Acórdão do Tribunal da Relação de Lisboa | |||
Processo: |
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Relator: | PIMENTEL MARCOS | ||
Descritores: | CONTRATO DE CONCESSÃO CONTRATO DE AGÊNCIA FRANQUIA INDEMNIZAÇÃO | ||
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Nº do Documento: | RL | ||
Data do Acordão: | 02/14/2006 | ||
Votação: | UNANIMIDADE | ||
Texto Integral: | S | ||
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Meio Processual: | APELAÇÃO | ||
Decisão: | PROVIMENTO PARCIAL | ||
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Sumário: | 1. O contrato de concessão comercial é um “contrato de distribuição comercial” tal como os contratos de agência, comissão, mediação e franquia. 2. O contrato de concessão comercial é o acordo pelo qual uma das partes (o concedente) se obriga a vender os produtos por si produzidos ou distribuídos à contraparte (o concessionário), a qual se obriga a comprá-los e a (re)vendê-los a terceiros, por sua conta e de modo estável, numa determinada circunscrição. 3. É um contrato inominado, não tipificado na lei, não dispondo, por isso, de regulamentação específica, pelo que se lhe aplicam as cláusulas acordadas entre as partes, as regras gerais dos contratos e ainda as normas dos contratos nominados, sempre que a analogia das situações o justifique, designadamente o de agência, sobretudo em matéria de cessação do contrato. 4. O concessionário, ao contrário do agente, actua em seu nome e por sua conta, adquire a propriedade da mercadoria, comprando-a ao fabricante ou ao fornecedor, para a vender a terceiros, assumindo os riscos da comercialização e não recebe qualquer retribuição do concedente, retirando os seus proventos do resultado da compra e venda dos produtos. 5. Enquanto o agente é um colaborador autónomo da empresa, por conta da qual se obriga a promover a celebração de contratos e, algumas vezes a concluí-los ele próprio, mas em nome e por conta do principal, o concessionário actua em seu nome e por conta própria. E, em regra, obriga-se a comprar uma quantidade mínima de produtos durante um certo período de tempo e/ou a revender uma quantia mínima. 6. O contrato de franquia é um contrato atípico e inominado em que uma pessoa – o franquiador – concede a outra – o franquiado – a utilização, dentro de certa área, cumulativamente ou não, de marcas, nomes, insígnias comerciais, processo de fabrico e técnicas empresariais e comerciais, mediante contrapartidas prestadas por este. 7. Na concessão existe uma prestação de dare; Na agência uma prestação de facere; E na franquia uma prestação de pati, isto é, o franquiador utiliza o seu nome, a sua marca ou a sua insígnia. E obriga-se a suportar que o franquiado utilize o seu nome, a sua insígnia ou a sua marca. 8. A indemnização de clientela é uma compensação devida ao agente, após a cessação do contrato, pelos benefícios de que o principal continua a auferir com a clientela angariada ou desenvolvida pelo agente. 9. Mas não se trata em rigor de uma verdadeira indemnização devida ao agente (não tendo função reparadora) até porque não está dependente de prova, a fazer por este, dos danos sofridos. O que conta são os benefícios proporcionados pelo agente ao principal, benefícios esses que, na vigência do contrato, eram comuns, e que, após o seu termo, irão aproveitar apenas a este. Em suma: trata-se de uma remuneração devida ao agente pela clientela angariada e da qual virá a beneficiar o principal. 10. Em princípio, dada a similitude de situações entre os contratos de concessão e de agência, o regime deste é, em regra, aplicável ao contrato de concessão, nomeadamente o estabelecido no artigo 33º do DL 178/86 quanto à indemnização de clientela. 11. Entre os dois contratos existe uma grande analogia nesta parte: tanto o agente como o concessionário promovem os produtos do “principal”, assim contribuindo para a sua divulgação. E tal como sucede num contrato de agência, o concessionário adquire e fideliza determinada clientela. Daqui resulta uma certa afinidade entre o contrato de agência e o contrato de concessão comercial, não só quanto à actividade desenvolvida pelo agente e pelo concessionário, mas ainda quanto à situação de dependência económica em que ambos se encontram relativamente à outra parte. 12. Mas é fundamentalmente pela integração do revendedor na rede de distribuição do concedente, com tudo o que isso implica e pressupõe em termos de colaboração entre as partes, e de promoção dos bens distribuídos, que se aproximam os dois contratos e que, nessa medida, mais se justifica a aplicação ao contrato de concessão do regime da agência. 13. Em relação ao requisito a que alude a alínea a) do artigo 33º do DL 178/86 é necessário que se prove que o concessionário angariou novos clientes para o concedente ou que aumentou substancialmente o volume de negócios com a clientela já existente, bastando, porém, a verificação de um destes dois factos. 