Acórdão do Tribunal da Relação de Lisboa
Processo:
1/15.4T8ALQ.L1-2
Relator: ONDINA CARMO ALVES
Descritores: ENRIQUECIMENTO SEM CAUSA
PRESCRIÇÃO
Nº do Documento: RL
Data do Acordão: 04/27/2017
Votação: UNANIMIDADE
Texto Integral: S
Texto Parcial: N
Meio Processual: APELAÇÃO
Decisão: IMPROCEDENTE
Sumário: 1.–A repetição do indevido comporta as seguintes situações: - casos em que se cumpre uma obrigação objectivamente inexistente; - hipóteses de cumprimento de uma obrigação alheia, na convicção errónea de que se trata de dívida própria ou de que se está vinculado para com devedor a esse cumprimento.

2.–Não ocorrendo a prescrição enquanto o direito não puder ser exercido, conforme se prescreve no artigo 306º, nº 1 do Código Civil e, encontrando-se pendente controvérsia sobre uma alegada responsabilidade da seguradora por virtude de um acidente de trabalho (fonte do invocado enriquecimento), a qual veio a ser dirimida em sentido negativo, por sentença proferida pelo Tribunal do Trabalho, só após o trânsito em julgado dessa decisão, o empobrecimento poderia desencadear a acção de restituição por enriquecimento, pelo que só a partir de tal data se poderá iniciar a contagem do prazo de três anos contemplado no artigo 482º do C.C.

(Sumário elaborado pela Relatora

Decisão Texto Parcial:
Decisão Texto Integral: Acordam os Juizes, do Tribunal da Relação de Lisboa.


I.–RELATÓRIO:


COMPANHIA DE SEGUROS, S.A., com sede ……, intentou, em 02.01.2015, contra CASA AGRÍCOLA …..., com sede na ….., acção declarativa de condenação com processo comum, pedindo a condenação desta a pagar-lhe a quantia de €8.123,41, acrescida de juros de mora vencidos, no montante de €3.096,46, e vincendos até integral pagamento.

Fundamentou a autora, no essencial, esta sua pretensão na circunstância de ter celebrado um contrato de seguro do ramo acidentes de trabalho com a ré, enquanto empregador, tendo procedido ao pagamento de salários, despesas médicas e de transporte e outras, a trabalhador desta, sinistrado, na sequência de evento danoso, ocorrido a 28 de julho de 2008, traduzido em trabalhos ligados à construção civil, não subsumíveis a pequenas reparações, e, logo, excluídos pela cl. 3, n.º 2, al. h) das condições especiais do âmbito da cobertura da apólice, como decidido na acção que correu termos na Secção Única do Tribunal do Trabalho da Comarca das Caldas da Rainha sob o processo n.º 32/03.7TTLMG, que absolveu a autora, ali ré, do peticionado.

Mais invocou que, tendo o acidente decorrido de atuação negligente e grosseira do próprio trabalhador, impondo-se a sua descaracterização enquanto acidente de trabalho, nos termos do art. 8.º do D.L. n.º 143/99, de 30 de Abril. E, mesmo que assim não fosse entendido, seria imputável à ré, por violação de elementares regras de segurança no trabalho a que se encontra obrigada enquanto empregador, pelo que apenas é responsável subsidiariamente, nos termos dos arts. 18.º e 37.º, n.º 2, da Lei n.º 100/97, de 13 de Setembro, entendendo, assim, que também pela via dos referidos preceitos a ré se encontra obrigada a reembolsá-la.

Concluiu dever ser-lhe restituída a importância que desembolsou na regularização do sinistro, ao abrigo do instituto do enriquecimento sem causa.

Citada, a ré apresentou contestação, em 18.02.2015, defendendo-se por excepção e por impugnação. Invocou, por um lado, a excepção de caso julgado, relativamente à caracterização do acidente como acidente de trabalho, com fundamento na sentença aludida; e, por outro lado, alegou a prescrição do direito de regresso da autora, atendendo a que desde a data do cumprimento, verificado até 08.04.2009, os três anos previstos no artigo 498.º, n.º 2 do Cód. Civil, sendo certo que, pelo menos, desde Fevereiro de 2010 que a autora tem conhecimento do seu direito.

