Acórdão do Tribunal da Relação de Lisboa | |||
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| Relator: | ONDINA CARMO ALVES | ||
| Descritores: | PROPRIEDADE HORIZONTAL ADMINISTRADOR CONTRATO DE PRESTAÇÃO DE SERVIÇOS CONTRATO DE MANDATO NEGLIGÊNCIA OBRIGAÇÃO DE INDEMNIZAR | ||
| Nº do Documento: | RL | ||
| Data do Acordão: | 05/28/2009 | ||
| Votação: | UNANIMIDADE | ||
| Texto Integral: | S | ||
| Meio Processual: | APELAÇÃO | ||
| Decisão: | REVOGADA A DECISÃO | ||
| Sumário: | 1. Inexiste hoje quaisquer obstáculos legais que impeçam a eleição de uma pessoa colectiva como administradora das partes comuns do edifício e, tendo sido para tal eleita uma sociedade, o contrato celebrado com o condomínio reconduz-se a um contrato de prestação de serviços, o qual por ser atípico ou inominado, se aplica, na falta de regulamentação específica, o regime do mandato, como decorre do artigo 1156º do Cód. Civil. 2. Como característica essencial do regime destes contratos, avulta a regra da livre revogabilidade estabelecida no artigo 1170º, nº 1 do Código Civil, falando-se em revogação unilateral quando ocorre desvinculação unilateral operada pela vontade de um único contraente. 3. O conceito de interesse na conservação do mandato aludido no nº 2 do citado artigo 1170º do C.C., susceptível de justificar a restrição ao princípio da revogabilidade ínsito no nº 1 do preceito, tem de ser um interesse relevante que não pode resultar de um mero critério económico. 4. Se a sociedade que presta o serviço de administração do condomínio declara que não pretende manter-se no cargo, o que foi aceite pelo condomínio, nunca a obrigação de indemnizar consagrada no artigo 1172º do Código Civil se poderá colocar. 5. A “exceptio non adimpleti contractus” configura-se como uma excepção dilatória de direito material, que se traduz num meio puramente defensivo e dilatório, apenas legitimando a recusa de cumprir, não impossibilitando tornar efectivo o cumprimento da obrigação da contraparte, e só pode ser aplicada quando ocorra o sinalagma contratual que liga as prestações essenciais do contrato bilateral e não todos os deveres de prestação dele emergentes, sendo também necessário que uma dessas prestações essenciais objecto do sinalagma esteja por cumprir, mas seja ainda possível o respectivo cumprimento, visto que se o incumprimento já não for possível, a excepção não pode actuar. 6. O cumprimento da obrigação a que um devedor está vinculado pode implicar a assunção de uma obrigação de meios ou de uma obrigação de resultado. Se o devedor, ao contrair uma obrigação, se compromete a garantir ao credor um certo resultado: é uma obrigação de resultado. Mas, se o devedor não se obriga perante o credor a obter qualquer resultado, apenas se obrigando ao desenvolvimento diligente de uma actividade com vista à obtenção de um resultado, independentemente da sua consecução, essa obrigação não é de resultado, mas apenas de meios. 7. A prestação a que a sociedade administradora do condomínio está vinculada, consistente na cobrança das receitas, traduz-se precisamente numa obrigação de meios, ou seja, exige-se que essa sociedade desenvolva diligentemente toda a actividade adequada à obtenção da devida cobrança dessas receitas, ainda que – se necessário – mediante o recurso a acções judiciais, para as quais tem legitimidade, não carecendo da prévia autorização ou convocação da assembleia de condóminos. 8. Tendo o condomínio atribuído à sociedade administradora um comportamento omissivo, que terá acarretado um imperfeito cumprimento ou um cumprimento defeituoso do contrato, recaía sobre aquele o ónus de alegação e prova dos elementos consubstanciadores da falta de diligência da sociedade administradora na execução da prestação a que esta estava vinculada - cobrança das comparticipações dos condóminos - e, designadamente, da necessidade de proceder à propositura de acções judiciais. (Sumário da Relatora) | ||
| Decisão Texto Integral: | ACORDAM OS JUÍZES DA 2ª SECÇÃO DO TRIBUNAL DA RELAÇÃO DE LISBOA I. RELATÓRIO Im..., Lda, intentou contra Condomínio..., acção declarativa, sob a forma de processo sumário, através da qual pede a condenação do réu no pagamento da quantia de € 10.189,56, acrescida de juros à taxa de 12% ao ano, desde as datas de emissão das facturas e até integral pagamento. Fundamentou, a autora, no essencial, esta sua pretensão na circunstância de, em 20.02.2001, ter sido eleita administradora do condomínio réu e, apesar de ter exercido as suas funções de administração, de forma diligente, encontram-se por liquidar as quantias devidas pelas contrapartidas monetárias relativas ao período de Maio de 2001 a Abril de 2002. Regularmente citado, o réu admitiu ter sido a autora eleita para o cargo de administrador do condomínio, em 20.02.2001, mas invoca que esta não foi diligente na execução das suas tarefas, nomeadamente, por não ter procedido à recolha das assinaturas de presença da acta nº 8, assim como não tomou qualquer medida relativamente às quotizações que se encontravam em dívida, o que conduziu a que a situação financeira do condomínio se tornasse insustentável, com a consequente degradação dos serviços, fornecimentos de bens e serviços comuns. Mais invocou o condomínio réu que a autora, pressionada para assumir as suas responsabilidades, abandonou as funções de administração, em 2002, alegando para o efeito a crise de tesouraria do condomínio. O condomínio procedeu então a uma auditoria às contas e verificou que o valor das quotizações em dívida era superior ao valor do passivo acumulado, para além de não existir qualquer controle dos recebimentos das quotizações, entre outras situações. Entende assim o réu que houve um cumprimento defeituoso por parte da autora, na administração do condomínio, não lhe assistindo qualquer direito a exigir o pagamento de serviços que não prestou e, consequentemente, não existe qualquer dívida. Invoca, por último, que em 10.10.2002, o réu fez um pagamento à autora de € 1.000,00 e que, apesar de recebido, não foi por esta contabilizado. A autora apresentou resposta à contestação, admitindo ter o réu efectuado o pagamento de € 1.000,00, na data indicada, e que tal valor não constou da petição inicial, por mero lapso. Mais alega que, relativamente às assinaturas da acta, era prática corrente no condomínio proceder à sua recolha em momento posterior, em lista que era anexa