Acórdão do Tribunal da Relação de Lisboa
Processo:
2519/2006-7
Relator: LUÍS ESPÍRITO SANTO
Descritores: CONTRATO-PROMESSA
MINUTA
BOA-FÉ
NEGOCIAÇÕES PRELIMINARES
FORMALIDADES
CONTRATO
RESPONSABILIDADE PRÉ-CONTRATUAL
Nº do Documento: RL
Data do Acordão: 09/26/2006
Votação: UNANIMIDADE
Texto Integral: S
Meio Processual: APELAÇÃO
Decisão: CONCEDIDO PROVIMENTO
Sumário: I- A exigência legal de redução a escrito do contrato-promessa de compra e venda de um imóvel visa precisamente proteger a ampla e livre ponderação de interesses antes da vinculação formal, protegendo-se os sujeitos contra a sua própria precipitação.
II- O envio de uma minuta de contrato-promessa pode efectivamente significar da parte do dono do imóvel que a enviou a intenção de o outorgar nas condições nela referidas.
III- Não desrespeita a boa fé, que deve presidir a quem negoceia um contrato-promessa de compra e venda de imóvel, a simultânea negociação com terceiro tendo em vista a compra e venda do mesmo imóvel.
IV- Assim sendo, não incorre em responsabilidade por culpa na formação dos contratos, nos termos do artigo 227º do Código Civil, o dono do imóvel que comunica, no dia imediato ao envio da aludida minuta, que recebeu oferta superior de outro interessado, manifestando, no entanto, a intenção de vender o imóvel ao interessado a quem foi enviada a minuta se este aceitasse pagar mais 1000 contos relativamente ao preço nela indicado.
V- O acordo informal, comprovado pelo envio da aludida minuta, pode ser livremente desfeito, sem gerar responsabilidade indemnizatória: esta a regra; assim não será, porém, se ocorrer circunstancialismo, de natureza excepcional, como seria o gerar de expectativas de tal modo firmes quanto à irreversibilidade do acordo que o comprador interessado houvesse assumido compromissos financeiros reveladores dessa irreversibilidade com o conhecimento do vendedor; ou então se o vendedor desfizesse abrupta e injustificadamente o acordo informal sem dar ao interessado a oportunidade de, pelo menos, “cobrir” a nova oferta; ou ainda se a referência a essa nova oferta não passasse de um estratagema enganador destinado a conseguir um aumento do preço de venda que as partes tinham considerado para constar do contrato-promessa de compra e venda.
VI- Só o envio da aludida minuta, que revela tão somente vontade de outorgar contrato-promessa, não basta para se considerar que o vendedor estava, a partir desse momento, irreversivelmente vinculado à outorga do contrato-promessa, incorrendo em responsabilidade pré-contratual por ter entretanto aceitado oferta superior que o levou, nas condições mencionadas, a não querer já outorgar o pretendido contrato-promessa de compra e venda pelo preço indicado na minuta.

(SC)
Decisão Texto Integral: Acordam os Juízes do Tribunal da Relação de Lisboa ( 7ª Secção).

1 – RELATÓRIO.

Intentaram C. e mulher, residentes […] no Barreiro, a presente acção declarativa de condenação, sob a forma de processo ordinário, contra M.[…], residentes na […]Bélgica. 

Essencialmente alegaram que :

Negociaram com os RR. a aquisição da fracção dum prédio urbano, não tendo chegado a celebrar o contrato promessa de compra e venda devido ao facto do réu se recusar fazê-lo, já depois de aceite a proposta, alegando que tinha uma outra pessoa que lhe pagava mais pela fracção.

Os AA. sofreram desgosto com isso, por a fracção ter as características que desejavam, tendo pago custos com avaliações e outros gastos no processo de empréstimo bancário, bem como o juro do dinheiro que perderam para disponibilizar a verba necessária à prestação do sinal convencionado, além de despesas com correspondência, telefones e deslocações, tendo acabado por negociar outra fracção que lhes agrada menos e por preço superior.  

Em sede de contestação, os RR. alegaram que não chegaram as partes a acordo sobre o preço da fracção, sendo o sinal também de valor superior, tendo sido os autores quem recusou celebrar o acordo pretendido pelos réus, impugnando o demais alegado.

Procedeu-se ao saneamento dos autos, elaborando-se a base instrutória conforme fls. 40 a 45.

Realizou-se audiência final, tendo a fixação da matéria de facto tido lugar conforme despacho de fls. 126 a 127.

Foi proferida sentença julgando a presente acção parcialmente procedente, com a consequente condenação dos RR. no pagamento da quantia de € 10.632,37, acrescida do que se liquidar posteriormente pelas despesas com correspondência, telefonemas e deslocações originadas pela ruptura de negociações, tudo acrescido de juros (  fls. 137 a 148 ).

Apresentaram os RR. recurso desta decisão, o qual foi admitido como apelação ( cfr. fls. 158 ).

Juntas as competentes alegações, a fls. 164 a 174, formularam os AA. as seguintes conclusões :

1º – Os RR. e aqui Apelantes não agiram com culpa na relação contratual com os AA. e aqui Apelados, não ocultaram, dolosa ou culposamente qualquer vício da coisa que prometeram vender, tendo, nessa relação, norteado a sua conduta e actuado segundo as regras da boa fé.

2º - Após contactos entre Apelados e Apelantes, em vista da compra e venda do andar melhor identificado nos autos, em minuta datada de 26 de Abril de 2004 e comunicada por fax, os Apelantes disseram que prometiam vender o dito andar aos Apelados pelo preço de € 207.001,13.
 
3º - No dia imediato ( em 27 de Abril de 2004 ) e em retractação, por telefone, os Apelantes comunicaram aos Apelados que o preço seria superior em 1.000.000$00, em relação à proposta minutada e enviada no dia anterior.

4º - Quando os Apelados, por carta datada de 28 de Abril de 2004, comunicaram aos Apelantes que aceitam comprar por € 207.001,13 e recusam a alteração do preço para mais 1.000.000$00, já esta alteração lhes havia sido apresentada.

 – O n.° 2 do art.° 230.° do C. Civil, dispõe: " Se, porém, ao mesmo tempo que a proposta, ou antes dela, o destinatário receber a retractação do proponente ou tiver por outro meio conhecimento dela, fica a proposta sem efeito "

6º -Tendo a aceitação ocorrido por carta datada de 28 de Abril de 2004, é possível que as partes antes dessa aceitação, possam fazer as alterações que entenderem, sem violar os princípios da boa fé.

7º - Tendo dado como provado que “ os autores aceitaram os termos do contrato da minuta supra referida “, dúvidas não subsistindo de que se trata da minuta que os Apelantes enviaram aos Apelados em 26 de Abril de 2004 e tendo ainda dado como provado que “ um dia depois de ter enviado a minuta “, os Apelantes informaram telefonicamente os Apelados que só lhes vendiam o andar “ se estes lhe dessem mais 1.000.00$00 “, a sentença recorrida não podia ter concluído como concluiu, ou seja, que “ os autores aceitaram a proposta contratual consubstanciada no escrito de fls. 21 e 22 do Apenso “, justamente a minuta enviada aos Apelados pelos Apelantes, por fax, em 26 de Abril de 2004.

