Acórdão do Tribunal da Relação de Lisboa | |||
Processo: |
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Nº Convencional: | JTRL00022946 | ||
Relator: | SALVADOR DA COSTA | ||
Descritores: | CONTRATO-PROMESSA TROCA PRAZO CERTO RECUSA DE CUMPRIMENTO JUROS CUSTAS | ||
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Nº do Documento: | RL199806040032276 | ||
Data do Acordão: | 06/04/1998 | ||
Votação: | UNANIMIDADE | ||
Texto Integral: | S | ||
Privacidade: | 1 | ||
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Meio Processual: | APELAÇÃO. | ||
Decisão: | ALTERADA A DECISÃO. | ||
Área Temática: | DIR CIV - DIR OBG. DIR TRIB - DIR CUSTAS JUD. | ||
Legislação Nacional: | CCIV867 ART1592. CCIV66 ART405 N1 ART410 ART437 N1 ART801 N2 ART802 N1 ART804 N2 ART805 N2 A ART808. CPC67 ART446 N1 N2. | ||
Jurisprudência Nacional: | AC STJ DE 1995/10/24 IN CJSTJ TIII ANO3 PAG78. AC STJ DE 1992/02/04 IN BMJ N414 PAG448. AC RC DE 1992/03/24 IN BMJ N415 PAG732. | ||
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Sumário: | I - O contrato de escambo ou troca é um contrato atípico ou inominado, sendo-lhe aplicáveis as normas do contrato de compra e venda; II - Em consequência são aplicáveis aos contratos-promessa de permuta as normas relativas à compra e venda, salvo as relativas à forma e outras incompatíveis com o regime de mera promessa de contratar. III - A fixação de uma data como termo final de celebração da escritura prometida pode ser entendida, em principio, com um de dois sentidos: a) - ou, como prazo limite, absoluto ou improrrogável, cujo decurso implica ou determina o incumprimento definitivo do contrato e a sua imediata resolução ou caducidade. b) - ou como prazo relativo ou não essencial, apenas determinante de uma situação de mora, conferindo ao credor o direito de pedir o cumprimento do contrato, a sua resolução ou uma indemnização moratória; IV - No caso de dúvida é de ter como verificada a hipótese referida em b) por estar mais de harmonia com a realidade ou a vontade hipotética das partes e ser a menos onerosa para o devedor. V - A recusa peremptória de cumprir o contrato equivale ao seu incumprimento definitivo, tornando desnecessária a interpelação admonitória. VI - O vencimento ou o decaimento no pedido acessório de juros não releva para efeitos de responsabilidade pelas custas do recurso. | ||
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Decisão Texto Integral: | Acordam no Tribunal de Relação de Lisboa I (A) intentou, no dia 12 de Abril de 1994, contra (C) e cônjuge, (B) acção declarativa de condenação, com processo sumário, pedindo a condenação destes a pagar-Ihe 610561$, 200000$ a título de responsabilidade pré-contratual, e juros à taxa legal sobre 410 561$ desde 6 de Agosto de 1993 e até integral pagamento, com fundamento no incumprimento pelos réus de um contrato verbal de permuta de casas de habitação, concretizado, e na omissão de pagamento das despesas de telefone, água e energia eléctrica por eles feitas, e o apoio judiciário na modalidade de dispensa de pagamento de preparos e custas. Os réus invocaram, na contestação, que o contrato caducou por o autor deixar de poder cumprir e, com base nisso, resolveram o contrato, e, deduziram reconvenção contra o autor, pedindo a condenação deste a pagar-Ihe 948 143$, 18 143$ relativos ao consumo de água e de energia eléctrica, 230 000$ a título de despesas com a mudança, e 700 000$ relativos a prejuízos. Foi concedido ao autor o apoio judiciário na modalidade de dispensa de preparos e de pagamento de custas. Na sentença, proferida no dia 15 de Dezembro de 1997, a reconvenção foi julgada improcedente e a acção parcialmente procedente e os réus condenados a pagar ao autor a quantia de 592 418$ e juros moratórios, à taxa legal, desde o incumprimento. Apelaram os réus, e concluíram: - o tribunal não interpretou correctamente o acordo de desistência tacitamente aceite pelo apelado; - o acordo bilateral, com termo essencial no mês de Janeiro de 1993, que o apelado deixou de poder cumprir, implicou a sua caducidade e o direito de os apelantes operarem a sua resolução; - a resolução não pode abranger, à luz do disposto no artigo 434°, n° 1, do Código Civil,o que foi pago pelo apelado à Caixa Geral de Depósitos pela assunção do encargo mensal dos apelantes com base em contrato de mútuo com hipoteca; - nos termos da alínea