Acórdão do Tribunal da Relação de Lisboa
Processo:
8509/2006-7
Relator: GRAÇA AMARAL
Descritores: PESSOA COLECTIVA
SOCIEDADE
DIREITO DE PERSONALIDADE
DIREITO AO BOM NOME
DIREITO À INFORMAÇÃO
COLISÃO DE DIREITOS
Nº do Documento: RL
Data do Acordão: 09/23/2007
Votação: UNANIMIDADE
Texto Integral: S
Meio Processual: APELAÇÃO
Decisão: PARCIALMENTE PROCEDENTE
Sumário: I – As pessoas colectivas gozam dos direitos e estão sujeitas aos deveres compatíveis com a sua natureza, não se encontrando excluídos da sua capacidade de gozo alguns direitos de personalidade, como é o caso do direito à liberdade, ao bom nome e à honra na sua vertente da consideração social.
II – Insere-se na norma constante do art.º 484, do Código Civil, a protecção do bom-nome das pessoas colectivas na vertente da imagem de honestidade na acção, de credibilidade e de prestígio social, comportando a sua previsão não só as declarações baseadas em factos (verdadeiros ou falsos) que sejam susceptíveis de gerar um movimento negativo relativamente ao visado, mas também os comentários e as opiniões informativas, sempre que o juízo de valor neles contidos seja apresentado como um facto desonroso ou lhe esteja por subjacente (explícita ou implicitamente) a ideia de que à notícia transmitida se deve acrescentar algo desfavorável ao visado e ainda não revelado.
III - O conflito entre o direito ao bom nome e reputação com o direito de liberdade de expressão soluciona-se optimizando a eficácia de cada um deles através da distribuição proporcional dos custos desse conflito sem que, porém, se atinja o conteúdo essencial de cada um.
IV - A violação de um direito afecto à personalidade jurídica da sociedade, como é o caso do direito ao bom nome e à imagem, apenas será indemnizável se da lesão resultar um reflexo negativo na sua potencialidade de lucro.
Decisão Texto Integral: Acordam na 7ª Secção Cível do Tribunal da Relação de Lisboa,

I – Relatório
1. M, S.A, S, Lda e F SA, propuseram acção declarativa, com processo ordinário contra réus A e L, pedindo a condenação dos Réus a pagarem-lhes uma indemnização no valor de Escudos (PTE) 50.000.000$00, acrescida de juros de mora a contar da citação e até efectivo pagamento por danos morais em consequência da prática de comportamento ilícito consubstanciado no proferimento de afirmações (num artigo publicado na pág. 5 da revista n.º “F, cujo texto foi igualmente reproduzido via Internet no site www. sob o título ) claramente ofensivas do seu bom nome e credibilidade, denegrindo a imagem não só das revistas mencionadas no artigo como prejudicando a imagem dos órgãos de comunicação social de todo o grupo económico.

            Pedem ainda que a condenação da Ré, proprietária da revista “F” e do site na Internet www., a proceder à publicação da sentença a proferir nos autos.

2. Após citação os Réus contestaram invocando que os Réus têm vindo a relatar, designadamente em textos publicados quer na revista F, quer no Do e no semanário E um conjunto de notícias e opiniões de factos que se consubstanciaram em ataques à imagem da Ré e que parecia visar acolher a possibilidade de se vir a legislar no sentido da total liberalização do regime das farmácias. Tal parcialidade na informação e, bem assim, a forma como pretenderam desacreditar a Ré (chamando a atenção para as suas receitas, sendo a mesma uma associação que não visa o lucro) deu-lhes o legítimo direito à indignação e, por isso, justificam o artigo publicado. Consideram, assim, inexistir facto ilícito (nem sequer prejuízo) concluindo pela improcedência da acção.

Deduziram ainda reconvenção pedindo a condenação das Autoras em quantia a liquidar em execução de sentença, consubstanciando indemnização pelos prejuízos directamente emergentes da presente acção (patrocínio judiciário e bem assim incómodos decorrentes do acompanhamento do processo) e os danos causados à sua imagem. Atribuíram à reconvenção o valor de escudos (PTE) 4500.000$00.

3. Em resposta as Autoras excepcionaram a ilegitimidade da 1ª face ao pedido reconvencional que consideram dever ser julgado improcedente. Mantiveram o posicionamento assumido na petição inicial,

4.Os Réus apresentaram tréplica mantendo o pedido reconvencional e pediram a condenação das Autoras como litigantes de má fé, tendo estas, em resposta, concluindo pela improcedência do mesmo.

5. Por despacho de fls. 323/330, foi admitida a reconvenção, elaborado saneador onde a 1ª Autora foi julgada para legítima do qual foi interposto agravo (fls. 336), admitido a fls. 374.

Foram fixados os factos assentes e elaborada base instrutória que, objecto de reclamação por parte das Autoras, mereceu indeferimento, assim como a arguição de nulidade da reclamação apresentada pelos Réus (fls. 374v/376).

6. Nas suas alegações as Autoras concluíram:
a. Julgou o tribunal a quo improcedente a excepção dilatória de ilegitimidade invocada pela recorrente no que concerne ao pedido reconvencional deduzido pelos RR nos autos.
b. Tal entendimento não pode proceder, uma vez que, segundo os RR, a causa de pedir do pedido reconvencional é a publicação na Revista F e nos jornais Semanário e D de artigos alegadamente lesivos da imagem dos RR.
c. Por outro lado, os RR fundamentaram juridicamente a sua pretensão no disposto no art.º 29º da Lei da Imprensa e art.ºs 483 e 500 do CC.
d. O art.º 29º da Lei da Imprensa, sob a epígrafe de “Responsabilidade Civil”, estabelece que as empresas jornalísticas são responsáveis solidariamente com o autor do escrito, sempre que haja conhecimento e não oposição do Director do escrito.
e. Por seu lado, o art.º 500º do CC regula a responsabilidade civil nas relações de comissão, estabelecendo que o comitente responde independentemente de culpa pelos danos que o comissário causar.
f. Ora a recorrente não é proprietária das referidas publicações.
g. A recorrente tem personalidade jurídica distinta das empresas jornalísticas proprietárias das mesmas, sendo indiferente que detenha participações sociais na mesma.
h. A recorrente não tem qualquer relação de comissão com os directores jornalísticos, colaboradores, funcionários das publicações periódicas em questão.
i. Não possui ao seu serviço um director que nas referidas publicações tenha funções de orientação e supervisão.
j. A recorrente não teve nenhuma intervenção na elaboração ou publicação dos referidos artigos jornalísticos.
k. Assim, a configuração realizada pelos RR da relação jurídica controvertida em causa no pedido reconvencional afasta a recorrente do presente pleito.
l. E se não é possível configurar em abstracto a responsabilidade civil da recorrente pelos artigos publicados, então há que concluir que a recorrente é parte ilegítima no que concerne ao pedido reconvencional.
m. A legitimidade afere-se em abstracto nos termos do art.º 26 do CPC.
n. No caso em apreço e do ponto de vista do reconvindo “quando tenha interesse directo em contradizer” (art.º 26 n.º2 do CPC).
o. O interesse tem de ser directo e não meramente reflexo, por a decisão da causa ser susceptível de afectar, por via da repercussão, uma relação jurídica de que o sujeito seja titular. 
p. Não existe no caso em apreço interesse directo da recorrente em contradizer o pedido reconvencional, pois face aos factos alegados não pode a recorrente vir a ser condenado pelo mesmo.
q. Pois não é a recorrente que é proprietária das publicações onde foram publicados os artigos alegadamente ofensivos.
r. E não invocaram os RR, quaisquer outros factos susceptíveis de em abstracto, e nos termos do art.º 43 do CC, consubstanciarem a imputação do facto ilícito à recorrente.

7. Em contra alegações os Réus pronunciam-se pela manutenção do despacho recorrido invocando para o efeito o facto do pedido reconvencional se consubstanciar em três pedidos distintos, sendo dois deles – despesas com o patrocínio da acção e prejuízos decorrentes do facto dos RR terem de avocar parte do seu tempo no acompanhamento da acção – directamente decorrentes da instauração da acção, em que a Agravante é Autora.

8. Realizado julgamento foi proferida sentença que julgou procedente por provadas quer a acção, quer a reconvenção, condenando solidariamente os Réus a pagarem às Autoras o montante de Escudos (PTE) 4.000.000$00, acrescidos de juros de mora até integral pagamento. Condenou as Autoras, à excepção da ST & SF, Ldª (absolvendo-a do pedido) a pagar aos Réus igual importância escudos (PTE) 4.0000.000$00, acrescida da quantia que despenderam por causa da presente acção a liquidar em sede de execução de sentença.

Foi ainda considerado que nenhuma das partes havia litigado sob má fé, não se verificando os pressupostos do artº 456, do CPC.