8º - Dos documentos juntos aos autos, a fls. 21, 22 e 23, e dos factos dados como provados, nomeadamente, o telefonema do dia 27 de Abril de 2004, decorre, inequivocamente, que os Apelantes negociaram com os Apelados em escrupuloso respeito pelas regras da boa fé, pelo que está de todo afastada a responsabilidade civil resultante de culpa invocada pelos Apelados e o seu pedido, deveria ter sido julgado improcedente.

9º – Na esteira, diga-se da decisão que já havia sido proferida em sede de providência cautelar de arresto que antecedeu a acção principal.

10º – Presumindo o direito dos Apelados, o que por dever de patrocínio se faz, estes não tiveram os danos patrimoniais que invocam e que a sentença recorrida dá como provado, em concreto, não gastaram mais € 7.481,87 na compra de outro andar e não tiveram de despesas € 650,50 para a concessão de empréstimo bancário.

11º - Conforme escritura pública de compra e venda junta aos autos da acção principal, de fls. 110 a 118, em 14 de Setembro de 2004, os AA. adquiriram um outro andar pelo preço de € 160.000,00 e não por € 214.483,00, exactamente a fracção referida pelos Apelados, no documento n.° 43 do Apenso A.

12º –Tendo dado como provado que os Apelados haviam adquirido esse outro andar por € 214.483,00, a decisão recorrida não respeitou a força probatória que é inerente a um documento autêntico como é uma escritura pública,

13º - Pelo que, existe contradição entre as declarações das testemunhas, quanto ao preço da compra da referida fracção e as exaradas num documento autentico como é a referida escritura.

14º – A decisão recorrida é ainda merecedora de censura ao ter dado como provado um gasto de € 650,50, com base em documentos (a fls. 37 a 42 do Apenso A), que não estão assinados, que não estão carimbados, que não se sabe que entidade os emitiu, que não se sabe a que avaliações se referem e qual o local e as fracções objecto dessas avaliações, sendo por isso, documentos sem qualquer valor jurídico e como tal, não podem os Apelantes ser condenados por tais despesas.

15º – Os factos com base nos quais a decisão recorrida condena os Apelantes a uma indemnização por danos não patrimoniais, são em si mesmos insuficientes e irrelevantes para fundamentarem tal decisão condenatória, a qual, acresce, traduz um montante que é despropositado e manifestamente excessivo.

16º -  A decisão recorrida viola o disposto no n.° 2 do art.° 230.°, art.° 227.°, 371.° e 372.° todos do Código Civil e art.° 668.0, n.° 1, ai. b) e c), do Código de Processo Civil.
 
Apresentaram os apelados a competente resposta, pugnando pela manutenção do decidido.

II – FACTOS PROVADOS.

Encontra-se provado nos autos que :

Encontra-se inscrita na la Conservatória do Registo Predial de Cascais, mediante Apresentação n° 20, datada de 17 de Outubro de 2001, a aquisição, por compra, a fa­vor de M.[…], c.c. […] no regime de comunhão de adquiridos, da fracção autónoma designada pela letra a que corresponde o rés-do-chão A, no piso zero, com direito ao uso exclusivo de um terraço, com o lugar de estacionamento n° 10 na cave e uma arrecadação na cave, do prédio urbano, em regime de propriedade horizontal, sito na Ur­banização […] descrito naquela Conservatória sob o n° […].

Em minuta de acordo escrito datado de Abril de 2004 e pelas partes intitulado de “ Contrato-promessa de compra e venda “, refere-se que os réus, na qualidade de Primeiros Contraentes e Promitentes Vendedores, promete­ram vender aos autores, Segundos Contraentes e Promiten­tes Compradores, a supra identificada fracção, livre de quaisquer ónus, encargos ou responsabilidades, tal como se encontra, isto e com as alterações efectuadas após a constituição da propriedade horizontal, pelo preço de € 207.001,13, conforme documento de fls. 21 e 22 do apenso A.

Na referida minuta de acordo consta:
«O pagamento desta venda será efectuado da forma seguinte:

Na data da assinatura do presente contrato, será paga a importância de € 25.000,00 (vinte e cinco mil eu­ros), a título de sinal e princípio de pagamento;

O remanescente do preço, ou seja a quantia de € 182.001,13 (cento e oitenta e dois mil e um euros e treze cêntimos) será pago na data da outorga da escritura de compra e venda».
   
Consta ainda que «A escritura de compra e venda será efectuada no prazo máximo de 90 dias, a contar da data de assinatura do presente contrato e cuja marcação fica a cargo dos Segundos Contraentes que deverão avisar os Primeiros Contraentes da data, hora e Cartório Nota­rial onde a mesma se realizará, com a antecedência mí­nima de quinze dias, em relação à data da mesma, por carta registada com aviso de recepção».
 
Por escritura pública outorgada em 26 de Maio de 2004 no 12° Cartório Notarial de Lisboa, os réus declararam vender a L.[…], casado […] sob o regime de comunhão de adquiridos, e M.[…], casada com […]sob o regime de comunhão de adquiridos, que decla­raram comprar, a fracção referida, pelo preço de € 219.471,07, conforme documento de fls. 28.

A autora enviou as cartas constantes de fls. 23, 24 e 27 do apenso A, pedindo a reparação dos prejuízos so­fridos.

Após a ter visitado, a autora ficou interessada na fracção dos autos porque a mesma tinha a composição e área pretendidas, tinha um excelente terraço, um bom tipo de acabamentos e dista a menos de dez minutos de automóvel do seu local de trabalho e da residência de sua mãe e de sua irmã.

O réu disse à autora que os contactos futuros os deveria fazer com Exma. Advogada […].

Os autores aceitaram os termos do contrato constante da minuta supra referida e comunicaram tal facto à Exma. Sra. Dra. […], manifestando a sua disponibilidade para outorgarem o contrato-promessa.

Para isso, os autores disponibilizaram a verba para o sinal.

Um dia depois de ter enviado a minuta, a Dra. […] disse telefonicamente à autora que os réus tinham um interessado na compra que lhes dava  44.000.000$00 pelo andar, vendendo-o aos autores se estes lhes dessem mais  1.000.000$00.

Os autores custearam o processo bancário para vistoria do imóvel, para avaliação e financiamento, no que despenderam € 650,50.

Suportaram o custo de deslocações, telefonemas e de correspondência.

Já prometeram comprar outro andar, que lhes agrada menos, e lhes custa mais € 7.481,87.

E têm um profundo desgosto por terem perdido a frac­ção em questão.
 