14. Mas, não basta a angariação de alguns (poucos clientes), pois, só se justificará a indemnização de clientela se for angariado um número significativo de novos clientes. Tal como se torna necessário o aumentado substancial do volume de negócios com a clientela já existente 15. No contrato de agência, a retribuição determina-se fundamentalmente com base no volume de negócios conseguidos pelo agente, geralmente através de uma comissão ou percentagem calculada sobre o valor dos negócios por ele obtidos. Mas o mesmo não sucede no contrato de concessão comercial, onde não existe uma “retribuição” calculada nestes termos. É que o concessionário actua em seu nome e por sua conta, adquire a mercadoria, comprando-a ao fabricante ou ao fornecedor, para a vender a terceiros, assumindo os riscos da comercialização, não recebendo, por isso, qualquer outra retribuição do concedente. Todavia, nada impede que seja fixada uma indemnização em termos equitativos, com base na actividade desenvolvida pelo concessionário, desde que a analgia das situações o justifique. | ||
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Decisão Texto Integral: | Acordam no Tribunal da Relação de Lisboa. “V...” intentou a presente acção com processo ordinário, contra “C..,”, pedindo que esta seja condenada a pagar-lhe, a título de indemnização de clientela, uma quantia de 3.900.000$00, acrescida de juros, à taxa legal dos juros comerciais, vencidos desde a citação e até integral pagamento. Para tanto alega, em síntese: ter celebrado um contrato com a “E...”.”, em que tomou a actividade de revenda de combustíveis e lubrificantes, tendo-se, para o efeito, obrigado a pagar os custos de licenças e taxas necessárias à exploração do posto, bem como todos os custos de exploração deste, nomeadamente os referentes a despesas com pessoal, segurança, energia, água, aferição de bombas, cabendo à “E...” o fornecimento exclusivo dos combustíveis e lubrificantes por ela comercializados; ter a A. obtido as licenças, contratado trabalhadores, outorgado o contrato de seguro, divulgado a sua abertura na região e iniciado um conjunto de obras e instalação de equipamentos no posto de abastecimento, cuja exploração foi iniciada em 01.94.96; ter explorado, no prédio onde está instalado o posto de abastecimento, uma boutique e um snack bar; ter organizado todos estes factores de produção e pago, por isso, taxas de exploração à “E...”; ter angariado, entre 1.4.1996 e 31.3.1999, para o aludido posto de abastecimento, várias centenas de clientes; ter a ré enviado à autora, em 13.08.1998, sob registo e com aviso de recepção, uma carta em que denunciava o contrato celebrado, com efeitos a partir de 31.09.1999, altura em que a A. deixou de explorar o posto de abastecimento de combustíveis; ter a clientela desse posto de abastecimento sido angariada ex novo pela Autora, clientela que continua a abastecer-se naquele posto; ter a Autora deixado de receber, após a cessação do contrato, qualquer retribuição por contratos negociados ou concluídos com esses clientes; ter a boa imagem que o estabelecimento hoje desfruta ficado a dever-se ao investimento da Autora e ao tratamento que esta, entre 1.4.1996 e 31.3.1999, sempre dispensou aos seus clientes; ter a Autora, durante esse período, recebido comissões no total de 11.733.556$00, limite que, de acordo a média anual estabelecível, aparece cifrado, para efeito da indemnização de clientela, em 3.911.185$00. A ré contestou, pedindo a improcedência total da acção e a consequente absolvição do pedido, assim como a condenação da A. como litigante de má fé. Invocou, para tanto, que: não foi celebrado qualquer contrato de agência; a concessão do aludido posto de combustível foi feita nos termos a celebrar posteriormente entre a “E...” e “V...”, o que efectivamente veio a acontecer; o contrato celebrado entre “E:::” e a Autora, através do qual esta se obrigou a fazer a exploração do posto de abastecimento de combustíveis por sua exclusiva conta e risco, é um contrato misto de cessão de exploração de abastecimento, de compra e venda de combustíveis e lubrificantes e de franquia quanto à marca “E...”; a Autora não auferiu quaisquer comissões da R. e/ou da “E...” a denúncia do contrato não dá lugar a qualquer indemnização. ** Foi proferido despacho a saneador. Procedeu-se a audiência de discussão e julgamento e a matéria controvertida foi julgada nos termos do despacho de fls. 213 e segs., que não foi objecto de reclamação. Seguidamente foi proferida a competente sentença julgando-se a acção parcialmente procedente, por provada e, em consequência, condenando-se a ré a pagar à autora a quantia de 9.975,96 euros, acrescida dos juros de mora, à taxa de juro comercial, vencidos desde o dia 21 de Março de 2000, data da citação, até integral pagamento. E foi ainda julgada não verificada a litigância de má fé. Dela recorreu a ré, formulando as seguintes conclusões: ..... A apelada não alegou. Colhidos os vistos legais cumpre apreciar e decidir. Em 1ª instância foram dados como provados os seguintes factos: ..... O DIREITO. Questões a decidir: a) Eventual alteração da matéria de facto; b) Da caracterização do contrato celebrado entre A. e R. c) A indemnização de clientela. I .......II Para a caracterização do contrato parece-nos que devem ser tidos em consideração os seguintes factos que foram dados como provados:4 - Em 24/09/91, “E....” e “V....” outorgaram um contrato: ....... b) em que «a “E....” obriga-se a fornecer ao cliente, e este obriga-se a adquirir em exclusivo à “E...”, os combustíveis e os lubrificantes (…) vendidos ao cliente, quer directamente pela “E...”, quer por quem esta indicar para o efeito, aos preços oficiais em vigor, ou, na sua falta, aos preços de mercado que constam das tabelas aprovadas pela “E...” (…) e que são vendidos ao público sob as marcas ou denominações “E...”» (cláusula 2.