9. As Autoras apelaram da sentença, concluindo:

a. Dos factos provados — IV (al. d) da matéria de facto assente) - resulta que as Apeladas A e L são respectivamente proprietário, director e autor do artigo publicado sob o título "O Direito à Indignação", publicado na Revista F e no site www.

b. As expressões um daqueles grupos capitalistas contemporâneos de origem desconhecida e de capitais de proveniência duvidosa." e "em órgãos da imprensa como o Diário E, o S, a V — todos eles títulos clonados da mesma organização.(...)", são manifestamente ofensivas do bom nome, consideração e credibilidade das Apelantes.

c. Ficou provado - XXVII (resposta aos quesitos 4 a 7) - que com a referida publicação as Apelantes sentiram o seu nome e credibilidades afectadas.

d. As apeladas agiram com o intuito de ofender as Apelantes, bem sabendo que tais expressões eram muito graves e desprovidas de qualquer verdade, sendo de elevado grau a sua culpabilidade.

e. Nos termos do art. 484° , 494° e 496° do CC e face à matéria julgada provada a condenação das Apeladas ao pagamento do montante a título de danos não patrimoniais no montante de 19.951,91€, não assegura as funções de prevenção e reparação que se pretende salvaguardar com a condenação.

f. Violando assim, a douta sentença recorrida, as disposições legais referidas.

g. O pedido reconvencional deduzido pelas Apeladas é inadmissível, nos termos do disposto no art. 274° do CPC, por não obedecer a nenhum dos requisitos exigidos na norma referida.

h. O pedido reconvencional, ainda que apreciado, devia ter sido julgado improcedente, uma vez que não se encontram reunidos os pressupostos da responsabilidade civil previstos no art. 483 e 484 do CC.

i. É que da matéria julgada provada não resultou provado qualquer facto que aponte para a existência de intuito persecutório por parte das Apelantes sobre as Apeladas.

j. Não resultou provado qualquer facto que vá no sentido de uma instrumentalização por parte do Grupo Económico M na pessoa da ora Apelante M, dos meios de comunicação ao seu dispor, designadamente dos que são propriedade da Apelante F e da sociedade S.

k. Apenas um, dos dez artigos, trazidos à colação aos autos pelas Apeladas foi julgado pela douta sentença ofensivo.

l. Não existindo qualquer facto dado como provado que aponte que a Apelante M determinou a sua elaboração.

m. O referido artigo conforme já exposto não atenta contra o bom nome das Apeladas, sequer refere o Apelado Dr. L, e encontra-se balizado entre os limites que norteiam a liberdade de imprensa.

n. Não cometeram as Apelantes qualquer facto ilícito, susceptível de consubstanciar responsabilidade civil e como tal não devem ser condenados ao pagamento de indemnização às Apelada por danos não patrimoniais e patrimoniais, nos termos do art. 483° e 484° e 496° do CC.

o. A douta sentença recorrida encontra-se ferida de nulidade ao abrigo do disposto no art. 668°, 1 al. a) do CPC, por total inexistência de fundamentação quanto à matéria de facto que consubstancie a condenação das Apelantes no pedido reconvencional.

p. A condenação assenta em meras elucubrações quanto ás relações entre as partes e conclusões de direito

q. Quanto à condenação ao pagamento das despesas e demais despesas advenientes com a presente acção, sempre se diga que tais são desprovidas de qualquer sentido e ofendem inclusive as regras de repartição dos encargos legais previstas nos artigos 446° e segs do CPC.

r. A sentença ora recorrida ao reconhecer às Apelantes o direito de que estas se arrogavam e que está na origem da presente acção — indemnização por danos não patrimoniais por ofensa das Apeladas ao bom nome e consideração das Apelantes — não pode, sob pena de contradição, condená-las ao pagamento da totalidade das despesas com o patrocínio jurídico e as demais realizadas pelas Apeladas com vista à sua defesa na presente acção.

s. Pelo que, carece de fundamento legal a condenação das Apelantes ao pagamento de tal montante, estando a sentença ferida de nulidade nos termos do art. 668°, n° 1 aI c) do CPC.

t. Igualmente a sentença encontra-se ferida de nulidade, nos termos do art. 668°, n° 1 al e) do CPC, quando condena as Apelantes ao pagamento de tais despesas, sendo que o referido pedido foi realizado pelas Apeladas obviamente na óptica de um eventual vencimento da acção. O que não aconteceu.

u. Por outro lado, e ainda que o artigo publicado na F, fosse ofensivo tal como julgou o Mm° Juiz "a quo"; o que só por mera hipótese se admite, sempre a condenação das Apelantes ao pagamento de 19.951,91€ seria excessiva.

v. Dos dez artigos considerados ofensivos pelas Apeladas apenas um foi julgado pelo Mm° Juiz "a quo" ofensivo do bom nome das Apeladas.
w. No referido artigo não é feita qualquer referência ao Dr. L ou aos farmacêuticos. Mas tão só à A e ao seu Presidente.

x. A sentença ora recorrida absolve a sociedade S do pedido reconvencional.
y. Pelo exposto, resulta evidente que não só não praticaram as Apeladas qualquer facto ilícito gerador de responsabilidade nos termos dos art. 43° e 484° do CC, como a terem-no feito nos termos descritos na sentença ora recorrida, o quantum da indemnização é excessivo.
z. E tendo em conta os pressupostos em que assenta o pedido reconvencional vai manifestamente para além do peticionado, encontrando-se a douta sentença recorrida ferida de nulidade nos termos do art. 668°, n° 1 al. e) do CPC.

10 Em contra alegações os Réus defendem a improcedência do recurso.

11. Os Réus recorreram subordinadamente, concluindo nas alegações:

A. Dos factos julgados provados resulta que no caso não se verificaram os factos constitutivos do alegado direito a indemnização das Apeladas por violação do seu direito ao crédito e bom nome por parte dos Apelantes;

B. Os factos subsumíveis às previsões legais das normas aplicáveis quando foram alegados, não se provaram, não tendo, nomeadamente, ficado provada i) a existência de um facto ilícito; ii) a culpa; iii) a verificação de um dano iv) e o nexo de causalidade entre o facto e o dano;

C. Nas palavras do Mmo. Juiz do Tribunal Recorrido na resposta à matéria de facto, por referência aos artigos 4° a 7° da Base Instrutória, esclarece-se que foi "provado, tão só, que, com a publicação aludida na alínea H) de "Factos Assentes", a 18, 28 e 38 AA. sentiram o seu nome e credibilidade afectados" (Sublinhado nosso);

D. É irrelevante – para efeitos de estabelecimento de obrigação de indemnizar – conhecer em que medida é que as Apeladas se «sentiram» lesadas porquanto a mesma há-de ser apreciada, não em face de sentimentos, mas antes em face da verificação de ofensas susceptíveis de afectar o crédito e o bom nome das mesmas;

E. 0 artigo ora em análise, quer pelo conteúdo, quer pelo próprio suporte de onde constava, não consubstancia "um facto capaz de prejudicar o crédito ou o bom nome de qualquer pessoa, singular ou colectiva", nos termos e para os efeitos do artigo 484.° do C.P.C..
F. Nos termos do artigo 487.°, n.° 1 do C.C. é ao lesado que incumbe a prova da culpa do autor da lesão e mais uma vez, importa alertar para o facto das Apeladas não terem, em sede própria, produzido qualquer prova relativa a factos dos quais pudesse resultar a censurabilidade ou reprovação da conduta dos Apelantes;
G. Alegaram as Apeladas ter sofrido danos não patrimoniais causados pelo artigo escrito pelos Apelantes; porém, as pessoas colectivas não são susceptíveis de sofrer dores físicas e morais.
H. Por outro lado, sendo o bom nome e o crédito da sociedade seus activos, são os mesmos susceptíveis de se verem desvalorizados, tendo assim uma automática tradução em dinheiro. São desta forma danos que se repercutem na esfera patrimonial da sociedade, sendo portanto danos patrimoniais; encontravam-se porém as Apeladas obrigadas a alegar os danos efectivamente sofridos, o que não tendo sido realizado revela impossível o seu ressarcimento.

I. A defender-se a ressarcibilidade de danos não patrimoniais por parte de pessoas colectivas, o que não se concede mas por mera cautela de patrocínio se pondera, cabe chamar a atenção para o facto de não terem sido alegados quaisquer danos, tomando assim infrutífera qualquer eventual tentativa de fixação equitativa do seu montante;
J. Também o nexo de causalidade entre o facto e os danos resultou como não provado da decisão sobre a matéria de facto do Tribunal a quo:
K. Em qualquer caso, a reparabilidade dos danos não patrimoniais é limitada àqueles que, pela sua gravidade, merecem a tutela do direito, por outro, o montante do dano há-de ser proporcional à gravidade do dano;
L. Revelando-se impossível a aferição da gravidade dos danos, impossível se revela também determinar quer a sua ressarcibilidade, quer o seu montante. Termos em que, improcede a pretensão das Apeladas em serem ressarcidas pelos Apelantes no montante de € 50.000.000$00 (€ 249.690,00) por alegados danos não patrimoniais;
M. Com o devido respeito, andou mal o Tribunal a quo quando condenou os Apelantes no pagamento de indemnização às Apeladas no montante 4.000.000$00, correspondentes a €19.951,91;
N. Aliás, toda a decisão de condenação dos Apelantes parece contrariar o raciocínio processual que lhe antecedeu: foram alegados factos, esses factos foram impugnados, mais tarde, vieram a julgar-se não provados e finalmente foi proferida sentença de condenação com base nesses factos. Assim, e salvo o merecido respeito, foi violado o disposto nos Artigos 483°, 484°, 487°, 494° e 563° do Código Civil.
O. Num outro aspecto, não podem os Apelantes conformar-se ainda com a decisão de absolvição da então 2a Autora, ora Apelada; nas palavras do Mmo Juiz a quo, "A 2a A., S LDA não foi afectada pela conduta dos réus aqui sindicada nem ao invés";

P. Salvo o devido respeito, esta conclusão é, por um lado, inexplicável e contraditória, na medida em que contraria a factualidade provada e assim afronta o Artigo 483° do Código Civil e, por outro, carece de qualquer fundamentação, mormente de direito, levando ao vício a que se refere a al. b) do n°1 do Artigo 668° do CPC.