III – QUESTÕES JURÍDICAS ESSENCIAIS.

São as seguintes as questões jurídicas suscitadas nestes autos.

1 – Da responsabilidade pré-contratual. Da apontada violação dos deveres impostos pela boa fé na formação dos contratos.

1.1. – Considerações gerais. Doutrina e orientações jurisprudenciais.

1.2. – Da conduta negocial das partes.

1.3. - Da salvaguarda da liberdade negocial como regra.

2 – Divergência entre os montantes inscritos na escritura como correspondente ao valor de aquisição pelos AA. de outra fracção e o efectivamente pago a esse título.

3 – Prova das despesas realizadas pelos AA.

Passemos à sua análise :

1 – Da responsabilidade pré-contratual. Da apontada violação dos deveres impostos pela boa fé na formação dos contratos.

1.1. – Considerações gerais. Doutrina e orientações jurisprudenciais

Dispõe o art.º 227º, nº 1, do Código Civil :
“ Quem negoceia com outrem para conclusão de um contrato deve, tanto nos preliminares como na formação dele, proceder segundo as regras da boa-fé, sob pena de responder pelos danos que culposamente causar à outra parte “.

Ensina o Prof. António Meneses Cordeiro, in “ Tratado de Direito Civil Português “, tomo I, pags. 408 a 409 :

“ A culpa in contrahendo serviu, historicamente, para levar ao sistema toda uma área que, antes, lhe era estranha : a que decorre desde o encontro entre as partes e até à efectiva conclusão dum contrato, válido e equilibrado. ( ... )

In contrahendo, ocorre uma especial proximidade entre as partes, que as coloca à mercê uma da outra. Em tais condições, compreende-se que surjam deveres de segurança ( física e patrimonial ), de lealdade ( incluindo o sigilo e a não concorrência ) e de informação ( completa e verídica ) : a boa fé e o sistema a tanto conduzem.
( ... ) No funcionamento da culpa in contrahendo deve-se ter sempre presente que – as palavras são do Supremo – ela opera como ( ... ) compromisso ou conciliação entre o interesse na liberdade negocial e o interesse na protecção da confiança das partes durante a fase das negociações.

Por outro lado, ela surge como um instituto delicado : há que alegar e provar quer a violação, quer os danos. Com essas cautelas, não cabe recear qualquer perda de segurança jurídica “.

Como salienta o Prof. Inocêncio Galvão Telles, in “ Direito das Obrigações “, pag. 65 :

“ O nosso legislador consagra deste modo, expressamente, a responsabilidade pela chamada culpa na formação do contrato ( tomada a palavra “ formação “ num sentido amplo, de maneira a abranger todo o processo genético do acordo ). Trata-se de uma responsabilidade pré-contratual porque não deriva da violação do contrato e sim da forma irregular como um dos interessados se conduz no iter negotii ( culpa in contrahendo ).

Podem verificar-se fundamentalmente duas hipóteses. Ou não chega a concluir-se qualquer contrato porque um dos interessados rompe arbitrariamente as negociações. Ou conclui-se um contrato que todavia se mostra ferido de invalidade por culpa de uma das partes.

Em qualquer dos casos o lesado tem direito a uma indemnização dos danos negativos, quer dizer, dos danos que não teria sofrido se não entrara em negociações ou não celebrara um contrato nulo ou anulável ( em contraposição com os danos positivos, provenientes da violação de um contrato validamente formado ). Entram por exemplo no número dos danos negativos as despesas com estudos realizados.

É de acentuar que as negociações, pela sua própria natureza, não são vinculativas e qualquer dos interessados tem, em princípio, o direito de as romper. A rotura de negociações só gerará responsabilidade quando revestir a forma caracterizada de abuso de direito “.
( sublinhado nosso ). (1)

Para que os AA. sejam titulares de um direito de crédito sobre os RR., assente neste fundamento, constitui conditio sine qua non que a contraparte nas negociações malogradas tenha actuado ( no contexto negocial em causa ) de má-fé, censuravelmente, com abuso da sua liberdade negocial, frustrando legítimas expectativas, traindo gravemente a confiança em si depositada.

A prova da conduta ilícita daquele que rompe o processo negocial incumbe ao peticionante do direito indemnizatório, no termos gerais do artº 342º, nº 1, do Cod. Civil. (2) 

Conforme refere o Prof. Mário Júlio Almeida e Costa, in Revista de Legislação e Jurisprudência, Ano 116º,  pags. 151 a 179 :

“ Torna-se evidente que a obrigação de indemnização por culpa na formação dos contratos, qualquer que seja o facto típico que a justifique e além das suas particularidades, depende da produção de um dano e da existência dos demais elementos constitutivos da responsabilidade civil. Em caso de ruptura das negociações, aquele que a ocasiona não responde se com isso não cria prejuízo algum à parte contrária, ou se, ainda que haja prejuízo, falta outro dos pressupostos do ilícito civil “.(3)
“ ( ... ) essa tutela jurídica do dever geral de procedimento correcto na fase negociatória assume configuração específica : não se trata de uma impossibilidade de qualquer dos intervenientes interromper os actos preparatórios – o que, em princípio, é legítimo -, mas apenas se impõe a obrigação de reparar os danos que, em violação fundada de uma das partes, a outra lhe ocasiona com a sua conduta desleal, sobretudo abandonando as negociações com justa causa. Equivale à verificação de abuso do direito, traduzido no exercício abusivo da liberdade negocial ( artº 334º, do Cod. Civil ). Dito de maneira diversa : constitui uma excepção a ruptura das negociações preparatórias que envolve responsabilidade pré-contratual ; a regra é produzir-se essa ruptura sem responsabilidade alguma do retractante para com a parte em face de quem a mesma se opera, ou porque ela não sofre dano ressarcível, ou porque não se verificam os respectivos pressupostos especiais de confiança e da ilegitimidade do abandono negocial que fundamentam a obrigação de indemnização “.
( sublinhado nosso ) (4).

Em termos jurisprudenciais, cumpre deixar registadas as seguintes orientações que se nos afiguram especialmente pertinentes para aquilatar da existência, ou não, in casu de responsabilidade pré-contratual :

- A responsabilidade fundada na culpa in contrahendo assenta basicamente na violação do dever específico de um comportamento negocial de boa fé (5).

- O requisito de forma do contrato a concretizar não torna impossível a responsabilização por ruptura das negociações (6)

- Há uma identidade entre a relação pré-contratual e a relação de confiança. O dever de agir de boa fé que incumbe aos contraentes abrange o comportamento considerado na sua intrínseca coerência e totalidade (7).

- O comportamento pré-contratual de boa fé comporta especiais deveres de protecção, informação e lealdade (8).

- O que está fundamentalmente em causa é o estabelecimento de um equilíbrio entre a liberdade e a justiça contratuais (9).