ª), c) em que o “cliente tem direito a 80% (oitenta por cento) das comissões de revenda fixadas oficialmente”, nestas se considerando “incluída a comissão referida no parágrafo 2 do art.º 269.º do Código Comercial”, com “ as restantes condições comerciais como, por exemplo, preços de venda ao público e condições de pagamento, são as constantes do Anexo 1 e podem ser modificadas pela “E...”, devido a condições do mercado, alterações de custos, como consequência de decisões de organismos oficiais, etc.” (cláusula 5.ª), d) em que «a “E...” obriga-se a instalar no estabelecimento, uma vez obtidas as necessárias autorizações por parte das entidades oficiais, se for o caso, os materiais e equipamentos de que conserva propriedade, constante da relação Anexa (Anexo III), sendo obrigação do cliente, em relação a esses materiais e equipamentos, «mantê-los em perfeito estado de funcionamento, avisar imediatamente a “E...” de qualquer avaria ou deficiência neles verificados, não utilizar para fins distintos daqueles que se destinam, não alterar o local em que se encontram nem o seu aspecto, assumir plena responsabilidade pelos danos neles causados por terceiros, cabendo-lhe exigir do causador as indemnizações a que tiverem direito, restituí-los à “E...” logo que cesse o presente contrato qualquer que seja a causa ou motivo”, sendo que «“a E....” apenas será responsável pelos custos de reparação, substituição, verificação, afinação e beneficiação, decorrentes de defeitos de construção ou de instalação dos materiais de equipamento atrás referidos» (cláusula 6.ª). e) em que «o funcionamento do estabelecimento e sua exploração são da exclusiva conta e risco do cliente, que será o único responsável por qualquer acidente ou dano causado pelas instalações, produtos ou material nele existentes, bem como pelo cumprimento das obrigações assumidas pelas pessoas com que contrata” e em que “os custos de exploração, manutenção e reparação do estabelecimento, incluindo os seus equipamentos, são da responsabilidade do cliente, competindo à “E...” promover a adjudicação e fiscalização dos trabalhos e equipamentos necessários, sendo outrossim da “de responsabilidade da “E...” os custos de grandes reparações e substituições necessárias devido ao uso e degradação normal do estabelecimento (cláusula 8.º), j) que, prevendo uma entrada em vigor na data da sua assinatura e o período de duração de um ano a contar da data de abertura do posto de abastecimento, era renovável automaticamente por iguais períodos, se nenhuma das partes o denunciasse com pelo menos 180 dias de antecedência do seu termo, por carta registada com aviso de recepção(cláusula 15.ª), l) em que, “cessada a vigência deste contrato, qualquer que seja a causa ou o motivo, o cliente obriga-se de imediato a: a)liquidar integralmente à “E...” todas as importância sem dívida ou ainda não pagas, b)libertar o estabelecimento e entregá-lo com todo o material, equipamentos e instalações em boas condições de funcionamento, pagando todos os que estiverem em falta ou danificados, aos preços que tiverem na altura” (cláusula 16.ª), 6- Em 24 de Setembro de 1991, a “E...”., por escritura de compra e venda outorgada no 2º Cartório Notarial de L..., de fls. 32 a fls. 34º do Livro nº 38-F, adquiriu a J... e mulher, livre de quaisquer ónus ou encargos, o prédio misto, composto de edifício destinado a estação de serviço, oficina de reparação de .... 11- As obras e instalação de equipamentos por referência ao acordo celebrado em 24/09/91 ficaram concluídas em 31/03/96. 12 - A A. iniciou a exploração do posto de abastecimento de combustíveis. 13 - No âmbito da exploração de abastecimento referido nos autos, a Autora contratou trabalhadores por referência à exploração daquele posto. 14 - Recebeu a Autora pela venda de combustíveis da Ré e antes dela pela “E...” postos de Abastecimento quantias referentes à venda de combustíveis. 15 - Entre 01.04.96 e 12.12 96 a Autora recebeu da “E:::” a quantia total de 2.053.562$00 relativa à venda de combustíveis e lubrificantes. 16 - De 1/1/97 a 31/12/97, recebeu, a esse mesmo título, daquela” E...” e da Ré, a quantia total de 4.189.290$00. 17 - De 1/1/98 a 31/12/98, recebeu, da Ré, àquele mesmo título, o total de 4.412.087$00. 18 - De 01.01.99 a 31.03.99 recebeu a Autora da Ré a quantia de 1.078.617$00 a esse mesmo título. 22 - Naquela data, a Ré recebeu, da A., aquele posto de abastecimento, com todos os respectivos factores produtivos organizados e aptos a funcionar em termos de gerar lucros. 30 - Com vista a preparar o posto para o seu normal funcionamento, a A. divulgou, na região onde o mesmo se situa, a notícia relativa à sua abertura. 34 - Deu ordens, dirigiu e fiscalizou os trabalhadores afectos à exploração do posto de combustível. 