Por despacho de 10.12.2015, foi concedido à autora, a faculdade de se pronunciar, com relação às excepções deduzidas pela ré, o que aquela fez, em 19.01.2016, pugnando pela sua improcedência.

Foi levada a efeito a audiência prévia, em 20.01.2016, na qual foi proferido o despacho saneador, julgando improcedente a excepção dilatória de caso julgado e, pronunciando-se acerca da autoridade de caso julgado, concluiu-se que a matéria relativa à caracterização do acidente em referência como acidente de trabalho se encontra definitivamente decidida na sentença proferida pelo Tribunal do Trabalho, materialmente competente para o efeito, não podendo voltar a ser decidida, estando, pois, vedado ao tribunal o conhecimento da matéria atinente à negligente e grosseira do trabalhador, consubstanciadora da descaracterização do acidente enquanto acidente de trabalho e da atuação culposa da ré por violação de elementares regras de segurança no trabalho, em virtude da autoridade do caso julgado da referida sentença.

Mais se relegou para final a apreciação da excepção peremptória de prescrição, por depender de prova a produzir.

Foi ainda identificado o objecto do litígio e enunciados os Temas da Prova, não tendo as partes apresentado qualquer reclamação.

Levada a efeito a audiência de discussão e julgamento, em 20.04.2016, o Tribunal a quo proferiu decisão, em 12.07.2016, constando do Dispositivo da Sentença o seguinte:

Pelo exposto e decidindo:
a)-Julgo a exceção perentória de prescrição improcedente.
b)-Julgo a ação parcialmente procedente, por parcialmente provada, e, em consequência, condeno a ré a pagar à autora a quantia de €8.123,41 (oito mil cento e vinte e três euros e quarenta e um cêntimos), acrescida de juros de mora à taxa legal, vencidos a partir de 21-7-2014 e vincendos até integral pagamento.
No mais peticionado, absolvo a ré.
Custas por ambas as partes na proporção do respetivo decaimento.
Registe e notifique.

Inconformada com o assim decidido, a ré interpôs recurso de apelação, 27.09.2016, relativamente à sentença prolatada.