Q. Inexplicável, na medida em que, e conforme resulta da Alínea B) dos Factos Assentes, a referida sociedade executa projectos no âmbito da comunicação social e edita publicações periódicas como o D, S e Revista V – sendo, portanto, responsável pelos artigos publicados nas referidas publicações; ver por exemplo Alíneas 1), J), L), M), N), 0), T), U) da Matéria Assente. Note-se que com base nestes artigos e publicações julgou o Tribunal a quo procedente o pedido reconvencional deduzido pelos Réus, ora Apelantes;

R. Contraditória, na medida em que o Mmo. Juiz a quo refere o artigo do D como sendo ofensivo do crédito dos Apelantes e logo a seguir, a fls. 557, decide (contraditoriamente) pela absolvição da 2.a A. por considerar que os primeiros não foram afectados pela sua conduta;

S. Infundada, na medida em que não são apresentados quaisquer fundamentos de facto e, principalmente, de direito que a possam explicar na sentença de que se recorre.

12. Em contra alegações as Autoras defendem a improcedência do recurso e bem assim a inadmissibilidade do mesmo relativamente à absolvição da Autora S, Lda.

II - Enquadramento fáctico

O tribunal a quo deu como provado o seguinte factualismo que, não tendo sido colocado em causa nos recursos interpostos e não ocorrendo razão para que, oficiosamente, se proceda à sua alteração, considera-se definitivamente assente:
1. A 1ªA,. M, SA, gere participações sociais congregando diversas empresas de comunicação social, destacando-se de entre elas, a 2º e 3º AA ST, Ldª e F, Comunicação Social SA - (alínea A de FACTOS Assentes) .
2. A 2ª A, ST, Ldª, executa projectos no âmbito de comunicação social e edita publicações periódicas como Diário E Semanário E e R V (alínea B de FACTOS ASSENTES)
3. A 3ª A., F, SA executa projectos no âmbito da comunicação social e publica a revista FN, antes denominado apenas por F (alínea C DE FACTOS ASSENTES)
4. Os réus são respectivamente -A e Dr. L – Proprietária e director /Colaborador da revista denominada F (Alínea D) de FACTOS ASSENTES)
5. Que é distribuída gratuitamente através de várias farmácias a nível nacional (alínea E de FACTOS ASSENTES).
6. Em Maio, a referida publicação tirou 200 mil exemplares (alínea F de FACTOS ASSENTES).
7. O 2º Réu Dr. L - escreveu e publicou , na pagina 5 do n.º da Revista “F “, como se Vê do Exemplar original em apenso, e ainda no portal da internet “WWW ”, cujo conteúdo aqui damos por integralmente reproduzido , conforme doc. 2 da petição inicial , a fls. 18.(alínea G de Factos Assentes).
8. O 2º Réu, no seu artigo, de entre outras reflexões, sobre a privatização das farmácias, escreve o seguinte:

(...) A ser levado a sério este DEPUTADO, conseguiria que, num par de anos as farmácias portuguesas passassem a integrar uma qualquer multinacional da distribuição ou, mesmo, um daqueles grupos capitalistas de proveniência duvidosa”

Talvez assim se compreenda a maneira efusiva como tem sido tratada em órgãos de Imprensa como o D, o S E, a VF.

Todos eles títulos clonados da mesma organização (...)” - (alínea H de FACTOS ASSENTES)
9. Porém em 26-11-1998 o D E “, sob o título “o último Feudo “ publicava em Editorial artigo cujo conteúdo aqui temos por reproduzido e que é doc. 2 da Contestação a fls. 92, onde de outras afirmações se destaca o seguinte:

O Deputado Strecht Monteiro prepara-se para atacar aquela que muito provavelmente, será a última coutada do mercado que resistiu a um quarto de século de sistema democrático - a propriedade exclusiva das farmácias “

(...) Mas há poderes, uns visíveis outros insondáveis, que garantem a manutenção do status quo”.

(...) Mas parece estranho que algo que sendo irracional, do ponto de vista social, perdure por tanto (tempo (...)” (Alínea I de FACTOS ASSENTES)
10. Em 4-12-1998, em Editorial, sob o título “conhece alguma farmácia que tenha ido à Falência? O D E, entre outras contestações, escrevia, como se documenta a fls. 93e 94 o seguinte:

O negócio das Farmácias é o último dos inaceitáveis e incompreensíveis corporativismos existentes na economia portuguesa. Porque razão as farmácias ainda têm acesso à cartelização e à dispensa de concorrência? E para os consumidores sobram as consequentes desvantagens. Mais uma questão. Porque (sic) razão os sucessivos governos não tem coragem de promover a liberalização do sector e a extinção do inacreditável corporativismo do comércio de medicamentos?

As farmácias ainda vivem num mercado inaceitavelmente fechado e habilidosamente bloqueado”

(...) O corporativismo permite-lhe a casa cheia até à porta e a facturação garantida mesmo que ofereçam o pior dos serviços (,,,)”-  alínea  J de FACTOS ASSENTES)
11. Em resposta ao artigo acabado de transcrever parcialmente, o SNR A, em 12-12-1998, redige um a carta publicada no S E, que constitui doc. 5 da contestação , a fls. 95, cujo conteúdo aqui damos por reproduzido - (alínea K) de FACTOS ASSENTES)
12. Em 29-10-1999 o S publica artigos documentados de fls 96 a 98 onde se alude à rentabilidade e Dificuldade na Instalação de Novas Farmácias - (alínea L de FACTOS ASSENTES)
13. A fls. 99, doc. 9, O D, digo, o “S” com chamada à 1ª Página titula “Negócio Das Farmácias é Três vezes mais rentável do que a banca “- (alínea M de FACTOS ASSENTES)
14. Na edição de 24-2-1999, o diário publica o artigo documentado sob o n.º 10 a fls. 100 - ( alínea N de FACTOS ASSENTES)
15. O S, em Edição de 26-2-1999, em artigo documentado sob o n.º n11 a fls. 101 que aqui damos por reproduzido integralmente, publica, entre outras considerações, as seguintes:

“ A NOTICIA DO D refere que a direcção da bancada socialista, em consonância com o Ministério da Saúde, preparam-lhe para deixar cair o projecto de liberalização apresentado pelo deputado Strecht Monteiro. Só mesmo os mais ingénuos poderão estar surpreendidos. O poder da Associação Nacional das Farmácias não é propriamente desconhecido, além disso este sector nem sequer dá grandes dores de cabeça ao Ministério de Saúde. Deste modo, o governo não está minimamente interessado em criar uma guerra com o poderoso lobby farmacêutico e muito menos em ano de eleições. Assim as farmácias vão continuar a ser exclusivo de meia dúzia de privilegiados com a bênção do governo.”(alínea O de FACTOS ASSSENTES”)
16. Em Abril de 1999 a revista f publica artigo cuja reprodução constitui doc. 12, a fls. 102, tendo-a aqui por reproduzido integralmente, bem como o seu título “João Cordeiro, O imperador das Farmácias ”Escreve-se nomeadamente o Seguinte:

à Excepção de João Cordeiro (na foto) Presidente da Associação Nacional de Farmácias (ANF) e de alguns dos seus representantes, não deverá haver em Portugal muita gente que não aplauda qualquer iniciativa que não leve à liberalização da propriedade das farmácias.(...) Acresce dizer que o Presidente da ANF continua a defender posições cooperativistas e monopolistas a que não será alheio o facto de ele e familiares serem proprietários de cerca de uma dezena de farmácias. Não é aliás por acaso que entre a lista de consultores da ANF figuram alguns nomes de ilustres personalidades afectas ao PSD como é o caso de Ângelo Correia, Duarte Lima, Mário Patinha Antão e Costa Freire”.- (alínea P de FACTOS ASSENTES)
17. Na edição de Maio de 1999, a F publica, artigo sob o titulo” Império das farmácias “, de fls. 103 a 107 - (alínea Q de FACTOS ASSENTES)
18. A revista “F”, em Maio de l999, publica artigo sob o título “Drogas & Suspiros”, Doc. 14, a fls. 108, cujo conteúdo aqui temos por reproduzido - (alínea R de FACTOS ASSENTES)
19. Em 17-9-1999 o D; em Balanço ao mandato da Ministra da Saúde Maria de Belém escreve o que vem reproduzido como doc. 15 a fls. 109, cujo conteúdo aqui temos por transcrito , bem como o asserto seguinte:

“(...) E mais uma vez não se mexeu no império sacrossanto  da Associação Nacional de Farmácias Maria de Belém não ousou enfrentar o poderoso lobbie das farmácias (...)” - (alínea S) de FACTOS ASSENTES) 
20. Em 15-11-1999, o D publica o artigo documentado sob o n.º 16 a fls. 113e 114- (alínea T) de Factos Assentes).
21. Em 31-1-2000, o D publica excerto de entrevista à ministra da Saúde, onde se titula

“Sou arcanjo mas não faço Milagres”.(alínea U de FACTOS ASSENTES)
22. A A é um parceiro social, negociando com o Estado anualmente - (Alínea V de FACTOS ASSENTES)
23. … Ou com a ADSE o Serviço Nacional de Saúde, o Governo Regional dos Açores, as Forças Armadas PSP, GNR, Companhia de Seguros Tranquilidade, Medis Santa Casa da Misericórdia - (alínea X de FACTOS ASSENTES) “-
24. Para que tal negociação possa ser realizada em conformidade com os interesses dos associados da 1ª Ré (ANF) é necessário que esta tenha poder negocia (alínea W de FACTOS  ASSENTES)
25. E apresente uma imagem credível (alínea Y de FACTOS ASSENTES) .
26. A 1º ré A constitui a associação de Classe dos Farmacêuticos - (QUESITO1 )
27. Com a publicação aludida na alínea H de Factos Assentes” a 1ª 2ª e 3AA sentiram o seu nome e credibilidade afectadas - (quesitos 4 a 7)
28. A 1ª e 2ª Réus por causa da presente acção, vão despender em honorários, com o patrocínio de Advogado, montante não determinado - (quesito 10) .
29. E tiveram os responsáveis da 1ª ré e o 2º Réu de dedicar algum tempo de trabalho ao acompanhamento da presente acção. - (quesito 11)
30. Sendo a 1º ré que subscreve com o Ministério da Saúde o acordo sobre os termos e condições de reembolso dos créditos que os associados da 1ª ré tem para o Estado - (Quesito 15).                            .

III – Enquadramento jurídico

Encontram-se submetidos à apreciação deste tribunal os seguintes recursos:

- agravo interposto pelas Autoras relativamente ao despacho saneador que julgou a 1ª Autora – M, SA – parte legítima;

- Recurso de apelação interposto pelas Autoras relativamente à sentença julgou a acção e a reconvenção procedentes;

- Recurso subordinado interposto pelas Rés quanto à sentença que julgou a acção procedente.

Do agravo

No despacho saneador o tribunal a quo, conhecendo da excepção de ilegitimidade passiva da 1ª Autora relativamente ao pedido reconvencional deduzido, decidiu no sentido da improcedência de tal excepção por entender que aquela Autora, atenta a factualidade invocada pelos Réus na caracterização da relação jurídica por eles apresentada, tinha interesse na demanda e, nessa medida, julgou-a parte legítima.

         Insurgindo-se contra tal decisão, as Agravantes sustentam a ilegitimidade da 1ª Autora invocando o facto desta não ser proprietária da revista F, nem dos jornais S e D (onde foram publicados os artigos que os Réus alegam lesivos da sua imagem) e não possuir qualquer tipo de relação de comissão com os directores, jornalistas, colaboradores e funcionários daquelas publicações, não tendo tido nenhuma intervenção na elaboração ou publicação dos referidos artigos.
         Atento o que dispõe o art.º 26, do CPC, a legitimidade passiva consubstancia-se no interesse directo em contradizer o qual se afere pelo prejuízo que a procedência da acção possa produzir em função dos factos trazidos para o processo pela parte demandante, independentemente do enquadramento jurídico pelo mesmo traçado para sustentar o respectivo pedido.
         Na contestação os Réus vieram deduzir reconvenção contra as Autoras pedindo o ressarcimento dos prejuízos sofridos com a conduta das mesmas, identificando-os em dois grupos (cfr. artigos 228 e ss)  – despesas directamente emergentes da acção (neles incluindo o montante das despesas inerentes aos serviços de advogado e, bem assim a compensação pelo tempo despendido no acompanhamento da acção) e danos causados à imagem (decorrente da conduta que imputa às Autoras ao publicarem e veicularem as notícias e opiniões em publicações por si controladas/dirigidas: revista F , o D e S).
         Verifica-se pois que os Réus invocaram a propositura da presente acção e a publicação de artigos e opiniões na revista F e nos jornais D e S como base factual para os pedidos formulados contra as Autoras, sendo certo que, relativamente aos prejuízos causados à sua imagem, os Réus atribuem às Autoras a publicação das referidas notícias alegando o facto das publicações serem controladas/dirigidas pelas mesmas.
         Por conseguinte, ainda que relativamente a um tipo de prejuízos - os decorrentes da publicação das notícias – não seja possível evidenciar o interesse da 1ª Autora em contradizer configurado apenas no facto da mesma poder deter participações sociais nas empresas (as 2ª e 3ª Autoras) proprietárias e responsáveis, respectivamente, pelas publicações do D, S e Revista f, não resta dúvida que, quanto aos restantes prejuízos cujo ressarcimento se encontra peticionado pelos Réus - despesas directamente emergentes da acção –, evidencia-se o interesse daquela em contradizer atento o posicionamento que a mesma assume na propositura da acção. 
         Há, assim, que manter o despacho recorrido ao julgar a legitimidade passiva da 1ª Autora relativamente ao pedido reconvencional deduzido[1].

Das apelações

Sabendo-se que o objecto do recurso se encontra delimitado pelas conclusões das alegações, tendo em conta o posicionamento assumido quer pelas Autoras, quer pelos Réus nos respectivos recursos, são as seguintes as questões a conhecer nesta sede, optando-se por proceder à sua apreciação pautando-nos pela sua adequação lógica e não pela análise separada de cada um dos recursos em causa:

- Da (in)existência de responsabilidade civil por parte dos Réus relativamente ao artigo publicado sob o título “O Direito à Indignação” na revista F e no site www..

- Do adequação do montante de indemnização arbitrado às Autoras (a verificarem-se os pressupostos da responsabilidade civil dos Réus);

- Da inadmissibilidade do pedido reconvencional e da sua improcedência por (in)existência de ilícito civil imputável às Autoras;

- Da (im)procedência da reconvenção relativamente ao pedido de pagamento das despesas advenientes da acção

- Da razoabilidade do montante de indemnização arbitrado aos Réus;

- Da absolvição da Autora ST, Lda. do pedido reconvencional.

1. Da (in)existência de responsabilidade civil por parte dos Réus

A sentença recorrida julgou a acção procedente defendendo que o artigo escrito pelo 2º Réu, publicado na revista F, do qual aquele é director e propriedade da 1ª Ré e divulgado no portal da Internet www., também propriedade desta, constituía acto ilícito (por no respectivo contexto e estrutura ser susceptível de atingir o bom nome e a imagem de uma pessoa – singular ou colectiva) e, no caso, não se encontrava justificado pelo comportamento das Autoras relativamente às notícias e opiniões publicadas na revista f e no D e no S[2]. Nessa medida e porque considerou verificados os restantes pressupostos da responsabilidade civil, concluiu pela responsabilização dos Réus por danos morais causados, atribuindo compensação monetária em conformidade (PTE 4.000.000$00)[3].

         No seu recurso os Réus defendem a improcedência da acção sustentando-se nas seguintes premissas:

- por o comportamento que lhes foi imputado não constituir facto ilícito e culposo;

- por não se verificar, no caso, o elemento dano, pressuposto da responsabilidade civil (quer pela não ressarcibilidade de danos morais por parte das pessoas colectivas, quer pela inexistência de prova da sua ocorrência na situação concreta dos autos, quer, ainda, porque, a entender-se a sua verificação, não revestirem os mesmos de gravidade merecedora de tutela jurídica).

1.1 Pugnam os Réus por uma decisão absolutória, desde logo, por inexistência de um dos requisitos da responsabilidade civil – a ilicitude – invocando que não resultou provada qualquer matéria relativa à demonstração da existência de violação do direito de personalidade (resposta de não provado ao ponto 3º e resposta restritiva aos pontos 4º, 5º, 6º e 7º da BI).

         Em causa está um texto da autoria do Réu, publicado na página 5 do n.º 37 da Revista “F” e no portal da internet www.., no qual e relativamente à questão sobre a privatização das farmácias, fez consignar A ser levado a sério este DEPUTADO, conseguiria que, num par de anos as farmácias portuguesas passassem a integrar uma qualquer multinacional da distribuição ou, mesmo, um daqueles grupos capitalistas de proveniência duvidosa Talvez assim se compreenda a maneira efusiva como tem sido tratada em órgãos de Imprensa como o D, o S, a Valor e a F - todos eles títulos clonados da mesma organização (...)

         Sendo o instituto da responsabilidade civil a evocar para o enquadramento jurídico da situação sub judice há que ter presente o que nesse sentido dispõe o art.º 70, do C. Civil[4], que expressamente alude à responsabilidade civil como meio de tutela da personalidade física e moral.

         Este direito enquanto direito de personalidade traduz a pretensão do reconhecimento por parte dos outros da dignidade moral da pessoa e consiste essencialmente no direito de não ser ofendido ou lesado na sua honra, dignidade ou consideração social.

