Acórdão do Tribunal da Relação de Lisboa
Processo:
881/06.4TBPDL.L1-1
Relator: RUI VOUGA
Descritores: CONTRATO-PROMESSA DE COMPRA E VENDA
TRADIÇÃO DA COISA
POSSE
ANIMUS
CORPUS
Nº do Documento: RL
Data do Acordão: 06/23/2009
Votação: UNANIMIDADE
Texto Integral: S
Meio Processual: APELAÇÃO
Decisão: REVOGADA A DECISÃO
Sumário: 1 - Não é possível, a priori, qualificar-se de posse ou de mera detenção o poder de facto exercido pelo promitente-comprador sobre o objecto do contrato prometido entregue antecipadamente. Tudo dependerá, caso a caso, do animus que acompanhe o corpus.
2 - A qualificação da natureza da posse do beneficiário da traditio, no contrato promessa de compra e venda, depende essencialmente de uma apreciação casuística dos termos e do conteúdo do respectivo negócio.
3 - Em regra, o promitente-comprador de imóvel, que obteve a traditio apenas frui um direito de gozo, que exerce em nome do promitente-vendedor e por tolerância deste – sendo, nesta perspectiva, um detentor precário já que não age com animus possidendi, mas apenas com corpus possessório (relação material).
4 - Há situações em que aquela traditio pode envolver a transmissão da posse, como sucede nos casos excepcionais em que já se encontra paga a totalidade do preço ou em que as partes têm o deliberado e concertado propósito de não realizar a escritura pública, para evitar despesas, e a coisa foi entregue ao promitente-comprador em definitivo, como se dele fosse já.
Decisão Texto Integral: ACÓRDÃO
Acordam na Secção Cível da Relação de Lisboa:
Maria e M intentaram acção declarativa de condenação, sob a forma de processo comum ordinário, contra A, pedindo a restituição da posse do imóvel identificado na petição inicial (uma casa alta, sita ao Cerrado das Freiras, nas Sete Cidades, inscrita na respectiva matriz) e a condenação da Ré a reconhecer os Autores como legítimos possuidores de boa fé e titulados.
Para tanto, alegaram, em síntese, que:
- Em Fevereiro de 1977, os AA. celebraram com a Ré e seu marido um contrato-promessa de compra e venda, tendo por objecto a referida casa;
- Do preço global convencionado (Esc. 650.000$00), os AA. pagaram aos RR., sucessivamente, Esc. 250.000$00 (no dia 27FEV1977), Esc. 250.000$00 (no dia 3MARÇO1977) e, por fim, o remanescente – Esc. 150.000$00 (no dia 8JUNHO1979);
- Desde a data do primeiro pagamento (Fevereiro de 1977), os AA. encontram-se na posse da casa, utilizando-a nas férias e sempre que vêm a S. Miguel, pois, residindo no Continente, adquiriram-na com destino a casa de férias;
- Porém, em data indeterminada da 1ª semana do mês de Maio de 2005, por ocasião das Festas do Santo Cristo, a A. mulher deslocou-se a S. Miguel e constatou que a casa se encontrava com paredes derrubadas, tendo sido a Ré –segundo informações colhidas no local, junto dos pedreiros  - quem havia dado ordem para essas obras;
- os AA. encontram-se assim impedidos de entrarem na aludida casa e de a usarem, pelo que estão esbulhados da posse que sobre ela vinham exercendo há mais de trinta anos.

A Ré contestou, por excepção e por impugnação, e deduziu reconvenção contra os Autores.
Defendendo-se por excepção, invocou:
- como o documento invocado pelos AA. apenas foi assinado pela Ré e pelo seu falecido marido, o mesmo configura uma promessa unilateral de venda (e não um verdadeiro contrato de compra e venda), sendo certo que nela não foi fixado prazo para o respectivo cumprimento;
- já que a execução específica foi, in casu, afastada com a entrega do sinal pago pelos AA., estes apenas teriam direito ao dobro desse sinal, estando-lhes vedada a possibilidade de adquirirem direitos que só por escritura pública lhes poderiam ser transmitidos.
Defendendo-se por impugnação, alegou que:
- no período compreendido entre 1979 e 1995, a Ré e o seu falecido marido interpelaram, sucessiva e reiteradamente, os AA. para outorgarem a escritura pública de compra e venda, tendo-se os AA. sempre recusado a essa outorga, invocando para tanto as mais diversas desculpas;
- no período compreendido entre 1977 e 2006, os AA. apenas habitaram o imóvel em causa cinco ou seis vezes, por escassas semanas, não sendo tal casa habitada pelos AA. há mais de 15 anos;
- foram a Ré e o seu falecido marido que sempre liquidaram os encargos fiscais e a renda respeitante ao local onde tal casa se encontra implantada, bem como a água e a luz;
- a partir de 1980, a casa entrou num processo de degradação que culminou, em 1998, com a ruína das paredes e do tecto;
-entre 1998 e 2005, a Ré, apesar de a casa ser inabitável, continuou a pagar a um homem para tomar conta da mesma, continuando esse homem, presentemente, a desempenhar a mesma tarefa;
- a Ré não derrubou as paredes da casa, tendo sido, sim, intimada administrativamente a proceder à reconstrução da mesma;
Em reconvenção, a Ré pediu:
a) que sejam declarados prescritos os direitos e obrigações emergentes do contrato-promessa invocado pelos AA. e, subsidiariamente, no caso de improcedência deste 1º pedido, que o contrato-promessa seja declarado resolvido por incumprimento;
b) que os AA. sejam condenados a pagar à Ré a quantia de € 150.000,00, a título de benfeitorias necessárias ou, em alternativa, a título de enriquecimento sem causa.