São as seguintes as CONCLUSÕES da recorrente:
i.–A douta sentença recorrida condenou a Ré, ora Recorrente, na restituição da quantia de € 8.123.41, à Autora, ora recorrida, acrescida dos juros de mora, correspondente ao somatório dos montantes que a Autora satisfez ao abrigo da apólice de seguros de acidente de trabalho celebrado com a Ré, e que se veio a verificar não serem devidas por si em virtude de o sinistro estar excluído das coberturas contratadas;
ii.–Conforme já demonstrado na contestação que foi apresentada nos autos, e conforme resulta de forma cristalina da prova produzida nos autos, o direito da Autora a ser ressarcida pela Ré, aquando da propositura da ação que deu origem aos presentes autos, já se encontrava prescrito;
iii.–A questão fulcral para se poder decidir a razão que assiste, ou não, à Autora é apurar-se quando é que a Autora - Companhia de Seguros Fidelidade, SA - teve conhecimento do direito que detinha sobre a Ré, ora recorrente;
iv.–Conforme resulta do ponto nove dos factos provados na douta sentença recorrida, e de folhas 51 dos autos, no dia 1 de Fevereiro de 2010 a Autora enviou  uma  comunicação  à Ré  em  que referiu, além do mais, que «é-nos
conferido o direito de sermos reembolsados das despesas que efetuámos com o presente sinistro, no montante global de 8.123,41 Euros»;
v.–É assim forçoso concluir que no dia 1 de Fevereiro de 2010 a Autora já tinha total conhecimento do direito que detinha sobre a Ré, sendo que a presente ação foi instaurada por petição inicial apresentada em juízo via Citius no dia 2 de Janeiro de 2015, tendo a Ré sido citada para a presente ação em 14 de Junho de 2015;
vi.–Assim, no dia 14 de Junho de 2015 já havia sido ultrapassado o prazo de três anos para a Autora poder demandar a Ré, pois pelo menos desde 1 de Fevereiro de 2010 que a Autora já tinha total conhecimento do direito que detinha sobre a Ré;
vii.–Durante o período compreendido entre 1 de Fevereiro de 2010 e 14 de Junho de 2015 a Ré não foi citada ou notificada de qualquer intenção da Autora em fazer valer os seus direitos, pelo que em nenhum momento, e por nenhum motivo, se verificou a interrupção da prescrição nos termos do artigo 323º, nº 1, do Código Civil;
viii.–Ao contrário do que se entendeu na douta sentença recorrida, não foi a sentença relativa ao processo n.2 109/10.2ITBFX e que correu termos pela Secção Única do Tribunal do Trabalho de Caldas da Rainha que revelou à Autora o direito que a Autora detinha sobre a Ré para ser reembolsada pelos valores pagos, pois a Autora tinha conhecimento desse direito desde pelo menos Fevereiro de 2010;
ix.–A ação que o trabalhador da Ré intentou contra a Autora, na qualidade de seguradora, e contra a Ré, na qualidade de entidade patronal e que correram termos pela Secção Única do Tribunal do Trabalho de Caldas da Rainha sob o processo n.º 109/10.2TTBFX, não consubstancia, de modo algum, qualquer motivo ou fundamento para ser interrompida a prescrição;
x.–A Autora poderia, se assim quisesse, ter interrompido o prazo de prescrição em curso ou com a apresentação da presente ação mais cedo ou com a notificação judicial avulsa da Ré.
xi.–Com todo o respeito não faz qualquer sentido que na douta sentença se refira que a Autora não era certo «tinha consciência de que ocorrera o enriquecimento e que o mesmo não tinha causa» pois tal facto está em total e absoluta contradição com o teor da comunicação que a Autora enviou à Ré em Fevereiro de 2010 em que a Autora transmitiu claramente à Ré que é-nos conferido o direito de sermos reembolsados das despesas que efetuámos com o presente sinistro, no montante global de 8.123,41 Euros.
xii.–É, assim, certo que a Autora deixou prescrever o prazo de três anos previsto no artigo 498º, nº 2, do Código Civil, prescrição que, por configurar exceção perentória extintiva do direito invocado pela Autora, nos termos do disposto no artigo 576.º n.º 3 do CPC deve ditar, conforme defendido pela Ré e Recorrente na sua contestação, a improcedência da ação e bem assim implicar a absolvição da Ré do pedido;
xiii.–A douta sentença recorrida enferma de manifesto erro de julgamento, resultando da mesma uma incorreta aplicação do direito à matéria dos autos, pelo que deverá a mesma ser revogada e substituída por outra que declare a prescrição do direito de crédito invocado pela Autora.
Pede, por isso, a apelante, que seja dado provimento ao recurso e revogada a sentença recorrida, substituindo-se por outra que julgue procedente a excepção peremptória de prescrição, absolvendo a recorrente do pagamento à recorrida da quantia de € 8.123,41, acrescida dos respetivos juros de mora.

A ré apresentou contra-alegações, formulando as seguintes CONCLUSÕES:
i.–Não procede a alegada excepção de prescrição invocada pela Apelante.
ii.–Fundando-se o direito da Autora no instituto do enriquecimento, o mesmo, nos termos do disposto no art. 482.º do Código Civil “prescreve no prazo de três anos a contar da data do conhecimento do direito que lhe compete e da pessoa do responsável (…).”
iii.–Ora, a Autora apenas teve efectivo e certo conhecimento do seu direito, em 25 de Junho de 2014, com a notificação da sentença proferida nos autos de acidente de trabalho que correram termos na Secção Única do Tribunal de Trabalho das Caldas da Rainha sob o n.º de processo 109/10.2TTBFX, que declarou e cristalizou na ordem jurídica a existência do direito da Autora a ser ressarcida, em virtude de a apólice não ser aplicável ao caso concreto.
iv.–Embora a Autora entendesse já, em Fevereiro de 2010, que teria direito a ser reembolsada do que despendeu com a regularização do sinistro e tivesse solicitado o reembolso,
v.–O conhecimento efectivo, a certeza reconhecida desse mesmo direito só se deu com o trânsito em julgado da referida sentença proferida no Tribunal de Trabalho, que deu procedência ao referido entendimento da Autora, reiterado e defendido nessa mesma acção.
vi.–Tendo os presentes autos dado entrada cerca de seis meses depois do conhecimento do seu direito, é certo que ainda não havia decorrido o prazo prescricional dos três anos do conhecimento, a que se refere o art. 482.º do Código Civil.
vii.–Assim sendo, nos presentes autos, o prazo de prescrição do direito da A. interrompeu-se em 7 de Janeiro de 2015, muito antes de decorridos três anos desde a data do conhecimento efectivo do seu direito.
viii.–Termos em que não assiste razão à Apelante, tendo o direito da Apelada sido exercido atempadamente.
ix.–Tudo termos em que, deverá ser mantida a sentença proferida em primeira instância, para cuja fundamentação, máxime a jurisprudencial, (por esclarecedora e clara) se remete.