à mesma. Sobre a cobrança das dívidas, alega que eram enviadas duas a três cartas, em cada trimestre, aos condóminos que tinham contribuições em dívida, além dos inúmeros contactos telefónicos efectuados; por outro lado, refere que quando foram apresentadas as contas de 2001, foi igualmente apresentada uma lista de condóminos devedores, não tendo sido apresentada qualquer reclamação. A autora veio reduzir o pedido para € 11.970,05 (correspondendo € 2.780,49, a juros), discordando a ré do cálculo dos juros e entendendo que os mesmos corresponderão a € 2.096,00. Foi proferido o despacho de 19.05.2006, a fls. 62, no qual se determinou não proceder à selecção da matéria de facto, atenta a simplicidade das questões a decidir. Levada a efeito a audiência de discussão e julgamento, o Tribunal a quo proferiu decisão, julgando a acção improcedente por não provada, absolvendo o réu do pedido. Inconformada com o assim decidido, a autora interpôs recurso de apelação, relativamente à sentença prolatada. São as seguintes as CONCLUSÕES da recorrente: i) Decidiu o tribunal recorrido pela improcedência da acção, por não provada, dando como provado o cumprimento defeituoso do contrato, por parte da autora, legitimando assim o réu relativamente à falta de pagamento dos seus serviços; ii) Discorda a recorrente da referida decisão e por isso dela recorre; iii) Resumidamente, a decisão do tribunal a quo assenta no facto deste ter entendido que a recorrente prestou o seu serviço de gestão do condomínio de forma negligente; iv) Esta negligência resulta, de acordo com aquele tribunal, no facto da recorrente "não ter convocado a assembleia de condóminos, por forma a deliberar a instauração das competentes acções judicias, o que não há notícia que tenha feito."; v) Assim, concluiu aquele tribunal que "Verificando-se que a autora já cessou as suas funções como administradora, entende-se que com o cumprimento defeituoso do contrato por parte da autora, o interesse do credor (o condomínio réu) ficou inteiramente por preencher, equiparando-se assim este cumprimento defeituoso ao incumprimento definitivo."; vi) Continua ainda "Por outro lado, verificando-se que estamos perante um contrato sinalagmático (art. 1154.° do Código Civil), entende-se que os factos invocados pelo réu, são impeditivos do direito da autora, pois não tendo esta cumprido, na íntegra, a sua obrigação contratual, pode a contra-parte invocar tal facto para também não cumprir, também na íntegra, a sua obrigação. Por tudo o exposto, entende-se que o réu não está obrigado ao pagamento da quantia peticionada nestes autos."; vii) Esta decisão é, no mínimo, confusa. Ora vejamos, viii) Desde logo tribunal a quo fez uma errada interpretação da norma jurídica, i.e., do art. 1436.°, alínea d) do Código Civil; ix) Como é sabido - e como melhor se explicou supra - a recorrente não estava obrigada a convocar assembleia de condóminos para que estes deliberassem promover acções judiciais de cobrança de dívida dos condóminos, uma vez que um dos poderes da administração é precisamente o de cobrar as receitas e agir em juízo, quer contra qualquer condómino, quer contra terceiro, na execução das funções que lhe pertençam; x) Pelo que, esta não era uma acção que a recorrida deveria ter feito e não fez, ao contrário do alegado pela Mm. Juiz de Direito a quo; xi) No que diz respeito à conclusão pelo cumprimento defeituoso, são várias as lacunas no raciocínio do tribunal recorrido; xii) A falta da convocação da referida assembleia geral de condóminos, e a ausência de acção judiciais contra os faltosos, o tribunal a quo qualificou com negligência da Autora no cumprimento do contrato; xiii) Em seguida, aquele tribunal converte o cumprimento defeituoso em incumprimento definitivo, por o contrato já ter cessado! xiv) Ora como se sabe, a resolução do contrato não é uma das situações que converte o cumprimento defeituoso do contrato em incumprimento definitivo; xv) O tribunal está obrigado a fundamentar as suas decisões; xvi) Antes de mais, antes de se decidir pelo cumprimento defeituoso do contrato, competia ao tribunal apurar se estavam reunidos todos os pressupostos daquela figura jurídica, todos devidamente fundamentados; xvii) Nada disto se lê na sentença recorrida; xviii) Quanto muito o tribunal identificou uma desconformidade relativamente ao que foi acordado entre as partes; xix) Mas isso não é suficiente para se concluir pelo cumprimento defeituoso; xx) É ainda necessário verificar se a violação ao princípio da pontualidade do cumprimento do contrato é suficientemente relevante para consubstancie um cumprimento defeituoso; xxi) Também este raciocínio não foi levado a cabo; xxii) Porque se o tribunal recorrido se tivesse debruçado sobre esta questão, depressa concluiria não poder existir cumprimento defeituoso do contrato uma vez não existir notícia da ré ter aceite com reservas os serviços prestados pela autora. xxiii) Todos os meses a autora emitia facturas e entregava à ré, facturas estas que a ré, recorrida, sempre aceitou sem contestar ou reclamar qualquer valor; xxiv) Logo, a prestação de serviços e as respectivas facturas, foram aceites na íntegra e sem reservas; xxv) Assim, remetemos para a citação infra de Pedro Romano Martinez, para sublinhar como o raciocínio e fundamentação do tribunal recorrido ficou aquém do exigido; xxvi) Mesmo que, numa hipótese meramente académica, se concluísse pelo cumprimento defeituoso do contrato, este não se converte automaticamente em incumprimento definitivo do mesmo - embora seja o que parece após a leitura da sentença recorrida; xxvii) São várias as consequenciais que podem advir do cumprimento defeituoso. Havendo culpa do devedor, este poderá estar obrigado a indemnizar o credor, rectificar o defeito ou reduzir a contraprestação; xxviii) Podem ainda aplicar-se as regras do não cumprimento definitivo e da mora; xxix) Assim, caso existisse cumprimento imperfeito do contrato, poderia a recorrida ter resolvido o contrato, caso se verificassem os pressupostos do art. 801.