c) do n° 1 do artigo 668° do Código de Processo Civil, ao reconhecer o direito do apelado a indemnização por responsabilidade pré-contratual, a sentença é nula por a decisão se opor aos fundamentos em que assenta; - nos termos da alínea e) do n° 1 do artigo 668° do Código de Processo Civil, ao condenar os apelantes no pagamento de juros de mora desde a data do incumprimento, no confronto com o pedido do apelado a pagá-Ios desde a citação, a sentença é nula. Colhidos os vistos, importa apreciar e decidir. II É a seguinte a factualidade declarada provada na 1ª instância e a constante de documentos para os quais a decisão fáctica remete: 1. O prédio do autor situa-se na Rua (X) freguesia de São Gonçalo, Município do Funchal, está inscrito na matriz predial sob o artigo 1755, e o prédio dos réus situa-se na (W), e está inscrito na matriz sob o artigo 3015, fracção A. 2. O autor e o réu (C) declararam, por escrito, num mesmo instrumento, acordarem: - no dia 21 de Novembro de 1992, em trocar as respectivas casas, a do primeiro no valor de 10 000 000$, e a do segundo no valor de 19 000 000$, e que o autor tinha de ir ao Banco; - no dia 4 de Dezembro de 1992, que o autor só podia tratar do empréstimo na Caixa Geral de Depósitos a partir de Fevereiro de 1993, e que a partir do dia 11 de Dezembro de 1992, tratariam da mudança da casa, e, em Fevereiro, das transferências e da escritura da casa do autor a favor do réu (C). 3. No âmbito do expresso em 2, o autor e os réus acordaram que aquele passaria a depositar, mensalmente, na Caixa Geral de Depósitos, a quantia de 41 000$, devida pelos réus àquela instituição bancária, nos termos de um contrato de mútuo oneroso com hipoteca, celebrado entre os réus e a Caixa Geral de Depósitos. 4. A realização da escritura dependia da obtenção de um empréstimo por parte do autor. 5. Desde o mês de Dezembro de 1992 até ao mês de Julho de 1993, o autor procedeu ao depósito mensal daquela quantia, no montante global de 328 000$. 6. O autor e os réus entregaram um aos outros e vice-versa, no dia 11 de Dezembro de 1992, a respectiva casa de habitação, mudando-se o autor para a casa dos réus e estes para a casa do autor. 7. Aos 28 de Julho de 1993, o autor recebeu uma carta da advogada dos réus a comunicar que estes haviam desistido da permuta acordada. 8. O autor desocupou o prédio dos réus no dia 6 de Agosto de 1993. 9. Durante todo o período em que habitaram a casa do autor, os réus procederam ao consumo de água e de luz, utilizaram o telefone que lá existe, e não procederam ao pagamento da totalidade das despesas referentes a esse consumo e utilização, sendo o consumo de água, relativo aos meses de Janeiro a Julho de 1993 no montante de 45 701 $, e o do consumo de electricidade relativo ao mês de Julho de 1993, no montante de: de 30 183, e o da utilização do telefone relativo ao período de 26 de Maio de 1993 a 25 de Julho de 1993, no montante de 6 677$, e as despesas relativas à mudança de casa no montante de 200 000$. 10. Durante o período em que habitou a casa dos réus, o autor procedeu ao consumo de água e luz, e não procedeu ao pagamento, sendo a água, relativa aos meses Janeiro a Julho de 1993, no montante de 4 323$, e a electricidade no montante de 13 820$, e o valor das despesas efectuadas com a mudança de casa, em 6 de Agosto de 1993, de 230 000$. III - O tribunal recorrido considerou ou não ilegalmente a afirmação fáctica de que aos 28 de Julho de 1993, o autor recebeu uma carta da advogada dos réus a comunicar que estes haviam desistido da permuta acordada? - enferma ou não a sentença de nulidade por contradição entre os fundamentos e a decisão? - enferma ou não a sentença de nulidade por haver condenado para além do pedido? - caducou ou não, em relação ao apelado, por impossibilidade de cumprimento, o direito de resolução do contrato? - tem ou não o apelado direito a reaver, por virtude da resolução do contrato, o que pagou pelos apelantes à Caixa Geral de Depósitos? Vejamos de, per se, cada uma das referidas questões. 