Acórdão do Tribunal da Relação de Lisboa
Processo:
3217/2006-2
Relator: MARIA JOSÉ MOURO
Descritores: EMPREITADA
EXCEPÇÃO DE NÃO CUMPRIMENTO
RECONVENÇÃO
JUROS LEGAIS
Nº do Documento: RL
Data do Acordão: 07/12/2006
Votação: UNANIMIDADE
Texto Integral: S
Meio Processual: APELAÇÃO
Decisão: RECURSO IMPROCEDENTE
Sumário: I - A exceptio nom rite adimpleti contractus é uma verdadeira excepção em sentido técnico, um contra-direito que o réu pode fazer valer, paralisando a demanda do outro contraente, autor no processo.
II – No âmbito de um contrato de empreitada em que o empreiteiro reclama o preço e o dono da obra se reporta a defeitos averiguados naquela, são pressupostos da exceptio a existência de defeitos, a sua prévia denúncia pelo dono da obra e a exigência da respectiva eliminação, cabendo a quem dela se quer prevalecer alegar e provar os factos que preencham aqueles pressupostos, mas não impondo tal a formulação de um pedido reconvencional.
III - Por si só, o indeferimento por razões formais dos pedidos formulados pelo réu no articulado superveniente por si apresentado em termos correspondentes à formulação de pedido reconvencional, não impunha na sentença o afastamento da excepção fundada nos factos constantes daquele articulado e que haviam sido levados à Base Instrutória – não se exigia a formulação de um pedido reconvencional, sendo os factos articulados (e provados) apreciados como excepção.
III - Não pode recusar a sua prestação, invocando a exceptio, o contraente que foi o primeiro a cair numa situação de não cumprimento; encontrando-se o réu já anteriormente em mora, a excepção por si invocada não poderá operar.
IV – Sendo a autora uma sociedade comercial que se dedica à actividade da construção civil e tendo, no exercício da sua actividade, ajustado com o réu a empreitada a que se reportam os autos, os valores correspondentes ao preço da empreitada de que a autora é credora são créditos de que uma empresa comercial é credora, resultantes da actividade comercial dessa empresa, pelo que as taxas de juros moratórios legais a considerar são as aludidas no § 3 do art. 102 do Cod. Com..
Decisão Texto Integral: Acordam na Secção Cível (2ª Secção) do Tribunal da Relação de Lisboa:
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I - «A., Lda.» intentou a presente acção declarativa com processo ordinário contra «B. Clube …».
Em resumo, alegou a A.:
A A., sociedade que se dedica à actividade de construção civil, ajustou com o R. uma empreitada que teve por objecto a recuperação das coberturas do pavilhão e balneários do clube R., sendo o preço acordado 9.419.100$00; posteriormente, o R. solicitou a realização de mais trabalhos. Encontra-se em dívida a quantia de 3.128.500$00, acrescida de IVA no montante de 531.845$00.
Pediu a A. a condenação do R. a pagar-lhe: a referida quantia de 3.128.500$00, acrescida de IVA no montante de 531.845$00; juros moratórios vencidos, contabilizados em 347.482$00, e vincendos até integral pagamento.
Contestou o R. alegando, essencialmente que o preço da empreitada era suportado pelas comparticipações da Câmara Municipal do Seixal e do Ministério do Equipamento, do Planeamento e da Administração do Território, através da Direcção Geral do Ordenamento do Território e Desenvolvimento Urbano, o que a A. sabia, e que tendo esta executado os trabalhos de forma deficiente e sem cumprir os prazos, face a vistorias realizadas, a comparticipação por parte do Ministério não foi satisfeita na sua totalidade; referiu, ainda, que o valor dos trabalhos efectuados a mais era inferior ao considerado pela A..
Requereu o R. a intervenção principal do Ministério do Equipamento, do Planeamento e da Administração do Território, pela Direcção Geral do Ordenamento do Território e Desenvolvimento Urbano, através da Comissão de Coordenação da Região de Lisboa e Vale do Tejo.
Após réplica foi julgado procedente o incidente de intervenção e determinada a citação da Direcção Geral do Ordenamento do Território e Desenvolvimento Urbano, na pessoa do deu Director Geral; posteriormente, foi determinada a citação do Ministério Público, nos termos do art. 20 do CPC.
O Ministério Público, em representação do Estado Português, contestou; impugnou matéria alegada e declarou que havia sido processada ao R. a quantia de 6.000.000$00 correspondente à comparticipação acordada.
Foi proferido despacho saneador e organizada a Base Instrutória.
Designada data para audiência de discussão e julgamento, o R. «Clube …» deduziu articulado superveniente alegando defeitos da obra, revelados de Outubro de 2000 em diante e pedindo a condenação da A. a reparar os defeitos da obra bem como que seja conferido ao R. o direito de reter a última prestação do pagamento até completa e eficaz reparação dos defeitos.
A A. respondeu, designadamente arguindo que o pedido reconvencional deduzido pelo R. era extemporâneo para além de infundado.
Foi proferido despacho indeferindo aqueles pedidos formulados pelo R., embora considerando factos aduzidos naquele articulado que foram aditados à Base Instrutória.
O processo prosseguiu, vindo a final a ser proferida sentença que julgou a acção procedente por provada e condenou o R. a pagar à A. a quantia de € 18.257,72 (dezoito mil, duzentos e cinquenta e sete euros e setenta e dois cêntimos), acrescida de juros de mora, vencidos desde 01/03/99, à taxa de 15% até 12/04/99, de 12% de 13/04/99 até 30/10/04 e de 9,01% desde 01/10/04 e vincendos até integral pagamento.
Da sentença apelou o R. «Clube …» concluindo pela seguinte forma a respectiva alegação de recurso:
A) A sentença recorrida julgou provado que a obra apresenta defeitos evidenciados em momento posterior ao recebimento daquela, pela Apelante, e que estes ficaram a dever-se a culpa da Apelada, mas que
B) Tendo sido indeferido o pedido reconvencional deduzido pela Apelante, entendeu não ser legítimo, àquela, invocá-lo, para fazer funcionar a excepção de não cumprimento do contrato e recusar o pagamento à Apelada, do remanescente do preço que não liquidou.