- De notar, contudo, que sendo a regra a da liberdade negocial, só deve sancionar-se a conduta que for intoleravelmente ofensiva do sentido ético-jurídico, em termos idênticos aos exigidos para o abuso de direito (10).

- As negociações preliminares desempenharão tanto melhor o seu papel quanto mais as partes permanecerem livres para realizar ou não o contrato e para a modelação do respectivo conteúdo (11).

- Para que se possa vir a concluir pela responsabilidade pré-contratual é necessário que, no caso concreto, tenham ocorrido negociações conduzidas de tal forma que geraram efectivamente uma confiança razoável na conclusão de um contrato válido e na obtenção dos seus efeitos (12).  

1.2. Da conduta negocial das partes.

Debruçando-nos sobre a situação sub judice :

Está em causa a modificação unilateral do preço de venda do imóvel que foi dada a conhecer à interessada na aquisição no dia seguinte ao do envio dum fax contendo a minuta do respectivo contrato promessa.

O comportamento negocial das partes – tal como resulta dos factos dados como provados - pode resumir-se da forma seguinte : 

Os RR. colocaram à venda ao público uma fracção autónoma, situada nos Jardins da Parede.

Tendo tomado conhecimento desta proposta de venda, a A. visitou o andar, em Março de 2004, ficando interessada na respectiva aquisição.

Existiram contactos (13) entre as partes com vista à fixação do preço da venda e restantes condições.

O R. mandatou, para o efeito, uma advogada.

No dia 26 de Abril de 2004, a advogada constituída pelo R. enviou aos AA. um fax contendo a minuta do contrato promessa.

No dia 27 de Abril de 2004, a mesma advogada contactou telefonicamente os AA., comunicando-lhes que existia outro interessado na aquisição do imóvel disposto a oferecer um preço superior, pelo que o seu constituinte só lhes transmitiria tal fracção autónoma se acrescentassem mais 1.000.000$00 ao preço inicialmente acertado.

Os AA. enviaram um fax à advogada dos RR., datado de 28 de Abril de 2004, referindo a aceitação da compra do imóvel pelo valor de € 207.001,13, conforme havia sido proposto, e atribuindo “ certamente a lapso “ o telefonema recebido reclamando mais 1.000 contos em termos de preço.

Não se chegou a efectivar o contrato promessa sobre a identificada fracção, tendo o R. procedido à sua alienação a terceiro.

Os AA. vieram a adquirir uma outra fracção autónoma, situada igualmente nos Jardins da Parede, por um preço superior.

Apreciando :

Perante a factualidade dada como assente não se vislumbra fundamento para responsabilização dos RR. no âmbito do instituto da culpa in contrahendo.

Com efeito,

1.3. - Da salvaguarda da liberdade negocial como regra.

O artº 227º, do Cod. Civil introduz uma excepção ao regime jurídico vigente no domínio contratual privado, que faz prevalecer, de forma inequívoca, a defesa dos valores da ampla liberdade negocial, da autonomia deliberativa e da plena revogabilidade das posições assumidas antes do momento da vinculação contratual.

Nem podia ser doutro modo.

Qualquer das partes deve, naturalmente, poder dispor de franca autonomia para contactar possíveis interessados – normalmente concorrentes entre si - ; recolher destes propostas e interessá-los pela possibilidade de firmar o negócio em perspectiva ; de, após ponderação quanto aos termos de cada proposta, retroceder no percurso negocial ou, pura e simplesmente, comunicar à contraparte nos preliminares do negócio o seu desinteresse em contratar com ela.

A liberdade contratual e o próprio sentido geral da fase de simples negociações, não vinculativas, impõem a licitude destes comportamentos.

Conforme salienta Mário Júlio de Almeida Costa in “ Responsabilidade Civil pela Ruptura nas Negociações Preparatórias de um Contrato “, pag. 63 a 64 :

“ ...ressalvados os princípios da lealdade e da probidade, nada impede que se negoceie simultaneamente com mais do que uma parte. Exemplo : A. pretende adquirir um automóvel e estabelece contactos separados com os vendedores B e C.

Nem a boa fé exige, neste caso, que se dê conhecimento de que se negoceia com outrem, salvo se algum dos contraentes, razoavelmente, possa fazer despesas excepcionais para concluir o contrato. Afigura-se justo, na verdade, que cada um dos negociadores assuma plenamente o risco normal das negociações – que consiste em não se concluir o negócio – mas deve ser informado de qualquer circunstância extraordinária que de modo anormal aumente o referido risco, sobretudo quando, mercê do teor do negócio e de harmonia com os usos correntes, se mostra comum que nele envolva despesas.

Se um dos contraentes prefere celebrar o negócio com terceiro, o facto deve ter-se em regra como risco normal, mormente nas hipóteses em que a frustração importa apenas lucro cessante e não prejuízos. Caso existirão em que o risco de preferência se haverá de considerar anormal, maxime se a própria escolha do negociante desencadeia actos com significativa relevância pecuniária : orçamentos, estudos, transferência de bens e serviços, etc. Em tais situações existe o dever de advertência sobre o acréscimo de risco “.

Em contrapartida, qualquer das partes, nesta fase, deve contar, sempre e em princípio, com o possível rompimento das negociações ou com o seu fracasso.

Nada está, nesse momento, ganho ou garantido.

Trata-se, obviamente de um “ namoro “ que pode não acabar em “ casamento “ e qualquer dos interessados, sem alimentar excessivas ilusões, tem necessariamente que contar com esse desfecho.

Esta matéria só deverá merecer tratamento diferenciado, em situações excepcionais, caso se conclua pelo comportamento negocial desleal, consubstanciado numa conduta ética e juridicamente censurável – como é, por exemplo, o caso duma das partes induzir outra ao negócio, sabendo antecipadamente que não irá concluí-lo ; ou tendo consciência de que a contraparte está a despender avultados gastos na perspectiva da ulterior vinculação contratual e, ciente desse facto, não a avisar quanto à improbabilidade da conclusão do negócio ou, pelo contrário, incentivar, expressa ou tacitamente, a continuação desses inúteis investimentos ; ou após minuciosas, prolongadas e aturadas negociações, quando todos os pontos do negócio foram fechados em termos de acordo, a parte, por mero capricho, com intenção de provocar prejuízos ou por simples irresponsabilidade ou leviandade, não firmar o contrato totalmente apalavrado.

Outrossim a falta de informação ou a omissão dolosa de elementos relevantes para a decisão de contratar implicam responsabilidade pré-contratual.

Ou seja, estão aqui em causa situações que caem na alçada do abuso de direito, ultrapassando manifestamente os limites impostas pela boa fé, pelos bons costumes ou pelo fim social económico subjacente ao negócio em perspectiva (14).