Colhidos os vistos legais, cumpre apreciar e decidir.

II.–ÂMBITO DO RECURSO DE APELAÇÃO.

Importa ter em consideração que, de acordo com o disposto no artigo 635º, nº 4 do Código de Processo Civil, é pelas conclusões da alegação da recorrente que se define o objecto e se delimita o âmbito do recurso, sem prejuízo das questões de que o tribunal ad quem possa ou deva conhecer oficiosamente,apenas estando este tribunal adstrito à apreciação das questões suscitadas que sejam relevantes para conhecimento do objecto do recurso.
Assim, e face ao teor das conclusões formuladas a solução a alcançar pressupõe a análise das seguintes questões:

A VERIFICAÇÃO DE ERRO DE JULGAMENTO NA SUBSUNÇÃO JURÍDICA ADUZIDA, TENDO EM CONSIDERAÇÃO OS FACTOS APURADOS.

O que implica a análise:     

a)-DOS PRESSUPOSTOS DA RESTITUIÇÃO DO INDEVIDO;
b)-DA PRESCRIÇÃO DA OBRIGAÇÃO DE RESTITUIR.

III.–FUNDAMENTAÇÃO.

A–FUNDAMENTAÇÃO DE FACTO.

Foi dado como provado na sentença recorrida, o seguinte:

1.–A autora, à data denominada Companhia de Seguros ….., no exercício da indústria de seguros, celebrou com a ré o contrato de seguro para cobertura de Acidentes de Trabalho titulado pela apólice n.º 4020410/6, junta a fls. 6 verso, cujo teor se tem por integralmente reproduzido e de que se extrai, no campo destinado à indicação das condições especiais: «003», mais se extraindo a seguinte menção: «As condições especiais aplicáveis ao presente contrato são exclusivamente as mencionadas nestas condições particulares».

2.–Ao acordo referido em 1. são aplicáveis as Condições Gerais da Apólice Uniforme de Acidentes de Trabalho juntas a fls. 7 e segs., cujo teor se tem por integralmente reproduzido e a cláusula 03 das Condições Especiais do seguinte teor: «03–Seguros de agricultura (genérico e por área). 1. Este contrato abrange os trabalhadores, permanentes ou eventuais, empregues em actividades agrícolas por conta do Tomador do Seguro, indicando-se no mapa de inventário que faz parte integrante desta apólice: (…). 2. A presente condição especial não é aplicável à execução dos seguintes trabalhos: a)-Abertura de poços e minas; b)-Arranque, corte, desbaste, esgalha e limpeza de árvores, quando consideradas actividades silvícolas ou exploração florestal; c)-Arranque de tocos, cepos ou raízes, quando constituam risco principal; d)-Extracção de cortiça; e) Trabalhos com utilização de explosivos; f)-Trabalhos em lagares de azeite; g)-Debulha mecânica, quando não ligada exclusivamente à unidade de exploração agrícola do Tomador de Seguro; h)- Trabalhos ligados à construção civil, salvo os que respeitarem a pequenas reparações em casas das propriedades que constituem a exploração agrícola, muros ou quaisquer infra-estruturas ligadas, exclusivamente, à unidade de exploração agrícola; i)- Trabalhos de carpintaria, de lenhadores e serradores, a menos que se destine ao consumo da exploração agrícola; j)-Exploração pecuária, quando constitua actividade principal».

3.–A ré participou à autora um acidente ocorrido em 28 de julho de 2008, pelas 16 horas, na Quinta de …., de sua pertença, sita em Aldeia …, concelho de Alenquer, sofrido por Humberto …. nos termos constantes do documento junto a fls. 14-A, cujo teor se tem por integralmente reproduzido.