1 - Afirmaram os apelantes que a sentença recorrida não interpretou correctamente o conteúdo da carta dirigida, no dia 28 de Julho de 1993, pela sua advogada ao apelado, por dela não resultar a manifestação de vontade de incumprir definitivamente o contrato em causa. Na referida carta expressa-se o seguinte: "Na sequência da V. conversa telefónica ocorrida no dia de hoje, com a senhora (B), venho solicitar a V. Exas. a comparecer no dia 30 de Julho do corrente ano, pelas 15:00 horas, na Rua da Sé, n° 2, 2° andar, no Funchal, a fim de acordar, por escrito, a desistência da permuta que pretendiam realizar". Reporta-se o artigo 236° do Código Civil a uma das vertentes da interpretação da declaração negocial, nos termos seguintes: "1. A declaração negocial vale com o sentido que um declaratário normal, colocado na posição do real declaratário, possa deduzir do comportamento do declarante, salvo se este não puder razoavelmente contar com ele. 2. Sempre que o declaratário conheça a vontade real do declarante, é de acordo com ela que vale a declaração emitida". Resulta do disposto no n° 1 , a regra de que o sentido decisivo da declaração negocial é o que é apreendido por um declaratário medianamente instruído e diligente, colocado na posição do declaratário real, em face do comportamento do declarante. Só assim não é, conforme resulta do prescrito no n° 1, no caso de o sentido entendido pelo declaratálio a algum vocábulo seja ignorado pelo círculo de pessoas em que vive o declarante e divirja do sentido com que os utilizou, ou se, conforme se infere do disposto no n° 2, o declaratário conhecer o sentido que o declarante pretendeu exprimir, caso em que releva a vontade comum das partes, não obstante a ambiguidade da declaração ou o sentido objectivo diverso (PIRES DE LIMA e ANTUNES VARELA, "Código Civil Anotado", Vol. I, Coimbra, 1987, págs. 223 e 224). Não está em causa, pela natureza da declaração, a ressalva a que alude a última parte do n° 1 do artigo 236° do Código Civil, e a factualidade disponível não permite que se conclua sobre os termos da conversa que o apelado terá tido com a apelante Gisela Rodrigues no dia em que a referida carta foi escrita, nem que o apelado conhecesse a vontade real dos apelantes diversa daquela que foi objectivamente manifestada. O segmento declarativo com que termina a referida carta, interpretado à luz do disposto no n° 1 do artigo 236° do Código Civil, configura o sentido expresso de que os apelantes pretendiam que o apelado comparecesse para reduzir a escrito o acordo de desistência do contrato que apelidaram de permuta de imóveis, ou seja, o acordo tendente à sua revogação, e o sentido implícito de manifestação vontade de não celebração daquele contrato. Esta questão tem, porém, de ser vista sob diferente perspectiva, tendo em conta a forma como se desenvolveu, em termos de causa de pedir apresentada na acção pelo apelado e na contestação pelos apelantes, no confronto com a factualidade valorada e considerada assente na sentença. O apelado afirmou, sob o artigo 8° da petição inicial, remetendo para a referida carta, que aos 28 de Julho de 1993, recebeu uma carta da advogada dos apelantes a comunicar que estes haviam desistido da permuta. Os apelantes afirmaram, em resposta, no artigo 30° da contestação, que perante impossibilidade definitiva de cumprimento do apelado e consequente perda de interesse na sua prestação, e na sequência de uma conversa telefónica com ele, lhe transmitiram, por carta de 28 de Julho de 1993, a intenção de desistir do contrato de permuta. Em consequência, foi especificado sob a alínea H) que, aos 28 de Julho de 1993, o apelado recebeu uma carta da advogada dos apelantes a comunicar que estes haviam desistido da permuta acordada, factualidade essa considerada na sentença e que aqui está em causa. Os apelantes tomaram posição definida, nos termos do nº 1 do artigo 490, n° 1, do Código de Processo Civil, sobre os referidos factos articulados pelo apelado, e essa posição traduziu-se em confirmação, certo que afirmaram haver comunicado àquele a intenção de desistir do contrato de permuta. Trata-se, assim, de reconhecimento de factualidade que lhe era desfavorável que favorecia o apelado, pelo ocorreu uma situação de confissão judicial espontânea (artigos 352° e 356°, n° 1, do Código Civil). Face à referida confissão fáctica, outra alternativa não havia senão a de incluir a factualidade em causa na especificação (artigo 511°, n° 1, do Código de Processo Civil). Por outro lado, não podia o tribunal recorrido deixar de discriminar, na sentença, a referida factualidade, nos termos dos nos 2 e 3 do artigo 659° do Código de Processo Civil, tal como a discriminou. Impõe-se, por isso, a conclusão de que a decisão recorrida não infringiu o disposto nos 2 e 3 do artigo 659° do Código de Processo Civil. 