35 - Explorou, no prédio onde está instalado o posto de abastecimento, uma boutique e um snack bar. 36 - Vendeu, aí, entre outros, os seguintes produtos: lubrificantes, café, chocolates, bolos, cervejas, águas e refrigerantes. 37 - Encomendou os produtos vendidos quer no posto de abastecimento, quer na boutique e no snack bar. 38 - Pagou esses produtos. 39 - Pagou todas as despesas inerentes ao funcionamento do posto de abastecimento, da boutique e do snack-bar, nomeadamente salários dos trabalhadores, prémios de seguros, taxas administrativas, electricidade, água e telefone. 42 - Entre 1/4/96 e 31/3/99, a A. angariou para o mencionado posto de abastecimento meia centena de clientes. 43 - Todos esses clientes continuam, actualmente, a ser clientes do posto de abastecimento. 44 - A A. deixou de receber, após a cessação do contrato ocorrida em 31.03.99, qualquer retribuição por contratos negociados ou concluídos com esses clientes. 45 - Deixou igualmente de receber, após essa mesma cessação, qualquer retribuição por contratos negociados ou concluídos com quaisquer outros clientes do posto de abastecimento. 46 - Todo o volume de negócios relativo a esse posto de abastecimento foi iniciado pela A.. Parece-nos estar fora de dúvida que se trate de um contrato de agência. Aliás, ninguém faz tal caracterização. Cremos tratar-se antes de um contrato de concessão comercial. O contrato de agência passou a estar legalmente tipificado no ordenamento jurídico português com a entrada em vigor do Decreto-Lei nº 178/86 de 3 de Julho, alterado posteriormente pelo Decreto Lei nº 118/93, de 13 de Abril, o qual transpôs para a ordem jurídica interna a Directiva nº 86/653/CEE do Conselho, de 18.12.86, relativa à coordenação do direito dos Estados membros sobre os agentes comercias. Assim, a agência é “o contrato pelo qual uma das partes se obriga a promover por conta da outra a celebração de contratos, de modo autónomo e estável e mediante retribuição, podendo ser-lhe atribuída certa zona ou determinado vínculo de clientes” (artº 1º do DL 178/86, na redacção do DL 118/93) Acontece que: - a autora (eventual agente) não se limitou a promover, por conta da R (que seria o principal) a celebração de contratos; pelo contrário, comprava os produtos à R. e (re)vendia-os depois aos seus clientes, por conta própria, assumindo os riscos da comercialização. - a autora não recebia qualquer retribuição da R. Esta defende que se trata de um contrato misto, isto é, constituído por elementos típicos de uma cessão de exploração de estabelecimento (ao estipular que a “E...”, enquanto proprietário do prédio referido nos autos o dá em exploração à A., Apelada, que a aceita), de um contrato de compra e venda (ao estipularem que a “E...” forneceria à A., Apelada, combustíveis e lubrificantes, obrigando-se esta a pagar o respectivo preço) e de franquia (quanto à marca “E...” quando estipula que “os produtos obrigatoriamente adquiridos à “E....” ou a quem esta indicar, são vendidos ao público sob a marca ou denominação “E...”). E diz ainda a apelante que, por isso, se aplicam as regras destes três contratos. Vejamos. Cessão de exploração de estabelecimento comercial é o contrato pelo qual se transfere temporária e onerosamente, para outrem, juntamente com o gozo do prédio, a exploração de um estabelecimento comercial ou industrial nele instalado (artº 111º do RAU). O que o distingue, por exemplo, do trespasse, é que na cessão há uma transferência temporária da exploração e no trespasse há uma transferência definitiva da titularidade do estabelecimento. Mas, em ambos os casos existe uma transferência, em conjunto, das instalações, utensílios, mercadorias e outros elementos que integrem o estabelecimento. É certo que se refere logo na 1ª cláusula do contrato que a ré é proprietária do posto de abastecimento de combustíveis cuja exploração é entregue “ao cliente”, (ora autora). A verdade é que tal estabelecimento não era explorado pela ré. Esta limitou-se a equipá-lo, como resulta directamente da cláusula 6ª. Na sequência do contrato em causa é que foram feitas obras para aí ser instalada uma estação de venda de combustíveis. E esta seria explorada justamente ab initio pela ora autora. O estabelecimento (1) era efectivamente propriedade da cedente. Mas isso justifica-se por ser necessário fazer grandes investimentos, que o concessionário, em princípio, por si só não poderia ou não quereria suportar, tendo em consideração que o contrato apenas vigoraria por um ano, embora renovável por iguais períodos de tempo, desde que não fosse denunciado. Ora, como é obvio, não seria razoável que o “concessionário” criasse de raiz um estabelecimento de venda de combustíveis quando apenas lhe era assegurado que o contrato vigoraria por um ano. O Prof. Ferrer Correia diz-nos que a expressão “estabelecimento comercial” empregue em sentido lato significa o mesmo que “o complexo da organização comercial do comerciante, o seu negócio em movimento ou apto para entrar em movimento” (2). E tal organização versa sobre um conjunto de bens de variada natureza, designadamente coisas corpóreas e incorpóreas. Mas aí se refere também que o estabelecimento comercial pode ser entendido numa acepção mais restrita. E pode ser