4.–Por sentença de 18 de junho de 2014, transitada em julgado a 21 de julho de 2014, cujo teor se tem por integralmente reproduzido, proferida pela Secção Única do Tribunal do Trabalho de Caldas da Rainha na ação especial para efetivação de direitos emergentes de acidente de trabalho que correu termos sob o processo n.º 109/10.2TTBFX, instaurada por Humberto ….., na qualidade de trabalhador da aqui ré contra as aqui autora e ré, peticionando o pagamento do capital de remição de uma pensão anual vitalícia que quantificou, o fornecimento vitalício de prestações de natureza médica e as despesas médicas realizadas desde a data do acidente até à data da alta clínica, com fundamento no acidente de trabalho que sofreu a 28-7-2008, ao serviço da aqui ré, que transferiu a respetiva responsabilidade para a autora seguradora: -foi a aqui autora absolvida do pedido, com fundamento na exclusão do acidente do contrato de seguro de acidentes de trabalho; - foi declarado que o ali autor sofreu um acidente de trabalho em 28-7-2008 e que, em consequência do mesmo, ficou   afetado  de IPP  de  7%  a  partir  da  data  da  alta, verificada em 10-2-2009; e,  consequência,  foi  a  ré  empregadora condenada a pagar-lhe o capital de remição de uma pensão anual e vitalícia no valor de €292,24 desde 11-2-2009, acrescida de juros de mora vencidos, e vincendos até integral pagamento, contados à taxa anual de 4%; a quantia de €30,00 a título de transportes obrigatórios, acrescida de juros de mora à taxa anual de 4%, vencidos desde a citação e vincendos até integral pagamento; a fornecer ao sinistrado, vitaliciamente, prestações de natureza médica, incluindo assistência psíquica, quando reconhecida como necessária pelo médico assistente, cirúrgica, farmacêutica, hospitalar e quaisquer outras, seja qual for a sua forma, desde que necessárias e adequadas ao restabelecimento do seu estado de saúde e da capacidade de ou de ganho e à sua recuperação para a vida ativa – cf. certidão da sentença com nota de trânsito em julgado de fls. 93-102 verso.

5.–Humberto …., engenheiro agrícola, é gerente e sócio único da ré.

6.–Os trabalhos realizados na data e hora referidos em 3 eram de substituição total do telhado de uma antiga adega tendo sido removido por completo o telhado antigo – art. 7.º da PI.

7.–Na ocasião procedia-se à montagem das madres ou barrotes transversais que assentavam nas asnas (em ‘V’ invertido) já colocadas – art. 8.º da PI.

8.–Com base na participação referida em 3. e no contrato referido em 1. a autora pagou, no período que mediou entre 8-8-2008 e 8-4-2009, salários, despesas médicas e de transporte e outras no quantitativo global de €8.123,41 (oito mil cento e vinte e três euros e quarenta e um cêntimos).

9.–Por comunicação escrita datada de 1 de fevereiro de 2010, que a ré rececionou, junta a fls. 51, cujo teor se tem por integralmente reproduzido, a autora informou o seguinte: «(…) Fazemos referência à nossa carta de 29-1-2009, que anexamos. Atendendo às circunstâncias em que o acidente em causa ocorreu e ao exposto na nossa supracitada carta, é-nos conferido o direito de sermos reembolsados das despesas que efectuámos com o presente sinistro, no montante global de 8.123,41 Euros – conforme ‘Resumo de Despesas’ que anexamos. O respectivo pagamento deverá ser efectuado no prazo de 30 dias (…)».

10.–Por comunicação escrita datada de 21 de fevereiro de 2013, junta a fls. 51 verso, cujo teor se tem por integralmente reproduzido, a autora comunicou ao mandatário da ré o seguinte: «(…) Temos presente a carta que nos dirigiu, em 9 de fevereiro de 2010, e, até esta data, ficámos a aguardar o desenrolar do processo quer quanto ao reembolso quer em sede de tribunal do trabalho. Estando suspensa a ação em tribunal do trabalho e, como não fomos contatados pelo seu cliente com vista ao reembolso dos valores pagos com a assistência ao sinistrado, vimos, de novo, pedir o reembolso da quantia de 8.123,41€ (…). Caso, em 20 dias não obtenhamos resposta, intentaremos a respectiva ação com vista ao reembolso (…)».