2. Invocaram os apelantes a nulidade da sentença prevista na alínea c) do n° 1 do artigo 668° do Código de Processo Civil, com fundamento entre a decisão e os fundamentos. Explicitaram que formularam ao apelado, não uma comunicação de desistência do contrato, mas uma proposta nesse sentido, por ele aceite, e que se assim não fosse entendido, que devia entender-se haver caducado o negócio por impossibilidade de cumprimento por parte do primeiro e que a eles, por isso, é que assistia o direito de resolver o contrato. Distingue-se, no âmbito das decisões judiciais, entre o erro material e o erro de julgamento, ocorrendo aquele quando o juiz escreve na sentença ou despacho coisa diversa do que pretendia escrever, e este quando ele escreveu o que pretendia, mas contra os factos ou o direito. É claro que só na segunda das referidas situações ocorre uma verdadeira e própria contradição, certo que, na primeira, a contradição entre os fundamentos e a decisão é meramente aparente. A lei impõe que as decisões judiciais proferidas sobre qualquer pedido controvertido ou sobre alguma dúvida suscitada no processo sejam sempre fundamentadas (artigos 205°, n° 1, da Constituição, e 158°, n° 1, do Código de Processo Civil) . A exigência legal da conformidade, no quadro da sentença, do despacho ou do acordão, entre os fundamentos e a decisão, constitui mero corolário do princípio de que as decisões judiciais devem ser fundamentadas. Com efeito, não podem considerar-se fundamentadas as decisões de facto ou de direito, cujos enunciados fundamentos estejam em clara oposição com o conteúdo decisório. Há contradição entre os fundamentos e a decisão quando os fundamentos de facto e de direito invocados pelo juiz conduziriam logicamente ao resultado oposto ao expresso na decisão (JOSÉ ALBERTO DOS REIS, '.Código de Processo Civil", vol. V, Coimbra, 1952, pág. 141; e Ac. do ST J, de 9.12.93, BMJ, n° 432, pág. 342). Na sentença recorrida, o juiz analisou os factos provados, interpretou-os no sentido de que os apelantes incumpriram definitivamente, a título de culpa, e com base nisso, condenou-os, além do mais, a indemnizar o apelado. Assim, a decisão está coerentemente concatenada com a fundamentação fáctico-jurídica respectiva, pelo que, ao invés do que os apelantes afirmam, inexiste contradição entre os fundamentos e a decisão. Poderá, porventura,questionar-se se a decisão proferida está ou não conforme com os factos provados e o direito aplicável, mas isso não constitui contradição, no quadro da sentença, entre os fundamentos e a decisão. Não enferma, por isso, a sentença recorrida do vício de nulidade a que se reporta o proémio e a alínea c) do n° 1 do artigo 668° do Código de Processo Civil. 3. Os apelantes invocam a nulidade da sentença a que alude a alínea e) do n° 1 do artigo 668° do Código de Processo Civil, com o fundamento em que o apelado pediu a condenação no pagamento de juros de mora desde a data da citação, e que foi decidido o seu pagamento desde a data do incumprimento. Estabelece o referido normativo que a sentença é nula quando condenar em quantidade superior ou em objecto diverso do pedido. Está em conformidade com o prescrito no n° 1 do artigo 661° do Código de Processo Civil, segundo o qual, a sentença não pode condenar em quantidade superior ou em objecto diverso do que se pedir. O apelado pediu a condenação dos apelantes a pagar-Ihe, além do mais, 410 561$ e juros à taxa legal anual desde 6 de Agosto de 1993, data em que o primeiro desocupou a casa dos segundos, e até integral pagamento. O tribunal condenou, porém, os apelantes a pagar juros à taxa legal, não da data a partir da qual foram pedidos, mas da data do incumprimento do contrato. Assim, não é exacta a afirmação dos apelantes no sentido de o apelado apenas pediu juros desde a data da citação e, consequentemente, por esse motivo, não podia proceder a arguição da nulidade. Todavia, na perspectiva da sentença, o incumprimento ocorreu nove dias antes da data a partir da qual o apelado pediu o pagamento de juros, ou seja, nesta parte, indo para além do pedido. Em consequência, no que concerne ao refendo segmento condenatório, enferma a sentença de nulidade, cuja declaração em sede de recurso não obsta, porém, ao abrigo do disposto no n° 1 do artigo 715° do Código de Processo Civil, como é natural, ao conhecimento da apelação. 