nomeadamente “o complexo de coisas corpóreas de que o comerciante se serve para explorar a sua empresa, mais aquelas em que recai essa actividade ou que se representam o seu produto. Tomada a palavra neste sentido, ela abrange, juntamente com a loja, armazém ou fábrica, o conjunto dos móveis, máquinas, utensílios, matérias primas e mercadorias que lá existam” (3). E a palavra “estabelecimento” é também usada, por vezes, na lei, para designar o local onde se exerce o comércio. A pags. 229 e 230 escreve o mesmo autor que o estabelecimento comercial deve ser entendido não só como uma unidade jurídica, mas também como uma unidade económica (releva a ideia de uma unidade económica e também a duma unidade em sentido jurídico - uma unidade jurídica objectiva). O estabelecimento comercial em sentido amplo e numa acepção técnica e mais rigorosa deve, pois, ser entendido como uma verdadeira unidade jurídica e não apenas como uma unidade económica. A universalidade não compreende apenas as mercadorias, máquinas ou instrumentos produtivos, abrangendo também bens imateriais. Por isso se deve entender que o vocábulo “estabelecimento” foi tomado numa acepção menos rigorosa, querendo as partes referir-se essencialmente ao conjunto de coisas corpóreas ali instaladas – o posto de abastecimento de combustíveis. Ora, como vimos, o estabelecimento nunca foi explorado pela ora ré. Pelo contrário, pois foi criado para ser explorado justamente pela apelante. Até porque, como ficou provado, todo o volume de negócios relativo ao posto de abastecimento de combustíveis foi iniciado por ela. No fundo, o “estabelecimento”, enquanto unidade jurídica e mesmo económica, foi também criado pela autora. Esta é que se obrigou a fazer a sua exploração, por sua conta e risco (como diz a própria ré). E repare-se que, nos termos do nº 4 da cláusula 6ª, a “E...” apenas seria responsável pelos custos das reparações. Além disso, embora o contrato tenha sido celebrado em 1991, as obras e instalação de equipamentos apenas ficaram concluídas em 31/03/96. E a autora não pagou à ré qualquer quantia a título de retribuição pela ocupação do local, sendo certo que a cessão de exploração de estabelecimento é oneroso (4). Portanto, não estamos perante um mero contrato de exploração de estabelecimento comercial. Bem mais importante para a caracterização do contrato é o estabelecido na cláusula 2ª (nº 4. b. dos factos provados) Daqui decorre que a “E...” se obrigou a fornecer à autora os seus produtos e que esta se obrigou a adquiri-los em regime de exclusividade, e ainda que os mesmos seriam vendidos ao público sob as marcas e denominações “E....”. Por outro lado, como resulta da cláusula 8ª, a autora seria a única responsável pelo fornecimento e exploração do estabelecimento. A “E...” apenas seria responsável pelos custos resultantes de “grandes reparações...”. E resulta da cláusula 16ª , “cessada a vigência do contrato, qualquer que seja a causa ou o motivo, o cliente obriga-se de imediato a: a)liquidar integralmente à E... todas as importância sem dívida ou ainda não pagas, b)libertar o estabelecimento e entregá-lo com todo o material, equipamentos e instalações em boas condições de funcionamento, pagando todos os que estiverem em falta ou danificados, aos preços que tiverem na altura E, como consta claramente da cláusula 3ª do anexo I, os artigos fornecidos pela “E...” (e depois pela ré) seriam pagos pela autora nos prazos aí referidos. Ora, estas cláusulas não são próprias de um contrato de cessão de exploração de estabelecimento comercial. Neste apenas se verifica a transferência temporária e onerosa, para o cessionário, juntamente com o gozo do prédio, da exploração do estabelecimento comercial ou industrial nele instalado. Depois, toda a actividade desenvolvida será da responsabilidade do cessionário, sem qualquer interferência do cedente. III Também não estamos seguramente perante um simples contrato de compra e venda.Pelo contrato de concessão, o concessionário obriga-se a efectuar determinadas compras ao concedente, e este obriga-se a vender-lhe os seus produtos. E a compra (e posterior venda) pela autora dos produtos da “E...”, e depois da ré, faz parte precisamente do contrato de concessão comercial. Mas não se trata de um puro contrato de compra e venda, como facilmente resulta das respectivas cláusulas. É que além das meras obrigações resultantes destes contratos (artº 879º do CC), muitas outras foram assumidas. Na concessão comercial, as partes obrigam-se a celebrar contratos vários para futuro. O concessionário assume a obrigação de comprar os produtos ao concedente para revenda. Mas ficam desde logo estabelecidas regras gerais pelas quais se regularão esses contratos. E, por isso, quando são efectivados, estão as partes a cumprir as obrigações assumidas anteriormente no contrato de concessão. Estabelece-se uma relação contratual duradoura e não instantânea. Existem interesses comuns na prossecução das respectivas actividades comerciais. E daí que as partes assumam outras obrigações para além das resultantes do simples contrato de compra e venda (ou mesmo de compra para revenda), sendo através delas que verdadeiramente se efectua a integração do