Para fundamentar os pedidos que deduziu em reconvenção, a Ré alegou:
- que, apesar de interpelados para o efeito durante dezenas de anos, os AA. ora reconvindos nunca outorgaram a escritura pública de compra e venda da casa em discussão nos autos, a qual deixaram de habitar há mais de 15 anos, nunca tendo suportado os encargos da mesma e nada tendo feito para impedir que ela se degradasse por completo;
- que, a partir do ano de 2000, a Ré foi sendo sucessivamente intimada pelas autoridades administrativas para proceder à reconstrução do imóvel, visto o mesmo se encontrar numa zona ambientalmente protegida (Lagoa das Sete Cidades), tendo sido informada, em 2004, que, caso não procedesse à sua reconstrução, o imóvel poderia reverter para a região Autónoma dos Açores;
- por isso, no ano de 2005, a Ré fez obras na casa, transformando-a num local habitável;
- O custo de tais obras elevou-se a € 130.000,00, pelo que, em função das mesmas, a casa possui, actualmente, o valor comercial de € 150.000,00.

Os AA. replicaram, respondendo à matéria das excepções e da reconvenção deduzida pela Ré.
Nesse âmbito, alegaram:
- que a fixação de prazo para cumprimento não cabe apenas aos promitentes-compradores, mas sim a qualquer contraente não faltoso que pretenda exigir da parte contrária o cumprimento em falta, sendo certo que, no caso dos autos, tão pouco a Ré e o seu marido requereram a fixação de prazo para a outorga da escritura pública de compra e venda;
- que, uma vez que o pedido formulado pelos AA. é, tão somente, a restituição do imóvel em causa, devido a esbulho da Ré, não tem lugar a invocada prescrição dos direitos emergentes para os AA. do mencionado contrato-promessa;
- que as obras realizadas pela Ré não foram de conservação, nem de aperfeiçoamento ou melhoramento da casa, mas de construção duma nova moradia, em nada semelhante à então existente, pelo que, tratando-se duma obra nova (e não duma simples benfeitoria) a Ré não teria direito a reclamar dos AA. qualquer indemnização por benfeitorias necessárias, para mais sabendo a Ré que tinha vendido a casa aos AA.;

Findos os articulados, foi proferido despacho convidando a Ré a deduzir o incidente de intervenção principal provocada dos herdeiros de S, por se ter entendido que a relação material controvertida (tal como é configurada pela Ré/Reconvinte) tem como protagonistas, não só a Ré, como também os demais herdeiros do respectivo marido, os quais deveriam exercer os direitos relativos à herança conjuntamente (nos termos do art. 2091º, nº 1, do Código Civil).
Na sequência de tal despacho, foi requerida e admitida a intervenção principal espontânea de A e outros (herdeiras do falecido marido da primitiva Ré, S), na qualidade de réus/reconvintes, com o que ficou sanada a ilegitimidade activa da primitiva Ré, no que concerne à reconvenção por ela deduzida.

No despacho Saneador, o tribunal conheceu, imediatamente, do mérito da acção e, parcialmente, do mérito da reconvenção, nos termos seguintes:
“Pelo exposto e em conformidade, julgo improcedente a acção e o 1º pedido reconvencional e, em consequência, decido:
a) Absolver os réus do pedido;
b) Absolver os autores/reconvindos do 1º pedido de declaração da prescrição dos direitos e obrigações que da promessa unilateral de venda advinham para os réus”.
 
Inconformada com o assim decidido, a Autora Maria apelou do referido Saneador/Sentença, na parte em que o mesmo julgou a acção improcedente, tendo rematado as concernentes alegações com as seguintes conclusões:
“1ª A Apelante adquiriu a posse da casa objecto da acção pela respectiva tradição material, efectuada pelo anterior possuidor (artigo 1263º, alínea b) do C.C.).
2ª A posse resultante da promessa de venda com tradição, tem o conteúdo geral duma situação possessória legítima: o uso e fruição, as benfeitorias e a defesa possessória.
3ª As disposições legais que reconhecem ao locatário, ao comodatário e  a outros titulares dos direitos obrigacionais relacionados com as coisas a faculdade de exercício dos meios possessórios (artigos 1037º, nº 2, 1125º, nº 2 e 1133º, nº 2, do C.C.) representam aplicação de um princípio geral, pelo que são extensivas a outros direitos pessoais ou obrigacionais relacionados com as coisas.
4ª A tradição da coisa, com o pagamento integral do preço, implica uma posse originária, dado que, nesse caso, o animus originário do promitente comprador é o de proprietário, podendo ser defendida através dos meios de tutela possessória facultados pelos artigos 1276º a 1279º do C.C.
5ª Mesmo que se entenda não qualificar a priori de posse o poder de facto exercido pelo promitente-comprador, também não se poderá a priori qualificar como de mera detenção esse poder, dependendo do animus que acompanhe esse corpus.