Conforme faz salientar Rabindranath Capelo de Sousa, trata-se, de um “bem da personalidade imaterial, que se traduz numa pretensão ou direito do indivíduo a não ser vilipendiado no seu valor aos olhos da sociedade e que constitui modalidade do livre desenvolvimento da dignidade humana, valor a que a atribui relevância de fundamento do Estado português (…); enquanto bem da personalidade e nesta sua vertente externa, trata-se de um bem relacional, atingindo o sujeito enquanto protagonista de uma actividade económica, com repercussões no campo social, profissional e familiar e mesmo religioso[5].

A tutela cível deste direito, assegurada pelos art.ºs 70, 483 e 494[6], do C. Civil, impõe um dever geral de respeito e de abstenção de ofensas e de ameaças a ofensas à honra de cada pessoa[7] pelo que, nessa medida, tal tutela é necessariamente abrangente de modo a não se limitar às áreas específicas da “honra” sendo que, contrariamente ao que se passa no domínio da tutela penal, a protecção civilística não se restringe a sancionar comportamentos dolosos, pois que abarca no alcance da sua defesa as condutas meramente negligentes[8].         

Neste sentido refere Rabindranath Capelo de Sousa que, “no direito civil não há uma taxatividade de modos típicos de violação do bem honra, relevando todas as ofensas à honra não só em público, mas também em privado, quer verbais, quer por escrito, gestos imagens ou outro meio de expressão, tanto as que envolvam a formulação de difamações ou outros juízos ofensivos como as que levantem suspeitas ou interrogações de per si lesivas e mesmo quaisquer outras manifestações de desprezo pela honra alheia.    

Sabendo-se que as pessoas colectivas gozam dos direitos e estão sujeitas aos deveres compatíveis com a sua natureza (artigo 12º, nº 2, do Código Civil)[9], dado que no caso dos autos está em causa a ofensa a pessoas colectivas, não ocorre cabimento questionar-se sobre a possibilidade de lhes ser reconhecido o direito ao bom-nome e reputação (artigos 25º, nº 1, e 26º, nº 1).

A tal respeito escreve Rabindranath Capelo de Sousa[10] que “...por força do art. 160, nº 1, do Código Civil ou por efeito de disposição legal específica, há seguramente que reconhecer às pessoas colectivas, porquanto, v.g., titulares de valores e motivações pessoais, alguns dos direitos especiais de personalidade que se ajustam à particular natureza e às específicas características de cada uma dessas pessoas jurídicas, ao seu círculo de actividades, às suas relações e aos seus interesses dignos de tutela jurídica”, nestes se incluindo o direito ao bom nome e o crédito das pessoas colectivas, que são objecto de direitos juscivilísticos”.

Dispondo o art.º 484, do C. Civil, que quem afirmar ou difundir um facto capaz de prejudica o crédito ou o bom nome de qualquer pessoa singular ou colectiva, responde pelos danos causados, evidencia-se que a lei expressamente prevê a ilicitude da divulgação de factos susceptíveis de ofender o crédito ou o bom-nome das referidas pessoas, físicas ou meramente jurídicas, pelo que não se encontram excluídos da capacidade de gozo das pessoas colectivas alguns direitos de personalidade, como é o caso do direito à liberdade, ao bom nome e à honra na sua vertente da consideração social (artigos 26º, nº 1, da Constituição, 70º, nº 1 e 72º, nº 1, do Código Civil).

Está por isso legalmente protegido o bom-nome das pessoas colectivas na vertente da imagem de honestidade na acção, de credibilidade e de prestígio social.

         Relativamente ao caso especial do art.º 484, do C. Civil, e no que neste âmbito assume relevância para a situação dos autos, cabe salientar que a previsão do preceito comporta não só as declarações baseadas em factos (verdadeiros[11] ou falsos) que sejam susceptíveis de gerar um movimento negativo relativamente ao visado (quer diminuindo a confiança na capacidade e na vontade da pessoa para cumprir as suas obrigações, quer diminuindo ou abalando a estima e o prestígio de que a pessoa goze junto dos demais, isto é, tudo o que objectivamente possa afectar o bom nome de qualquer pessoa), mas também os comentários e as opiniões informativas sempre que o juízo de valor neles contidos seja apresentado como um facto desonroso ou lhe esteja por subjacente (explícita ou implicitamente) a ideia de que à notícia transmitida se deve acrescentar algo desfavorável ao visado e ainda não revelado – “As deduções ou conclusões formuladas pelo lesante considerar-se-ão ofensivas nos termos do art. 484 quando assentem sobre factos que são do conhecimento comum, desde que sobre os mesmos se não encontre ainda formulado um juízo negativo de valor que será suscitado pela formulação da dedução ou conclusão[12].

         Cumpre realçar que a protecção geral da personalidade onde, conforme vimos, se insere, para além de outros, o direito ao bom nome e reputação, mostra-se particularmente reforçada pela consagração constitucional do mesmo como direito fundamental (art.º 26, n.º1, da CRP), de aplicação directa e imediata, vinculando entidades públicas e privadas (cfr. art.º 18, da CRP).

         Tal relevância, porém, não pode de modo algum comprimir a importância de outros direitos que, como ele, gozam de igual estatuto (direitos fundamentais), como é o caso da liberdade de expressão e de informação contemplada no art.º 37, n.º1, da CRP, sendo certo que a Lei Fundamental não estabeleceu qualquer hierarquia entre os mesmos.

         Reconhecendo que o direito de informação e de livre expressão do pensamento (sendo a crítica uma das formas de manifestação do pensamento e a expressão máxima da liberdade da pessoa humana) constitui um pilar essencial do Estado de direito democrático garantido na Constituição, o certo é que o mesmo não poderá ser exercido com ofensa de outros direitos, designadamente os de personalidade, desde logo, o direito ao bom nome e reputação.  

         Estando em causa uma ordem constitucional “pluralista e aberta”[13], importará harmonizar os valores que a Constituição tutela de forma a respeitar plenamente todos os direitos em confronto.

         Por conseguinte, a delimitação da licitude ou ilicitude de determinada conduta caracterizada pela prestação de declarações sob a égide do direito de livre expressão e crítica passa, necessariamente, pela compatibilização dos referidos direitos fundamentais em confronto (direito de crítica e direito ao bom nome e reputação), questão que terá de ser resolvida, em concreto, de modo a impedir o aniquilamento do conteúdo essencial de cada um deles.            

         Embora se tenha presente a significativa corrente jurisprudencial que considera a prevalência do direito de personalidade ao bom nome e reputação sobre o direito de expressão e informação sempre que os mesmos se encontrem em colisão[14], aderimos ao posicionamento que sustenta que a solução para o litígio decorrente da colisão do exercício de dois direitos constitucionais terá de resultar de um juízo de ponderação e coordenação entre tais direitos, tendo em conta a situação em concreto, de forma a encontrar e justificar a solução mais conforme ao conjunto dos valores constitucionais, encarando as limitações aos respectivos direitos tão só enquanto necessárias para salvaguarda do “outro” direito constitucionalmente protegido, com respeito aos princípios da proporcionalidade, da adequação e necessidade - princípio da ponderação de bens e interesse relevantes no caso concreto[15].    

         Assim sendo e uma vez que o conflito entre o direito ao bom nome e reputação com o direito de liberdade de expressão se busca optimizando a eficácia de cada um deles através da distribuição proporcional dos custos desse conflito sem que, porém, se atinja o conteúdo essencial de cada um[16], impõe-se concluir que a apreciação da factualidade na situação sub judice terá de ser efectuada de forma a “mensurar” o conteúdo das declarações em causa, isto é, determinando se as mesmas extravasaram o indispensável para o exercício do direito, por parte dos Réus, de comentarem, criticarem e divulgarem o seu pensamento[17], designadamente defendendo posicionamentos que assumem como correctos e que foram publicamente criticados de forma que consideram ilegítima e ilegal.

         Sabendo-se que o âmbito interpretativo pressupõe inevitavelmente algum subjectivismo, para que a interpretação a fazer permita uma visão o mais objectiva possível do alcance a dar às declarações objecto de apreciação, cumpre levar em linha de conta três aspectos: quem, quando e quais as circunstâncias subjacentes à elaboração dos textos em causa.

         Apreciando pois o texto produzido pelo 2º Réu (publicado na revista e no site propriedade da 1ª Ré), importa ter presente a sua qualidade (farmacêutico e director/colaborador da revista), sendo certo que a 1ª Ré constitui uma associação representativa da classe dos farmacêuticos (necessariamente vocacionada para defesa dos direitos e interesses da classe em causa) estando no momento em discussão uma questão política com particular incidência económica e de cariz particularmente polémico – a liberalização da actividade farmacêutica.

         Por outro lado, evidenciam os autos que o referido artigo surge no seguimento de um conjunto de opiniões e notícias publicadas quer na revista f, quer no Semanário de Economia e no D que, quanto ao assunto, teceram várias considerações encaradas pelos Réus como passíveis de atentar a credibilidade da sua imagem e de afectar o seu poder negocial e de intervenção enquanto parceiro social de entidades de grande importância e peso social, entre as quais o próprio Estado.

Nesta medida, o artigo sob apreciação insere-se no domínio do exercício do direito dos Réus discordarem e atacarem, designadamente em termos de política a seguir, diferentes convicções (e, bem assim, a forma como as mesmas vinham sendo expressas) quanto à mesma questão.