°, ou do artigo 808 °, ambos do Código Civil; xxx) Não deveria o recorrido depois de: a) resolvido o contrato de prestação de serviços; b) ter aceite a prestação de serviços sem apontar desconformidades; c) ter aceite as facturas correspondentes aos serviços, sem qualquer reserva ou objecção; d) vir pedir que se declare o contrato como defeituosamente cumprido e concluir pela sua conversão em definitivo; xxxi) Mas não poderia de todo o tribunal a quo declarar como imperfeita a prestação realizada pela recorrente, quando a mesma não foi sequer contestada pelo réu, no devido tempo; xxxii) Já para não dizer que o tribunal nem tão-pouco especificou o período durante foi qual o contrato foi imperfeitamente cumprido, ou a partir de que momento considerou com imperfeita a prestação, factor este essencial para se aferir quais as facturas cuja pagamento era ou não devido; xxxiii) Não poderia o Mm. Tribunal recorrido, declarar a conversão do cumprimento defeituoso em incumprimento definitivo de um contrato que já não existe; xxxiv) Ainda uma palavra sobre a parte final da decisão; xxxv) Nesta parte da sentença a Mma. Juiz faz uma referência indirecta à excepção de não cumprimento, prevista no art. 428.° e ss do Código Civil; xxxvi) Também a recorrente não concorda com esta invocação, por no seu entender não estarem reunidos os pressupostos de aplicação; xxxvii) A excepção de não cumprimento pressupõe duas prestações com o mesmo prazo para o cumprimento, xxxviii) Ora não é este, manifestamente, o caso em apreço; xxxix) A recorrente prestava primeiro a sua prestação, que era contínua e diária; xl) A recorrida só cumpria a sua no final do mês, na data em que se venciam as facturas; xli) Logo, também não poderia o tribunal concluir por esta via; xlii) A sentença recorrida violou todas as normas jurídicas infra invocadas e cujo sentido de violação foi infra explanado; Pede, por isso, a apelante, a procedência do recurso e a alteração da decisão recorrida, declarando-se a acção totalmente procedente por provada, assim se fazendo Justiça. Respondeu o recorrido defendendo a manutenção do decidido. Colhidos os vistos legais, cumpre apreciar e decidir. II. ÂMBITO DO RECURSO DE APELAÇÃO Importa ter em consideração que, de acordo com o disposto nos artigos 684º, nº 3 e 690º, nº 1 do Código de Processo Civil, é pelas conclusões da alegação da recorrente que se define o objecto e se delimita o âmbito do recurso, sem prejuízo das questões de que o tribunal ad quem possa ou deva conhecer oficiosamente, apenas estando este tribunal adstrito à apreciação das questões suscitadas que sejam relevantes para conhecimento do objecto do recurso. Assim, e face ao teor das conclusões formuladas, a solução a alcançar pressupõe a análise das seguintes questões: i) O EXERCÍCIO DA ADMINISTRAÇÃO DO CONDOMÍNIO POR UMA SOCIEDADE COMERCIAL – As relações contratuais daí decorrentes; ii) DO CUMPRIMENTO DEFEITUOSO DAS OBRIGAÇÕES A QUE A APELANTE SE HAVIA VINCULADO E A VERIFICAÇÃO DOS REQUISITOS DA EXCEPÇÃO DE INCUMPRIMENTO DO CONTRATO III . FUNDAMENTAÇÃO A - OS FACTOS Foram dados como provados na sentença recorrida os seguintes factos: 1. A autora dedica-se à mediação imobiliária e/ou administração de condomínios (Art. 1º da petição inicial); 2. No dia 20 de Fevereiro de 2001, a autora foi eleita em Assembleia Geral de Condóminos administradora do condomínio réu, recebendo como contrapartida dos serviços de administração a quantia mensal de € 849,13 (Arts. 2º e 7º, parte inicial da petição inicial); 3. A autora emitiu a factura nº A1, datada de 24/05/2002, dirigida ao réu, no valor de € 8.491,29, correspondente a prestação de serviços conexos – Administração Condomínio 2º Semestre de 2001 e 1º Quadrimestre de 2002, e com indicação de pronto pagamento (Art. 4º da petição inicial); 4. Com data de 1 de Julho de 2001, a autora emitiu o recibo nº 321 em que declarou que o réu pagou os serviços de administração do Condomínio dos lotes 4, 5 e 6 sitos na Rua..., durante o 2º Trimestre de 2001, no valor total de PTE 510.805$00; 5. Da acta nº8 não constam as assinaturas dos condóminos presentes (Art. 3º da contestação); 6. Da mesma acta encontra-se registada a existência de várias dívidas acumuladas de comparticipações para as despesas comuns de diversos condóminos (Art. 5º da contestação); 7. A autora não promoveu acções judiciais de cobrança de dívida dos condóminos (Art. 6º da contestação, parte final); 8. Em Assembleia Ordinária de 29/04/2002, a autora comunicou ao Condomínio réu não estar interessada em continuar a administrar o Condomínio réu devido à crise de tesouraria resultante do incumprimento no pagamento das quotizações (Art. 9º da contestação); 9. Em 2001, o réu fez uma análise às contas que foi objecto de apreciação e deliberação em sede de Assembleia Extraordinária de Condóminos realizada em 28 de Maio de 2002, constando das mesmas um passivo acumulado de € 26.162,92 e um total de quotizações de condóminos vencidas e por pagar de € 29.158,72 (Arts. 10º e 11º da contestação); 10. A administração seguinte ao exigir o pagamento de quotizações em atraso foi confrontada com a situação de tais quantias estarem pagas, embora não documentadas com recibos (Art. 12º da contestação); 11. A autora depositou um cheque na conta condomínio em 17/04/2002, no valor de €487,13, referente a uma indemnização paga a um condómino pela Companhia de Seguros... e cujo valor só foi entregue a esse condómino pela administração seguinte (Art. 13º da contestação); 12. Em 10/10/2002, o réu pagou à autora a quantia de € 1.000, mediante o cheque nº .... emitido sobre o B.....(Art. 17º da contestação); 13. Depois de transcritas as actas, é prática corrente no Condomínio a entrega do livro ao zelador para que este, durante o horário de expediente, proceda à recolha das assinaturas dos condóminos presentes na Assembleia, conforme listas de presenças, anexas às actas (Art. 11º da resposta à contestação). B - O DIREITO i) O EXERCÍCIO DA ADMINISTRAÇÃO DO CONDOMÍNIO POR UMA SOCIEDADE COMERCIAL – As relações contratuais daí decorrentes O artigo 1435º, nº 1 do Código Civil reserva à assembleia de condóminos o poder de nomear o administrador e só em alternativa instituiu a figura do administrador provisório ou a possibilidade do recurso à autoridade judiciária (artigo 1425º-A do CC), para possibilitar a escolha de pessoa mais idónea em relação ás concretas exigências do condomínio. Nas diversas alíneas do artigo 1436º do Código Civil elencam-se as funções que estão cometidas ao administrador, devendo concatenar-se este preceito com o princípio decorrente do nº 1 do artigo 1430º do mesmo Código, do qual se infere que, quer o administrador, como órgão executivo, quer a assembleia dos condóminos, como órgão deliberativo, nas respectivas actuações, apenas podem interferir com a gestão das partes comuns e não com as partes privativas de qualquer dos condóminos. As obrigações do administrador do condomínio estão estabelecidas no artigo 1436.