6ª Se o promitente-comprador tiver animus possidendi – o que não é de excluir a priori, e no caso sub judice existe – será possuidor, o que no caso acontece derivadamente, nos termos da alínea b) do artigo 1263º (…) e também originariamente nos termos da alínea a) do artigo 1263º do C.C.
7ª Nos casos em que, com a entrega da coisa, o preço é pago na totalidade, a posição jurídica do promitente-comprador preenche os requisitos de uma verdadeira posse.
8ª Decidindo como decidiu, o douto despacho saneador violou as disposições legais acima referidas, devendo por isso ser revogada, ordenando-se o prosseguimento dos autos com organização da matéria assente e da base instrutória, assim se fazendo JUSTIÇA!”

A Ré/Apelada contra-alegou, pugnando pelo não provimento da Apelação e extraíndo da sua contra-alegação as seguintes conclusões:
“1) O negócio jurídico em discussão nos presentes autos é uma promessa unilateral de compra e venda de benfeitorias em resultado de estar em causa um imóvel edificado em terreno alheio.
2) Por se ter concretizado no ano de 1977 a sua disciplina jurídica encontra-se regida pelo Código Civil na sua versão originária (Decreto - Lei 47344) designadamente, o artigo 411º.
3) Por força desta disposição, ainda que acompanhada da traditio, a promessa unilateral de venda (se o contrário não tivesse sido acordado) não conferia ao beneficiário a posse do imóvel mas, tão somente, em caso de incumprimento a possibilidade de receber o sinal em dobro.
4) Não pode, por isso, merecer qualquer censura a douta decisão recorrida na parte em que conheceu do mérito do pedido dele absolvendo os apelados.”

Colhidos os vistos legais, cumpre apreciar e decidir.

O  OBJECTO  DO  RECURSO
Como se sabe, sem embargo das questões de que o tribunal ad quem possa ou deva conhecer ex officio, é pelas conclusões com que o recorrente remata a sua alegação (aí indicando, de forma sintéctica, os fundamentos por que pede a alteração ou anulação da decisão recorrida: art. 690º, nº 1, do C.P.C.) que se determina o âmbito de intervenção do tribunal ad quem [1] [2].
Efectivamente, muito embora, na falta de especificação logo no requerimento de interposição, o recurso abranja tudo o que na parte dispositiva da sentença for desfavorável ao recorrente (art. 684º, nº 2, do C.P.C.), esse objecto, assim delimitado, pode vir a ser restringido (expressa ou tacitamente) nas conclusões da alegação (nº 3 do mesmo art. 684º) [3] [4]. Por isso, todas as questões de mérito que tenham sido objecto de julgamento na sentença recorrida e que não sejam abordadas nas conclusões da alegação do recorrente, mostrando-se objectiva e materialmente excluídas dessas conclusões, têm de se considerar decididas e arrumadas, não podendo delas conhecer o tribunal de recurso.
Por outro lado, como meio impugnatório de decisões judiciais, o recurso visa tão só suscitar a reapreciação do decidido, não comportando, assim, ius novarum, i.é., a criação de decisão sobre matéria nova não submetida à apreciação do tribunal a quo.
Ademais, também o tribunal de recurso não está adstrito à apreciação de todos os argumentos produzidos em alegação, mas apenas – e com liberdade no respeitante à indagação, interpretação e aplicação das regras de direito (art. 664º, 1ª parte, do C.P.C., aplicável ex vi do art. 713º, nº 2, do mesmo diploma) – de todas as “questões” suscitadas, e que, por respeitarem aos elementos da causa, definidos em função das pretensões e causa de pedir aduzidas, se configurem como relevantes para conhecimento do respectivo objecto, exceptuadas as que resultem prejudicadas pela solução dada a outras (art. 660º, nº 2, do C.P.C., ex vi do cit. art. 713º, nº 2).
No caso sub judice, emerge das conclusões da alegação de recurso apresentada pela Autora ora Apelante que o objecto da presente Apelação está circunscrito a uma única questão:

a) Se, desde que os Autores invocaram (na petição inicial da presente acção) utilizar a casa (objecto do contrato-promessa de compra e venda que, alegadamente, concluíram com a Ré) em férias sempre que vão a S. Miguel,  finalidade  à  qual  a  destinavam,  assumir  os  encargos  de água, electricidade, seguros e telefone, realizar obras de canalizações e pinturas e agir como proprietários da mesma, tem de concluir-se que, com a tradição da coisa prometida comprar/vender para os promitentes-compradores ora Apelantes, estes adquiriram a respectiva posse, derivadamente, nos termos da alínea b) do artigo 1263º do Código Civil, podendo essa posse ser defendida através dos meios de tutela possessória facultados pelos artigos 1276º a 1279º do mesmo Código.

MATÉRIA DE FACTO
Factos  Considerados  Provados na 1ª Instância:
O saneador/sentença recorrido elenca como provados os seguintes factos:
1. -  A  casa  alta  telhada,  sita  no  Cerrado  das  Freiras,  Sete  Cidades, constituída  por  r/c  com  uma  divisão, 1.º  andar  com 4  divisões  e  uma  falsa, confrontando a norte com Lagoa, sul, nascente e poente com terreno do senhorio, edificada em terreno pertencente a J, está inscrita na respectiva matriz predial sob o artigo 799, em nome de S.
