Acórdão do Tribunal da Relação de Lisboa
Processo:
364/10.8TBHRT.L1-1
Relator: MARIA DO ROSÁRIO BARBOSA
Descritores: CONTRATO PROMESSA DE PARTILHA
ESCRITURA PÚBLICA
OBRIGAÇÃO NATURAL
Nº do Documento: RL
Data do Acordão: 10/07/2014
Votação: UNANIMIDADE
Texto Integral: S
Texto Parcial: N
Meio Processual: APELAÇÃO
Decisão: IMPROCEDENTE
Sumário: No âmbito de um contrato promessa de partilhas, apesar de constar cláusula, mediante a qual o primeiro contraente contribuirá mensalmente com determinada quantia para as prestações mensais das dívidas bancárias garantidas com a hipoteca de uma casa, a partir do momento em que se celebrou a escritura pública de partilha, onde nada consta sobre este aspecto, o pagamento pelo Apelado de tal quantia constituírá uma obrigação natural, nos termos definidos no artigo 402, do Código Civil.
Decisão Texto Parcial:
Decisão Texto Integral: Acordam os Juízes do Tribunal da Relação de Lisboa

A. interpõe recurso de apelação da sentença de fls 152 a 169 que julgou improcedente a acção que a A intentou contra H. e na qual peticionou que se declarasse que este ficou obrigado a entregar-lhe uma contribuição mensal para pagamento das dívidas ao BCA, condenando-se a pagar-lhe as contribuições já vencidas e, subsidiariamente e para a possibilidade do pedido principal ser julgado improcedente, que se declarasse a existência de abuso de direito por parte do réu, condenando o mesmo a pagar-lhe uma indemnização.

Para fundamentar tais pedidos alegou, para tanto e em síntese, que no âmbito das negociações que circundaram o divórcio de ambos, foi acordado que a autora ficaria com a casa de morada de família e que o réu entregaria uma contribuição mensal para pagamento das prestações hipotecárias, uma vez que aquela não tinha capacidade económica para assegurar as mesmas. Mais aduziu que o réu deixou de pagar as mencionadas prestações em Outubro de 2007.

São as seguintes as conclusões de recurso apresentadas:

a) Não deve ser entendido como provada a matéria do facto X dos factos provados discriminados na sentença (quesito 5° da 81), ou seja, que a autora teve conhecimento da condição posta pelo réu de só se disponibilizar para pagar as prestações se a autora viver exclusivamente com os filhos (constante do facto IX).

b) Porquanto na prova produzida através dos depoimentos das testemunhas nada se apurou a este respeito (depoimento gravado das 10:38:46h às 10:48:57h, partes entre os 04:15 e os 04:58 minutos, entre os 05:16 e os 06:00 minutos, entre os 02:54 e os 03:48 minutos, e entre os 03:35 e os 04:55 minutos; depoimento gravado das

10:49:19h às 10:59:43h, partes entre os 04:50 e os 05:42 minutos (instância do mandatário) e entre os 07:50 a 09:00 minutos (instância da magistrada).

c) Verificou-se em consequência um erro de julgamento na apreciação das provas produzidas quanto a este ponto, devendo ser considerado como não provado o facto X.

d) No que respeita ao facto IX (quesito 4° da 81), deve ser considerado que a respectiva prova padece de ilegalidade na medida em que implica que se teria convencionado adicionalmente ao contrato-promessa uma convenção contrária à cláusula terceira, pois que viria cercear a obrigação estabelecida na mesma sem limites.

e) O que vem ofender o disposto no art. 394° do Código Civil.

f) Em qualquer caso, haverá sempre que entender que não foi feita qualquer prova quannto à existência da condição que nos termos desse facto IX teria sido alegadamente posta pelo réu, pois que a mesma se limitou ao depoimento testemunhal da filha que somente declarou que o pai lhe tinha transmitido essa posição.

g) Ocorreu assim um erro de julgamento na apreciação das provas produzidas quanto a este ponto, devendo considerar-se como não provado o facto IX.

h) Há que entender como provado que após o divórcio e antes da escritura de partilhas o réu começou a pagar o valor da sua contribuição para o pagamento mensal das prestações bancárias, porquanto se trata de matéria invocada no artigo 16° da Petição Iniciai e que não foi impugnada.