Deverá, porém, considerar-se atentatório do bom nome das Autoras, ainda que de uma forma que se situa tão só no turvo domínio da insinuação (mas que não deixa margem para dúvida quanto ao seu sentido), as declarações do Réu relativas à legalidade dos capitais das empresas, pondo ainda em causa o comportamento deontológico das mesmas no exercício das respectivas funções enquanto órgãos de informação (quanto à finalidade que lhes está por subjacente, nomeadamente na defesa de interesses económicos pouco transparentes)[18].

Nas referidas declarações, embora feitas de um modo predominantemente indirecto e, sublinhe-se, apenas insinuoso, foram ultrapassados os parâmetros do direito de crítica e de opinião e, bem assim de defesa, em termos de ferir a consciência ética exigível, no domínio cultural, à actividade dirigida à formação da opinião pública[19].

Conforme se refere no Acórdão do STJ de 20.03.73, “atribuir a alguém uma conduta contrária e oposta àquela que o sentimento da generalidade das pessoas exige do homem medianamente leal e honrado é atentar contra o seu nome, reputação e integridade moral[20].   

A ofensa ao bom nome das Autoras não constituiu meio adequado e razoável de cumprir a finalidade da crítica política e da defesa dos interesses da classe por parte do Réus, pelo que o facto não se encontra justificado no exercício do direito de expressão.

A conduta dos Réus é, por isso, ilícita[21].

1.2 O nosso sistema de responsabilidade civil extracontratual tem como regra base o primado da culpa, ou seja, tal responsabilidade pressupõe a culpa, só existindo obrigação de indemnizar independentemente da culpa nos casos especificados na lei (cfr. art.º 483, do C. Civil).

         No âmbito da responsabilidade delitual impende sobre o lesado o ónus de demonstrar a culpa do autor da lesão, excepto nas situações em que exista presunção de culpa.

         De acordo com o disposto no art.º 487, n.º2, do C. Civil, na falta de outro critério legal, a culpa é apreciada pela diligência de um bom pai de família, em face das circunstâncias de cada caso.

         Como refere Antunes Varela, agir com culpa significa actuar em termos de a conduta do agente merecer a reprovação ou censura do direito. Tal reprovação existirá quando se possa concluir que o agente, pela sua capacidade e face às circunstâncias concretas da situação, podia e devia ter agido de forma diferente.[22]

         O critério legal da apreciação da culpa é pois abstracto, uma vez que a sua avaliação é feita tendo em conta as concretas circunstâncias subjacentes à situação em causa, por referência a uma pessoa normal.

         Reportando-nos à situação concreta dos autos, tendo-se presente todo o circunstancialismo a ela subjacente e já acima salientado, mostra-se evidenciada a violação pelos Réus do dever de diligência e prudência que se lhes impunha ao divulgarem as suas opiniões e a criticarem posicionamentos contrários ainda que incorrectamente expressados. A sua conduta foi, por isso, necessariamente culposa – perante as circunstâncias concretas do caso os Réus (tendo em linha de conta o seu próprio estatuto social e bem assim as suas responsabilidades na defesa dos interesses de uma classe profissional prestigiada) podiam e deveriam ter agido de outro modo, refreando posicionamentos de modo a evitar o proferimento de levianas afirmações, inconsiderando o impacto que as mesmas poderiam gerar em termos de imagem pública das Autoras[23].

         Improcedem, assim, nesta parte, as conclusões dos Réus Apelantes.

1.3 Na acção as Autoras invocaram a existência de danos não patrimoniais caracterizando-os como decorrentes do facto da sua credibilidade (e das empresas do grupo económico) ter ficado abalada perante o público, referindo ainda que esse sentimento de desconfiança afectou, igualmente, os seus trabalhadores. Computaram tais danos em PTE 50.000.000$00.

         Relativamente a esta matéria (constante dos artigos 3º a 9º da BI) apenas resultou apurado que com a publicação aludida na alínea H de Factos Assentes a 1ª 2ª e 3AA sentiram o seu nome e credibilidade afectadas.

            Embora a sentença recorrida não se tenha expressamente pronunciado quanto à questão da existência de danos não patrimoniais das Autoras, implicitamente entendeu-os por verificados, uma vez que considerou que os Réus as deveriam compensar no montante de PTE 4.000.000$0.

         Na apelação os Réus sustentam a inexistência de obrigação de indemnizar as Autoras invocando a insusceptibilidade das pessoas colectivas sofrerem dores morais. Defendem, pois, que a violação de um direito afecto à personalidade jurídica da sociedade, como é o caso do direito ao bom nome e à imagem, apenas será indemnizável se da lesão resultar um reflexo negativo na sua potencialidade de lucro.

Entendemos merecer acolhimento o posicionamento defendido pelos Réus o qual, aliás, se sustenta em consistente jurisprudência do Supremo Tribunal de Justiça[24].

Na sequência do que foi decidido no acórdão do STJ, de 27.11.2003 (processo 03B3692, acessível através das Bases Documentais do ITIJ)[25], os danos morais decorrentes da ofensa do bom nome e reputação apenas assumem cabimento nas pessoas físicas para as quais a dimensão ética não só se mostra importante, como é inerente à sua condição humana já que tem a ver com aspectos psíquicos e emocionais inconcebíveis na configuração da estrutura da pessoa jurídica.

No que se refere às sociedades comerciais[26], uma vez que a sua natureza impõe, por inerência, o lucro como objectivo da sua actividade, a ofensa ao seu bom nome e imagem só será relevante para efeitos de ressarcimento se da mesma resultar um dano patrimonial indirecto, ou seja, se dela redundar no que tem vindo a ser identificado pela jurisprudência como o reflexo negativo em termos de potencialidade de lucro.

         No caso dos autos, o factualismo provado é totalmente omisso em termos de apuramento do reflexo negativo da ofensa na actividade das Autoras, designadamente em termos de perda de credibilidade junto dos seus trabalhadores e do público. Na verdade, ter ficado apurado que as Autoras sentiram o seu nome e credibilidade afectadas inviabiliza qualquer ponderação de ressarcimento de danos resultantes da violação do direito ao bom nome já que a verificação da perda de credibilidade encontra-se configurada tão só a aspectos psíquicos e emocionais (as Autoras sentiram…) unicamente ligados à condição das pessoas físicas e, nessa medida, inconcebíveis (e, por isso, não avaliáveis) no domínio da pessoa jurídica em causa.

         Por conseguinte, não se verificando, no caso, um dos pressupostos da responsabilidade civil - o dano das Autoras – não ocorre obrigação de indemnizar por parte dos Réus.

         Consequentemente, mostra-se prejudicado o conhecimento da questão da adequação do montante de indemnização arbitrado na sentença suscitada quer pelas Autoras, quer pelos Réus nos recursos que interpuseram.

        

2. - Da inadmissibilidade do pedido reconvencional e da sua improcedência por (in)existência de ilícito civil imputável às Autoras;

2.1 As Autoras pretendem a revogação da sentença que julgou a reconvenção procedente alicerçando-se em dois fundamentos: um de ordem formal, respeitante à inadmissibilidade do pedido reconvencional; outro, relativo ao mérito da acção - a ausência de pressupostos da responsabilidade civil.
         No que se reporta ao primeiro, cabe salientar que se encontra, de todo, ultrapassada a possibilidade de se conhecer, nesta sede, da questão da (in)existência dos pressupostos de admissibilidade da reconvenção em face do que dispõe o art.º 672, do CPC.
De acordo com este preceito, os despachos (bem como as sentenças) que recaiam unicamente sobre a relação processual têm força obrigatória dentro do processo, salvo se por natureza não admitirem recurso de agravo. O caso julgado (formal) funciona, por isso, como obstáculo à modificabilidade do sentido da decisão no âmbito do mesmo processo e, tal como no caso julgado material, a sua função é a de evitar que o tribunal seja colocado na alternativa de contradizer ou de reproduzir decisão anterior.[27]

Nos presentes autos, o tribunal a quo pronunciou-se expressamente sobre a questão - admitindo o pedido reconvencional no qual, expressamente, julgou verificados os pressupostos substantivos e processuais corporizantes do pedido RECONVENCIONAL – que agora foi colocada em causa e com o qual as Apelantes se haviam conformado.

Por conseguinte, face ao trânsito em julgado do despacho (de fls. 323 dos autos) que admitiu a reconvenção, encontra-se vedada a possibilidade de, novamente e nesta sede, a questão ser sujeita a apreciação.

2.2 Defendem as Autoras a improcedência do pedido reconvencional por inexistência dos pressupostos da responsabilidade civil, considerando que o teor do artigo jornalístico considerado pelo tribunal a quo como ofensivo do nome, honra e imagem dos Réus, não só se encontra balizado nos limites da liberdade de imprensa, como não foi demonstrado qualquer intuito persecutório por parte das Autoras sobre os Réus, designadamente instrumentalização dos meios de comunicação social inseridos no grupo económico liderado pela 1ª Autora.

         A posição das Autoras impõe a abordagem de várias questões, desde logo, a medida das respectivas responsabilidades.