º do Código Civil e para cumprimento das mesmas o legislador atribui-lhe alguns direitos próprios, entre os quais a legitimidade de agir em juízo, nos termos e para os efeitos estabelecidos no n.º 1 do artigo 1437.º do Código Civil, entre outros, para os quais não necessita de autorização da assembleia de condóminos. Muito embora a assembleia de condóminos possa orientar e dirigir as funções do administrador, é-lhe reconhecida, enquanto órgão, uma competência institucional. Considerando que a figura do administrador do condomínio tem um carácter orgânico, exerce funções próprias que, em princípio, não podem ser reduzidas ou limitadas, o que não significa que este tenha um campo de actividade reservado, já que a assembleia de condóminos tem competências concorrentes com as do administrador – ambos podem disciplinar e defender as partes comuns do edifício. Como as funções do administrador têm um carácter essencialmente executivo, a distinção entre esses dois órgãos – assembleia e administrador – radica na natureza deliberativa do primeiro e o carácter executivo e representativo do segundo. Pelo menos três grandes deveres enformam a actividade do administrador: - a acessibilidade, a diligência e a necessidade de transmitir informação. O administrador tem de estar disponível, ou seja, tem de poder ser contactado sempre que necessário. Tem de ser diligente no exercício das suas funções, não obstante não se encontrem no regime da propriedade horizontal quaisquer sanções para o seu não cumprimento nem tão pouco se estabelecem prazos para o cumprimento dos deveres que lhe estão cometidos, muito embora se infira dos normativos legais que sempre terá de agir em tempo útil. O administrador no exercício das suas funções tem o dever de dar informações, completas, assíduas e elucidativas sobre qualquer assunto respeitante á administração das partes comuns do edifício, particularmente perante a assembleia, mas também se solicitado, perante cada condómino individualmente considerado. O administrador tem o dever de participar nas assembleias dos condóminos, que tem a responsabilidade de convocar, nelas prestar contas e proceder ao registo das deliberações aí tomadas. E, ainda que não seja condómino, tem também o direito de ser ouvido na assembleia e de propor deliberações. As concretas funções do administrador vêm elencadas, de forma exemplificativa, no artigo 1436º do Código Civil, na redacção dada pelo Decreto-Lei 267/94, de 25-10. Assim, são funções do administrador, além de outras que lhe sejam atribuídas pela assembleia: a) Convocar a assembleia dos condóminos; b) Elaborar o orçamento das receitas e despesas relativas a cada ano; c) Verificar a existência do seguro contra o risco de incêndio, propondo à assembleia o montante do capital seguro; d) Cobrar as receitas e efectuar as despesas comuns; e) Exigir dos condóminos a sua quota-parte nas despesas aprovadas; f) Realizar os actos conservatórios dos direitos relativos aos bens comuns; g) Regular o uso das coisas comuns e a prestação dos serviços de interesse comum; h) Executar as deliberações da assembleia; i) Representar o conjunto dos condóminos perante as autoridades administrativas; j) Prestar contas à assembleia; l) Assegurar a execução do regulamento e das disposições legais e administrativas relativas ao condomínio; m) Guardar e manter todos os documentos que digam respeito ao condomínio. Inexiste hoje quaisquer obstáculos legais que impeçam a eleição de uma pessoa colectiva como administrador das partes comuns do edifício, defendendo-se, por vezes, que as sociedades oferecem maiores garantias de eficácia e racionalidade. E foi, justamente, o que sucedeu no caso em apreço, já a sociedade autora foi eleita administradora do condomínio réu na assembleia de condóminos realizada em 20.02.2001 – v. Nº 2 da Fundamentação de Facto. Vinculou-se a autora a realizar todas as supra referidas funções que a lei atribui ao administrador, obrigando-se, por seu turno, o condomínio réu a pagar àquela a quantia mensal de € 849.13. O contrato assim celebrado reconduz-se a um contrato de prestação de serviços que, segundo o disposto no artigo 1154º do Código Civil é aquele em que uma das partes se obriga a proporcionar à outra certo resultado do seu trabalho intelectual ou manual, com ou sem retribuição. Trata-se, portanto, de um contrato atípico ou inominado, ao qual se aplica, na falta de regulamentação específica, o regime do mandato, como decorre do artigo 1156º do Cód. Civil. Como característica essencial do regime destes contratos, avulta a regra da livre revogabilidade. Estabelece o artigo 1170º, nº 1 do Código Civil que: a) O mandato (contrato de prestação de serviços) é livremente revogável; b) Por qualquer das partes; c) Não obstante convenção em contrário ou renuncia ao direito de revogar. A injuntividade deste normativo impede o estabelecimento pelos contraentes de qualquer pacto de irrevogabilidade. Esta característica, que é indissociável destes contratos e que justifica que as causas de extinção dos mesmos sejam distintas das que ocorrem nos contratos em geral assenta, para alguma doutrina, na relação de particular confiança entre as partes – v. a propósito, Januário Gomes, Em Tema de Revogação do Mandato, 49. E, prescreve o n° 2 deste artº 1170° do C.C., aplicável a qualquer contrato de prestação de serviços, com as necessárias adaptações, que o contrato de mandato só pode ser revogado por acordo das partes, salvo ocorrendo justa causa, caso em que é relevante a respectiva denúncia, também designada de revogação unilateral. Como é sabido, a extinção unilateral de qualquer relação contratual pode efectuar-se mediante figuras jurídicas, conceitualmente distintas, tais como a resolução ou rescisão, a revogação e a denúncia. Considerando que a terminologia legal não é unívoca, quando se está perante relações contratuais duradouras em que há prestações de cumprimento diferido no tempo ou quando do contrato derivem obrigações de execução continuada ou periódica, há que estabelecer alguns aspectos distintivos entre essas figuras jurídicas – v. a propósito J. Batista Machado, RLJ, Ano 118, 276 e ss., em anotação ao Ac. STJ de 08.11.1983. A denúncia é uma forma de extinção privativa de contratos de execução duradoura, em regra por tempo indeterminado, que opera pela comunicação de uma parte à outra de que não deseja a manutenção do contrato, produzindo-se os respectivos efeitos extintivos do contrato apenas para o futuro. Por seu turno, a resolução traduz-se também numa forma de extinção dos contratos, por vontade unilateral de um dos contraentes, mas vinculada a um fundamento legal ou convencional – uma perturbação na execução do contrato que afecta o interesse do credor. Distingue-se também da denúncia, visto, em princípio, ter efeitos retroactivos, tudo se passando como se o contrato resolvido tivesse sido declarado nulo ou anulado, salvo se tal contrariar a vontade das partes ou a finalidade da resolução. Finalmente, na revogação, a extinção da relação contratual por manifestação de vontade do seu autor é, em regra, discricionária, podendo derivar também do acordo das partes. Tratando-se de um meio de extinção ex nunc, os efeitos decorrentes desta forma de extinção de um negócio jurídico são, em regra, apenas para o futuro. No contrato de mandato avulta a especificidade da desvinculação unilateral operada pela vontade de um único contraente, falando-se, por isso, em revogação unilateral. A revogação unilateral, enquanto modo de supressão da relação derivada de um contrato de mandato, exercida pela vontade ou do mandante ou do mandatário, traduz-se, como salienta Januário Gomes, ob. cit., 75, numa faculdade condicionada, tendo por força do disposto no artigo 406º, nº 1 in fine do Código Civil de estar expressamente prevista na lei. Trata-se de uma faculdade discricionária, que não depende de qualquer fundamento para ser eficaz e que não opera retroactivamente. E, nesse sentido, aproxima-se da denúncia. Ultrapassa-se, por não relevar para o caso em apreço, a questão doutrinária de saber se neste nº 2 “in fine” do artigo 1170º do CC se consagra a figura jurídica da revogação unilateral, na definição supra referida, visto que ali a eficácia do acto extintivo está condicionada a uma “justa causa”, o que mais não parece que ter a lei pretendido consagrar a figura da resolução contratual, muito embora utilize o termo de revogação – v. a este propósito J. Baptista Machado, RLJ citada, 279 e Adelaide Menezes Leitão, Revogação Unilateral do Mandato, Pós-Eficácia e Responsabilidade pela Confiança, in Estudos em Homenagem ao Professor Doutor Inocêncio Galvão Teles, Vol. I, 323. Importa, todavia, ponderar na distinção entre mandato puro (no interesse exclusivo do mandante) e mandato “in rem propriam”, i.e., mandato de interesse comum, já que só o primeiro é livremente revogável. O conceito de interesse na conservação do mandato aludido no nº 2 do citado artigo 1170º do C.C., susceptível de justificar a restrição ao princípio da revogabilidade ínsito no nº 1 do preceito, tem de ser um interesse relevante que não pode resultar de um mero critério económico. Doutrina e jurisprudência têm vindo a entender que o carácter oneroso do contrato não implica que ele seja conferido também no interesse do mandatário, não sendo, portanto suficiente para afastar o princípio da revogabilidade do contrato – v. Vaz Serra, RLJ, Ano 103, 239 apud Antunes Varela, CC Anot., vol. II, 2ª ed., pg. 647 e entre vários, cfr. também Acs. STJ de 09.01.2003 e de 11.12.2003, Internet, www.dgsi.pt (Pºs. 02B4134 e 03B3634). O critério de aferição do interesse relevante do mandatário ou de terceiro tem de assentar, como refere Januário Gomes, ob. cit., 148-150, no direito próprio que estes pretendem fazer valer conexionado com o próprio encargo e ainda que o mandato seja condição ou a consequência, ou modo de execução, do direito que lhe pertence ou represente então para o mandatário uma garantia do próprio direito. E, pois, necessário identificar uma outra relação, em regra, contratual entre as partes, que conforma ou determina o contrato de mandato. Esta distinção entre mandato puro e mandato “in rem propriam” é outrossim da maior relevância para a noção de justa causa que não é idêntica nas duas situações. Na primeira, há que proceder a uma apreciação do comportamento subjectivo do mandatário; na segunda situação, a justa causa afere-se em função da exigibilidade ou inexigibilidade da manutenção do vínculo pelo mandante. No caso em apreço, a prestação de serviços em causa é onerosa. Mas, não está demonstrada a existência de uma diversidade de relações jurídicas, tudo se passando no âmbito da mesma relação contratual – prestação de serviços - que se mostra submetida ao regime do mandado. Resulta, consequentemente, que o contrato de prestação de serviços, celebrado entre a apelante e o condomínio apelado, poderia ser livremente revogável, pelo que a declaração efectuada, pela primeira ao segundo, no sentido de não pretender a continuação do contrato – v. Nº 8 da Fundamentação de Facto - sempre seria admissível, não carecendo da invocação de justa causa, ainda que se entendesse que tal declaração se enquadrava na figura da revogação. Ora, foi a apelante, entidade que prestava o serviço, que declarou não pretender manter-se no cargo, o que foi aceite pelo condomínio réu, razão pela qual nunca a obrigação de indemnizar consagrada no artigo 1172º do CC se colocaria. O contrato de prestação de serviços inerentes às funções de administradora estabelecido entre o condomínio réu e a autora extinguiu-se, atenta a aludida comunicação efectuada na Assembleia Ordinária de 29.04.2002. É que, como antes ficou dito, face ao preceituado nos artigos 1170º e 1172º do Código Civil, o contrato de prestação de serviços é livremente revogável por qualquer das partes, estando a parte que o revoga obrigada a indemnizar a outra se assim tiver sido convencionado ou se tiver sido convencionada a irrevogabilidade ou ainda se não tiver sido realizada com a antecedência conveniente, situações que, no caso, inexistem. Com efeito, o administrador é eleito, salvo disposição em contrário, para um período de um ano, podendo ser renovável, conforme decorre do nº 4 do artigo 1435º do Código Civil. Tratando-se de uma norma supletiva, e não se tendo apurado nos autos, ter a assembleia de condóminos deliberado em sentido divergente, ou que coisa diferente resulte do Regulamento do Condomínio, que não foi junto aos autos, há que entender que o contrato de prestação de serviços ficou