i) A despeito de não ter sido quesitada e de ter-se indeferido a reclamação feita quanto a esse ponto, trata-se de matéria relevante porquanto constitui uma concretização da autonomia do acordo feito quanto a essa contribuição.

j) A condição referida no facto IX nunca constituiria uma causa legítima de cessação da referida obrigação de contribuição pelo réu, porquanto corresponderia a um inaceitável impedimento do legítimo exercício dos seus direitos mais elementares por parte da autora.

j) De qualquer forma, a mesma seria sempre ilegal como se disse e não ficou provada por forma nenhuma.

I) E acresce que, nos termos de reapreciação da gravação acima feita, não se comprovou o conhecimento dessa condição pela autora.

m) O acordo feito quanto às prestações bancárias não teve por finalidade obrigar o réu a efectuar um pagamento total ou parcial das mesmas e sim contribuir com um quantitativo a entregar mensalmente à autora que permitisse a esta proceder ao pagamento daquelas prestações.

g) Revestiu-se assim de autonomia relativamente ao contrato-promessa de partilhas em causa, embora constituísse uma condição do mesmo.

h) Autonomia essa que se manifesta mormente na entrega da dita contribuição após o divórcio e antes das escritura nos termos da alínea h), na possibilidade de alteração da mesma com base na percentagem do eventual aumento dos encargos (como sucedeu - facto V), no facto de ter continuado a ser efectuada por um período de dezassete meses após a celebração da escritura e porque para a respectiva cessação não se alegou que tivesse findado com a assunção da dívida pela autora.

i) Há que concluir assim que, ao contrário da posição adoptada na sentença, deve entender-se que não cessou a obrigação estipulada nas cláusulas terceira e quarta, continuando o réu obrigado a entregar a contribuição fixada e que em consequência deve pagar à autora as quantias invocadas no pedido formulado na petição inicial.

Termos em que deve ser revogada a sentença, julgando-se como provada e procedente a acção e condenado o réu nos termos pedidos na mesma.

OBJECTO DO RECURSO

O objecto do recurso circunscreve-se às conclusões com que a apelante termina as suas conclusões de recurso, sem prejuízo do conhecimento de outras questões de que cumpra oficiosamente conhecer.

Os factos dados como provados pelo tribunal recorrido são os seguintes:

I. A autora A. e o réu H. divorciaram-se um do outro no dia 11 de Maio de 2006, na Conservatória do Registo Civil da … (A).

II. Da relação de bens apresentada consta o prédio urbano, sito na … , nº 23, freguesia da … , concelho da …, inscrito no art? 614º urbano da respectiva matriz e descrito na Conservatória do Registo Predial da … sob o nº … daquela freguesia, composto por casa de morada de um só piso, com a área coberta de 115 m2, garagem com 40 m2 e quintal com 845 m2 (8).

III. Tendo em vista o divórcio, autora e réu celebraram o acordo, que denominaram de «Contrato promessa de partilhas», cuja cópia se mostra junta a fls. 20 e 21 e cujo teor se dá aqui por integralmente reproduzido, do qual consta designadamente que «a segunda contraente ficará com o prédio urbano sito na … , nQ 23, freguesia da … (...) todo o recheio do mesmo e o veículo de passageiros com a marca … e matrícula … (...). O primeiro contraente contribuirá mensalmente com e 400 (quatrocentos euros) para as prestações mensais das dívidas bancárias garantidas com a hipoteca da casa, mediante o depósito dessa quantia na conta do BCA destinada a esse fim. No caso de se verificar o aumento dos encargos desses empréstimos o primeiro contraente aumentará a referida contribuição na mesma percentagem (C).

IV. Existe um escrito, denominado «partilha», outorgado pela autora e pelo réu no dia 27 de Junho de 2006, no Cartório Notarial da Licenciada M., desta comarca, cuja cópia se mostra junta a tis. 22 e seguintes e cujo teor se dá aqui por integralmente reproduzido, do qual consta designadamente que «Primeiro: A. (...) Segundo:

H. (...) disseram (...) que pela presente escritura vão proceder à partilha do património comum do extinto casal que é assim constituído: Activo Verba um - prédio urbano, sito na …, nQ 23, freguesia da …, … (...) Verba dois - uma quota no valor nominal de cinco mil euros titulada em nome do segundo outorgante na sociedade comercial por quotas denominada J (...) Passivo - Dívida ao Banco … (...) garantida por duas hipotecas do prédio acima indicado» (D).