11.–A autora apresentou a petição inicial, via Citius em 2 de janeiro de 2015.

12.–A ré foi citada para a ação por carta registada de 9 de janeiro de 2015 cujo aviso de receção se mostra assinado com data de 14 de janeiro de 2015 – fls. 55-56.

B–FUNDAMENTAÇÃO DE DIREITO.

a)-DOS PRESSUPOSTOS DA RESTITUIÇÃO DO INDEVIDO

Dispõe o n.º 1 do artigo 473.º do Código Civil que:Aquele que, sem causa justificativa, enriquecer à custa de outrem é obrigado a restituir aquilo com que injustamente se locupletou”.

E, o n.º 2 do mesmo preceito refere que:A obrigação de restituir, por enriquecimento sem causa, tem de modo especial por objecto o que for indevidamente recebido, ou o que for recebido por virtude de uma causa que deixou de existir ou em vista de um efeito que não se verificou”.

Para além disso, e como expressamente resulta do disposto no artigo 474º do Código Civil: Não há lugar à restituição por enriquecimento sem causa, quando a lei facultar ao empobrecido outro meio de ser indemnizado ou restituído, negar o direito à restituição ou atribuir outros efeitos ao enriquecido.

São, assim, requisitos deste instituto:
a)-o enriquecimento, consistente na obtenção de uma vantagem de carácter patrimonial, seja qual for a forma que essa vantagem revista;
b)-o empobrecimento, traduzido no inerente sacrifício económico correspondente à vantagem patrimonial alcançada, ou seja, o valor que ingressa no património de um é o mesmo que saí do património do outro;
c)-o nexo causal entre um e outro;
d)-a falta de causa justificativa da deslocação patrimonial verificada, ou porque nunca a tenha tido ou porque tendo-a inicialmente, entretanto a haja perdido.
- cfr. neste sentido e entre outros, A. VARELA, Das Obrigações em Geral, vol. I, 467 e MENEZES LEITÃO, Direito das Obrigações, vol. I, 381 e ss e, Acs. do STJ de 17.10.2006 (Pº 06A2741) e de 02.07.2009 (Pº 123/07.5TJVNF.S1).

Caso particular da figura geral do enriquecimento sem causa, constitui o pagamento do indevido. 

A faculdade de repetir o indevido supõe, com efeito, ter havido a intenção de cumprir uma obrigação que, afinal, não existia, considerando-se como não existente, a obrigação a que pode ser oposta uma excepção que exclua a sua eficácia – v. P.LIMA E A. VARELA, Código Civil Anotado, 435.

Distingue a lei as três hipóteses de restituição do indevido:
a)- objectivamente indevido, consistente no cumprimento de uma obrigação inexistente (artigo 476º do C.C.);
b)- subjectivamente indevido, ou seja, cumprimento de obrigação alheia, na convicção errónea de se tratar de dívida própria (artigo 477º do C.C.);
c)- cumprimento de obrigação alheia, com a convicção errónea de se estar vinculado perante o devedor ao cumprimento (artigo 478º do C.C.). 

E, reportando-se ao enriquecimento por prestação indevida, estipula-se, no aludido artigo 476.º, sob a epígrafe “Repetição do indevido”:
 “1.Sem prejuízo do disposto acerca das obrigações naturais, o que for prestado com intenção de cumprir uma obrigação pode ser repetido, se esta não existia no momento da prestação.
2.A prestação feita a terceiro pode ser repetida pelo devedor enquanto não se tornar liberatória nos termos do artigo 770º.
3.A prestação feita por erro desculpável antes do vencimento da obrigação só dá lugar à repetição daquilo com que o credor se enriqueceu por efeito do cumprimento antecipado.”

Ora, dúvidas não há que, in casu, estamos perante a particular situação de enriquecimento sem causa no caso de cumprimento de  obrigação  inexistente,  a  que  se reporta o artigo 476º, nº 1, do Código Civil, segundo o qual, sem prejuízo do disposto acerca das obrigações naturais, o que for  prestado com a intenção de cumprir uma obrigação pode ser repetido se esta não existia no momento da prestação (artigo 476º, nº 1, do Código Civil).