2. - Por escrito assinado por S e A e datado de 27 de Fevereiro de 1977, foi declarado o seguinte: "Esc. 250.000$00. Nós abaixo assinados,  S  e  A,  residentes  nesta cidade  de  Ponta  Delgada,  recebemos  do  dr.  M, residente em Lisboa (Algés) a quantia supra de duzentos e cinquenta mil escudos por  cheque  n.º  1 de  M,  Lda.  sobre  a  Caixa, por conta do preço porque prometemos vender-lhe a nossa casa de veraneio, sita no Cerrado das Freiras da freguesia das Sete  Cidades,  edificada  em  terreno  pertencente  a  Eng.  C, com cedência do direito ao terreno coberto e logradouro autorizada pelo proprietário";
3. - Por escrito, manuscrito no mesmo papel em que foi inserta a declaração mencionada em b), assinado por S e A e datado de 3 de Março de 1978, foi declarado o seguinte: "Recebi por conta do preço de venda da propriedade acima mencionada a importância de duzentos e cinquenta mil escudos, por cheque n.º  J 3365 J -A assinado por J, sobre a Caixa”;
4.  - Por escrito assinado por S datado de  8/6/79, foi declarado o seguinte: "Recebi do Ex. o Sr. Dr. M a importância de cento e cinquenta mil esc. para liquidação do preço ajustado pela venda de uma casa em Sete Cidades";

O  MÉRITO  DA  APELAÇÃO
1) SE, DESDE QUE OS AUTORES INVOCARAM (NA PETIÇÃO INICIAL DA PRESENTE ACÇÃO) UTILIZAR A CASA (OBJECTO DO CONTRATO-PROMESSA DE COMPRA E VENDA QUE, ALEGADAMENTE, CONCLUÍRAM COM A RÉ E O FALECIDO MARIDO DESTA) EM FÉRIAS SEMPRE QUE VÃO A S. MIGUEL, FINALIDADE  À  QUAL  A  DESTINAVAM,  ASSUMIR  OS  ENCARGOS  DE ÁGUA, ELECTRICIDADE, SEGUROS E TELEFONE, REALIZAR OBRAS DE CANALIZAÇÕES E PINTURAS E AGIR COMO PROPRIETÁRIOS DA MESMA, TEM DE CONCLUIR-SE QUE, COM A TRADIÇÃO DA COISA PROMETIDA COMPRAR/VENDER PARA OS PROMITENTES-COMPRADORES ORA APELANTES, ESTES ADQUIRIRAM A RESPECTIVA POSSE, DERIVADAMENTE, NOS TERMOS DA ALÍNEA B) DO ARTIGO 1263º DO CÓDIGO CIVIL, PODENDO ESSA POSSE SER DEFENDIDA ATRAVÉS DOS MEIOS DE TUTELA POSSESSÓRIA FACULTADOS PELOS ARTIGOS 1276º A 1279º DO MESMO CÓDIGO.

O saneador/sentença ora recorrido julgou a presente acção totalmente improcedente com base no seguinte argumentário:
“No presente pleito, os autores alegam ter celebrado com a ré em Fevereiro de  1977 um contrato-promessa de compra e venda mediante o qual a ré e seu marido  lhes  prometeram  vender,  pelo  preço  de  Esc.  650.000$00.  a  casa  alta telhada, sita no Cerrado das Freiras, Sete Cidades, constituída por r/c com uma divisão, 10 andar com 4 divisões e uma falsa, confrontando a norte com Lagoa, sul, nascente e poente com terreno do senhorio, edificada em terreno pertencente a J, inscrita na respectiva matriz predial sob o artigo 799, em nome de Silvano Neves Pereira.
Alegam ainda que pagaram a totalidade do preço e desde a celebração do contrato  entraram  na  posse  da  dita  casa  e  que  em  Maio  de  2005  os  autores tomaram conhecimento que a ré derrubou as paredes, impedindo assim os autores de entrar e usar a casa.
Sustentam ter havido esbulho violento e terem os autores direito a verem restituída a sua posse, nos termos dos artigos 1281°, 1282° e 1278° do Código Civil.
Não assiste, porém, razão aos autores.
Senão vejamos.
Aos autores foi entregue o imóvel, depois de a ré e marido terem prometido vender-lhes, em documento escrito, aquele, tendo os autores pago aquando da outorga do referido contrato promessa unilateral, por conta do preço, a quantia de Esc.  250.00.000$00, sendo o preço total da venda prometida  (no valor de Esc. 650.000$00),  liquidado  em  mais  duas  tranches  de  esc. 250.0000$00  e  Esc. 150.000$00, pagas em 3.03.1978 e 08.06.1979, respectivamente.
Segundo alegaram os autores logo aquando da promessa de venda (ocorrida em 27.02.1977), houve tradição da posse do prédio prometido vender.
Não obstante não resultar do contrato que corporiza uma promessa unilateral de venda do imóvel a convenção de entrega da coisa, mesmo a ter-se por assente que foi firmado um acordo de tradição da casa prometida vender entre os autores e a ré e marido, o mesmo não investiu os autores na posse do imóvel.
Na  verdade,  a  entrega  antecipada  ao  promitente  comprador  da  coisa prometida vender quando acordada entre os outorgantes do contrato promessa, unilateral ou bilateral, não investe o comprador na posse do imóvel, conferindo-se apenas autorização para usar a coisa até à celebração do contrato prometido ou até à resolução do contrato por parte do promitente vendedor.