In casu – e desde logo por ausência de alegação pela parte interessada e a quem incumbia o respectivo ónus – não temos qualquer prova quanto :

À forma concreta como decorreram as negociações (15);

À consciência dos RR. de que, através do seu comportamento e pela empatia contratual entretanto gerada, consolidavam a convicção dos AA. no sentido de que não existiria qualquer alteração ou ponto de retorno na vontade de contratar pelo preço e condições constantes da minuta de contrato promessa ;

Ao conhecimento por parte dos RR. da realização de despesas ou outras diligências encetadas pelos AA. com vista à futura aquisição do imóvel.

Acresce, ainda, a circunstância da formalização do contrato promessa constituir o momento decisivo para o convencimento das partes de que o negócio está efectivamente seguro, é mesmo para valer e já não volta atrás, uma vez que passam a beneficiar das consequências penalizadoras impostas ao incumpridor (16).

O “ preto no branco “ funciona, mesmo em termos psicológicos, como a fronteira define direitos e deveres, clarifica vontades e afirmações, inibe o arrependimento e extingue indecisões e dúvidas.

Verba volant, scripta manent.

Todas estas considerações ganham especial relevo pelo facto de ser a própria lei a impor a forma escrita para a validade da celebração dum contrato promessa de compra e venda dum bem imóvel (17).

Tal exigência visa precisamente proteger a ampla e livre ponderação de interesses antes da vinculação formal que, essa sim, restringe a possibilidade de “ dar o dito por não dito “.

Visando a lei proteger os sujeitos contra a sua própria precipitação e imponderação, não faz sentido, simultaneamente, aligeirar a exigência e o rigor relativamente aos pressupostos da fixação de efeitos indemnizatórios resultantes de consensos ou decisões informais, quiçá não suficientemente amadurecidas, tomadas em período pré-contratual e em questões de elevado valor pecuniário, como é o caso dos contratos que versam sobre a transferência da propriedade sobre imóveis.
 
É certo que o envio duma minuta de contrato promessa poderá, em princípio e em termos razoáveis, ter o significado de que o dono do imóvel o aceitava vender, naquelas condições, ao destinatário (18).

A questão reside, pois, em saber até que momento, e em que circunstâncias, a parte que a envia pode livremente (19) desfazer este acordo informal, voltando atrás nos seus propósitos.

Afigura-se-nos que, em princípio, em conformidade com o que se deixou referido supra, o poderá fazer até à formalização do contrato promessa, sem que assuma qualquer tipo de responsabilidade de indemnizar a parte contrária.

Só excepcionalmente este princípio deverá ser afastado.

Com efeito, se se verificar que a parte, pela sua conduta negocial, gerou expectativas de tal forma firmes e seguras quanto à irreversibilidade do acordo, levando inclusive a contraparte, confiante na palavra dada, à realização de despesas em função da futura concretização do contrato (que o primeiro conhecia ou devia conhecer), o desfazer abrupto, inesperado e injustificado do acordado já não poderá ter-se por lícito, antes afrontando os ditames da boa fé.

Se ocultou informação relevante, usou estratagema enganatório, ou actuou em frontal contradição com a conduta contratual que activamente desenvolveu (fazendo perder, de forma inútil e leviana, tempo e dinheiro ao seu parceiro no negócio), agindo de forma desleal, existirá responsabilidade pré-contratual.

Só que, in casu, o material fáctico reunido a este respeito, foi extremamente escasso e inconclusivo, não fundando, objectivamente, a dita excepcionalidade.

Efectivamente,

De concreto e rigoroso temos o envio, através de fax, duma minuta do contrato promessa pela advogada dos RR. à A., desacompanhado de qualquer outro elemento que ajudasse a explicar e esclarecer o contexto que rodeou tal missiva.

Por outro lado, existe um telefonema, realizado no dia imediato ao do envio desse fax, através do qual a mesma advogada comunica que o seu constituinte afinal tem outro interessado na compra do imóvel e só aceita vendê-lo aos AA. por mais 1.000 contos que o inicialmente acordado.

Todos os restantes factos, susceptíveis de explicar a conduta das partes (20), ficaram no limbo da falta de alegação e, consequentemente, de prova.

Em suma, em face dos factos apurados (21), cumpre concluir que os RR. se limitaram a dar prevalência a quem pagasse mais pelo seu imóvel, rentabilizando-o o melhor possível, numa altura em que ainda não se haviam vinculado juridicamente, em termos irreversíveis, perante qualquer dos candidatos.

Tal conduta não pode deixar de considerar-se como lícita, atendendo que não há qualquer prova nos autos de que os RR. soubessem ou devessem saber que os AA. já tinham realizado despesas com vista à aquisição daquele imóvel (22).

Não existe a mínima prova de que os RR. tivessem garantido ao AA. que a formalização do acordado era um dado praticamente certo e adquirido.

E nem sequer se trata aqui da recusa tout court da celebração do contrato prometido com os AA..

O que existiu foi a entrada em jogo dum outro concorrente que fez subir a parada exigida pelos RR..

Esta concorrência foi dada a conhecer aos AA. logo a seguir ao envio da dita minuta – único facto que, praticamente sozinho, suporta ou tenta suportar, toda a pretensão deduzida.

Parece-nos claro que esta conduta negocial dos RR. não justifica qualquer desvio aos princípios gerais da liberdade e autonomia negociais e não ofende os princípios da boa fé, não sendo passível de gerar qualquer direito indemnizatório na esfera jurídica dos AA..

Pelo que a presente acção terá que improceder, revogando-se, consequentemente, o decidido em 1ª instância.

Diga-se, ainda, que a existir responsabilidade pré-contratual, nos termos gerais do artº 227º, nº 1, do Cod. Civil, a mesma só seria eventualmente susceptível de suportar um direito indemnizatório abrangendo os danos morais, nos termos gerais do artº 496º, nº 1, do Cod. Civil, e tendo também por objecto as despesas directamente conexas com a futura aquisição.

No que concerne à diferença entre o valor do novo andar adquirido pelos AA. e o dos autos, não existe qualquer nexo de causalidade que ligue o rompimento do acordo e a superveniente aquisição do imóvel, nem estamos aqui sequer perante um verdadeiro prejuízo.

A compra dum bem imóvel é sempre um acto livre e voluntário por parte de quem se dispõe a fazê-lo.

O preço pago, normalmente elevado, resulta da criteriosa ponderação entre a qualidade e utilidade do bem que se adquire e o sacrifício patrimonial que se entende dever suportar para o obter.

Não se consegue entender porque razão o anterior proponente da venda – que nunca se vinculou juridicamente – há-de, através desta sinuosa via, comparticipar generosamente no pagamento do preço de aquisição do novo andar pelos AA, estabelecido nas condições contratuais que estes bem entenderam.

Também não colhe, neste sentido, a fácil e insondável argumentação de que este novo imóvel, livremente adquirido, mais caro que o outro, situado exactamente na mesma urbanização (23), “ agrada menos aos AA. “.

2 – Divergência entre os montantes inscritos na escritura como correspondente ao valor de aquisição pelos AA. de outra fracção e o efectivamente pago a esse título.