C) Discorda a Apelante do entendimento do Tribunal a quo e entende que a sentença, neste ponto deve ser reparada, tendo que se apurar
D) Se o indeferimento do pedido reconvencional formulado no Articulado Superveniente, a fls. 169 dos autos, importa a extracção das conclusões do Tribunal a quo, confirmando-se a sentença recorrida, ou, se ao invés,
E) Ainda que perante o indeferimento do pedido reconvencional, deduzido pela Apelante, em sede de Articulado Superveniente, não está o Tribunal a quo obrigado, em sede de julgamento, a extrair as consequências jurídicas dos factos supervenientes, aditados à base instrutória, que sejam considerados provados, conforme estipula o artigo 663° do CPC.
F) É este último o entendimento defendido pela Apelante.
G) Os factos enunciados em mm), nn), oo) e pp), dos factos provados, foram levados aos autos mediante a apresentação, pela Apelante, de um Articulado Superveniente, uma vez que os mesmos só surgiram, ou foram desta conhecidos, em momento posterior ao da apresentação do seu último articulado;
H) O Articulado Superveniente foi admitido por Despacho de 01.03.2004, a fls., que aditou dez novos factos à Base Instrutória, nessa data, já elaborada,
I) Tendo resultado provados os factos enunciados em mm), nn), oo) e pp), dos factos provados;
J) Por Despacho da mesma data - 01.03.2004-, o Tribunal a quo indeferiu os pedidos formulados em 2) e 3), pela R., a fls. 169, ou seja, no seu Articulado Superveniente, por os considerar inadmissíveis naquele momento processual.
K) De acordo com o disposto no artigo 663° do CPC, e atendendo à ideia da economia processual, manda a lei que a sentença tome em consideração todos os factos constitutivos, modificativos ou extintivos produzidos até ao encerramento da discussão, desde que, segundo o direito substantivo aplicável, eles influam na existência ou conteúdo da relação controvertida.
L) Os factos enunciados em b), r), s), mm), nn), oo) e pp), dos factos provados, demonstram assistir razão à Apelante porquanto esta provou que a obra executada pela Apelada apresenta vícios, e
M) Pese embora o articulado superveniente ter por função exclusiva a ampliação da matéria de facto e consequente produção de prova, sendo por isso inadmissível a formulação de um pedido reconvencional,
N) Provada que foi essa matéria, favoravelmente à Apelante,
O) A sentença tem que ter em consideração tais factos, decidindo o pleito favoravelmente à Apelante.
P) A ser como se consagrou na sentença em crise, sempre que os factos supervenientes importassem matéria susceptível de integrar uma Reconvenção, estariam esses mesmo factos vedados de ser levados a juízo, ou
Q) Sendo levados ao processo, admitidos e provados, nenhuma consequência jurídica seria retirada.
R) O entendimento sufragado na sentença recorrida importa o esvaziamento do Direito e a inutilidade do Instituto do Articulado Superveniente, frustrando-se o objectivo que se pretendeu criar com a introdução deste instrumento na lei Processual Civil.
S) Acresce ainda que os factos supervenientes, levados aos autos pela Apelante e aditados à base instrutória, procederam da mesma causa de pedir dos invocados pela Apelada, ou seja, a realização da empreitada.
T) Os factos supervenientemente carreados para os autos, admitidos e provados pela Apelante, por influírem sobre o conteúdo da relação controvertida, terão que ser considerados pelo Julgador e extraídas, na sentença, as necessárias consequências, a saber,
U) A recusa legítima da Apelante em não efectuar à Apelada o pagamento do resto do preço que não lhe liquidou.
V) Ainda que improcedam as conclusões supra, de acordo com o provado em n), i), j), k) e 1), dos factos provados, resulta que a Apelada sabia que os trabalhos seriam pagos mediante verbas a libertar por uma terceira entidade;
W) A falta de pagamento atempado da verba, pela Apelante à Apelada, ficou a dever-se a facto imputável a terceiro e não à vontade daquela, pelo que não existe mora;
X) São inaplicáveis as disposições invocadas no aresto a quo, mormente os artigos 798°, 799, 1, 804°, todos do C Civil, sendo aplicável o artigo 792° do CCivil;
Y) Inexistindo mora da Apelante não são devidos, por esta, juros à Apelada. Contudo, caso este Venerando Tribunal assim não entenda,
Z) A Apelante só entrou em mora a partir de 27.06.2000, data do depósito, na sua conta bancária, da verba em causa e não desde 113/1999, como se entendeu na sentença recorrida;
AA) Caso este Venerando Tribunal indeferisse a primeira parte deste Recurso e considerasse ter a Apelante entrado em mora, ainda assim,
BB) Os juros a pagar pela Apelante à Apelada serão juros de natureza civil e não comercial, conforme entendeu o aresto em crise, porquanto
CC) Para a Apelante, que é um Clube Recreativo e Desportivo, o contrato de empreitada sub júdice tem natureza exclusivamente civil,
DD) E não se estando perante um "Acto de Comércio", as taxas de juro a aplicar serão as previstas no artigo 559° do CCivil e nas Portarias 1171/95 de 25.09, 263/99 de 12.04 e 291/03 de 08.04, sendo por isso as taxas de juro as de 10% até 16/4/1999, 7% até 30/4/2003 e 4% desde 1/5/2003.
A apelada contra alegou nos termos de fls. 448 e seguintes.