Os poderes em que o promitente-comprador fica investido com a traditio da coisa  objecto  da  promessa  integram  um  verdadeiro  direito  de  uso,  que  lhe  é concedido na pura expectativa da futura celebração do contrato prometido.
Conforme saliente Antunes Varela o comprador não é possuidor da coisa, precisamente porque, sabendo ele, como ninguém. que a coisa pertence ainda ao promitente  vendedor  e  só  lhe  pertencerá  a  ele  depois  de  realizado  o  contrato translativo prometido, não pode agir seriamente com a intenção de um titular da propriedade ou de qualquer outro direito real sobre a coisa (cfr. RLJ, Ano 128°, pág. 146).
Sobre a mesma matéria Manuel Rodrigues I refere ainda que "Na aquisição bilateral da posse o animus resulta da natureza do acto jurídico por que se transferiu o direito susceptível de posse. É a teoria da causa. E assim se a tradição se realizou em consequência de um acto de alienação da propriedade a intenção que tem o adquirente é a de exercer o direito de propriedade. Se a tradição se realizou em consequência  de  um  acto  de  locação,  pelo  qual  se  transferiu  um  determinado prédio, a intenção do locatário é a de exercer o direito pessoal de locatário. Ao acto jurídico, quando existir, se há de recorrer sempre para averiguar qual o animus daquele que, em virtude dele, detém uma coisa. E contra a vontade que da causa deriva, não é permitido alegar uma vontade concreta do detentor, salvo se este houver invertido o título" (No mesmo sentido veja-se Oliveira Ascenção, in "Direitos Reais", 1971, pág. 249 e segs)..
O contrato-promessa, com efeito, não é susceptível de, só por si, transmitir a posse  ao  promitente-comprador.  Se  este  obtém  a  entrega  da  coisa  antes  da celebração do negócio translativo, adquire o corpus possessório, mas não assume o animus  possidendi,  ficando,  pois,  na  situação  de  mero  detentor  ou  possuidor precário (cfr. art. 12530 do Código Civil).
Ora, não sendo os autores possuidores do imóvel cujo esbulho invocam não podem lançar mão à acção de restituição provisória da posse que necessariamente pressupõe esta posse.
É pelo exposto a presente acção manifestamente improcedente”.
Quid juris ?
Tudo está, portanto, em saber se, perante a matéria factual articulada pelos Autores ora Apelantes (na petição inicial da presente acção de restituição de posse), nunca poderia concluir-se que eles tinham a posse do imóvel em questão – tese perfilhada pelo tribunal “a quo” – ou, pelo contrário, aquela factualidade era suficiente para se poder e dever concluir que eles eram os possuidores do referido imóvel.
Em síntese, o que os Autores/Apelantes alegaram foi que:
- Em Fevereiro de 1977, os AA. celebraram com a Ré e seu marido um contrato-promessa de compra e venda, tendo por objecto uma casa alta, sita ao Cerrado das Freiras, nas Sete Cidades, inscrita na respectiva matriz sob o artigo 799º;
- Do preço global convencionado (Esc. 650.000$00), os AA. pagaram aos RR., sucessivamente, Esc. 250.000$00 (no dia 27FEV1977), Esc. 250.000$00 (no dia 3MARÇO1977) e, por fim, o remanescente – Esc. 150.000$00 (no dia 8JUNHO1979);
- Desde a data do primeiro pagamento (Fevereiro de 1977), os AA. encontram-se na posse da casa, utilizando-a nas férias e sempre que vêm a S. Miguel, pois, residindo no Continente, adquiriram-na com destino a casa de férias;
- Porém, em data indeterminada da 1ª semana do mês de Maio de 2005, por ocasião das Festas do Santo Cristo, a A. mulher deslocou-se a S. Miguel e constatou que a casa se encontrava com paredes derrubadas, tendo sido a Ré – segundo informações colhidas no local, junto dos pedreiros  - quem havia dado ordem para essas obras;
- os AA. encontram-se assim impedidos de entrarem na aludida casa e de a usarem, pelo que estão esbulhados da posse que sobre ela vinham exercendo há mais de trinta anos.
Em princípio, o contrato-promessa não é susceptível de, só por si, transmitir a posse ao promitente-comprador, por isso que, «se este obtém a entrega da coisa antes da celebração do negócio translativo, adquire o corpus possessório, mas não adquire o animus possidendi, ficando, pois, na situação de mero detentor ou possuidor precário»  [5] [6] [7] [8] [9] [10] [11] [12] [13].
«São concebíveis, todavia, situações em que a posição jurídica do promitente-comprador preenche excepcionalmente todos os requisitos de uma verdadeira posse»[14]. «Suponha-se, por exemplo, que havendo sido paga já a totalidade do preço ou que, não tendo as partes o propósito de realizar o contrato definitivo (a fim de, v.g. evitar o pagamento da sisa ou precludir o exercício de um direito de preferência), a coisa é entregue ao promitente-comprador como se sua fosse já e que, neste estado de espírito, ele pratica sobre ela diversos actos materiais correspondentes ao exercício do direito de propriedade»[15]. «Tais actos não são realizados em nome do promitente-vendedor, mas sim em nome próprio, com a intenção de exercer sobre a coisa um verdadeiro direito real»[16]. «O promitente-comprador actua, aqui, uti dominus, não havendo, por conseguinte, qualquer razão para lhe negar o acesso aos meios de tutela da posse»[17].