estabelecido por aquele período de tempo. Tal significa que, aquando da aludida comunicação da autora/apelante, no sentido de não pretender manter-se na administração do condomínio e da aceitação deste, findo se encontrava o período para o qual a autora fora eleita, o que até se poderia entender que a situação em causa tão pouco se enquadraria numa eventual revogação unilateral. Certo é que a autora/apelante, na execução do contrato celebrado e, por força do mandato que lhe foi conferido pela assembleia de condóminos, se propôs prestar os serviços de administração do condomínio, mediante o pagamento, por parte desta, da quantia mensal de € 849,13. A autora/apelante emitiu as facturas correspondentes aos serviços prestados no 2º trimestre de 2001, 2º semestre de 2001 e 1º quadrimestre de 2002 - v. Nº 3 da Fundamentação de Facto. E, ficou provado nos autos que o condomínio réu procedeu ao pagamento à autora/apelante dos serviços por esta prestados no primeiro período indicado ( 2º trimestre de 2001), tendo pago ainda, em 10.10.2002, a quantia de € 1.000,00 - v. Nºs 4 e 12 da Fundamentação de Facto. Mas, o que o condomínio réu, ao cabo e ao resto, alegou na sua contestação, não foi que a autora não prestou qualquer serviço, mas sim que os serviços foram prestados deficientemente, ou seja, que ocorreu cumprimento defeituoso do contrato. Analisemos, então, tal alegação tendo em consideração o que resultou da matéria apurada. ii) O CUMPRIMENTO DEFEITUOSO DAS OBRIGAÇÕES A QUE A APELANTE SE HAVIA VINCULADO E A VERIFICAÇÃO DOS REQUISITOS DA EXCEPÇÃO DE INCUMPRIMENTO DO CONTRATO É sabido que só há inadimplemento se a prestação debitória deixa de ser efectuada em termos adequados, e o mesmo só é imputável ao devedor se não derivar de facto do credor, de terceiro, de circunstâncias de força maior, fortuita ou, até, da lei. Se imputado ao devedor, o incumprimento em sentido lato - incluindo o não cumprimento definitivo, a simples mora ou o cumprimento defeituoso - responsabiliza-o pelos danos causados ao credor, nos termos do artigo 798º do Código Civil. Tendo em consideração as obrigações do administrador do condomínio, enumeradas no supra referido artigo 1436º, nº 1 do CC, mostra-se alegado, pelo condomínio réu, para invocar o cumprimento defeituoso do contrato, em suma, que a autora: a) Não procedeu à recolha das assinaturas de presença da acta nº 8; b) Não tomou qualquer medida relativamente às quotizações que se encontravam em dívida. Tal significa que a autora terá certamente praticado alguns dos actos que incumbem ao administrador, ou seja, a autora não incumpriu absolutamente as suas obrigações e nem isso é invocado pelo réu condomínio. Em relação à primeira das invocadas situações que estariam na origem do incumprimento contratual - não ter procedido à recolha das assinaturas de presença da acta nº 8 - provado ficou que essa era a prática corrente no condomínio – v. Nº 13 da Fundamentação de Facto - o que afasta que tal conduta da autora integre qualquer hipotética actuação negligente. Na sentença recorrida concluiu-se que a conduta da autora não foi diligente, afirmando-se, em suma, que a autora não logrou cobrar dos condóminos as contrapartidas devidas, nomeadamente, propondo as devidas acções judiciais e que, não tendo esta cumprido na integra a sua obrigação contratual, poderia o condomínio réu invocar esse facto também para não cumprir. Convoca-se, pois, a figura jurídica da “exceptio non adimpleti contractus”, enquanto excepção dilatória de direito material. Decorre do disposto no artigo 428º do Código Civil que Se nos contratos bilaterais não houver prazos diferentes para o cumprimento das prestações, cada um dos contraentes tem a faculdade de recusar a sua prestação enquanto o outro não efectuar a que lhe cabe ou não oferecer o seu cumprimento simultâneo. A excepção de não cumprimento do contrato, como refere José João Abrantes, A Excepção de Não Cumprimento do Contrato no Direito Civil Português, Almedina, Coimbra, 39, é a faculdade que, nos contratos bilaterais, cada uma das partes tem de recusar a sua prestação enquanto a outra, por seu turno, não realizar ou não oferecer a realização simultânea da sua prestação. Como esclarece J. J. João Abrantes, ob cit., 61, o contraente que, relativamente às obrigações em sinalagma, se encontra obrigado ao cumprimento prévio, tem ao seu dispor a aludida excepção, como única forma de o garantir contra o não cumprimento pelo outro de prestações atrasadas. Mais esclarece, que nos contratos em que a prestação se protela no tempo, denominados de duração ou de prestação duradoura, mesmo o contraente que deva efectuar a sua prestação antes do outro pode lançar mão da excepção de não cumprimento do contrato, baseando-se na inexecução de prestações anteriores, isto é, de prestações correspondentes a outras que ele próprio anteriormente tenha efectuado. O exercício da “exceptio” pressupõe a existência de um contrato bilateral, a simultaneidade do prazo e a mora de um dos contraentes. Nos contratos bilaterais cada uma das partes está vinculada ao cumprimento de – pelo menos - uma prestação e cada uma dessas prestações funciona como a contrapartida da outra. Elucidam também P. Lima e A. Varela, CC anot. Vol. I, 4ª ed., 405 que, mesmo estando o cumprimento das prestações sujeito a prazos diferentes, a exceptio poderá sempre ser invocada pelo contraente cuja prestação deve ser efectuada depois da do outro, apenas não podendo ser oposta pelo contraente cuja prestação deve ser efectuada depois da do outro, apenas podendo ser oposta pelo contraente que devia cumprir primeiro. Este entendimento é, de resto, perfilhado por Vaz Serra, na RLJ ano 105, pg. 283, em anotação ao Ac. STJ de 19.11.71, BMJ 211, 297, por Calvão da Silva, Cumprimento e Sanção Pecuniária Compulsória, Coimbra, 1987, 331 e por maioritária jurisprudência – v. a título meramente exemplificativo Ac. STJ de 13.5.03 (Pº JSTJ000), acessível na Internet, no sitio www.dgsi.pt. A excepção de não cumprimento do contrato tem, então, como pressupostos: a) A existência de um contrato bilateral; b) A existência da obrigação de cumprimento prévio por parte do contraente que invoca a excepção; c) o não cumprimento ou não oferecimento do cumprimento simultâneo de contraprestação; d) a não contrariedade à boa fé; Mas a “exceptio non adimpleti contractus” configurando, como acima ficou dito, uma excepção