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II - O Tribunal de 1ª instância julgou provados os seguintes factos:
a) Em 25/06/98 foi celebrado entre a DGOTDU, a CCRLVT e o Réu o protocolo n° 78/98-SP2 mediante o qual se estipulou que a comparticipação a conceder pelo Ministério do Equipamento, Planeamento e Administração do Território, através das dotações orçamentais da DGOTDU teria o limite de Esc.: 6.000.000$00 e seria liquidada em duas fracções de igual montante: a primeira a ser processada com a selecção das candidaturas e a segunda após a confirmação da conclusão dos trabalhos - al. A) dos factos assentes -;
b) O Réu não pagou os trabalhos constantes do Auto de Mediação 2 datado de 23.02.99, no quantitativo global de Esc.: 3.128.500$00 a que acresce IVA à taxa legal em vigor no montante de Esc.: 531.845$00 - al. B) dos factos assentes -;
c) Em 13/10/98 no exercício da sua actividade, a Autora ajustou com o Réu uma empreitada que teve como objecto a obra de recuperação das coberturas do pavilhão e dos balneários do Clube Réu, conforme orçamento de fls. 8 a 13 dos autos - resposta ao ponto 1º da base instrutória -;
d) O preço acordado da obra foi de Esc.: 9.419.100$00 - resposta ao ponto 2º da base instrutória -;
e) Cujo pagamento deveria ser efectuado parcelarmente à medida da execução dos trabalhos e da conclusão de cada um dos capítulos do orçamento - resposta ao ponto 3º da base instrutória -;
f) Após a adjudicação da obra, o Réu solicitou à Autora a realização de trabalhos a mais descriminados no orçamento de fls. 15 dos autos - resposta ao ponto 4º da base instrutória -;
g) A obra foi executada e recebida pelo Réu em 18/03/99, tendo a Directora do R. subscrito, então, a declaração junta a fls. 16 dos autos - resposta ao ponto 5º da base instrutória -;
h) Para realização e pagamento dos trabalhos nas suas instalações o Réu candidatou-se à concessão de subsídios junto da Câmara Municipal do Seixal e do Ministério do Equipamento, do Planeamento e da Administração do Território, pela Direcção Geral do Ordenamento do Território e Desenvolvimento Urbano (DGOTDU) através da Comissão de Coordenação da Região de Lisboa e Vale do Tejo (CCRLVT) - resposta ao ponto 6º da base instrutória -;
i) A quantia referida em d) acrescida de IVA à taxa legal é suportada pela comparticipação das duas entidades mencionadas em h) - resposta ao ponto 7º da base instrutória -;
j) A DGOTDU através da CCRLVT ficou responsável pelo pagamento de Esc.: 6.000.000$00 em duas tranches de Esc.: 3.000.000$00 - resposta ao ponto 8º da base instrutória -;
k) A Câmara Municipal do Seixal ficou responsável pelo pagamento da diferença entre os Esc.: 6.000.000$00 e o valor final dos trabalhos - resposta ao ponto 9º da base instrutória -;
l) O orçamento inicial, suas rectificações e trabalhos a mais tiveram que merecer a aprovação prévia das duas entidades - resposta ao ponto 10º da base instrutória -;
m) Cada uma das entidades, antes da libertação da parte do pagamento que lhe compete, destaca técnicos que vão ao local da obra vistoriar os trabalhos e a sua conformidade com o projecto - resposta ao ponto 11º da base instrutória -;
n) A Autora desde 02/09/98, data da apresentação ao Réu do orçamento de fls. 8 a 13, tinha conhecimento de que o pagamento dos trabalhos seria efectuado através de verbas concedidas pelas entidades referidas em h) - resposta ao ponto 12º da base instrutória -;
o) O prazo para a execução dos trabalhos inicialmente orçamentados foi de 60 dias - resposta ao ponto 13º da base instrutória -;
p) Em 15/06/99, foi realizada vistoria à obra, por um técnico da DGOTDU/CCRLTV, que elaborou relatório onde fez constar que não se encontravam realizados os seguintes trabalhos: a) impermeabilização da cobertura dos balneários; b) pintura interior e exterior dos balneários; c) recuperação das carpintarias exteriores; d) substituição das louças sanitárias e torneiras - resposta ao ponto 15º da base instrutória -;
q) Em 6 de Janeiro de 2000 o Réu recebe novo ofício da DGOTDU que exige a rápida conclusão dos trabalhos sob pena de o réu vir a perder a segunda tranche da comparticipação no valor de Esc.: 3.000.000$00 - resposta ao ponto 18º da base instrutória -;
r) Em 27 de Março de 2000 o Réu enviou uma carta à Autora na qual solicitou a sua intervenção, referindo que após as obras realizadas continuava a chover dentro do pavilhão - resposta ao ponto 21º da base instrutória -;
s) Em meados de Maio de 2000, a A. procedeu a algumas reparações no telhado da cobertura do pavilhão - resposta ao ponto 22º da base instrutória -;
t) Os trabalhos foram novamente vistoriados pela DGOTDU/CCELVT em 6 de Junho de 2000 - resposta ao ponto 23º da base instrutória -;
u) A Autora teve conhecimento dos factos mencionados em h), i), l) a o), g), r) e s) - resposta ao ponto 24º da base instrutória -;
v) Em 15 de Junho de 2000 o Réu contactou a CCRLVT a fim de saber quando seria libertada a tranche de Esc.: 3.000.000$00 - resposta ao ponto 25º da base instrutória -;
w) Em 15 de Junho de 2000 a CCRLVT comunicou ao réu que o processo fora enviado para a Direcção Geral das Autarquias Locais - resposta ao ponto 26º da base instrutória -;
x) A obra foi iniciada em 24 de Outubro de 1998 - resposta ao ponto 31º da base instrutória -;
y) Uns dias depois do início da obra, o réu solicita à autora a realização de trabalhos a mais - resposta ao ponto 32º da base instrutória -;
z) Cujo orçamento a Autora lhe remete em 2 de Novembro de 1998 - resposta ao ponto 33º da base instrutória -;
aa) Em 17/11/98, a C.M.S. apresentou contraproposta à A. no tocante ao preço dos trabalhos a mais descritos no orçamento aludido em z) e em 08/01/00, a A. comunicou à C.M.S. aceitar o valor proposto - resposta ao ponto 34º da base instrutória;
bb) A execução dos trabalhos a mais estava interligada com a execução dos trabalhos inicialmente orçamentados - resposta ao ponto 35º da base instrutória -;