concessionário na rede de distribuição do concedente. Mas, para revender os produtos aos seus clientes, o cessionário tem de os comprar ao cedente. Todavia, não são as questões relativas a essas vendas que aqui estão em causa. IV Parece-nos que, no essencial, estamos perante um verdadeiro contrato de concessão comercial.Trata-se, com efeito, de um contrato genericamente designado de “contrato de distribuição comercial”. Sucede, porém, que, dentro desta categoria ampla de contratos, existem diferenças sensíveis entre eles, nomeadamente os contratos de agência, comissão, mediação, franquia e concessão comercial. O contrato de concessão comercial é na verdade um contrato de distribuição comercial, mas com características que o distinguem dos restantes do mesmo género (como sejam a própria agência ou o "franchising", por exemplo). Este género de contratos tem lugar essencialmente em situações que exigem elevados investimentos e em que o produtor dos bens ou serviços a distribuir não quer ou não pode efectuá-los directamente. Perante os factos provados parece-nos estarmos efectivamente perante um contrato de concessão comercial, ou seja, "um acordo pelo qual uma das partes (o concedente) se obriga a vender os produtos por si produzidos ou distribuídos à contraparte (o concessionário), a qual se obriga a comprá-los e a (re)vendê-los a terceiros, por sua conta e de modo estável". Ou, como escreve Menezes Cordeiro (5), “é um contrato atípico e inominado e que tem sido definido como aquele no qual uma pessoa - o concedente - reserva a outra – o concessionário – a venda de um seu produto, para revenda, numa determinada circunscrição”. Na concessão, o cedente e o cessionário acordam em que este proceda à distribuição dos produtos daquele (em exclusivo ou não) inserindo-se o concessionário na rede de distribuição do cedente, ao qual adquire o “produto”, obrigando-se a vendê-lo por sua conta e risco. Trata-se, contudo, de um contrato inominado, não tipificado na lei, não dispondo, por isso, de regulamentação específica, pelo que se lhe aplicam as cláusulas acordadas entre as partes (artº 405º do CC), as regras gerais dos contratos e ainda as normas dos contratos nominados, sempre que a analogia das situações o justifique, designadamente o de agência, sobretudo em matéria de cessação do contrato (6). Mas é sem dúvida um contrato “socialmente típico”, tal é a sua implantação nos dias de hoje. Desempenha, com efeito, uma função económico-social própria pela organização da comercialização dos produtos, com carácter duradouro, de tal forma que permite ao concedente controlar a distribuição e pôr em prática a sua política comercial, transferindo para o concessionário os riscos da comercialização. É um contrato-quadro, desprovido de um regime jurídico próprio “que faz surgir entre as partes uma relação obrigacional complexa, por força da qual uma delas, o concedente, se obriga a vender à outra, o concessionário, e este a comprar-lhe, para revenda, determinada quota de bens, aceitando certas obrigações (mormente no que concerne à sua organização, à política comercial e à assistência a prestar aos clientes) e sujeitando-se a um certo controlo e fiscalização do concedente” (7) Assim, o concessionário, ao contrário do agente, actua em seu nome e por sua conta, adquire a propriedade da mercadoria, comprando-a ao fabricante ou ao fornecedor, para a vender a terceiros, assumindo os riscos da comercialização e não recebe qualquer retribuição do concedente, retirando os seus proventos do resultado da compra e venda dos produtos. Mais pormenorizadamente podemos apontar entre ambos os contratos (agência e concessão comercial) as seguintes diferenças (8): 1. Ao contrário do agente, o concessionário age em seu nome e por conta própria, não representando juridicamente o concedente; 2. Diversamente do que sucede com outros colaboradores da empresa, o concessionário adquire a propriedade da mercadoria, embora, por vezes, o concedente beneficie de uma cláusula de reserva de propriedade, acordada entre ambos; 3. Ao contrário do agente, o concessionário é um comerciante que compra para revenda, estando muitas vezes obrigado a adquirir determinada quota mínima de produtos; 4. Por isso, o concessionário assume o risco da comercialização, podendo mesmo ter prejuízos avultados; 5. Geralmente o agente beneficia do regime de exclusividade; 6. As obrigações do concessionário para com o concedente não cessam com a alienação dos bens, estando igualmente vinculado a prestar assistência pós venda aos clientes, mediante pessoal especializado e meios técnicos. Em síntese: enquanto o agente é um colaborador autónomo da empresa, por conta da qual se obriga a promover a celebração de contratos e, algumas vezes a concluí-los ele próprio, mas em nome e por conta do principal, o concessionário actua em seu nome e por conta própria. Este compra os produtos ao cedente para os revender aos seus próprios clientes. E, em regra, obriga-se a comprar uma quantidade mínima de produtos durante um certo período de tempo e/ou a revender uma quantia mínima. Ora, como se viu, a apelada comprava os produtos à apelante, comprometendo-se esta a vender-lhos nas condições acordadas. E a venda