4. Outrora a lei tipificava o contrato de escambo ou troca, definindo-o como aquele por que se dá uma coisa por outra, ou uma espécie de moeda por outra espécie dela (artigo 1592° do Código Civil de 1867). O chamado contrato de permuta é, no quadro da lei actual, um contrato atípico, permitido pelo n° 1 do artigo 405° do Código Civil, no quadro do princípio da liberdade contratual. No fundo, considerando o disposto no artigo 874° do Código Civil, este contrato atípico como que funciona em termos de dois recíprocos contratos de compra e venda, em que o objecto mediato de um deles constituíu, total ou parcialmente, a contrapartida económica em relação ao outro. Como não existem normas especificas relativas ao contrato de permuta, são lhe aplicáveis as normas relativas ao contrato de compra, porque conformes com a sua natureza (artigo 939° do Código Civil). O artigo 1410°, n° 1, do Código Civil estabelece que à convenção pela qual alguém se obriga a celebrar certo contrato são aplicáveis as disposições legais relativas ao contrato prometido, exceptuadas as relativas à forma e as que, pela sua razão de ser, não se devam considerar extensivas ao contrato-promessa. Em consequência, ao contrato-promessa de permuta, hão-de aplicar-se as normas relativas ao contrato de compra e venda, salvo as relativas à forma e outras incompatíveis com o regime da mera promessa de contratar. Considerando a factualidade elencada sob II 2, e o disposto no n° 1 do artigo 1410° do Código Civil, a conclusão não pode deixar de ser no sentido de que o apelado e o apelante (C) celebraram um contrato-promessa de troca de casas de habitação. Como a forma legalmente exigida para o complexo contrato prometido, nos termos dos artigo 875° do Código e 80°, n° 1, do Código do Notariado, e as partes utilizaram, no contrato-promessa, o documento particular escrito, nele apondo a sua assinatura, cumprida foi a exigência de forma a que alude o n° 2 do artigo 1410° do Código Civil. 5. No que concerne ao conteúdo do contrato-promessa em causa, importa salientar que não foi convencionada a data exacta da celebração do contrato prometido nem sobre quem devia marcar a escritura, e que foi antecipada, por via da traditio, a entrega do objecto mediato do contrato prometido. Como a casa dos apelantes era mais valiosa do que a casa do apelado, as partes acordaram que o último tinha de ir ao Banco, isto é, tinha de obter um empréstimo na Caixa Geral de Depósitos e que só o podia fazer a partir de Fevereiro de 1993, e que a realização da escritura dependia dessa obtenção. Ademais, convencionaram que, em Fevereiro de 1993, ocorreriam as transferências, e a escritura relativa à transmissão do direito de propriedade da casa do apelado a favor dos apelante (C). As referidas transferências eram, segundo as regras de interpretação da declaração negocial a que alude o artigo 236° do Código Civil, as resultantes do empréstimo que o apelado devia obter na Caixa Geral de Depósitos para pagamento ao apelante (C) do diferencial do preço. No mês de Fevereiro de 1993, nem o apelado procedeu às referidas transferências, nem o contrato prometido foi celebrado, sendo certo que esta celebração dependia da obtenção do empréstimo pelo apelado, e desta obtenção dependia a realização das mencionadas transferências. Há, portanto, incumprimento, de um dever primário de prestação, ou seja, a celebração do contrato prometido, e de um dever secundário de prestação, designadamente a transferência a favor do apelante (C) de certo montante pecuniário, essa, por seu turno, dependente, da obtenção do empréstimo. Resulta das declarações negociais em causa, que o apelado é que estava vinculado a diligenciar na obtenção do empréstimo, a realizar as transferências e a diligenciar pela realização da escritura num dos dias do mês de Fevereiro de 1993. Assim não procedeu, porém, e, como não ilidiu a presunção a que se reporta o n° 1 do artigo 799°, n° 1, do Código Civil, a conclusão não pode deixar de ser no sentido de que se trata de omissão culposa. Conforme resulta do n° 2 do artigo 804° do Código Civil, o devedor considera-se constituído em mora quando, por causa que lhe seja imputável, a prestação ainda possível não foi efectuada no tempo devido, Assim, na situação de mora, o devedor não cumpre, mas a prestação