cc) Em virtude da situação referida nas als. y) a bb), os trabalhos ficaram suspensos desde 02/11/98 até 08/01/99 - resposta ao ponto 36º da base instrutória -;
dd) Com a adjudicação dos trabalhos a mais, ao prazo de sessenta dias para a execução dos trabalhos a orçamentados acrescentou-se mais trinta dias para execução daqueles - resposta ao ponto 37º da base instrutória -;
ee) A obra decorreu nos meses de inverno, por vezes com chuva, que quando era muito intensa impedia a execução dos trabalhos - resposta ao ponto 38º da base instrutória -;
ff) De acordo com o protocolo referido em a) os trabalhos deveriam ser iniciados nos 90 dias subsequentes à comunicação de selecção e ser finalizados no prazo de 180 dias - resposta ao ponto 40º da base instrutória -;
gg) Em cumprimento do protocolo referido, com a selecção da candidatura a DGOTDU liquidou em 30.10.98 a primeira fracção da comparticipação, no montante de Esc.: 3.000.000$00 - resposta ao ponto 41º da base instrutória -;
hh) Em 24.02.99 o Réu solicitou que lhe fosse disponibilizada a segunda fracção comparticipação financeira - resposta ao ponto 42º da base instrutória -;
ii) Em resposta a CCRLVT informou por escrito o Réu em 04.03.99 de que, nos termos do protocolo mencionado em a), a segunda fracção da comparticipação financeira seria processada após confirmação da conclusão dos trabalhos, solicitando oportuna informação sobre a data de conclusão da obra - resposta ao ponto 43º da base instrutória -;
jj) Em 15/02/00, a CCRLVT, através do técnico que efectuou a vistoria mencionada em p), realizou nova vistoria à obra e elaborou o respectivo relatório onde fez constar que a obra não estava concluída e que faltava a pintura interior e exterior dos balneários, a recuperação das carpintarias interiores e a substituição das louças sanitárias e torneiras - resposta ao ponto 44º da base instrutória -;
kk) Em 09/06/00, a CCRLVT, através do técnico referido, efectuou nova vistoria à obra, tendo então considerado que os trabalhos estavam concluídos - resposta ao ponto 45º da base instrutória -;
ll) Em 27.06.00 a importância de Esc.: 3.000.000$00 correspondente à segunda fracção da comparticipação foi depositada na conta indicada pelo Réu - resposta ao ponto 46º da base instrutória -;
mm) No Outono do ano 2000 e de forma mais evidente no inverno de 2000/2001, com as chuvas, a zona da clarabóia e dos balneários do pavilhão começaram a apresentar fissuras, humidade e infiltrações - resposta aos pontos 47º e 48º da base instrutória -;
nn) Na altura da aceitação da obra a R. não tinha conhecimento de que os factos descritos em mm) viriam a ocorrer- resposta ao ponto 49º da base instrutória -;
oo) Em 19/10/00 a R. enviou à A. a carta que se encontra junta a fls. 172 dos autos, cujo teor aqui se dá por integralmente reproduzido - resposta ao ponto 50º da base instrutória -;
pp) Com a passagem do inverno de 2000/2001 e 2001/2002, as fissuras, humidade e infiltrações referidas tornaram-se mais acentuadas - resposta ao ponto 52º da base instrutória -.
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III – 1 - Das conclusões da apelação interposta – e são essas conclusões que definem o objecto da mesma, consoante resulta dos arts. 684, nº 3 e 690, nº 1 do CPC – decorre que as questões que essencialmente se colocam no presente recurso são as seguintes:
- se, embora não admitidos os pedidos deduzidos pelo R. «Clube …» quando da apresentação do seu articulado superveniente, os factos constantes daquele articulado e que vieram a ser julgados provados deveriam ser considerados na decisão final e daí extraídas as respectivas consequências, atendendo-se à excepção de não cumprimento do contrato;
- se inexiste mora do R., por a falta de pagamento atempado da verba reclamada nos autos se dever a facto imputável a terceiro e não à vontade do R.;
- se, tendo o contrato de empreitada natureza exclusivamente civil, as taxas de juro aplicáveis são as previstas no art. 559 do CC e portarias a que aquele artigo se reporta.
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III – 2 - Entendeu-se na sentença recorrida no que concerne à excepção de não cumprimento do contrato:
«…pese embora tenha resultado provado que a obra apresenta defeitos (a zona da clarabóia e dos balneários do pavilhão apresentam fissuras, humidade e infiltrações), evidenciados em momento posterior ao recebimento daquela, pelo réu (pelo que este não tinha, então, conhecimento dos mesmos), e perante a não prova, cujo ónus incumbia ao A. (cfr. artº. 799º, nº. 1), de que tais defeitos não ficaram a dever-se a culpa sua, o que levaria a que tivesse de responder por esses defeitos, tendo sido indeferido o pedido reconvencional deduzido pelo R., tendo como causa de pedir tal facto (os defeitos da obra), entendemos não ser legítimo ao R. invocá-lo, para fazer funcionar a excepção de não cumprimento do contrato e recusar o pagamento, à A., do remanescente do preço que não liquidou».
Contra este entendimento se rebela o R. apelante, defendendo que, pese embora o indeferimento do pedido reconvencional deduzido, está o tribunal obrigado, em sede de julgamento, a extrair as consequências jurídicas dos factos supervenientes aditados à Base Instrutória e considerados provados.
Vejamos.
A excepção de não cumprimento do contrato vem regulada nos arts. 428 e seguintes do CC, dispondo o nº 1 daquele artigo: «Se nos contratos bilaterais não houver prazos diferentes para o cumprimento das prestações, cada um dos contraentes tem a faculdade de recusar a prestação enquanto o outro não efectuar a que lhe cabe ou não oferecer o seu cumprimento simultâneo». Todavia, mesmo estando o cumprimento das prestações sujeito a prazos diferentes a excepção poderá ser invocada pelo contraente cuja prestação deva ser efectuada depois da do outro, apenas não podendo ser oposta por aquele que devia cumprir primeiro.