O conhecimento desta questão encontra-se prejudicado pela decisão anterior, sendo certo que a força autêntica do documento – escritura pública de compra e venda dum imóvel – apenas abrange os factos directamente percepcionados por quem nele interveio, e em especial pelo oficial público, o que não acontece relativamente a factos que lhe são absolutamente exógenos ( como a efectiva entrega doutras verbas pecuniárias, a título de preço, pelo comprador ao vendedor, sem reflexo na escritura notarial ).

3 – Prova das despesas realizadas pelos AA.

O conhecimento desta questão encontra-se prejudicado pela decisão anterior, sempre se referindo, não obstante, que a demonstração da realização destas despesas não exige sequer prova documental, pelo que nada havia a alterar à decisão de facto proferida pelo Tribunal a quo neste particular.
 
IV - DECISÃO :

 Pelo exposto, acordam os Juízes desta Relação em julgar procedente a apelação, revogando a sentença recorrida e absolvendo-se os RR. do pedido.

Custas pelos apelados.


Lisboa, 26 de Setembro de 2006.


( Luís Espírito Santo )
( Isabel Salgado )
( Soares Curado )



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1.-Refere, sobre esta temática, o Prof. Mário Júlio Almeida e Costa in Revista de Legislação e Jurisprudência, Ano 116º, pags. 146 a 150 :
“ As exigências pragmáticas do tráfico jurídico e uma legítima aspiração a um direito objectivamente justo postulam que não se atenda apenas à intenção ou vontade do declarante, mas também à sua conduta e à confiança do destinatário. Impõe-se, com efeito, a ponderação e confronto de interesses em conflito. Ei-los, esquematicamente : o interesse da liberdade negocial, ou seja, a vantagem que pode haver em que os negociadores conservem intacta a sua autonomia deliberativa até à formação do contrato, portanto ainda mesmo depois da emissão da oferta ; e o interesse do fomento da boa-fé e da protecção da confiança em face das expectativas criadas durante a fase pré-negocial, crescendo, via de regra, decerto, à medida que o iter contratus progride .
Através da conclusão definitiva do contrato os intervenientes renunciam à sua liberdade negocial, visto que optam pela firmeza das obrigações e dos direitos constituídos. Mas o problema apresenta coordenadas diversas antes desse momento : o respeito absoluto pela livre actuação das partes durante as fases das negociações postula a recusa de intervenção jurídica em tal domínio – o que equivaleria a que ficassem de todo desembaraçadas para as conduzir como entendessem, não recebendo as faltas eventualmente cometidas qualquer sanção ; ao invés, a necessidade de segurança sentida pelos negociadores reclama um “ controlo “ jurídico que garanta as suas posições negociais. Entre os dois imperativos contrapostos, cabe ao direito desempenhar o papel que lhe pertence na harmonização das relações sociais e interrogar-se sobre os meios para tanto adequados “.

2.-Escreve Luís Menezes Leitão, acerca da “ ruptura das negociações “, in “ Direito das Obrigações “, Vol. I, pag. 337:
“ A maior parte dos autores salienta que não se pode considerar as partes vinculadas a uma obrigação de concluir o contrato, apenas pelo facto de terem entrado em negociações. Antes pelo contrário, uma vez que as negociações visam precisamente a obtenção de um acordo, as partes têm que contar sempre com a possibilidade de esse acordo não ser obtido, e que a parte contrária rompa as negociações quando chegar a essa conclusão. Apenas quando na outra parte tenha sido criada a confiança justificada de que o contrato iria ser concluído e ocorre uma ruptura das negociações sem motivo legítimo é que se pode considerar ter ocorrido uma violação das regras da boa fé, único caso em que a responsabilidade pré-contratual se aplica. “.

3.-Sobre os requisitos da responsabilidade in contrahendo vide acórdão do Supremo Tribunal de Justiça de 24 de Outubro de 1995, publicado in BMJ nº 450, pags. 443 a 468, no qual se alude a que “ O artº 227º representa o ponderado e desejado equilíbrio entre a liberdade de contratar e desistir, imprescindível à existência de toda e qualquer negociação, e a protecção da confiança que a vai restringir “

4.-Ainda sobre a responsabilidade pela ruptura das negociações, salienta Heinrich Horster, in “ A Parte Geral do Código Civil Português “, pag. 475 :
“ ...a aplicação do artº 227º pressupõe culpa.
( ... ) Se a simples ruptura desse lugar a uma indemnização, seria violado o princípio da liberdade contratual ( liberdade de conclusão ) e a vontade das partes ficaria coarctada. Contudo – e citando Vaz Serra, in artigo denominado Culpa do devedor ou do agente, publicado in BMJ nº 68, pag.119 – “ não é lícito a uma das partes romper arbitrariamente as negociações depois de estas terem alcançado um tal desenvolvimento que a outra parte podia julgar-se autorizada a confiar na realização do contrato e, assim, a fazer despesas, a abster-se de outros negócios, etc.”.
Mas por outro lado, pode observar-se que as negociações se destinam precisamente a dar às partes oportunidade de apreciarem se o contrato deve ser feito e em que termos e que, portanto, enquanto o contrato não é celebrado, devem elas ter a liberdade de romper as negociações. Se deverem responder por ruptura das negociações, terão que se comportar tão prudentemente que a sua liberdade de contratar será gravemente comprometida “.

5.-acórdão do Supremo Tribunal de Justiça de 9 de Fevereiro de 1993, publicado in BMJ nº 424, pags. 607 a 614, no qual se realça que : “ O nosso Código Civil consagrou uma fórmula da culpa in contrahendo em termos latos, com vasto âmbito, representando um importante instrumento a permitir uma exigência de boa fé na formação dos contratos, em particular pelos deveres de informação e lealdade.
( ... ) Representa uma responsabilidade obrigacional com base na violação do dever específico de um comportamento negocial de boa fé. ;
- acórdão da Relação do Porto de 27 de Fevereiro de 2003, publicado in Colectânea de Jurisprudência, Ano XXVII, tomo I, pags. 195 a 200 , onde se salienta : “ O problema que se põe relativamente à ruptura das negociações na fase preliminar do iter contractus ( fase negociatória ) é, pois, tão só o de as partes deverem proceder segundo as regras da boa fé, com lealdade e correcção. A ruptura é livre, mas não pode ser arbitrária, deixando de ser legítima quando configure um abuso de direito pelas circunstâncias em que ocorrer. ( … ) “ a ratio do instituto é a da tutela da confiança do sujeito na correcção, na honestidade, na lisura e na lealdade do comportamento da outra parte, quando tal confiança se reporte a uma conduta juridicamente relevante e capaz de provocar-lhe danos, por ele ser autor ou o seu destinatário ( … ) “ ;
- acórdão do Supremo Tribunal de Justiça de 16 de Março de 2004, publicado in Colectânea de Jurisprudência/acórdãos do STJ, Ano XII, tomo I, pags. 132 a 134, onde se refere que : “ A responsabilidade pré-contratual assenta no princípio que impõe aos contraentes uma recíproca actuação conforme às regras da boa fé, tanto nos preliminares ou fase negociatória do contrato, como na formação dele.
Tem-se em vista a protecção da confiança depositada por cada uma das partes na boa fé da outra e nas expectativas que cada um cria à outra no percurso conducente à conclusão do negócio, expectativas que se pretende que não saiam frustradas, quer quanto aos efeitos jurídicos do negócio, quer quanto aos fins patrimoniais que visa alcançar. “.

