisão preventiva para a privação total da liberdade individual emergente de decisão interlocutória, entre a validação judicial da detenção e a decisão condenatória. O conceito de detenção é reservado para os restantes casos de privação de liberdade entre o momento da captura e a subsequente validação judicial, comenta o Ex.mo Cons.º Maia Gonçalves, in CPP Anotado, 8ª ed., 423, e isto para acentuar o carácter provisório, meramente condicional da detenção e a sua sujeição à condição resolutiva de validação judicial.

De considerar que não é considerada medida coactiva a detenção para fins de identificação, nos termos dos arts. 193º nº 1 e 250º do CPP, e com a prisão preventiva não é coincidente a detenção conducente ao interrogatório que aquela medida coactiva pode implicar nos termos dos arts. 141º, 142º e 143º do CPP, seu antecedente lógico .

Tendo de partir-se do suposto que o legislador daquela Lei não desconhece o sentido e alcance da distinção entre as duas figuras, já consagradas, de resto, por lei anterior, no CPP, importa concluir que as emprega com um sentido rigoroso e técnico e, mais, que, numa visão integrada e harmónica do sistema, só à prisão decretada judicialmente, concebida como prisão preventiva, é de atender nos termos do art. 215º do CPP, não já à detenção, que aquela pode acabar por não surtir, sendo, pelos procedimentos burocráticos a que está sujeita - anote-se que o arguido foi detido pelas autoridades brasileiras em 03.03.2005 e só em 09.10.2006 foi entregue às autoridades judiciárias portuguesas - inconciliável com os prazos de prisão preventiva estipulados naquele preceito, na generalidade dos casos de extradição.

Ficaria reduzida a letra morta, praticamente despida de alcance uma interpretação e, portanto, fora do espírito do legislador, que em princípio consagra as soluções mais acertadas, que para fins da contagem dos prazos máximos de prisão preventiva, se equiparasse à prisão preventiva a detenção para fins de extradição.

O preceito do art. 13º, supracitado, de resto, não equipara a detenção no estrangeiro à prisão preventiva, para os fins do art. 215º do CPP, pois apenas se limita, o que é coisa diferente, a transpor para a ordem jurídica portuguesa os efeitos que nesta uma e outra produzem, com o alcance que o direito interno lhes reserva.

(...) Mantendo-nos dentro desta linha de orientação, em que o termo inicial da contagem do prazo de prisão preventiva se inicia com o decretamento judicial daquela medida coactiva, não influenciada pela data da detenção no Brasil, sem embargo de aquela poder ser temporalmente computada (na pena efectiva de prisão).

(...) Só assim não será se os termos da extradição forem objecto de tratado, dispondo especialmente de modo diverso.

Entre Portugal e o Brasil foi assinado um tratado de extradição, ratificado pela Resolução nº 5/94 da Assembleia da República, de 4/11/93, in Diário da República, I Série-A, de 3/12/94, dispondo o art. 16º nº 1 daquele que a detenção é imputada "no tempo de prisão imposta", afastando que aquela - detenção - seja computada nos prazos de prisão preventiva.»

Tendo por suporte a doutrina e os fundamentos acolhidos no acórdão do Supremo Tribunal de Justiça anteriormente transcritos, facilmente se constata a falta de razão desta sua reclamação.

O arguido poderá continuar a discordar, legitimamente, daquela doutrina. Poderá queixar-se de que não convém às suas pretensões. Mas não poderá invocar falta de fundamentação, contradição ou falta de clareza do despacho reclamado.

Com feito, insiste o reclamante em pretender impor a tese de que a contagem do tempo de prisão preventiva, para efeitos dos limites temporais estabelecidos no art. 215º do Código de Processo Penal, se inicia com a sua detenção no Brasil e de que todo o tempo em que aí esteve preso, a aguardar os procedimentos burocráticos com a sua extradição, também conta para aqueles limites.

Todavia, esta sua tese não pode aceitar-se, pelos motivos que constam do acórdão do Supremo Tribunal de Justiça de 19/05/2004 (…)

É que, em complemento daquela motivação, pode ainda acrescentar-se que também o preceito do art. 80º do Código Penal distingue normativamente os institutos da detenção e da prisão preventiva, ao dispor que "a detenção, a prisão preventiva e a obrigação de permanência na habitação, sofridas pelo arguido no processo em que vier a ser condenado, são descontadas por inteiro no cumprimento da pena de prisão que lhe for aplicada".

No mesmo sentido se pronuncia João Castro e Sousa [Docente de Direito Processual Penal, na Faculdade de Direito da Universidade de Lisboa], dizendo que "regulou o Código, especificamente, a matéria da detenção - não a considerando como uma medida de coacção, subtraindo-a assim à disciplina que estabelece para estas medidas".[Em Jornadas de Direito Processual Penal sobre "O Novo Código de Processo Penal", promovidas pelo Centro de Estudos Judiciários, ed. Almedina, Coimbra, 1988, sobre o tema "Os meios de coacção no novo Código de Processo Penal", p. 160].