Justifica-se a recusa do credor a cumprir, alegando a excepção de não cumprimento, porque a sua prestação é o correlativo da contraprestação do devedor, porque as respectivas obrigações estão ligadas entre si por um nexo de correspectividade: aquilo que legitima a exceptio é a ausência da correspondência ou da reciprocidade que está na origem das obrigações e que deve esta presente no seu cumprimento (sinalagma funcional).
É genericamente aceite que este meio de defesa pode ser validamente exercido quando a contraparte apenas cumprir ou oferecer o cumprimento em termos parciais e defeituosos; abrange não só os casos em que a prestação é quantitativamente insuficiente (cumprimento parcial), como os casos de mau cumprimento ou cumprimento defeituoso (1), desde que a sua invocação não contrarie o princípio geral da boa fé. Por via da chamada exceptio nom rite adimpleti contractus o contraente pode recusar a prestação enquanto a outra não for completada ou rectificada.
No que concerne especificamente ao contrato de empreitada, o principal direito do empreiteiro é o da recepção do preço. Encontrando-se o pagamento do preço em nexo de correspectividade com a realização da obra, o dono da obra poderá suspender o pagamento se o empreiteiro não realizar a obra ou o fizer defeituosamente (2).
Refere Pedro Romano Martinez: «Enquanto o defeito não for eliminado, o dono da obra pode recusar-se a pagar parte ou a totalidade do preço, usando a excepção de não cumprimento dos contratos» (3). Especificando: «No que tange ao contrato de empreitada, esta excepção é sobremaneira importante. Normalmente, o dono da obra pode excepcionar o pagamento do preço se este se vence depois ou concomitantemente com a entrega da obra, mas é frequente estipular-se um remuneração parcelar, com vencimentos periódicos anteriores à aceitação da obra. Nestes casos levanta-se a questão da admissibilidade da exceptio perante uma execução defeituosa. Tendo em conta o disposto nos arts. 429º e 781º, a resposta deve ser afirmativa. (…) A exceptio nom rite adimpleti contractus poderá unicamente ser exercida após o credor ter, não só denunciado os defeitos, como também exigido que os mesmos fossem eliminados, a prestação substituída ou realizada de novo, o preço reduzido, ou, ainda, o pagamento de uma indemnização por danos circa rem» (4) (negrito nosso).
Processualmente, o demandado a quem se exija o cumprimento tem de invocar a exceptio que não é de conhecimento oficioso, tratando-se de uma excepção «sensu proprio e strico sensu»; quem a arguiu não nega nem limita o direito do autor ao cumprimento, apenas recusando a sua prestação enquanto não for realizada nem oferecida a contraprestação – pretende-se, tão só, um efeito dilatório, o de realizar a prestação no momento (ulterior) em que seja recebida a contraprestação a que tem direito. Reconduz-se a uma causa justificativa de incumprimento das obrigações a uma recusa provisória de cumprir a sua obrigação por parte de quem a alega: apenas paralisa temporariamente ou neutraliza o direito de crédito de que é titular o outro contraente (5). O efeito principal – para quem a invoca – é o da suspensão da exigibilidade da sua obrigação; o excipiente poderá legitimamente recusar a sua prestação sem com isso incorrer em mora.
Trata-se, pois, de uma verdadeira excepção em sentido técnico, de um contra-direito que o réu pode fazer valer, paralisando a demanda do outro contraente (6).
Deste modo, a excepção de não cumprimento não tem - mesmo no âmbito de um contrato de empreitada em que o empreiteiro reclama o preço e o dono da obra se reporta a defeitos averiguados naquela - que ser deduzida em reconvenção, tratando-se de uma excepção, a invocar como tal; consistindo, embora, na alegação de factos novos, estes não se reconduzem necessariamente a um pedido distinto e autónomo formulado contra o A..
No caso da exceptio nom rite adimpleti contractus são seus pressupostos a existência de defeitos, a sua prévia denúncia pelo dono da obra e a exigência da respectiva eliminação, cabendo a quem dela se quer prevalecer alegar e provar os factos que preencham aqueles pressupostos, mas não impondo tal a formulação de um pedido reconvencional.
No articulado superveniente o R. alegou, vindo posteriormente a provar, que: no Outono do ano 2000 e de forma mais evidente no inverno de 2000/2001, com as chuvas, a zona da clarabóia e dos balneários do pavilhão começaram a apresentar fissuras, humidade e infiltrações; na altura da aceitação da obra a R. não tinha conhecimento de que tais factos viriam a ocorrer; em 19/10/00 a R. enviou à A. a carta que se encontra junta a fls. 172 dos autos, na qual dizia: «Venho por este meio dar conhecimento que (…) a zona da Clarabóia dos Balneários do ringue abriu muitas fendas»; com «a humidade das duas últimas semanas e as primeiras chuvas, a Cobertura e a Clarabóia estão cheias de humidade e todas rachadas»; «agradeço que me contactem no prazo de 8 dias a fim de solucionar definitivamente o problema».
Neste contexto, entende-se que o indeferimento por razões formais - «por inadmissíveis … no presente momento processual», consoante consta do despacho de fls. 228 – dos pedidos formulados pelo R. «Clube …» no articulado superveniente por si deduzido, em termos correspondestes à formulação de pedido reconvencional (7), por si só, não impunha o afastamento da excepção de não cumprimento fundada nos factos constantes daquele articulado e que foram levados à Base Instrutória; não se exigia a formulação de pedido reconvencional, sendo os factos articulados (e provados) apreciados como excepção, coincidente com a sua verdadeira natureza, apresentados pelo meio próprio (articulado superveniente – art. 506 do CPC).