6.-acórdão do Supremo Tribunal de Justiça de 28 de Maio de 1995, publicado in Colectânea de Jurisprudência/acórdãos do STJ, Ano III, tomo I, pags. 141 a 145, onde se refere que : “ …o requisito de forma não torna impossível a responsabilidade pré-contratual por rotura das negociações. É que, embora o contrato solene não formalizado se encontre ferido de nulidade e não produza os seus efeitos específicos, releva juridicamente na medida em que cria, segundo as regras da boa fé, uma expectativa de formalização a que corresponde responsabilidade pré-contratual “.
acórdão do Supremo Tribunal de Justiça de 26 de Janeiro de 2006, publicado in Colectânea de Jurisprudência/acórdãos do STJ, Ano XII, tomo I, pags. 132 a 134, onde se refere que : “ …o dever dos negociadores agirem de boa fé expressamente previsto no artº 227º, do Cod. Civil, vigora tanto para os contratos consensuais, como para os contratos formais, e viola esse imperativo da lei toda a conduta que traduza uma apreciável falta de consideração pelos interesses da contraparte. ( … ) Pressuposto e fundamento da responsabilidade pré-contratual em apreciação é a culpa do faltoso, ou seja, a censurabilidade ou reprovabilidade da conduta deste – em termos idênticos aos do abuso de direito. “.

7.-acórdão do Supremo Tribunal de Justiça de 24 de Outubro de 1995, publicado in BMJ nº 450, pags. 443 a 468, onde se refere que “ Há uma identidade entre relação pré-contratual e relação de confiança, emergindo os deveres pré-contratuais dessa relação basilar que estrutura o conteúdo do contrato que se pretende outorgar.
Aqui se vasa uma norma social pré-jurídica, ou, melhor dito, uma norma pré-jurídica de boa fé subjectiva.
Comportar-se de boa fé ( … ) não é remeter para o prudente arbítrio do julgador, para a equidade e muito menos para critérios casuísticos.
Há que auscultar, dentro dos parâmetros da lei ou daquilo que foi acordado entre as partes, quais os motivos pelos quais o legislador impõe a boa fé na tramitação das negociações preliminares.
O direito das obrigações é um direito de cooperação social : o negócio jurídico visa realizar determinada cooperação entre os indivíduos nele integrados.
A boa fé não se circunscreve a actos singulares do contraente, abrange antes, completamente, o comportamento considerado na sua intrínseca coerência e totalidade.
É um critério de reciprocidade – comportamento devido e esperado – que deve ser observado nas relações jurídicas entre sujeitos do mesmo grau e que têm a mesma dignidade moral.
A traição deste comportamento na ruptura da negociação rompe a boa fé nos preliminares. “.

8.-acórdão da Relação de Évora de 30 de Outubro de 1997, publicado in Colectânea de Jurisprudência, Ano XXII, tomo IV, pags. 282 a 284, onde se menciona que : “ A nossa lei – artº 227º, do CC – consagra o princípio da boa fé na formação dos contratos deste modo impondo que as partes contratantes procedem lealmente na fase pré-contratual e cominando o dever de indemnizar o lesado pelos prejuízos por ele sofridos àquele que, culposamente, a eles deu causa em virtude de ter agido com desonestidade e indignidade nos preliminares do contrato e com vista à sua concretização.
( ... ) A culpa in contrahendo portuguesa constitui um campo normativo muito vasto que permite aos tribunais a prossecução de fins jurídicos, com uma latitude grande de movimentos, cobrindo as três áreas por que, em termos históricos, se espraiou a figura, antes de recebida pelo legislador de 1966 : a dos deveres de protecção ( obriga a que, sob pretexto de negociações preliminares, não se inflijam danos à outra parte ), a dos deveres de informação ( adstringem as partes à prestação de todos os esclarecimentos necessários à conclusão honesta do contrato ) e a dos deveres de lealdade ( vinculam os negociadores a não assumirem comportamentos que se desviem de uma negociação correcta e honesta, onde se incluem os deveres de sigilo – terão de guardar segredo quanto à matéria que tomaram conhecimento por via da negociação ; de cuidado – deve ser preservado o escopo da formação válida do contrato ; e de actuação consequente – não se deve injustificadamente interromper uma negociação em curso – Meneses Cordeio, Da Boa Fé em Direito Civil, pag. 582.”.
- acórdão do Supremo Tribunal de Justiça de 10 de Maio de 2001, publicado in Colectânea de Jurisprudência/acórdãos do STJ, Ano IX, tomo II, pags. 71 a 75, onde se refere que : “ As partes, no desenvolvimento das negociações, ficam vinculadas a um comportamento interpessoal de acordo com os ditames da boa-fé, de que fazem parte deveres como os de diligência, zelo, honestidade, informação e esclarecimento, tendo em vista a protecção da confiança mútua e das expectativas de cada uma na condução leal e criteriosa das negociações e na conclusão do negócio.
( ... ) A boa fé, enquanto princípio orientador do comportamento pré-negocial, é um conceito indeterminado que, como tantos outros admitidos pela ordem jurídica, permite ao juiz uma mais afinada aplicação do direito ao caso a decidir.
( ... ) quanto à boa-fé no período preparatório do contrato, têm sido apontados deveres como os de :
expressão clara, sem ambiguidades, das respectivas propostas e aceitações ;
sério empenhamento na realização do negócio, não compatível com um início ou prosseguimento de negociações que se sabe ou desconfia estarem condenadas, por qualquer motivo, ao malogro ;
informação atempada da contraparte sobre algum facto, que pode obstar à conclusão do negócio.
( ... ) A indemnização por culpa in contrahendo ( ... ) visa o interesse contratual negativo, isto é, a reparação dos danos que a parte inocente não teria sofrido se não fosse a expectativa na conclusão do negócio frustrado ou da vantagem que teria obtido se não se tivesse gorado aquela expectativa “.