ainda é materialmente possível e não há perda de interesse do credor na realização da prestação. Ao invés, há incumprimento definitivo quando a prestação, ainda que materialmente possível, deixou de ser oportuna, ou seja, deixou de ter interesse para o credor, em consequência do atraso de cumprimento pelo devedor censurável do ponto de vista ético-jurídico (artigo 808°, n° 1, 1 a parte, do Código Civil). A perda do interesse do credor na realização da prestação é apreciada objectivamente (artigo 808, n° 2, do Código Civil). Para determinar ao interesse do credor atende-se ao valor objectivo da prestação e não ao valor da prestação determinado pelo credor, mas à valia da prestação medida em função do sujeito, visando a lei que o devedor não fique sujeito, nesta matéria, ao capricho do credor ou à perda infundada do interesse na prestação (PIRES DE LIMA e ANTUNES VARELA, "Código Civil Anotado", vol. II, Coimbra, 1986, pág. 72). A escritura tinha prazo de efectivação num dos dias do mês de Fevereiro de 1993. Trata-se, com efeito, de declarações no sentido de que o contrato seria celebrado em determinado mês. A fixação duma data como termo final de celebração da escritura pode ser entendida, em princípio, com um de dois sentidos: - ou, como prazo limite, absoluto ou improrrogável, cujo decurso implica ou determina o incumprimento definitivo do contrato e a sua imediata resolução ou caducidade; - ou como prazo relativo ou não essencial, apenas determinante de uma situação de mora, conferindo ao credor o direito de pedir o cumprimento do contrato, a sua resolução ou uma indemnização moratória (VAZ SERRA, RLJ, Ano 110°, pág. 327) A opção por uma ou outra dessas soluções depende da natureza do negócio ou de interpretação da vontade das partes e, em regra, ou no caso de dúvida, é de ter como verificada a segunda hipótese, por estar mais de harmonia com a realidade ou a vontade hipotética das partes e ser a menos onerosa para o devedor (Ac, ST J, 24.10.95, CJ, 111,3, pág. 78). Inexistiu, na espécie, afirmação sobre a essencialidade do prazo de celebração do contrato prometido, e do contrato-promessa não se retira a ideia de se tratar de prazo fixo e absoluto. Não é possível extrair, à luz do artigo 236° do Civil, pela via do declaratário normal, a essencialidade do termo do prazo, ou seja, a existência da cláusula resolutiva expressa. Inexiste, por isso, fundamento para concluir que caducou o contrato-promessa em causa. Ademais, também não resulta dos termos do contrato-promessa que o atraso em causa significa perda, em termos objectivos, do interesse do apelante João Rodrigues. A este propósito, importa considerar que as partes, na sequência do contrato-promessa, anteciparam a entrega do objecto mediato do contrato prometido, e o próprio apelado continuou a pagar à Caixa Geral de Depósitos prestações relativas a um contrato de mútuo que os apelantes haviam celebrado com aquela instituição de crédito e pelas quais eram responsáveis. Por isso, a conclusão não pode deixar de ser no sentido de que a omissão culposa do apelado não se traduziu em incumprimento definitivo por perda do interesse na prestação por parte do apelante João Rodrigues, apreciada em termos objectivos, mas apenas numa situação de mora ou atraso de cumprimento. Nos termos do n° 1 do artigo 804° do Código Civil, a simples mora não justifica a resolução do contrato, constituindo apenas o devedor na obrigação de reparar os danos ao credor, continuando vinculado à prestação. Com efeito, na situação de mora na celebração do contrato prometido, ela ainda é possível (artigos 804°, n° 2, e 805, n° 2, alínea a), do Código Civil). A simples situação de mora não autoriza a resolução do contrato, porque isso só é possível no caso de incumprimento definitivo da obrigação, de impossibilidade de cumprimento ou de alteração das circunstâncias condicionantes do contrato (artigos 437°, n° 1, 801, n° 2, 802°, n° 1, 808° do Código Civil). A faculdade de resolução do contrato é um direito potestativo que a lei directamente não concede no caso de mero atraso de cumprimento, mas apenas no caso de incumprimento definitivo. Se o apelante (C) pretendesse transformar a situação de mora do apelado em incumprimento definitivo, teria de utilizar a faculdade a que alude a segunda parte do n° 1 do artigo 808° do Código Civil, isto é, servir-se da interpelação admonitória, fixando