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III – 3 - Questão diferente é a de se no circunstancialismo concretamente apurado nos autos a excepção de não cumprimento poderia proceder.
Antes de prosseguirmos é conveniente evidenciarmos a matéria de facto provada com interesse para a decisão do recurso, nesta parte, matéria esse que se reconduz à seguinte:
A. A. ajustou com o R. a empreitada a que se reportam os autos a qual teve como objecto a obra de recuperação das coberturas do pavilhão e dos balneários do Clube R., sendo acordado o preço de 9.419.100$00 cujo pagamento deveria ser efectuado parcelarmente à medida da execução dos trabalhos e da conclusão de cada um dos capítulos do orçamento. Após a adjudicação da obra, o R. solicitou à A. a realização de trabalhos a mais descriminados no orçamento de fls. 15. A obra foi executada e recebida pelo Réu em 18-3-99, tendo a Directora do R. subscrito, então, a declaração junta a fls. 16 dos autos, da qual consta que a obra teve a sua conclusão em fins de Fevereiro de 1999, sendo o valor dos trabalhos executados o de 9.419.100$00, acrescidos de IVA, mais declarando que «a firma imprimiu um bom ritmo aos trabalhos e os mesmos foram executados a nosso inteiro agrado».
O R. não pagou à A. os trabalhos constantes do auto de medição 2, datado de 23-2-99, no quantitativo global de 3.128.500$00, acrescido do IVA respectivo, sendo que o pagamento do preço da obra deveria ser efectuado parcelarmente, à medida da execução dos trabalhos e da conclusão de cada um dos capítulos do orçamento.
Em 27 de Março de 2000 o R. enviou uma carta à A. na qual solicitou a sua intervenção, referindo que após as obras realizadas continuava a chover dentro do pavilhão e, em meados de Maio de 2000, a A. procedeu a algumas reparações no telhado da cobertura do pavilhão.
A presente acção é intentada em 22 de Maio de 2000 e na contestação, apresentada em 15 de Setembro do mesmo ano, o R. Clube … defendeu que o pagamento do preço da empreitada dependia do recebimento, por si, dos subsídios advenientes da DGOTDU (CCRLVT) bem como da Câmara Municipal do Seixal, que aquela entidade em vistoria efectuada considerara que os trabalhos haviam sido realizados de forma deficiente, o que fora comunicado à A., que esta só em meados de Maio de 2000 concluíra finalmente os trabalhos que foram vistoriados novamente por um técnico da DGOTDU em 6 de Junho de 2000.
Em 27-6-00 – em data anterior à da entrega da contestação em juízo – fora depositada na conta do R. a importância de 3.000.000$00 correspondente à 2ª fracção da comparticipação da CCRLVT.
Posteriormente, no Outono do ano 2000 e de forma mais evidente no inverno de 2000/2001, com as chuvas, a zona da clarabóia e dos balneários do pavilhão começaram a apresentar fissuras, humidade e infiltrações; na altura da aceitação da obra o R. não tinha conhecimento de que tais factos viriam a ocorrer.
Em 19-10-00 o R. enviou à A. a carta que se encontra junta a fls. 172 dos autos, dizendo-lhe que as reparações que havia feito na cobertura do pavilhão, em Abril de 2000, concluídas em Maio de 2000, revelaram mais defeitos, acrescentando que também a zona da clarabóia dos balneários do ringue abriu muitas fendas e que com a humidade das duas últimas semanas e as primeiras chuvas a cobertura e a clarabóia estão cheias de humidade e todas rachadas, em nada tendo solucionado a má realização das obras os «remendos» que a A. fizera em Maio de 2000. Pediu, então, a R. que fosse contactada pela A. no prazo de 8 dias a fim de ser solucionado definitivamente o problema.
Atentemos, então a estes factos.
O contrato de empreitada – contrato a que nos reportamos – foi celebrado entre a A. (empreiteira) e o R. Clube … (comitente). O R. estabelecera com o Estado (DGOTDU – CCRLVT) e com a autarquia (Câmara Municipal do Seixal) relações simultâneas candidatando-se à concessão de subsídios para pagamento dos trabalhos; porém, a A. não contratou com estas entidades, com as quais não estabeleceu quaisquer relações específicas; a A. sabia, porém, que os pagamentos dos trabalhos a realizar, e que iria receber (do R.), seriam efectuados através de verbas concedidas ao R. por aquelas entidades.
A obra foi executada, tendo sido recebida pelo Réu em 18-3-99; a Directora do R. subscreveu, na ocasião, a declaração junta a fls. 16 dos autos, declarando, designadamente, que a obra tivera a sua conclusão em fins de Fevereiro de 1999 e que «a firma imprimiu um bom ritmo aos trabalhos e os mesmos foram executados a nosso inteiro agrado». Daqui retiramos que a R. aceitou a obra entregue pela A., não lhe apontando, então, quaisquer defeitos.
Nos termos acordados o R. pagaria à A., com a sua conclusão, os trabalhos constantes do auto de medição 2, datado de 23-2-99, no quantitativo global de 3.128.500$00, acrescido do IVA respectivo.
O R. não procedeu àquele pagamento – que lhe competia a ele e não a outrem, independentemente dos meios por si conseguidos para o efeito, nomeadamente através dos subsídios a que se candidatara. Saliente-se que aquilo que fora acordado entre as partes no contrato de empreitada – a A. e o R. Clube … - fora a realização do pagamento parcelarmente, à medida da execução dos trabalhos e da conclusão de cada um dos capítulos do orçamento e não do pagamento quando o R. recebesse os subsídios do DGOTDU – CCRLVT e da Câmara Municipal do Seixal.
Mais de um ano depois, em 27 de Março de 2000, o R. enviou uma carta à A. na qual solicitou a sua intervenção, referindo que após as obras realizadas continuava a chover dentro do pavilhão e, em meados de Maio de 2000, a A. procedeu a algumas reparações no telhado da cobertura.