         Conforme resulta da sentença recorrida, o tribunal a quo condenou a 1ª e 3ª Autoras a pagarem indemnização aos Réus imputando-lhes a prática de comportamento ilícito consubstanciado na publicação do artigo publicado na revista “F”, em Abril de 1999, sob o título “João Cordeiro o imperador das farmácias” (cfr. pontos 16º da matéria provada)[28].

Ainda que sem referência expressa infere-se que a sentença fundamentou a condenação da 3ª Autora (tendo absolvido a 2ª Autora a qual, conforme resultou apurado, edita várias publicações, entre elas o D, nada tendo a ver, por isso, com a publicação da revista f) tendo em conta o que resulta do factualismo apurado (ponto 3º da matéria de facto provada – A 3ª Autora executa projectos no âmbito da comunicação social e publica a revista f,, antes denominada apenas de F) e face ao disposto nos art.ºs 157, 165 e 500, nº 1, todos do Código Civil[29].

Relativamente à 1ª Autora, a sentença, na imputação de tais comportamentos, expressamente, fez consignar: A A., por meio da sua associada provocou a situação espelhada nestes autos. Contudo, os elementos fácticos não autorizam inferir no sentido de ser possível imputar à mesma qualquer participação na elaboração e publicação das referidas notícias (os factos provados não permitem concluir pela existência de um comportamento persecutório por parte da 1ª Autora[30], enquanto empresa líder de um grupo económico, relativamente aos Réus em termos de instrumentalizar as 2ª e 3ª Autoras, interferindo nas publicações de que estas são proprietárias).

Por conseguinte, estando-se em presença de pessoas jurídicas diferentes e não ocorrendo entre as mesmas qualquer relação de comitente/comissário, não é possível atribuir à 1ª Autora responsabilidade na elaboração e publicação do artigo considerado ofensivo do direito à imagem e ao bom nome dos Réus, pelo que se impunha a improcedência da reconvenção (quanto a este pedido) relativamente à mesma.

Procedem, por isso, nesta parte, as conclusões da apelação das Autoras.

2.3 Ao contrário do que se encontra decidido na sentença, as Autoras/Apelantes consideram que as expressões consignadas no artigo tido por ofensivo (da revista f), no contexto em que se inserem, não constituem qualquer violação do direito ao bom nome e imagem dos Réus.

         Está pois em causa apurar da ilicitude de tal conduta.

         Na apreciação a fazer assume pleno cabimento as considerações levadas a cabo relativas à defesa dos direitos de personalidade, designadamente no caso das pessoas colectivas, pelo que nos escusamos de as repetir, remetendo para o que nesse sentido se encontra referido (ponto 1 desta decisão).

         Na análise do artigo em causa[31] tendo-se presente o disposto no art.º 484, do C. Civil, não é possível concluir no sentido de que as declarações dele constantes possam ser tidas como atentatórias do bom nome e reputação quer da 1ª Ré, quer do Réu.

Desde logo, no que respeita ao Réu, as referidas declarações são de todo estranhas, isto é, do teor do artigo não consta qualquer referência (ainda que implícita) à sua pessoa ou às ideias por ele defendidas, pelo que não são passíveis de o atingir. Não ocorre quanto ao mesmo violação de um seu direito de personalidade, designadamente o nome, imagem ou consideração, simplesmente porque no referido artigo o Réu não foi o visado na “crítica” que lhe está subjacente.

Igualmente no que se refere à 1ª Ré, as referidas declarações (que terão de ser apreciadas no seu todo), ainda que o juízo de valor que delas resulta se possa apresentar como facto desonroso para o visado - João Cordeiro (com foto incluída)[32] – não lhe são dirigidas como pessoa colectiva. O artigo, aliás, é muito claro ao identificar o visado - à Excepção de João Cordeiro (na foto) Presidente da Associação Nacional de Farmácias (ANF) e de alguns dos seus representantes –, não permitindo que possa ser confundido com a pessoa jurídica que o mesmo representa de modo a imputar àquela conduta contrária e oposta àquela que o sentimento da generalidade das pessoas exige do “homem” medianamente leal e honrado. [33]

Por conseguinte, a ocorrer facto ilícito não são os Réus os lesados e, nessa medida, não lhes assiste direito a qualquer indemnização pela prática do mesmo.

Há, assim, nesta parte, que julgar o pedido reconvencional improcedente[34], procedendo, as conclusões da apelação das Autoras.

Em face do decidido e no que a esta questão diz respeito, mostra-se prejudicado o conhecimento da apelação quer das Autoras, quer dos Réus, relativamente à questão da fixação do quantum indemnizatório. Igualmente se mostra prejudicado o conhecimento da apelação dos Réus no que se refere à absolvição da Ré S, Lda do pedido reconvencional (no que a esta parte diz respeito).

3. Da improcedência da reconvenção relativamente ao pedido de pagamento das despesas advenientes da acção

Na sentença recorrida o tribunal a quo condenou as Autoras a pagarem montante correspondente aos encargos que as reconvintes tiveram de suportar com a interposição desta acção, o que se liquidará em sede de execução de sentença.

Insurgem-se as Autoras contra tal decisão considerando que tal condenação se mostra desprovida de sentido atendendo às regras de repartição dos encargos legais previstos no art.º 446 e seguintes do CPC, imputando à sentença a nulidade prevista no art.º 668, n.º1, al. C), do CPC.

Na sequência do já oportunamente referido (nota de rodapé n.º34), a eventual falta de fundamento legal para a condenação em causa não constitui vício formal da sentença de modo a conduzir à sua nulidade, antes poderá configurar uma situação de erro de julgamento.

Desde já se adianta que se impõe dar razão às Autoras uma vez que inexiste qualquer fundamento legal para a condenação tal como foi proferida.

Com efeito e desde logo, tendo-se presente o disposto nos art.ºs 33 e 33-A do CCJ, as despesas que as partes são obrigadas a fazer para a condução do processo (tais como preparos, custo das peças e documentos oferecidos, custas por certos actos, diligências e incidentes) constituem custas de parte e são despesas que entrarão a final em regra de custas, pelo que recairá sobre a parte vencida a responsabilidade do seu pagamento.

Porém, ainda que a parte tenha obtido ganho na causa, não se encontram englobadas na conta final de custas o ressarcimento pelas despesas judiciais (incluindo honorários ao mandatário) ou extrajudiciais feitas pela mesma em defesa do seu direito.

Tais despesas não só têm necessariamente de se encontrar excluídas de tal conteúdo, como não podem ser objecto de indemnização por a propositura de acção constitui o exercício legítimo do direito de acesso à justiça e ao direito, constitucionalmente garantido, excepto se o mesmo se considerasse ilegítimo[35], impondo-se para o efeito a verificação dos pressupostos da responsabilidade civil (enquanto consequência imediata e necessária da prática de um facto ilícito e culposo), o que não é o caso dos autos.

Procedem, por isso e nesta parte, as conclusões da apelação das Autoras.

IV – Decisão

Pelo exposto, acordam os Juízes deste Tribunal da Relação de Lisboa em julgar parcialmente procedentes a apelação das Autoras e a apelação dos Réus, pelo que, revogando a sentença recorrida, julgam a acção e a reconvenção improcedentes, absolvendo em conformidade os Réus e as Autoras dos respectivos pedidos.
Custas da apelação pelas Autoras e Réus (na proporção, respectivamente de ½ cada).
Custas da acção/reconvenção pelas Autoras e Réus, na proporção do respectivo decaimento.