destes era feita pela autora a terceiros em seu nome e por conta própria, não estando previsto o pagamento de qualquer retribuição. Não se trata, portanto, de um contrato de agência. Mas nem sempre é fácil proceder à exacta caracterização do contrato de concessão, sobretudo quando nele são incluídas cláusulas próprias doutros contratos. Com efeito, nele são incluídas frequentemente cláusulas próprias de figuras afins, de tal modo que essa distinção se torna, por vezes, difícil. Assim acontece, nomeadamente, quando o concessionário se obriga à utilização de marcas ou de insígnias que identifiquem o(s) produto(s) objecto do contrato. E daqui que possa haver alguma confusão com o contrato de franquia, por exemplo. Este é também um contrato atípico e inominado em que “uma pessoa – o franquiador – concede a outra – o franquiado – a utilização, dentro de certa área, cumulativamente ou não, de marcas, nomes, insígnias comerciais, processo de fabrico e técnicas empresariais e comerciais, mediante contrapartidas” (9) Assim, relativamente à sua distinção do contrato de concessão comercial, o que a franquia tem de mais específico é a autorização dada pelo franquiador ao franquiado para o uso da marca, insígnia ou similar. E na franquia de distribuição, o franquiador limita-se a vender certos produtos num armazém que usa a insígnia do franquiador. Na concessão existe uma prestação de dare; Na agência uma prestação de facere; E na franquia uma prestação de pati, isto é, o franquiador utiliza o seu nome, a sua marca ou a sua insígnia. E obriga-se a suportar que o franquiado utilize o seu nome, a sua insígnia ou a sua marca. Com efeito, o franquiador obriga-se a suportar ou tolerar a actuação do franquiado, ao qual permite que actue na sua esfera comercial privativa. Por sua vez o franquiado beneficia duma organização empresarial já existente, e na maior parte das vezes gozando já de imenso prestígio, sendo conhecida da generalidade do consumidores (10). Beneficia, pois, da promoção comercial já desenvolvida pelo franquiador, ao contrário do que sucede na agência (ou na concessão) onde a actividade promocional cabe ao agente. E daí as contrapartidas de que goza o franquiador. A este respeito poderá considerar-se provado o seguinte: a ré explorou, no prédio onde está instalado o posto de abastecimento, uma boutique e um snack bar. vendeu, aí, entre outros, os seguintes produtos: lubrificantes, café, chocolates, bolos, cervejas, águas e refrigerantes. encomendou os produtos vendidos quer no posto de abastecimento, quer na boutique e no snack bar. Pagou, à “E....”, e, posteriormente, à Ré, a taxa de exploração mencionada na cláusula 4ª do anexo I do acordo celebrado em 24/09/91 (ou seja, 20% do valor das vendas na boutique e no snack bar. O franquiador obtém lucros resultantes do exercício da sua actividade, ao contrário do que acontece, por exemplo, com o agente, que, como vimos, é retribuído pelo volume dos negócios por ele realizados. No fundamental, o contrato de franquia é caracterizado pela autorização dada pelo franquiador ao franquiado para usar determinadas marcas ou insígnias, utilizando determinados esquemas de comercialização, mediante contrapartidas prestadas por este. Assim, no caso dos autos, em relação a estes produtos ainda se poderá pensar na existência de um contrato de franquia. Mas o mesmo já não se pode dizer em relação à venda de combustíveis, tendo em consideração os factos provados e o que foi referido quanto à sua caracterização. E aquela actividade era sem dúvida acessória em relação a esta, pelo que jamais se poderá defender que o contrato celebrado entre autora e ré é um simples contrato de franquia. De fls. 275 a 277 invoca a apelante alguns dos factos provados que, em seu entender, caracterizariam o contrato de franquia. Salvo o devido respeito não tem razão. A maioria deles caracteriza antes um contrato de concessão. O facto de os produtos serem vendidos ao público sob as marcas ou denominações “E....” não significa necessariamente que se trate de um contrato de franquia. Com efeito, a A. revendia os produtos da ré, e estes tinham, naturalmente, a sua marca, pois, numa empresa como esta, outra coisa não seria de esperar. Mas isso não significa que, mesmo em relação a esses produtos, não vigorasse um contrato de concessão comercial. É preciso não esquecer que o concessionário integra-se na organização de venda do concedente, razão pela qual muitas vezes tem de subordinar a sua empresa aos ditames deste, o que se torna mais nítido quando existe um regime de exclusividade. De qualquer maneira, a não ser assim entendido, sempre haveria que ter em consideração que o pedido de indemnização de clientela nada tem a ver com os produtos comercializados na “boutique” ou no “snak-bar”. Aliás, as condições relativas à venda destes produtos eram diferentes das da venda dos combustíveis. Mas só em relação a estes é feito o pedido de indemnização de clientela. Por isso nem sequer tem interesse averiguar se se trata de um contrato misto ou de uma união de contratos ou de um único contrato. A solução final seria a mesma. V Vejamos agora a apelação no que diz respeito à chamada “indemnização de clientela”.Está em causa