Assiste, pois, à autora o direito à restituição por enriquecimento sem causa do valor que pagou em consequência do sinistro do qual nenhuma responsabilidade lhe poderia ser assacada, face à cláusula de exclusão da responsabilidade prevista no contrato de seguro celebrado com a ré.

                             
É certo que a ré não colocou expressamente em causa o direito da autora de ser reembolsada do que havia prestado. Invoca, em suma, e tão somente que tal direito se mostra prescrito.

b)-DA PRESCRIÇÃO DA OBRIGAÇÃO DE RESTITUIR.

omo é sabido, a prescrição é causa extintiva das obrigações civis e, como salienta ALMEIDA COSTA, Direito das Obrigações, 10ª ed, 1120-1121, «consiste no instituto por virtude do qual a contraparte pode opor-se ao exercício de um direito quando este se não verifique durante certo tempo indicado na lei e que varia consoante os casos»

Visa punir a inércia do titular do direito em fazê-lo valer em tempo útil, fazendo presumir a sua renúncia ou, ao menos, a desnecessidade da sua tutela jurídica.

A sua justificação radica nos valores da certeza do direito, por  referência  à  aludida  inércia  do  titular  do  direito,  bem  como  da  segurança das relações jurídicas pela respectiva consolidação operada em prazos razoáveis.
                                               
Traduz-se, como se disse, na extinção de um direito que desse modo deixa de existir na esfera jurídica do seu titular, e que tem como seu principal e específico fundamento a negligência do titular do direito em concretizá-lo, negligência que faz presumir a sua vontade de renunciar a tal direito, ou pelo menos, o torna indigno de ser merecedor de protecção jurídica.

Em regra, as prescrições são extintivas, o que significa que, completado o prazo de prescrição, tem o beneficiário a faculdade de recusar o cumprimento da prestação ou de se opor, por qualquer modo, ao exercício do direito prescrito – v. artigo 304º, nº 1 do Código Civil. O devedor não precisa de alegar que nunca deveu ou que já pagou. Basta-lhe alegar e provar que já decorreu o prazo da prescrição, já que o mero decurso do prazo extingue o direito.

Dispõe o artigo 482º do CC que o direito à restituição por enriquecimento prescreve nos três anos a contar da data em que o credor teve conhecimento do direito que lhe compete e da pessoa do responsável, sem prejuízo da prescrição ordinária se tiver decorrido o respectivo prazo a contar do enriquecimento.

O prazo de prescrição começa a correr quando o direito puder ser exercido e, completado que seja, tem o beneficiário a faculdade de recusar o cumprimento da prestação ou de se opor, por qualquer modo, ao exercício do direito prescrito (artigos 304º, nº 1 e 306º, nº 1, do Código Civil).

O prazo de três anos ali previsto conta-se a partir do momento em que o empobrecido teve conhecimento do direito que lhe compete e da pessoa do responsável.


Mostra-se, pois, decisivo o momento do conhecimento, não um qualquer conhecimento, mas o conhecimento do direito à restituição por enriquecimento sem causa.

Esta particular natureza do direito que se pretende exercer justifica que a jurisprudência tenha adoptado um critério especial no que concerne à densificação do conceito: momento do conhecimento.


Dada a natureza subsidiária do instituto do enriquecimento sem causa (artigo 474° do CC), o prazo de prescrição de três anos previsto no artigo 482° CC, não se inicia enquanto o empobrecido pode invocar causa concreta para o respectivo empobrecimento, que o mesmo é dizer enquanto tiver à sua disposição outro meio ou fundamento que justifiquem a restituição.

É que, nos termos do artigo 473º do CC o que caracteriza o enriquecimento sem causa é a inexistência de qualquer negócio ou facto a justificar a apropriação de valores cuja restituição é pedida, e que essa apropriação seja obtida à custa de quem pede a restituição.

A concreta questão aqui em causa prende-se com a definição do momento relevante (dies a quo) para o início da contagem desse prazo legal de três anos.

Segundo a ré/recorrente, o prazo legal conta-se a partir da carta datada de 01.02.2010, da qual se pode concluir que a autora tinha conhecimento do direito que detinha sobre a ré.