Para além disso, importa acentuar que uma das finalidades da prisão preventiva é a de manter o arguido à disposição da autoridade judiciária competente [Neste sentido, Frederico Isasca, docente universitário, em Jornadas de Direito Processual Penal e Direitos Fundamentais, organizadas pela Faculdade de Direito da Universidade de Lisboa e pelo Conselho Distrital de Lisboa da Ordem dos Advogados, com a colaboração do Goethe Institut, coordenação científica de Maria Fernanda Palma, ed. Almedina, sobre o tema "A Prisão Preventiva e Restantes Medidas de Coacção", p. 109].

Tal resulta das disposições conjugadas dos arts. 196º nº 3 al. a), 202º nº 1 al. a) e 204º al. a) do Código de Processo Penal.

Com efeito, nos termos do art. 61º nº 3 al. a) do Código de Processo Penal, o arguido está vinculado ao especial dever de comparecer perante o juiz, o Ministério Público ou os órgãos de polícia criminal sempre que a lei o exigir e para tal tiver sido devidamente convocado.

Para garantir o cumprimento deste "especial dever" pelo arguido, o art. 196º nº 1 do mesmo código impõe que seja sujeito a termo de identidade e de residência "todo aquele que for constituído arguido", acrescentando o preceito do nº 3 al. a) do mesmo artigo que do termo deve constar que ao arguido foi dado conhecimento da "obrigação de comparecer perante a autoridade competente ou de se manter à disposição dela sempre que a lei o obrigar ou para ser devidamente notificado".

Resulta, porém, do disposto nos arts. 202º nº 1 al. a) e 204º nº 1 do Código de Processo Penal que, se se revelar inadequado ou insuficiente manter o arguido em liberdade, por existir perigo de fuga, e houver fortes indícios da prática de crime doloso punível com pena de prisão superior a 3 anos, pode ser-lhe imposta a prisão preventiva.

A prisão preventiva decretada com este fundamento (perigo de fuga) mais não visa do que acautelar a presença do arguido nos actos essenciais do processo penal, em que a sua presença é obrigatória, como é o caso da audiência de julgamento (art. 332º nº 1 do Código de Processo Penal).

Vistas as coisas nesta perspectiva, facilmente se entende que os limites da prisão preventiva estatuídos no art. 215º do Código de Processo Penal têm em vista que o arguido, nos períodos temporais respectivos, esteve em prisão preventiva por conta e à ordem do processo. Estar "à ordem do processo" significa "estar à disposição do processo", para que este possa seguir os seus termos normais.”


De igual modo, passando ao caso que agora nos ocupa, tal manifestamente, não sucedeu enquanto o arguido não foi entregue pelas autoridades brasileiras às autoridades judiciárias portuguesas. E, como deixa perceber o acórdão do Supremo Tribunal de Justiça acima mencionado, a contar-se o tempo de detenção do arguido no Brasil, para efeitos dos prazos de prisão preventiva estatuídos no art. 215º do Código de Processo Penal, ficaria de todo inutilizado o pedido de extradição para ser submetido a julgamento em Portugal, porquanto, na data em que o arguido foi entregue às autoridades portuguesas 09.10.2006 já tinham decorrido dezanove meses e seis dias desde a data da sua detenção no Brasil (3.3.2005), e, portanto, haver-se-ia esgotado o prazo do nº 2 do art. 215º do Código de Processo Penal aplicável ( desconhece-se se os autos foram declarados ou não de excepcional complexidade, pelo que se tem de presumir que o prazo a considerar para esta hipótese seria o de oito meses sem ter sido deduzida acusação- artº 215º nº1 a) e 2, alª d)
Consequentemente, face à linha de orientação jurisprudencial que seguimos, o prazo conta-se apenas a partir de 09.10.2006 e , desse modo, é claro que não está excedido.
2.6- Passando agora à questão da necessidade, proporcionalidade e justificação da prisão preventiva.
Desde logo, é de lembrar que o despacho que decretou a medida de coacção foi proferido antes das posteriores declarações do arguido e da prestação das garantias patrimoniais da dívida.
A relevância desta acção só terá de ser considerada sem de reavaliação da medida aplicada porque um conjunto de pressupostos supervenientes em que poderá estribar-se uma possível modificação. Como dissemos já, porém, não dispomos de elementos de avaliação segura do valor e eficácia desta nova postura do arguido pelo que nos ateremos aqui à ponderação tão somente do que predominou para a fundamentação do despacho que decretou a prisão preventiva.
E, desde logo, não vemos razões para o alterar.
Os pressupostos de perigo de fuga e de fortes indícios foram ali balizados correctamente. O ou os ilícitos a considerar, pelo menos em relação à burla qualificada, são de vertente ilícita elevadíssima, a posição do arguido não foi a de revelação de arrependimento nem de colaboração relevantes e a dimensão impressionante do valor do dano era de aconselhar medida cautelar rigorosa que assegurasse a presença do arguido em julgamento e a hipótese de fuga, já que a sua presença no processo só fora conseguida por via de extradição imposta .
Consequentemente, o despacho recorrido foi assente em convicção fundamentada e de acordo com todos os legais pressupostos e de direito).
Pelo que é de manter inteiramente, não se lhe alcançando qualquer nulidade, omissão relevante ou ilegalidade.


III- DECISÃO

Pelo exposto, julga-se improcedente o recurso do arguido
Taxa de justiça criminal em 8 UC a seu cargo.