V. Após a escritura e até Novembro de 2007 o réu continuou a dar a sua contribuição para o pagamento das prestações bancárias, sendo que em Outubro de 2007 a mesma foi de C 469,07 (E).

VI. Quando o casal decidiu divorciar-se, a autora não tinha qualquer possibilidade económica de ficar a suportar sozinha o pagamento das dívidas garantidas pelo imóvel, o que manifestou peremptoriamente ao ora réu, o qual tinha plena consciência desta incapacidade económica da mulher (F).

VII. A partilha apenas foi feita nos moldes D) porque o réu se comprometeu a entregar as quantias mencionadas no escrito C), necessárias ao pagamento das prestações bancárias (hipotecárias), sendo este facto do conhecimento daquele (2º).

VIII. E porque ambos consideraram que a autora deveria ficar com a casa e residir nela por causa dos dois filhos menores do casal

(3º).

IX. O réu disponibilizou-se para pagar as prestações mas apenas e sempre na condição da autora viver exclusivamente com os filhos (4º).

X. O que era do conhecimento da autora (5º).

XI. Em data concretamente não apurada do último terço de 2007 a autora começou a viver com outra pessoa, de nome J., como se de marido e mulher se tratassem (resposta a 6º).

XII. Em Dezembro de 2010 J. já não vivia lá (13º).

Das questões a apreciar no recurso:

1.Impugnação da matéria de facto dada como assente nos pontos IX e X (respostas aos artigos 4º e 5º da Base Instrutória)

2. Subsunção dos factos ao direito, concretamente saber se com base no contrato promessa de partilhas a A/Apelante pode ver reconhecido o direito de haver do Réu/apelado o pagamento do montante constante do contrato promessa bem como das quantias que o Apelado deixou de pagar igualmente pedidas na acção.

Da impugnação da matéria de facto:

Alega a Apelante que não deve ser entendido como provada a matéria do facto X dos factos provados discriminados na sentença (quesito 5° da BI), ou seja, que a autora teve conhecimento da condição posta pelo réu de só se disponibilizar para pagar as prestações se a autora vivesse exclusivamente com os filhos (constante do facto IX).

Refere a Apelante que da prova produzida através dos depoimentos das testemunhas nada se apurou a este respeito (depoimento gravado das 10:38:46h às 10:48:57h, partes entre os 04:15 e os 04:58 minutos, entre os 05:16 e os 06:00 minutos, entre os 02:54 e os 03:48 minutos, e entre os 03:35 e os 04:55 minutos; depoimento gravado das 10:49:19h às 10:59:43h, partes entre os 04:50 e os 05:42 minutos (instância do mandatário) e entre os 07:50 a 09:00 minutos (instância da magistrada).

Verificou-se, na perspectiva da Apelante, um erro de julgamento na apreciação das provas produzidas quanto a este ponto devendo, no seu entendimento, ser considerado como não provado o facto X.

No que respeita ao facto IX (quesito 4° da BI), defende a Apelante que deve ser considerado que a respectiva prova padece de ilegalidade na medida em que implica que se teria convencionado adicionalmente ao contrato-promessa uma convenção contrária à cláusula terceira, pois que viria cercear a obrigação estabelecida na mesma sem limites.

Vejamos:

Reapreciada a prova, que de resto a Apelante transcreveu nas suas alegações de recurso (cuja veracidade não foi impugnada pela parte contrária) vemos que a principal testemunha foi a filha do casal resultando do respectivo depoimento que o pai sempre lhe disse que pagaria a casa enquanto a mãe (a Autora) mão “metesse” outro homem lá em casa , facto que lhe foi transmitido desde o início.

Este depoimento foi relevante para que o tribunal recorrido tivesse considerado tal factualidade provada. E não vemos razão para não considerar provada tal factualidade, considerando que a filha do casal que com ambos mantém relações não tinha motivo para não dizer a verdade, afigurando-se-nos que o seu testemunho foi nesse aspecto claro e convincente. De resto, tratando-se de questão do foro familiar é compreensível que só a família chegada, isto é, os pais e filhos tivessem conhecimento desta factualidade.