Esta posição tem sido sufragada pela doutrina [18], bem como pela jurisprudência maioritária do Supremo Tribunal de Justiça [19] [20] [21] [22] [23].
Em conclusão: não é possível, a priori, qualificar-se de posse ou de mera detenção o poder de facto exercido pelo promitente-comprador sobre o objecto do contrato prometido entregue antecipadamente. Tudo dependerá, caso a caso, do animus que acompanhe o corpus [24].
A qualificação da natureza da posse do beneficiário da traditio, no contrato promessa de compra e venda, depende essencialmente de uma apreciação casuística dos termos e do conteúdo do respectivo negócio [25].
Em regra, o promitente-comprador de imóvel, que obteve a traditio apenas frui um direito de gozo, que exerce em nome do promitente-vendedor e por tolerância deste – sendo, nesta perspectiva, um detentor precário já que não age com animus possidendi, mas apenas com corpus possessório (relação material) [26].
Todavia, há situações em que aquela traditio pode envolver a transmissão da posse, como sucede nos casos excepcionais em que já se encontra paga a totalidade do preço ou em que as partes têm o deliberado e concertado propósito de não realizar a escritura pública, para evitar despesas, e a coisa foi entregue ao promitente-comprador em definitivo, como se dele fosse já.
Ora, precisamente no caso dos autos, os Autores ora Apelantes alegaram, na petição inicial da presente acção, que o preço pelo qual a ré e o seu falecido marido prometeram (unilateralmente) vender-lhes a casa em questão (Esc. 650.000$00) se encontra já totalmente pago e que, desde a data do primeiro pagamento (Fevereiro de 1977), os AA. encontram-se na posse da casa, utilizando-a nas férias e sempre que vêm a S. Miguel (pois, residindo no Continente, adquiriram-na com destino a casa de férias), assumindo  os  encargos  de água, electricidade, seguros e telefone, e realizando nela obras de canalizações e pinturas.
Assim sendo, tudo indicia que o imóvel prometido vender foi entregue aos promitentes-compradores ora Autores/Apelantes como se fosse já seu e foi neste estado de espírito que estes, a partir dessa entrega, passaram  a praticar sobre o mesmo actos materiais correspondentes ao exercício do direito de propriedade, como, por ex., utilizá-lo nas férias e sempre que vêm a S. Miguel (pois, residindo no Continente, adquiriram-na com destino a casa de férias), assumir  os  encargos  de água, electricidade, seguros e telefone, e realizar obras de canalizações e pinturas.
Assim sendo, está-se perante uma das tais situações em que a posição jurídica do promitente-comprador reúne, excepcionalmente, todos os requisitos duma verdadeira posse, não se lhe podendo, por isso, recusar o emprego dos meios possessórios.
A esta luz, o saneador/sentença ora recorrido não pode subsistir, impondo-se a sua revogação, em ordem a possibilitar a produção de prova, em audiência de julgamento, sobre toda a factualidade articulada pelos Autores/Apelantes (na petição inicial da presente acção) tendente a demonstrar que se operou a favor deles, logo desde a data do primeiro pagamento (Fevereiro de 1977), a tradição material da casa objecto da promessa unilateral de venda feita pela Ré e pelo seu falecido marido, utilizando-a eles, desde então, nas férias e sempre que vêm a S. Miguel (pois, residindo no Continente, adquiriram-na com destino a casa de férias), assumindo  os  encargos  de água, electricidade, seguros e telefone, e realizando nela obras de canalizações e pinturas.

DECISÃO
Acordam os juízes desta Relação em conceder provimento à Apelação, revogando o saneador/sentença recorrido (no segmento em que julgou a acção improcedente, tendo absolvido os RR. do pedido) e ordenando a ampliação da Base Instrutória, com vista a possibilitar a produção de prova, em audiência de julgamento, sobre toda a factualidade articulada pelos Autores/Apelantes (nos artigos 4º a 15º da petição inicial) tendente a demonstrar que se operou a favor deles, logo desde a data do primeiro pagamento (Fevereiro de 1977), a tradição material da casa objecto da promessa unilateral de venda feita pela Ré e pelo seu falecido marido, utilizando-a eles, desde então, nas férias e sempre que vêm a S. Miguel, assumindo  os  encargos  de água, electricidade, seguros e telefone e realizando obras de canalizações e pinturas.
Custas da Apelação a cargo da Ré/Apelada.
Lisboa, 23.6.2009
Rui Vouga
Maria Rosário Barbosa
Rosário Gonçalves
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[1] Cfr., neste sentido, ALBERTO DOS REIS in “Código de Processo Civil Anotado”, vol. V, págs. 362 e 363.
[2] Cfr., também neste sentido, os Acórdãos do STJ de 6/5/1987 (in Tribuna da Justiça, nºs 32/33, p. 30), de 13/3/1991 (in Actualidade Jurídica, nº 17, p. 3), de 12/12/1995 (in BMJ nº 452, p. 385) e de 14/4/1999 (in BMJ nº 486, p. 279).
[3] O que, na alegação (rectius, nas suas conclusões), o recorrente não pode é ampliar o objecto do recurso anteriormente definido (no requerimento de interposição de recurso).