ao apelado um prazo razoável de cumprimento, sob pena de ser considerado, para todos os efeitos, o incumprimento definitivo da prestação. O n° 1 do artigo 802° ficciona, com efeito, o não cumprimento definitivo da obrigação sempre que, o credor deixe, objectivamente, de ter interesse nela, ou quando a mesma não seja realizada dentro do prazo que, razoavelmente, aquele fixar (Ac. ST J, de 25.2.93, BMJ, n° 424, pág, 654). Como o apelante (C) não usou da referida faculdade, não lhe assistia, ao contrário do que afirma, o direito de resolução do contrato-promessa em causa. Afirmaram os apelantes que, perante o incumprimento definitivo do contrato-promessa pelo apelado, seguido da comunicação que lhe foi dirigida pela sua advogada, a entrega por ele da casa significou a aceitação da revogação do contrato-promessa . Já se viu que não foi o réu quem incumpriu definitivamente o contrato-promessa, mas sim o apelante (C). Por outro lado, a comunicação que os apelantes dirigiram ao apelado através da sua advogada não significou, como já se referiu, um proposta de revogação contratual, mas o anúncio de incumprimento do contrato-promessa. Em consequência, não tem qualquer apoio na factualidade provada, o entendimento de que a entrega que o apelado lhe fez da casa significou a aceitação da sua proposta de revogação do contrato-promessa. 7. Vejamos agora, a questão do incumprimento definitivo do contrato-promessa por parte do apelante (C) censurável do ponto de vista ético-jurídico em que assentou a sentença recorrida. Só quando o devedor, culposa e definitivamente, não cumpra a prestação é que o credor pode exigir dele uma indemnização e pedir a resolução do contrato artigos 798° e 801° do Código Civil). O incumprimento total da obrigação por culpa do devedor é susceptível de se traduzir em impossibilitação do cumprimento, designadamente por haver celebrado com terceiro algum contrato incompatível, recusa de cumprimento com interesse para o credor, falta de cumprimento ainda possível e com interesse para o credor (ANA PRATA, "Contrato Promessa", Coimbra, 1995, pág. 692; e Ac. do STJ, de 7.5.96, CJ, Ano IV, Tomo 2, pág. 50). Tem sido entendido que a recusa peremptória de cumprir o contrato e equivale ao seu incumprimento definitivo, isto é, sem necessidade de nova interpelação (Ac. STJ, de 24.10.95, CJ III, 3, 78). Conforme resulta da factualidade elencada sob II 9 e 10, os apelantes comunicaram ao apelado haverem desistido da permuta acordada, e este, no dia 6 de Agosto de 1993, desocupou o prédio dos primeiros. O comportamento do apelante traduziu, em termos objectivos, interpretado nos termos do artigo 236° do Código Civil, uma vontade séria e definitiva de não cumprir o contrato-promessa. Com efeito, a declaração expressa do advogado dos apelantes no sentido de que eles haviam desistido do contrato de permuta, equivaleu ao incumprimento definitivo, tornando desnecessária a interpelação admonitória (Ac. da Relação de Coimbra, de 24.3.92, BMJ, n° 415, pag. 732). Perante isso, não era exigível ao apelado o impulso de alguma actividade admonitória do apelante (C), com vista ao seu cumprimento do contrato-promessa, sendo, aliás, incompreensível tentar colocar em situação de incumprimento quem antecipadamente disse que não queria cumprir (Ac. ST J, de 4.2.92, BMJ, n° 414, pág. 448). Resulta, pois, do exposto que não tem apoio nem nos factos nem no direito aplicável a afirmação dos apelantes no sentido de que o apelado não tinha o direito de resolver o contrato-promessa por virtude de ser ele o retardatário na transferência da propriedade do direito de propriedade sobre a sua casa de habitação e com isso haver incorrido em impossibilidade definitiva de cumprimento da sua obrigação consequenciando a sua caducidade e o direito para eles de implementar a sua resolução. 