Daí que a resposta dada está em consonância com a prova produzida que reputamos verdadeira e suficiente.

No entanto a testemunha nada referiu de inequívoco quanto ao conhecimento da mãe relativamente aquela factualidade.

Mesmo assim teremos de presumir (as presunções judiciais, como sabemos, não são propriamente meios de prova, mas ilações que o julgador tira de um facto conhecido para firmar um facto desconhecido -artigo 349, do C. Civil- que tal era do conhecimento da Autora/Apelante pois que durante o período em que viveu com outro homem como marido e mulher não demandou o Apelado (vide facto XI provado-“ Em data concretamente não apurada do último terço de 2007 a autora começou a viver com outra pessoa, de nome J., como se de marido e mulher se tratassem”).

Só veio a fazê-lo nesta acção em Outubro de 2010. (data que coincide temporalmente com a ausência do referido homem (Facto XII provado-“Em Dezembro de 2010 J. já não vivia lá”).

Ora, o conhecimento da Autora considerando esta outra factualidade terá de presumir-se e daí que também o facto IX se deva manter como facto provado.

Daí que deva manter-se inalterada a matéria de facto fixada pela 1ª instância.

Da subsunção dos factos ao direito:

Independentemente da alteração à matéria de facto pedida no recurso pela Apelante a sorte da acção só poderia ser a sua improcedência.

Não obstante constar da cláusula 3ª do contrato promessa que o primeiro contraente contribuirá mensalmente com 400,00Euros para as prestações mensais das dívidas bancárias garantidas com a hipoteca da casa, mediante depósito dessa importância na conta BCA destinada a esse fim, a partir do momento em que se celebrou a escritura pública de partilha, onde nada consta sobre este aspecto, o pagamento pelo Apelado de tal quantia constituía uma obrigação natural, nos termos definidos no artigo 402, do Código Civil.

Com efeito da própria escritura de partilha que adjudica o imóvel á Autora /Apelante consta que fica à sua responsabilidade o pagamento da verba do passivo a que corresponde a dívida ao BCA.

De resto a própria cláusula 3ª do contrato promessa qualificando a prestação do Apelado como uma contribuição para as prestações mensais das dívidas bancárias não pode ter o carácter de obrigação. Tanto assim é que não passou para o contrato de partilha dos bens.

Pelo contrário, neste contrato ficou consignado que ficava a cargo da Apelante e da sua inteira responsabilidade o pagamento da aludida verba do passivo (a dívida ao BCA).

O que consta do contrato de partilha é tão explícito que outra interpretação seria contrária ao que as partes nele acordaram (já em momento posterior ao contrato promessa).

A circunstância de o Apelado ter assumido a transferência da quantia de 400 Euros mensais por depósito naquele Banco e o ter feito (enquanto assim o entendeu) constitui mera liberalidade ou obrigação natural, uma vontade de colaboração feita “na condição da Autora viver exclusivamente com os filhos” (veja-se o facto IX provado) tratando-se de uma ajuda que não pode ser coercivamente exigível.

A própria Autora lhe chama “contribuição”.

Mesmo fazendo um paralelismo com a obrigação alimentar (alimentos a ex-cônjuge)sempre se dirá que a partir do momento em que a Apelante passou a viver maritalmente com outro seria chocante que o Apelado continuasse vinculado a “contribuir” com aquele montante. – veja-se o artigo 2019 do C. Civil quanto à cessação da obrigação alimentar a partir do momento em que o ex-cônjuge a quem eram prestados alimentos contrai novo casamento ou vive em união de facto.

De resto foi, também, esta a solução jurídica encontrada pelo tribunal recorrido na resolução do litígio e que se deve manter.

Assim sendo, não pode a Apelante peticionar a nenhum título a condenação do Apelado nessa obrigação nem no pagamento das quantias reclamadas.

DECISÃO

Pelo exposto julgam a apelação improcedente.

Custas pela Apelante.

Lisboa, 7-10-2014

Maria do Rosário Barbosa

Rosário Gonçalves

Graça Araújo