Entretanto a CCRLVT realizara vistorias e apontara exigências junto do R., mas mesmo aquela entidade, em 9-6-2000 considerara que os trabalhos estavam concluídos e, na sequência, em 27-6-00, depositara na conta do R. a fracção restante do subsídio que se prestara a conceder-lhe.
De qualquer modo, não se provou que as exigências feitas junto do R., no âmbito daquelas vistorias, correspondessem a efectivas faltas na execução dos trabalhos pela A. e que tivessem sido denunciadas a esta e reclamada a sua conclusão (respostas aos arts. 15 a 20 da Base Instrutória)
É no Outono seguinte – Outono de 2000 - que o R. detecta os defeitos por si referidos no articulado superveniente, dando deles conhecimento ao A. e pedindo-lhe a solução do problema por carta enviada em 19-10-2000.
Nesta ocasião já há muito que o R. se encontrava em mora – mesmo na sua versão, apresentada na contestação, as obras estavam concluídas desde Maio de 2000, acrescendo, até, prosseguindo na sua perspectiva, que desde Junho do mesmo ano dispunha da última tranche dos meios financeiros disponibilizados pelo DGOTDU – CCRLVT, para proceder ao pagamento.
Poderia operar a excepção, nestas circunstâncias?
Afigura-se que não.
José João Abrantes (8) refere que para que a excepção não seja julgada contrária à boa fé, deverá haver uma tripla relação ente o incumprimento do outro contraente e a recusa de cumprir por parte do excipiente: relação de sucessão, de causalidade e de proporcionalidade entre uma e outra.
Explicando: «De acordo com o primeiro dos apontados requisitos, cada um dos contraentes apenas pode recusar legitimamente a sua prestação após a outra parte não ter executado. Isto é, não pode recusar a sua prestação, invocando a exceptio, o contraente que foi o primeiro a cair numa situação de incumprimento: a recusa de cumprir do excipiente deve ser posterior à inexecução da obrigação da contraparte, deve seguir-se-lhe, e não precedê-la.
Faltará tal requisito se o credor estiver em mora
De acordo com o segundo requisito, deverá haver um nexo de causalidade ou de interdependência causal entre o incumprimento da outra parte e a suspensão da prestação do excipiente: esta deve surgir unicamente por causa de tal incumprimento, deve surgir como sua consequência imediata» (negrito nosso).
Adere-se inteiramente a este entendimento, pelo que se considera que nas circunstâncias concretas dos autos a excepção não poderia operar: o R. já anteriormente se encontrava em mora. Acresce que segundo a própria exposição do R. apresentada na respectiva contestação o não pagamento da última fracção do preço não teria ocorrido unicamente por causa do alegado cumprimento defeituoso por parte da A., mas sim, também, devido à sua não recepção da segunda fracção do subsídio a prestar pela DGOTDU.
Assim, nesta parte, improcede a pretensão do apelante.
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III – 4 - Atentemos agora à segunda questão que nos é colocada: se inexiste mora do R., por a falta de pagamento atempado da verba reclamada nos autos se dever a facto imputável a terceiro (DGOTDU/Estado) e não à vontade do R..
Não podemos esquecer a presunção de culpa decorrente do nº 1 do art. 799 do CC: incumbia ao devedor (logo, ao R.) provar que a falta de cumprimento da obrigação não procedia de culpa sua.
O contrato de empreitada foi celebrado entre a A. e o R., sendo este, e não outrem, quem estava adstrito ao pagamento das parcelas do preço, nas datas convencionadas naquele contrato.
Simultânea e concorrentemente, o R. estabeleceu com o DGOTDU/CCRLVT/Estado e com a Câmara Municipal do Seixal outros acordos, com vista à obtenção de subsídios para financiamento da obra, de onde lhe advieram, também, obrigações. Muito embora a A. tivesse conhecimento da candidatura do R. a esses subsídios e que o pagamento do preço da empreitada seria efectuado através das verbas concedidas, a A. não era parte nas relações estabelecidas entre o R. e aquelas entidades, não se reflectindo na sua esfera as cláusulas que o R. com elas instituíra.
Mesmo dando por adquirido que sem que o DGODTDU lhe desse acesso à segunda tranche do financiamento – o que sucederia após a confirmação da conclusão dos trabalhos – o R. não disporia de meios para efectuar o pagamento à A., não demonstrou o R. que cumprira para com o DGODTDU aquilo a que se obrigara sem que este lhe proporcionasse a segunda tranche do financiamento.
Refere o R./apelante, na sua alegação de recurso, aceitar que «não logrou provar que o atraso na realização dos trabalhos que provocou o pagamento tardio da última tranche pela DGOTDU/CCRLVT seja imputável à A.». Porém, também não logrou provar que o atraso no pagamento não lhe era imputável a ele, R., porque fora a DGOTDU/CCRLVT quem não cumprira as obrigações decorrentes dos acordos estabelecidos nos prazos e condições previstas (ao financiamento realizado pela Câmara Municipal do Seixal não é feita qualquer referência).
Por fim, há que salientar que é doutrina habitualmente aceite que a falta de meios pecuniários não basta, nas obrigações pecuniárias, para elidir a presunção de culpa decorrente do disposto no art. 799 do CC (9).
Pelo que, também nesta parte, improcedem as conclusões do apelante.
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III – 5 - Verifiquemos agora o que diz respeito à natureza dos juros.
Decidiu-se na sentença recorrida: «Os juros devidos são os legais, definidos e regulados pelo artº. 559º do C.Civil conjugado com o disposto no artº 102º, parágrafos 2º e 3º do Cód. Comercial e nas Portarias n.º. 1167/95, de 23.01, nº. 262/99, de 12 de Abril e n.º. 1105/2004, de 16.10, sendo a taxa de 15% até 12/04/99, de 12% de 13/04/99 até 30/10/04 e de 9,01% desde 01/10/04».
Entende a apelante que não são aquelas as taxas de juro aplicáveis mas sim as previstas no artigo 559° do CCivil e nas Portarias 1171/95 de 25.09, 263/99 de 12.04 e 291/03 de 08.04, sendo por isso, de 10% até 16/4/1999, 7% até 30/4/2003 e 4% desde 1/5/2003.