8. Vejamos, por fim, se o apelado tem ou não o direito a exigir dos apelantes o que por eles pagou à Caixa Geral de Depósitos. Conforme resulta de II 3, no âmbito do contrato-promessa em causa, o apelado e os apelantes acordaram que aquele passaria a depositar, mensalmente, na Caixa Geral de Depósitos, a quantia de 41 000$, devido pelos últimos àquela instituição bancária, nos termos de um contrato de mútuo oneroso com hipoteca celebrado entre os últimos e a Caixa Geral de Depósitos. Ademais, conforme resulta de II 5 desde o mês de Dezembro de 1992 até ao mês de Julho de 1993, o apelado procedeu ao depósito mensal daquela quantia, no montante global de 328 000$. Na sequência da declaração dos apelantes dirigida ao apelado, no sentido de que desistia do contrato de permuta de imóveis, o último, não só Ihes entregou a casa tradiciada, como também deixou de realizar as prestações à Caixa Geral de Depósitos que assumira perante os apelantes no âmbito do contrato-promessa. Face ao incumprimento intencional e definitivo pelo apelante (C)do contrato-promessa, podia o apelado resolvê-lo (artigo 808°, n° 2, do Código Civil). A resolução pode fazer-se por declaração à parte contrária, cujo recebimento marca o momento da sua eficácia (artigos 224°, n° 1, e 436°, n° 1, do Código Civil). Não se exige, para o efeito, uma forma especial, podendo a declaração ser expressa ou tácita (artigos 217°, n° 1, e 219° do Código Civil). A atitude negativa do apelado em relação à obrigação de pagamento das prestações que vinha, pelos apelantes, entregando na Caixa Geral de Depósitos, e, sobretudo, a atitude positiva de entrega, no dia 6 de Agosto de 1993, da casa àqueles, traduz-se na declaração implícita de resolução do contrato-promessa em causa. O facto de o apelado pedir juros desde a referida data de 6 de Agosto de 1993, significa que ele considerou que o contrato-promessa cessou, naquela data, naturalmente por resolução, com a desocupação e entrega da casa aos apelantes. Em princípio, a resolução é equiparada à nulidade ou anulabilidade do negócio jurídico (artigo 433° CC). A opção pela resolução do contrato não exclui o direito à indemnização do prejuízo que o credor teve com o facto de celebrar o contrato, ou seja, do prejuízo que ele não sofreria se o contrato não tivesse sido celebrado, o que corresponde ao interesse negativo ou de Confiança. O que não pode exigir, optando pela resolução do contrato, é o ressarcimento do benefício que normalmente lhe traria a sua execução (Ac. do STJ, de 26.2.92, BMJ, n° 414, pág. 492). Como no contrato-promessa em análise não foi passado sinal, não é aplicável o disposto no n° 4 do artigo 442° do Código Civil. O tribunal não está vinculado à qualificação jurídica que as partes operem em relação aos factos que afirmam em juízo a título de causa de pedir ( artigo 664° do Código de Processo Civil). No que concerne ao valor que o apelado dispendeu com vista a solver do direito de crédito da Caixa Geral de Depósitos e que veio pedir na acção não pode ser considerado, ao invés do que afirmou e a sentença recorrida considerou, a título indemnizatório pelo dano negativo ou de confiança. Do que se trata, com efeito, foi de uma situação em que o apelado, fazendo valer na acção a resolução do contrato-promessa em causa, exigiu dos apelantes, nos termos do artigo 433° do Código Civil, o que àquele título fez ingressar na sua esfera jurídico-patrimonial. Ao contrário do que os apelantes afirmam, inexiste qualquer fundamento para considerar, à luz do disposto no n° 1 do artigo 434° do Código Civil, que a retroactividade contraria a vontade das partes ou a finalidade da resolução. Em consequência, embora por motivos diferentes daqueles que foram considerados na sentença recorrida, tem o apelado o direito de exigir dos apelantes o pagamento do montante que por eles pagou à Caixa Geral de Depósitos. Em consequência, improcede o recurso, devendo manter-se a decisão recorrida, embora na vertente do título de restituição por motivo diferente, salvo no que concerne ao momento a partir do qual os apelantes devem juros de mora. A responsabilidade pela dívida de custas do recurso é, nos termos dos nos 1 e 2 do artigo 446° do Código de Processo Civil, dos apelantes, porque o vencimento relativo aos juros não releva, no confronto do valor da acção para efeito de custas, no respectivo cálculo. Pelas mesmas razões, não tem a decisão do recurso influência na decisão recorrida, no que concerne à responsabilidade pela dívida de custas que nela ficou definida. IV - Pelo exposto, dá-se parcial provimento ao recurso, revoga-se apenas o segmento da decisão recorrida relativos aos juros, e condenam-se os apelantes no pagamento de juros de mora, à taxa legal anual, desde o dia 6 de Agosto de 1993 até integral pagamento, mantendo-se aquela decisão na parte restante, e condenam--se os apelantes no pagamento das custas do recurso. Lisboa, 4 de Junho de 1998. |