Lisboa, 23 de Setembro de 2007

   Graça Amaral

  Orlando Nascimento

  Ana Maria Resende

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[1] Sendo certo que a questão da procedência de tal pedido se coloca num âmbito diverso.
[2] Entendeu a sentença que a resposta dos Réus a esses artigos consubstanciou-se numa ilegal e ilegítima acção directa.
[3] À 1ª e 3ª Autoras.
[4] Nos termos do qual a lei protege os indivíduo contra qualquer ofensa ilícita ou ameaça de ofensa à sua personalidade física ou moral (n.º1) e independentemente da responsabilidade civil a que haja lugar, a pessoa ameaçada ou ofendida pode requerer as providências adequadas às circunstâncias do caso, com o fim de evitar a consumação da ameaça ou atenuar os efeitos da ofensa já cometida (n.º2).
[5] Maria Paula Gouveia Andrade, “Da Ofensa do Crédito e do Bom Nome – Contributo para o estudo do art. 484º do Código Civil”, Tempus Editores, 1996, pág. 97.
[6] Este preceito ao preceituar que quem afirmar ou difundir um facto capaz de prejudicar o crédito ou o bom nome de qualquer pessoa, singular ou colectiva, responde pelos danos causados, não deixa de consagrar uma responsabilidade por factos ilícitos, constituindo tão só uma autonomização desta determinada pelas características da conduta lesiva e pelos meios de defesa ao alcance do lesado, ou seja, consubstancia um caso especial de facto antijurídico encontrando-se, por isso, subordinado ao princípio geral do art.º 483 quer quanto aos requisitos da ilicitude, quer ainda no que se refere à culpabilidade do agente – cfr. neste sentido Pires de Lima e Antunes Varela, C. Civil anotado, vol. I, 4ª edição, pág.. 485/486, Almeida e Costa, Direito das Obrigações, 5ª edição, pág. 453, Menezes Cordeiro, Direito das Obrigações, volume II, pág. 348 e ss, Antunes Varela, Direito das obrigações, Volume I, 7ª edição, pág. 559.     
[7] O bem jurídico honra traduz uma presunção de respeito por parte dos outros, que decorre da dignidade moral da pessoa. O seu conteúdo é constituído, basicamente, por uma pretensão de cada um ao reconhecimento da sua dignidade por parte dos outros. Sem observância social desta condição não é possível à pessoa realizar os seus planos de vida e os seus ideais de existência na multiplicidade de contextos e relações sociais em que intervém. O bem jurídico constitucional assim delineado apresenta um lado individual (o bom nome) e um lado social (a reputação ou consideração) fundidos numa pretensão de respeito que tem como correlativo uma conduta negativa dos outros; é, ao fim e ao cabo, uma pretensão a não ser vilipendiado ou depreciado no seu valor aos olhos da comunidade – Augusto Silva Dias, Alguns Aspectos do regime jurídico dos crimes de difamação e de injúrias, ADFDL, 1989, 17/18, citado no Acórdão da Relação de Lisboa de 17.03.98, CJ tomo II, pág. 149.       
[8] Cfr. neste sentido, Rabindranath, obra citada, págs. 305/306.
[9] Estão-lhes assim vedados por lei os direitos inerentes à natureza das pessoas singulares, como é o caso dos direitos e obrigações de ordem familiar (artigo 160º, nº 1, do Código Civil).
[10] O Direito Geral de Personalidade, Coimbra Editora, 1995, págs. 596 a 598.
[11] Conforme realça Menezes Cordeiro, “É indubitável que a divulgação de um facto verdadeiro pode, em certo contexto, atentar contra o bom nome e a reputação de uma pessoa” – Obra citada, pág. 349.
[12] Maria Paula Gouveia Andrade, obra citada, pág. 71/72.  
[13] Vieira de Andrade, Os direitos Fundamentais na Constituição portuguesa de 1976, pág. 108.
[14] Nesse sentido e entre outros cfr. Acórdãos do STJ de 24.02.99 e de 14.02.2002, CJ tomo I, pág. 92.
[15] O visado pode ter bons motivos para se sentir ofendido na sua personalidade moral e, apesar disso, ponderados os interesses e valores conflituantes, dever considerar-se justificada a conduta – Paulo Vieira Henriques, Os Excessos de Linguagem na Imprensa, Estudos de Direito da Comunicação, Faculdade de Direito da Universidade de Coimbra, 2002, pág. 213.  
                De salientar que o critério subjacente a este princípio que assenta na proporcionalidade e na ponderação de bens encontra-se consagrado no art.º 335, do C. Civil, nos termos do qual e relativamente à colisão de direitos prescreve: Havendo colisão de direitos iguais ou da mesma espécie, devem os titulares ceder na medida do necessário para que todos produzam igualmente o seu efeito, sem detrimento para qualquer das partes (n.º1).    
[16] Conforme se refere no Acórdão do STJ de 03.02.99, O direito-dever de exprimir o pensamento e a liberdade de expressão têm de ser exercidos com clara preocupação cívica e com respeito pelos outros homens – BMJ 484, pág. 339.
[17] Reportado ao direito de informação e à tutela da honra no âmbito penal, escreve Figueiredo Dias “é indispensável à concreta justificação pelo exercício do direito de informação que a ofensa à honra cometida se revele como meio adequado e razoável de cumprimento da função pública da imprensa; ou mais exactamente: de cumprimento do fim que a imprensa, no exercício da sua função pública, pretende atingir no caso concreto. (…) Por isso mesmo o meio utilizado não só não pode ser excessivo, como deve ser o menos pesado possível para a honra do atingido. (…) Qualquer “excesso” pode ser suficiente para empurrar a conduta para o âmbito do ilícito” – Direito de Informação e Tutela da Honra no Direito Penal da Imprensa Português, RLJ 115, pág. 137 e 170. 
               
[18] Sendo este o alcance perceptível pelo cidadão médio.
[19] Não se encontra pois justificado pelo interesse público a emissão e a divulgação das declarações em causa.
[20] BMJ 225, pág. 222.
[21] A ilicitude traduz a contradição entre a conduta realizada e as exigências do ordenamento jurídico no seu conjunto.   
[22] Cfr. Das Obrigações, vol I, 7ª edição, pág. 554.
[23] Os interesses associativos que defendem impunham-lhes uma intervenção pública consentânea com os parâmetros legais dissuadindo-os de enveredarem por uma via – a que tem por subjacente a explicação reticente e insinuante – de que se achavam vítimas (utilizando para sua defesa as armas que, quando voltadas contra si, os faziam sentir injuriados).
[24] A expressa consignação legal da obrigação de indemnizar por ofensa ao crédito ou ao bom nome da pessoa colectiva em nada colide com este entendimento uma vez que cabe destrinçar o bem jurídico atingido e o dano que resulta da lesão.
[25] No seguimento desta jurisprudência cfr. entre outros, Acórdãos do Supremo Tribunal de Justiça de 11.10.2005, processo n.º 05B1629 e de 23.01.2007, processo n.º 06A4001 e Acórdão da Relação de Lisboa  de 09.03.2006, processo n.º  , acessíveis na Base de Dados da ITIJ.
[26] De salientar que relativamente às pessoas morais (pessoa colectiva de utilidade pública) há que considerar a admissibilidade de danos morais numa perspectiva diferente, que não pode ser corporizada no reflexo negativo em termos de potencialidade de lucro. Tal, porém, não é o caso dos autos já que se está perante sociedades comerciais que operam no mercado no âmbito de uma evidente actividade lucrativa.
[27] Como refere Alberto dos Reis ao caracterizar o caso julgado formal, “este caso julgado forma-se quando a parte vencida perdeu o direito e lançar mão dos recursos ordinários para fazer alterar a decisão respectiva”, está-se pois no âmbito do fenómeno da preclusão – a eficácia da imutabilidade ou estabilidade da decisão é restrita ao processo onde se formou – CPC Anotado, tomo V, pág. 157.     
[28] Contrariamente ao alegado pelos Réus, mostra-se evidente na sentença que apenas foi considerado como lesivo ao crédito e ao bom nome dos Réus o artigo da revista f, sendo apenas sobre ele que incide a apreciação deste tribunal tendo em linha de conta que, como tribunal de recurso, o seu âmbito de cognição encontra-se limitado pelas conclusões das alegações.       
[29] Em sede de responsabilidade civil, as sociedades respondem pelos actos e omissões dos seus representantes e agentes, nos mesmos termos em que os comitentes respondem pelos actos ou omissões dos seus comissários Relativamente à responsabilidade civil dos comitentes e dos comissários, dispõe a lei que aquele que encarregar outrem de qualquer comissão responde, independentemente de culpa, pelos danos que o comissário causar, desde que sobre este recaia a obrigação de indemnizar
[30] A 1ª Autora gere participações sociais de várias empresas de comunicação social, entre elas as 2ª e 3ª Autoras.
[31] Dos textos indicados pelos Réus como violadores dos seus direitos de personalidade apenas um foi tido como excedendo o direito de liberdade de imprensa – o publicado na revista “Fortuna”, em Abril de 1999, sob o título “João Cordeiro o imperador das farmácias”.

[32] Não por o mesmo defender posições corporativistas e monopolistas (já que, estando-se no domínio das ideias há que admitir o direito a opinião contrária e o direito à crítica), mas tão só na possibilidade de lhe estar subjacente um dado negativo em termos de diminuir a confiança na respectiva capacidade e vontade para o cumprimento das suas funções enquanto presidente da Associação Nacional de Farmácias. Na verdade, após fazer referência ao facto do mesmo defender ideias corporativistas e monopolista, articula uma insinuação - “não será alheio o facto de ele e familiares serem proprietários de cerca de uma dezena de farmácias” – que, sob um olhar rigoroso,  poder-se-ia considerar passível de afectar o bom nome da pessoa por, em última análise, colocar em causa a isenção do visado no exercício das suas funções como presidente de uma associação.  
[33] Não colhe a argumentação dos Réus ao defenderem que o referido artigo tem ainda por subjacente, como fio condutor, a afirmação de ligações e influência da A sobre o poder político. Não podemos concordar com tal posicionamento já que não ocorre um alcance perceptível na insinuação que deixa margem para dúvida quanto ao seu sentido. Desta forma, não se vislumbra em que medida pode constituir uma violação do direito ao bom nome e à imagem da referida Associação, sendo certo que momento (a acesa discussão política quanto à questão da liberalização das farmácias) em que foi veiculada pode justificar no exercício do direito de opinião e de livre expressão a utilização de uma linguagem arrebatada a encarar no âmbito dos limites do debate de ideias políticas.
[34] Ao invés do defendido pelas Autoras, a sentença recorrida não se encontra ferida de nulidade por falta de fundamentação de facto relativamente à condenação das Autoras no pedido reconvencional. O que está em causa é uma situação de (in)adequado enquadramento jurídico dos factos que se situa no plano do erro de julgamento e não em vício formal da sentença conducente à sua nulidade.
[35] Em certa medida o seu ressarcimento poderia obter-se em sede de condenação por litigância de má fé, cabendo para o efeito a verificação dos respectivos requisitos, o que, igualmente, não se verifica no presente processo.