dilatória de direito material, que se traduz num meio puramente defensivo e dilatório, apenas legitima a recusa de cumprir, não impossibilitando tornar efectivo o cumprimento da obrigação da contraparte – v. Ferrer Correia, CJ, Ano XIII (1988), t. I, pg. 18. Constitui um mecanismo compulsório, instigando o obrigado a cumprir essa sua obrigação a fim de que possa receber a contraprestação. Refere Calvão da Silva, Cumprimento e Sanção Pecuniária Compulsória, 338 que, o credor excipiens que não cumpre o que deve para garantir o que lhe é devido, tem na excepção do não cumprimento um meio de coerção privado, defensivo e temporário, pelo qual o contrato fica suspenso como em fase de expectativa. Ora, para que haja lugar à excepção é necessário não só que o sinalagma contratual ligue as prestações essenciais do contrato bilateral e não todos os deveres de prestação dele emergentes, mas sobretudo que uma dessas prestações essenciais objecto do sinalagma esteja ainda por cumprir e que o respectivo cumprimento seja ainda possível, visto que se o incumprimento já não for possível, a excepção não pode actuar – v. a título meramente exemplificativo, Ac. R.C. de 08.06.93, CJ 1993, t. 3, 55. Por isso se entendeu no Ac. STJ de 24.06.99, CJ/STJ 1999, t. II, 163 que a excepção de não cumprimento do contrato não legitima o incumprimento definitivo do contrato pelo contraente fiel, mas apenas legitima o cumprimento dilatório daquele como forma de coagir o contraente faltoso a cumprir também aquilo que tem de cumprir. Comungamos, por isso, o entendimento de J. J. João Abrantes, ob cit., 129, quando elucida que é necessário que o contraente que alega a excepção queira realmente a execução do contrato e que o exercício deste meio de defesa se mostre em termos objectivos conforme a essa finalidade. O exercício da “exceptio” não extingue, assim, o direito de crédito de que é titular o outro contraente, não destrói o vínculo contratual, apenas produz uma suspensão temporária dos seus efeitos. No caso em apreço, o contrato de prestação de serviços está extinto, a autora comunicou o seu desinteresse em continuar a administrar o condomínio réu, o que foi aceite por este que, como resulta dos autos, já nomeou novo administrador. Considerando que o réu condomínio deixou de ter qualquer interesse no contrato em causa, logo, nas prestações que a autora alegadamente não cumpriu ou cumpriu defeituosamente, forçoso é concluir que a invocada excepção dilatória de direito material não tem qualquer aplicação no caso dos autos. De resto, sempre se dirá que não sendo a excepção de não cumprimento do contrato de conhecimento oficioso – v. entre muitos e mais recentemente, Ac. R.C. de 17.12.2008 (Pº 731/07.4TBALB.C1 ) e Ac. R.L. de 27.09.2007 (Pº 661/2007-6), disponíveis na Internet, no sítio www.dgsi.pt - dela não podia o Tribunal a quo conhecer. Importa, então, apurar se houve efectivo cumprimento defeituoso das obrigações a que a apelante se havia vinculado. Nos termos do n° 1 do artigo 762° do Código Civil, o devedor cumpre a obrigação quando realiza a prestação a que está vinculado. Se o devedor, na altura do vencimento, não realiza, no todo ou em parte, a sua prestação, ou se a realiza mal, ocorre uma situação de inexecução lato sensu. A lei distingue, como já se disse, quanto à consequência do não cumprimento obrigacional, entre a falta de cumprimento, a mora e o cumprimento defeituoso. O cumprimento defeituoso ocorre nos casos em que o dano não provém para o credor da falta ou atraso da prestação, mas de vícios, defeitos, ou irregularidades da prestação efectuada – v. neste sentido, Antunes Varela, Das Obrigações em Geral, voI. II, 1990, 120/121. A inexecução ou o incumprimento é susceptível de ser imputável ao devedor, ao credor ou a caso fortuito ou de força maior e, é imputável ao devedor se ele não cumpriu porque quis ou porque não diligenciou para o efeito. No caso dos autos, é verdade que, como se disse, uma das funções do administrador consiste na cobrança das receitas, sustentando-se na sentença recorrida que a conduta da autora não foi diligente, por não ter logrado cobrar dos condóminos as contrapartidas devidas, nomeadamente, por não ter procedido à propositura de acções judiciais. Como é sabido, o cumprimento da obrigação pode implicar para o devedor a assunção de uma obrigação de meios ou de uma obrigação de resultado. Se o devedor, ao contrair uma obrigação, se compromete a garantir ao credor um certo resultado: é uma obrigação de resultado. Mas, se o devedor não se obriga perante o credor a obter qualquer resultado, apenas se obrigando ao desenvolvimento diligente de uma actividade com vista à obtenção de um resultado, independentemente da sua consecução, essa obrigação não é de resultado, mas apenas de meios. Segundo Almeida Costa, Direito das Obrigações, 8ª ed., pág. 961, a obrigação de meios existe quando o devedor apenas se compromete a desenvolver, prudente e diligentemente, certa actividade para a obtenção de um determinado efeito, mas sem assegurar que o mesmo se produza. E, esta prestação a que a autora estava vinculada – cobrança das receitas – traduz-se precisamente numa obrigação de meios, ou seja, estava a autora vinculada a desenvolver diligentemente toda a actividade adequada à obtenção da devida cobrança dessas receitas, ainda que – se necessário – mediante o recurso a acções judiciais, para as quais tinha legitimidade, não carecendo da prévia autorização ou convocação da assembleia de condóminos. Mas terá havido cumprimento defeituoso, por parte da autora, ou seja, será que para a consecução da tal objectivo – cobrança das receitas – a autora actuou com falta de diligência, de consideração e do zelo que deveriam conformar a actividade que lhe incumbia desenvolver. Vejamos, tendo em consideração a matéria apurada: i) Da acta nº 8 da Assembleia de Condóminos, levada a efeito em 20.02.2001, altura em que a autora foi eleita administradora do condomínio, encontra-se registada a existência de várias dívidas acumuladas de comparticipações para as despesas comuns de diversos condóminos – v. Nºs 2 e 6 da Fundamentação de Facto; ii) A autora invocou na Assembleia Ordinária de 29.04.2002, não estar interessada em continuar a administrar o condomínio réu devido à crise de tesouraria resultante do incumprimento no pagamento das quotizações - v. Nºs 8 e 4 da Fundamentação de Facto; iii) Na