9.-acórdão da Relação de Lisboa de 29 de Outubro de 1998, publicado in Colectânea de Jurisprudência, Ano XXIII, tomo IV, pags. 132 a 135, onde se afirma que : “ A nossa lei civil, no artº 227º, nº 1, consagra a culpa “ in contrahendo “, como forma de responsabilidade obrigacional, por violação de deveres específicos de comportamentos baseados na boa fé, o que, em termos de direito substantivo, releva, no essencial, em que, uma vez demonstrada a violação, presume-se a culpa da parte faltosa, nos termos do artº 799º, nº 1, do mesmo diploma, cfr. Meneses Cordeiro, Da Boa Fé No Direito Civil, Vol. I/585.
Daqui se abarca que, sendo o princípio da liberdade contratual, apanágio do direito das obrigações, e as partes livres de celebrar ou não os acordos que bem entenderem, como entenderem e quando entenderem, deverão fazê-lo dentro dos limites da lei, nos termos do artº 405º, do Cod. Civil, funcionando aquele supra mencionado normativo, como controlo das eventuais violações dos deveres de protecção, de informação e de lealdade. Isto é, quando tal violação “ conduza à frustração da confiança criada na contraparte pela actividade anterior do violador ou quando a mesma retire às negociações o seu sentido substancial profundo da busca de um consenso na formação de um contrato válido, apto a prosseguir o escopo que, em termos de normalidade, as partes lhe atribuam “, Meneses Cordeiro, ibidem, 585.
O que está em causa, na culpa in contrahendo, é o estabelecimento de um equilíbrio entre a liberdade e justiça contratuais, cfr. Paulo Mota Pinto, in Declaração Tácita e Comportamento Concludente no Negócio Jurídico, 61.”.

10.-acórdão do Supremo Tribunal de Justiça de 9 de Fevereiro de 1999, publicado in Colectânea de Jurisprudência/acórdãos do STJ, Ano VII, tomo I, pags. 84 a 86 ; - acórdão da Relação do Porto de 27 de Fevereiro de 2003, publicado in Colectânea de Jurisprudência, Ano XXVII, tomo I, pags. 195 a 200.

11.- acórdão da Relação de Lisboa de 8 de Julho de 2001, publicado in Colectânea de Jurisprudência, Ano XXVI, tomo IV, pags. 77 a 84, onde se salienta :
“ A culpa in contrahendo desempenha hoje um papel de relevo, quer pelas necessidades que veio satisfazer, quer pelos interesses que veio contemplar.
E um dos papéis que a culpa in contrahendo veio desempenhar foi o estabelecimento de um dever de segurança nas negociações do contrato, para que ninguém saísse prejudicado com a sua não concretização.
Para além deste dever de segurança, na fase pré-contratual, outros deveres se perfilam, tanto ou mais importantes : o dever de informação e o dever de lealdade pré-contratuais, traduzidos, um e outro, na obrigação dos pré-contratantes não agirem com reserva mental, deixando de prestar toda a informação necessária à concretização do negócio, ocultando elementos importantes para o encontro de vontades, ou adoptando comportamentos desviantes em relação ao resultado final, quer assumindo atitudes que possam induzir em erro ou dificultar a apreensão do sentido do negócio, em suma, que possam causar danos injustificados à outra parte.
A actuação de ambas as partes nos preliminares do negócio dever ser segura, leal, informativa, confiante, atendendo às circunstâncias concretas do negócio e à qualidade dos intervenientes.
( ... ) pode em alguns casos haver lugar a indemnizações pelos danos decorrentes da ruptura das negociações, mesmo tendo em conta a liberdade de não contratar, a liberdade de ruptura.
As negociações preliminares desempenharão tanto melhor o seu papel quanto mais as partes permanecerem livres para realizar ou não o contrato e para a modelação do correspondente conteúdo.
Pelo contrário, o interesse do contratante em face do qual a ruptura se produza, consiste em que seja poupado a actividades desnecessárias e a dispêndios inúteis.
( ... ) para que haja responsabilidade pre-contratual é necessário que : a) existam efectivas negociações e que elas tenham permitido ao contratante em relação ao qual se realiza a sua interrupção formar uma razoável base de confiança ; b) que a ruptura das negociações seja ilegítima.
( ... ) Torna-se necessário proceder a uma apreciação casuística das situações, socorrendo-se o julgador de todos os elementos disponíveis, e para o efeito relevantes, como “ a duração e o adiantamento das negociações, a natureza e o objecto do negócio, os valores nele envolvidos, a qualidade dos contratantes e a sua conduta “.

12.- acórdão da Relação do Évora de 22 de Junho de 2004, publicado in Colectânea de Jurisprudência, Ano XXIX, tomo III, pags. 255 a 258, onde se salienta : “ …deverão as partes no decurso das negociações preliminares de um contrato actuar de forma correcta e leal, contribuindo para a realização dos interesses legítimos que se pretendem atingir com a celebração do contrato, em termos, aliás, igualmente consagrados no que diz respeito ao posterior cumprimento, artº 762º, nº 2, do CC, sem que tal signifique o coarctar da liberdade, necessariamente a manter até à obtenção do acordo definitivo. ( … ) No entanto, para que surja a obrigação de indemnizar, é necessário, para além da produção dos danos e da existência dos demais pressupostos da responsabilidade civil, que tenham ocorrido, efectivamente, negociações conduzidas de tal forma que criaram uma confiança razoável na conclusão de um contrato válido, e a consequente obtenção dos efeitos do mesmo decorrentes, perante a seriedade de propósitos evidenciada, bem como a ruptura das referidas negociações, de forma arbitrária ou ilegítima, porquanto sem motivo justificativo, salientando-se que deverá existir uma conduta fortemente censurável por parte de quem não cumpriu, não tendo a contraparte que se comportou lealmente contribuído também, como culpa sua, para o insucesso negocial. “.

13.-Não especificados nos autos.

14.-Vide artº 334º, do Cod. Civil.

15.-Nada se sabe quanto às conversas mantidas entre os negociadores ; aos encontros que tiveram ; aos compromissos que foram paulatinamente assumindo ; aos avisos ou garantias que trocaram.

16.-Trata-se aqui de um dado de facto que é inclusive intuído pelo próprio senso comum.

17.-Vide artº 410º, nº 2, do Cod. Civil.

18.-Sendo certo que neste autos não há prova do contexto específico que rodeou o envio desse fax ( a que propósito foi pedido ; para que efeitos ; com que sequência provável ).

19.-Isto é, sem qualquer tipo de sanção ou responsabilidade.

20.-Se o imóvel estava à venda ao público e não existia cláusula de reserva ou sinal passado, haveria que apurar, de forma muito concreta e rigorosa, em que circunstâncias o R – que até residiria no estrangeiro – se comprometeu firmemente perante os AA. a não aceitar qualquer outro tipo de propostas concorrentes ou negociações paralelas.

21.-Competindo aos AA. o ónus de prova da deslealdade ou censurabilidade do comportamento dos RR..

22.-Segundo o que consta da petição inicial, a visita inicial ao andar teve lugar em 20 Março de 2004 e o envio do fax aconteceu a 26 de Abril do mesmo ano, cerca de dois meses após, o que demonstra o reduzido período temporal em que tudo isto se terá passado.
23.-Nos “ Jardins da Parede “.