[4] A restrição do objecto do recurso pode resultar do simples facto de, nas conclusões, o recorrente impugnar apenas a solução dada a uma determinada questão: cfr., neste sentido, ALBERTO DOS REIS (in “Código de Processo Civil Anotado”, vol. V, págs. 308-309 e 363), CASTRO MENDES (in “Direito Processual Civil”, 3º, p. 65) e RODRIGUES BASTOS (in “Notas ao Código de Processo Civil”, vol. 3º, 1972, pp. 286 e 299).
[5]  PIRES DE LIMA-ANTUNES VARELA in “Código Civil Anotado”, vol. III, 2ª. ed., Coimbra, 1984, p. 6.
[6] Cfr., neste sentido, os Acórdãos do S.T.J. de 29/3/1968 (in BMJ nº 175, p. 272), de 15/1/1974 (in BMJ nº 233, p. 173) e de 29/1/1980 (in BMJ nº 293, p. 341).
[7] Cfr., também no sentido de que «a posse precária, exercida em nome alheio, assente num contrato-promessa de compra e venda, não constitui fundamento para embargos de terceiro, os quais se destinam a defender a posse real e efectiva», o Ac. do S.T.J. de 28/11/1975 (in BMJ nº 251, p. 135).
[8] Cfr., igualmente no sentido de que «é meramente precária a posse de prédio ou fracção deste quando, após celebração de contrato-promessa de compra e venda, o promitente-vendedor consente que o promitente-comprador ocupe a fracção ou prédio prometido vender», o Ac. da Rel. de Lisboa de 26/10/1979 (in Col. Jur. 1979, tomo 4, p. 1220).
[9] Cfr., de igual modo no sentido de que «o contrato-promessa de compra e venda de um prédio, tendo por objecto a simples prestação de um facto, não é causal da transmissão de nenhum direito real a favor dos promitentes compradores que, portanto, são simples detentores ou possuidores precários», o Ac. do S.T.J. de 29/1/1980 (in BMJ nº 293, p. 341 e na Rev. de Legislação e de Jurisprudência, ano 114º, p. 17, com anotação de ADRIANO VAZ SERRA).
[10] Cfr., ainda no sentido de que «no contrato-promessa de arrendamento e ainda que haja tradição da coisa, não pode o promitente arrendatário usar dos meios para defesa da posse, designadamente a restituição provisória, uma vez que se configura apenas a detenção ou posse precária», o Ac. da Rel. de Lisboa de 28/5/1985 (sumariado in BMJ nº 354, p. 605).
[11] Cfr., uma vez mais no sentido de que «os poderes de facto dos promitentes-compradores não são os que correspondem ao direito do proprietário, mas tão só os correspondentes ao seu direito de crédito sobre a promitente-vendedora» e, portanto, «a traditio ou entrega da coisa ao promitente-comprador apenas confere ao mesmo um simples direito pessoal de gozo, dando lugar a que a sua posse não seja no sentido rigoroso e próprio e não passe de simples detenção ou posse precária», o Ac. do S.T.J. de 29/6/1995 (in BMJ nº 448, p. 314).
[12] Cfr., porém, no sentido de que «o poder de facto exercido pelo promitente-comprador sobre a coisa objecto do contrato-promessa pode ser qualificado de posse ou de mera detenção, tudo dependendo do animus que acompanhe esse corpus», JOÃO CALVÃO DA SILVA (in BMJ nº 349, p. 86, nota 55). Aliás, segundo este Autor (ibidem), «em todos os casos de tradição da coisa operada pelo promitente-vendedor, a ocupação, uso e fruição da coisa pelo promitente-comprador, é lícita e legítima, na falta de termo especial, até à resolução do contrato-promessa ou celebração do contrato prometido».
[13]  Cfr., no sentido de que, como, «no contrato-promessa a “tradição” da  coisa confere ao promitente-comprador o direito de retenção sobre ela pelo crédito (sinal em dobro, valor da própria coisa, etc.) que este, eventualmente, possa vir a ter contra o promitente-vendedor, em caso de incumprimento deste», esse direito de retenção «constitui, “in casu”, o promitente-comprador na posse legítima da coisa transmitida, pelo menos enquanto não for pago o crédito resultante do incumprimento do contrato-promessa, funcionando como uma espécie de penhora legal», pelo que «pode, consequentemente, ser defendido por meio de acção possessória – mesmo contra o novo proprietário – arts. 759º, nº 3, e 670º, alínea a), do Código Civil», o Ac. do S.T.J. de 25/2/1986 (in BMJ nº 354, p. 549).
[14] PIRES DE LIMA-ANTUNES VARELA, ibidem.
[15] PIRES DE LIMA-ANTUNES VARELA, ibidem, p. 7.
[16] PIRES DE LIMA-ANTUNES VARELA, ibidem.
[17] PIRES DE LIMA-ANTUNES VARELA, ibidem.
[18] Nomeadamente, por ANTUNES VARELA (in Revista de Legislação e Jurisprudência, Ano 124º, p. 348), VAZ SERRA (in Revista de Legislação e Jurisprudência, Ano 109º, p. 314 e Ano 114º, p. 20) e CALVÃO DA SILVA (in B.M.J. nº 349, p. 86, nota 55).