Vejamos.
O fulcro da questão não se situará tanto sobre o prisma da determinação da natureza civil ou comercial da empreitada (10) mas, antes, sob uma outra, ainda que próxima, perspectiva.
No art. 1 da sua p.i. a A. alegou que é uma sociedade comercial que se dedica à actividade da construção civil o que não foi posto em causa nos autos (ver, aliás, o art. 28 do articulado do Estado), estando aceite no processo.
Provou-se que em 13/10/98, no exercício da sua actividade, a Autora ajustou com o Réu uma empreitada que teve como objecto a obra de recuperação das coberturas do pavilhão e dos balneários do clube R. – a empreitada a que se reportam os autos, reclamando a A. parte do preço daquela empreitada e respectivos juros.
Dispunha o § 3 do art. 102 do C Comercial que poderia ser fixada por portaria conjunta dos Ministros da Justiça e das Finanças e do Plano uma taxa supletiva de juros moratórios relativamente aos créditos de que fossem titulares empresas comerciais, singulares ou colectivas.
Visto não existir uma definição legal de «empresa comercial» suscitaram-se então dúvidas quanto ao âmbito de aplicação do preceito. Entendeu-se, todavia, ser preferível dar à expressão um sentido amplo, abrangendo não só todos os comerciantes (e as sociedades comerciais, como a A., são comerciantes, à luz do art. 13 do C. Com.), como também todas as empresas públicas e as cooperativas que exerçam uma actividade comercial organizada em moldes empresariais (11).
Posteriormente o dl 32/2003, de 17-2, deu nova redacção aos § 2 e 3 do art. 102 e acrescentou-lhe um § 4. Os § 2 e 3 passaram a ter a seguinte redacção:
«§ 2º Aplica-se aos juros comerciais o disposto nos artigos 559º-A e 1146º do Código Civil.
§ 3º Os juros moratórios legais e os estabelecidos sem determinação de taxa ou quantitativo, relativamente aos créditos de que sejam titulares empresas comerciais, singulares ou colectivas, são os fixados em portaria conjunta dos Ministros das Finanças e da Justiça».
Sendo o seguinte o conteúdo do § 4:
«A taxa de juro referida no parágrafo anterior não poderá ser inferior ao valor da taxa de juro aplicada pelo Banco Central Europeu à sua mais recente operação principal de refinanciamento efectuada antes do 1º dia de Janeiro ou Julho, consoante se esteja, respectivamente, no 1º ou no 2º semestre do ano civil, acrescida de 7 pontos percentuais».
Este decreto-lei definiu como «empresa» (art. 3-b) «qualquer organização que desenvolva uma actividade económica ou profissional autónoma, mesmo que exercida por pessoa singular».
Do exposto resulta que, no caso que nos ocupa, estamos perante créditos de que uma empresa comercial é credora, resultantes da actividade (comercial) dessa empresa. As taxas a considerar são, pois, as taxas supletivas especiais relativas aos créditos da titularidade de empresas comerciais, aludidas no § 3 do art. 102 do C. Com. – as taxas consideradas na sentença recorrida ( Ver, a propósito, o acórdão do STJ de 30-6-1998, publicado no BMJ nº 478, pag. 410.).
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IV – Face ao exposto, acordam os Juízes desta Relação em julgar improcedente a apelação, confirmando a sentença recorrida.
Custas pela apelante.

Lisboa, 12 de Julho de 2006


Maria José Mouro
Neto Neves
Manuel Capelo



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1.-José João Abrantes, «A Excepção de Não Cumprimento do Contrato no Direito Civil Português», pags. 92 e segs.; João Calvão da Silva, «Cumprimento e Sanção Pecuniária Compulsória», pag. 337; Pires de Lima e Antunes Varela, «Código Civil Anotado», vol. I, pag. 381 (3ª edição).

2.-Menezes Leitão, «Direito das Obrigações», vol. III, 3ª edição, pag. 529.

3.- «Direito das Obrigações», vol. III, 2ª edição, pag. 484.

4.-«Cumprimento Defeituoso, em Especial na Compra e Venda e na Empreitada», pags. 327-328

5.-João Calvão da Silva, obra citada, pag. 334, José João Abrantes, obra citada, pag. 128.

6.-Neste sentido, também, José João Abrantes, obra citada, pags. 148-151.

7.-Tendo os pedidos expressamente formulados (e não admitidos – como pedidos reconvencionais – atento o momento a sua formulação) o seguinte teor: «2) Condenar a R. a reparar os defeitos da obra que executou por forma àquela servir o fim a que se destinou; 3) Conferir à R. o direito a reter a última prestação do pagamento, que entretanto recebeu da CCRLTV, até completa e eficaz reparação dos defeitos».

8.-Obra citada, pags. 124-127.

9.-Ver, a propósito, a anotação de Antunes Varela publicada na RLJ 119º, pags. 174 e segs., onde refere: «Quem deve a outrem qualquer soma em dinheiro e se encontra adstrito ao cumprimento da obrigação em determinada data ou logo que seja interpelado, tem de providenciar com tempo para que, no momento oportuno, possa realizar a sua prestação. A falta pessoal de dinheiro não cria a impossibilidade de cumprir, porque não faltam no mercado os meios necessários ao cumprimento. O facto não impedirá, por isso, nem a manutenção ou persistência da obrigação, nem a responsabilidade do devedor pela mora no cumprimento».

10.-Pedro Romano Martinez em «Direito das Obrigações, Parte Especial, Contratos», pag. 324, refere que por força do art. 2º CCom. poder-se-á considerar como mercantil o contrato de empreitada cujo resultado seja economicamente produtivo e a obra realizada através de uma empresa.

11.-Brito Correia, «Direito Comercial», edição da AEFDL, vol. I, pag. 30.