Ao invés, entendeu-se na sentença recorrida que o prazo de prescrição se iniciou com o trânsito em julgado da sentença proferida pelo Tribunal de Trabalho, que ocorreu em 21.07.2014.

Considera-se mais correcto o entendimento propugnado na sentença recorrida.

Senão vejamos.

É certo que o elemento literal do preceito, ao reportar-se ao conhecimento do direito e à pessoa do responsável parece comportar a previsão de se tratar do direito em termos objectivos, ou seja, o conhecimento da ocorrência dos factos constitutivos do direito em causa.

Porém, há que ter presente que a autora foi demandada pelo sinistrado, em processo laboral, com vista ao ressarcimento dos danos sofridos em consequência do acidente de trabalho, ali se tendo invocado precisamente a responsabilidade da ora autora, ali ré, por virtude de um contrato de seguro que alegadamente cobriria os danos decorrentes desse acidente de trabalho.


A autora/apelada apenas teve conhecimento do direito que lhe competia – direito à restituição por enriquecimento – a partir da data em que transitou em julgado a sentença proferida no processo relacionado com o acidente de trabalho que determinou que, atenta a cláusula de exclusão da responsabilidade prevista no contrato de seguro, a seguradora, ora autora, não responderia pelo ressarcimento dos danos sofridos pelo ali autor, apenas respondendo pelos mesmos a entidade empregadora do sinistrado, a aqui ré.

Será, portanto, de considerar que apenas a partir desse momento – trânsito em julgado da sentença proferida no Tribunal do Trabalho - tomou a autora conhecimento que lhe assistia o direito à restituição, confirmada a ausência de qualquer responsabilidade na cobertura do sinistro e esgotada que se encontrava a possibilidade de obter a restituição do que havia despendido, com fundamento numa causa concreta.

Tal acção intentada pelo réu/apelante foi julgada improcedente, quanto à autora/apelada, por sentença, com trânsito em julgado em 21.07.2014, e a presente acção, com fundamento no enriquecimento sem causa, foi intentada no dia 02.01.2015 – v. Nºs 4 e 12 da Fundamentação de Facto.

Resulta da conjugação destes factos que a presente acção foi intentada antes de ter decorrido o prazo de três anos sobre o trânsito em julgado da acção onde havia sido alegada, sem êxito, a responsabilidade da autora pelos danos sofridos pelo sinistrado.

O facto da autora/apelada ter comunicado à ré, em 2010, o direito a ser reembolsada das despesas que haviam suportado entre 09.08.2008 e 08.04.2009, por virtude do sinistro, invocando a inaplicabilidade do contrato de seguro celebrado com a ré, na qualidade de entidade patronal do sinistrado, sócio gerente esta, em nada releva, face à instauração, no mesmo período temporal, da acção de acidente de trabalho por este último intentada contra a aqui autora – Pº 109/10.2TTBFX que correu termos pelo Tribunal do Trabalho de Caldas da Rainha.

Demonstrado se mostra, por conseguinte, que o conhecimento dos fundamentos para exercer o direito à restituição com base no enriquecimento sem causa, na modalidade de restituição do indevido, apenas se concretizou com a decisão, transitada em julgado, proferida no aludido processo que correu termos pelo Tribunal do Trabalho de Caldas da Rainha.
              
Conclui-se, portanto, que na data da instauração da acção e na data da citação da apelante não tinha ainda decorrido o prazo de três anos a contar da data em que a apelada tomou conhecimento do direito que lhe compete, o que determina a improcedência da excepção de prescrição.

Destarte, improcede a apelação, confirmando-se in totum, a sentença recorrida.

A apelante será responsável pelas custas respectivas nos termos do artigo 527º, nºs 1 e 2 do Código de Processo Civil.

IV.–DECISÃO.

Pelo exposto, acordam os Juízes desta ...ª Secção Cível do Tribunal da Relação de Lisboa em julgar improcedente o recurso, mantendo-se a decisão recorrida.

Condena-se a apelante no pagamento das custas respectivas.



Lisboa, 27 de Abril de 2017

Ondina Carmo Alves – Relatora
Pedro Martins                              
Lúcia Sousa