[19] Cfr., entre outros, o Ac. do S.T.J. de 26/5/1994 (in Col. Jur. Ac. S.T.J., Ano II, tomo 2º, p. 118), o Ac. do S.T.J. de 19/11/1996, (in Col. Jur. Ac. S.T.J., Ano III, tomo 3º, p. 109) e o Ac. do S.T.J. de 11/3/1999 (in Col. Jur. Ac. S.T.J., Ano VII, tomo 1º, p. 137).
[20] Cfr., também no sentido de que «a tradição da coisa em consequência de contrato-promessa de compra e venda, mesmo unilateral, confere a posse quando circunstâncias especiais a revelem, como é o caso da coisa ser entregue ao promitente comprador como se fosse sua e neste estado de espírito ele pratica diversos actos materiais correspondentes ao exercício do direito de propriedade», o Ac. do S.T.J. de 8/5/2003, relatado pelo Conselheiro FERREIRA GIRÃO e proferido no Proc. nº 03B901, cujo texto integral pode ser acedido, via Internet, no sítio www.dgsi.pt.
[21] Cfr., igualmente no sentido de que, muito embora «à tradição material que acompanha o contrato-promessa de compra e venda não corresponda, em regra, a transmissão da posse correspondente ao direito de propriedade, porque a causa daquele acto translativo, que é o contrato-promessa e a convenção acessória de entrega antecipada da coisa, não se destina à constituição ou transferência de direitos reais, designadamente, o direito de propriedade, mas, tão só, à constituição de um direito de crédito a uma determinada declaração negocial», todavia «aquela traditio pode envolver a transmissão da posse, como nos casos excepcionais em que já se encontra paga a totalidade do preço ou em que as partes têm o deliberado e concertado propósito de não realizar a escritura pública, para evitar despesas, e a coisa foi entregue ao promitente-comprador em definitivo, como se dele fosse já», o Ac. do S.T.J. de 27/5/2004, relatado pelo Conselheiro QUIRINO SOARES e proferido no Proc. nº 04B1445, cujo texto integral pode ser acedido, via Internet, no sítio www.dgsi.pt.
[22] Cfr., de igual modo no sentido de que «a mera traditio resultante do contrato-promessa não pode, em princípio, catalogar-se como sendo uma pura posse», por isso que «os poderes que o promitente-comprador passa a exercer sobre a coisa estão directamente relacionados com o seu direito de crédito e, por isso, essa situação apenas configura uma mera detenção»; «casos há, porém, em que a traditio surge como manifestação de uma situação de verdadeira posse (com corpus e animus) e, então, poderá o promitente-comprador fazer valer o direito de retenção sobre a coisa no caso de incumprimento do promitente-comprador», o Ac. do S.T.J. de 6/11/2007, relatado pelo Conselheiro URBANO DIAS e proferido no Processo nº 07A3674, cujo texto integral pode ser acedido, via Internet, no sítio www.dgsi.pt.
[23] Cfr., no sentido de que, embora «o contrato promessa de compra e venda de um prédio, só por si, não seja susceptível de transferir a posse ao promitente comprador», por isso que «se este obtém a entrega da coisa antes da celebração da escritura de compra e venda, adquire o corpus possessório, mas não adquire o animus possidendi, ficando numa situação de mero detentor ou possuidor precário», «todavia, são concebíveis situações em que a posição jurídica do promitente-comprador preenche, excepcionalmente, todos os requisitos de uma verdadeira posse»; «É o caso do promitente comprador, emigrante em França, que se encontra no gozo de um apartamento que lhe foi entregue pelo promitente vendedor, mostrando-se já paga a totalidade do preço e que desfruta desse apartamento em vários períodos do ano, com a família e amigos, aí estabelecendo a sua residência em Portugal, procedendo ao pagamento do respectivo imposto municipal sobre o imóvel, do consumo de electricidade e do condomínio, tendo a coisa sido entregue ao embargante pelo promitente vendedor, há cerca de vinte anos, como se sua fosse já e sendo nesse estado de espírito que o promitente comprador lá estabeleceu a sua residência em Portugal e praticou diversos actos correspondentes ao direito de propriedade, em nome próprio, com a intenção de exercer sobre ele o direito real correspondente», o Ac. do S.T.J. de 23/5/2006, relatado pelo Conselheiro AZEVEDO RAMOS e proferido no Proc. nº 06A1128, cujo texto integral pode ser acedido, via Internet, no sítio www.dgsi.pt.
[24] Cfr., explicitamente neste sentido, CALVÃO DA SILVA in “Sinal e Contrato-Promessa”, 11ª edição, pág. 231, nota 55.
[25] Cfr., explicitamente neste sentido, o cit. Ac. do S.T.J. de 23/5/2006, relatado pelo Conselheiro AZEVEDO RAMOS e proferido no Proc. nº 06A1128.
[26] Cfr, no sentido de que «o promitente-comprador investido prematuramente no gozo da coisa, que lhe é concedido na pura expectativa da futura celebração do contrato prometido, não é possuidor dela, precisamente porque, sabendo ele, como ninguém, que a coisa pertence ainda ao promitente-vendedor e só lhe pertencerá a ele depois de realizado o contrato translativo prometido, não pode agir seriamente com a intenção de um titular da propriedade ou de qualquer outro direito real sobre a coisa», ANTUNES VARELA, in RLJ, ano 128º, p. 146.