Assembleia Extraordinária de Condóminos realizada em 28 de Maio de 2002, constatou-se a existência de um passivo acumulado de € 26.162,92 e um total de quotizações de condóminos vencidas e por pagar de € 29.158,72 - v. Nº 9 da Fundamentação de Facto; iv) A administração seguinte, ao exigir o pagamento de quotizações em atraso, foi confrontada com a situação de tais quantias estarem pagas, embora não documentadas com recibos – v. Nº 10 da Fundamentação de Facto. v) A autora não promoveu acções judiciais de cobrança de dívida dos condóminos - v. Nº 7 da Fundamentação de Facto. Do cotejo dos factos apurados resulta, é certo, que ficou demonstrado que a autora não promoveu acções judiciais de cobrança das dívidas dos condóminos. Mas, por falta de alegação e prova, dúvidas ficaram se tal era exigível, tanto mais que a administração seguinte constatou, que havia comparticipações que já se encontravam pagas. Ficou, por conseguinte, por demonstrar – por falta de alegação – quais as comparticipações em falta, se não foram os condóminos instados a pagar, se era imperiosa a necessidade de propor acções e, em caso afirmativo, se dispunha a administradora do condomínio de meios materiais para o fazer. No caso em apreço, tendo o réu condomínio atribuído à autora um comportamento omissivo, que acarretou um imperfeito cumprimento ou um cumprimento defeituoso do contrato, recaía sobre o réu o ónus de alegação e prova da supra referida densificação dos elementos consubstanciadores da falta de diligência da autora na execução da prestação a que estava vinculada - cobrança das comparticipações dos condóminos - e, designadamente, da necessidade de proceder à propositura de acções judiciais. Não está, pois, demonstrada a prática, por parte da autora, de actos repreensíveis ou atentatórios das funções que a autora desempenhou como administradora do condomínio réu e, como tais, violadores da lei. Mas, ainda que se entendesse que a actuação da autora era susceptível de configurar uma actuação menos diligente do que seria exigível, a verdade é que tão pouco alegou o réu, não só qual o dano sofrido em virtude de tal alegada falta de diligência, bem como a relação causal entre o invocado incumprimento e o dano sofrido, por forma a, eventualmente, proceder a uma eventual redução proporcional da contra-prestação devida em resultado do acordado entre as partes. E, como decorre do disposto no artigo 342º, nº 2 do Código Civil, a prova desses factos incumbia ao réu condomínio, sendo certo que, como se infere da matéria dada como provada, nada se mostra apurado, atenta a ausência de alegação. Face ao que acima ficou dito em relação aos factos provados e à falta da concreta alegação factual da desconformidade entre a conduta devida e o comportamento observado pela autora, não há que convocar a presunção de culpa decorrente do disposto no artigo 799º do Código Civil, posto que se terá de concluir pela não demonstração da ilicitude do comportamento da autora. Verifica-se, assim, que a autora, após a redução do pedido, peticionou na acção a condenação do réu a pagar-lhe a quantia de € 9.189,56, de capital e € 2.780,49 de juros de mora. Ficou, todavia, provado que a autora desempenhou as funções para as quais foi eleita, entre 20.02.2001 até 29.04.2002, tendo o réu condomínio apenas pago as contrapartidas acordadas, no valor mensal de € 849,13, atinentes ao 2º trimestre de 2001 – v. Nºs 2 e 4 da Fundamentação de Facto. Ficou, por outro lado, provado que, com relação à factura datada de 24.05.2002, no valor de € 8.491,29, correspondente às prestações do 2º semestre de 2001 e 1º quadrimestre de 2002, o réu apenas pagou, em 10.10.2002, a quantia de € 1.000,00 – Nºs 3 e 12 da Fundamentação de Facto – sendo, por isso, devida a quantia de € 7.491,29, acrescida de juros de mora vencidos desde a data constante da factura e até integral pagamento. Procede, pois, nos termos sobreditos, o recurso da apelante, revogando-se a decisão recorrida e condenando-se o réu condomínio a pagar à autora a quantia de € 7.491,29, acrescida de juros de mora vencidos desde a data constante da factura – 24.05.2002 - e até integral pagamento, às taxas aplicáveis a créditos de que sejam titulares empresas comerciais, singulares ou colectivas, a liquidar em execução de sentença - v. artigo 805º, nº 2 al. a), 806º, nºs 1 e 2 do Código Civil, § 3º do artigo 102º do Código Comercial, Portarias nºs 262/99, de 12.04, 597/2005, de 19.07 e Avisos da Direcção-Geral do Tesouro Nºs 10097/04, DR IIs. de 30.10.2004, 310/2005, DR IIs., de 14.01.2005, 6923/2005, DR IIs., de 25.07.2005, 240/2006, DR IIs., de 11.01.2006, 7706/2006, DR IIs., de 10.07.2006, 191/2007, DR IIs., de 05.01.2007, 13665/2007, DR IIs., de 30.07.2007, 2152/2008, DR IIs., de 28.01.2008, 19995/2008, DR IIs., de 14.07.2008 e 1261/2009, DR IIs., de 14.01.2009, ou seja, às taxas anuais de: 12% (até 30.09.2004), 9,01% (de 01.10.2004 a 31.13.2004), 9,09% (1º semestre de 2005), 9,05% (2º semestre de 2005), 9,25% (1º semestre de 2006), 9,83% (2º semestre de 2006), 10,58% ao ano (1º semestre de 2007), 11,07% ao ano (2º semestre de 2007), 11,2% (1º semestre de 2008), 11,07% (2º semestre de 2008) e 9,5% ( 1º semestre de 2009). As custas serão da responsabilidade de recorrente e recorrido, na proporção dos respectivos decaimentos - artigo 446º, nºs 1 e 2, do Código de Processo Civil. IV. DECISÃO Pelo exposto, acordam os Juízes desta 2ª Secção Cível do Tribunal da Relação de Lisboa em julgar procedente o recurso interposto pela autora Im..., Lda, revogando-se a decisão recorrida, substituindo-se por outra em que se condena o réu/apelado Condomínio..., a pagar à apelante a quantia de € 7.491,29, acrescida de juros de mora vencidos desde 24.05.2002 e até integral pagamento, às taxas aplicáveis a créditos de que sejam titulares empresas comerciais, singulares ou colectivas - 12% (até 30.09.2004), 9,01% (de 01.10.2004 a 31.13.2004), 9,09% (1º semestre de 2005), 9,05% (2º semestre de 2005), 9,25% (1º semestre de 2006), 9,83% (2º semestre de 2006), 10,58% ao ano (1º semestre de 2007), 11,07% ao ano (2º semestre de 2007), 11,2% (1º semestre de 2008), 11,07% (2º semestre de 2008) e 9,5% ( 1º semestre de 2009), a liquidar em execução de sentença. Condenam-se apelante e apelado nas custas na proporção dos respectivos decaimentos. Lisboa, 28 de Maio de 2009. Ondina Carmo Alves – Relatora Ana Paula Boularot Lúcia Sousa |