a chamada “indemnização de clientela” prevista nos artigos 33º e 34º do DL 178/86 para o contrato de agência, na redacção dada pelo DL nº 118/93, de 13.04. Com efeito, estabelece o artigo 33º que, sem prejuízo de qualquer outra indemnização, nos termos das disposições anteriores, o agente tem direito, após a cessação do contrato, a uma indemnização por clientela, desde de que sejam preenchidos, cumulativamente, os seguintes requisitos: a) O agente tenha angariado novos clientes para a outra parte ou aumentado substancialmente o volume de negócios com a clientela existente; b) A outra parte venha a beneficiar consideravelmente, após a cessação do contrato, da actividade desenvolvida pelo agente; c) O agente deixe de receber qualquer retribuição por contratos negociados ou concluídos, após a cessação do contrato, com os clientes referidos na alínea a). Do contrato em causa nada consta a este respeito. Todavia, tem-se entendido que esta indemnização também é devida noutros contratos, sempre que a analogia das situações o justifique. No próprio preâmbulo daquele diploma legal diz-se expressamente que, no direito comparado, o contrato de concessão comercial se tem mantido como um contrato atípico, mas que, ao mesmo tempo, vem sendo posta em relevo a necessidade de se lhe aplicar, por analogia - quando e na medida em que ela se verifique - o regime da agência, sobretudo em matéria de cessação do contrato. Como diz A. Pinto Monteiro (11), isto acontece porque a finalidade do contrato de concessão envolve, frequentemente, uma actividade e um conjunto de tarefas similares às da agência, estando os contraentes unidos, de modo idêntico, por uma relação de estabilidade e de colaboração... Prevê a lei que, sem prejuízo de qualquer outra indemnização a que haja lugar, a indemnização de clientela seja concedida, desde que se verifiquem cumulativamente os requisitos a que aludem as alíneas a) a c) do nº 1 do artº 33º. "Trata-se, na sua essência, de uma indemnização destinada a compensar o agente dos proveitos de que, após a cessão do contrato, poderá continuar a usufruir a outra parte, como decorrência da actividade desenvolvida por aquele. Verificadas as condições de que depende a indemnização de clientela é devida, seja qual for a forma de cessação do contrato" (conf. preâmbulo já citado). A indemnização de clientela será uma compensação devida ao agente, após a cessação do contrato, pelos benefícios de que o principal continua a auferir com a clientela angariada ou desenvolvida pelo agente. Será como refere Helena Brito, in “Novas perspectivas do Direito Comercial” um direito à retribuição por serviços prestados; o originário direito à comissão transforma-se, por efeito da cessação do contrato, em direito a uma compensação, que terá em conta as retribuições esperadas pelo agente se o contrato não fosse interrompido. Trata-se, assim, de uma compensação pela “mais-valia” que é proporcionada, graças à actividade desenvolvida, na medida em que o principal continua a aproveitar-se dos frutos dessa actividade após o termo do contrato de agência. De resto tem-se entendido que não se trata em rigor de uma verdadeira indemnização devida ao agente (não tendo função reparadora) até porque não está dependente de prova, a fazer por este, dos danos sofridos. O que conta são os benefícios proporcionados pelo agente ao principal, benefícios esses que, na vigência do contrato, eram comuns, e que, após o seu termo, irão aproveitar apenas a este. Trata- se de um direito à retribuição pelos serviços prestados. Mesmo que o agente não sofra danos, haverá um enriquecimento do principal que legitima e justifica uma compensação. Em suma: trata-se de uma remuneração devida ao agente pela clientela angariada e da qual virá a beneficiar o principal; a finalidade desta indemnização é, pois, a de compensar o agente na medida dos benefícios de que o principal continue a auferir após a cessação do contrato, em virtude da actividade por ele desenvolvida. Ou, como refere Maria Helena Brito (12), «o fundamento desta “indemnização” é o incremento da clientela, que reverte a favor do principal, enquanto o agente perde a retribuição que poderia auferir daquela clientela se o contrato não terminasse» Portanto, mesmo que o agente não sofra danos, poderá exigir a indemnização de clientela. Mas, nos termos do artigo 34º do referido decreto-lei, a indemnização é calculada em termos equitativos. Assim sendo, há que fixar a indemnização pelo recurso à equidade. Todavia, após a redacção de 1993, aplicável ao caso, essa indemnização não pode exceder um valor equivalente a uma indemnização anual, calculada a partir da média anual das remunerações recebidas pelo agente durante os últimos cinco anos. Mas, tendo o contrato durado menos tempo, atender-se-á à média do período em que esteve em vigor Trata-se, contudo, e apenas, de um limite máximo. A este respeito foi tido em consideração na sentença recorrida: «A A. quantificou a indemnização de clientela em 3.900.000$00. Perante os factos apurados resulta que a R. ao fazer cessar o contrato, transferiu para si uma clientela calculada em meia centena criada pelo esforço da A. ao longo do período de vigência do contrato, tirando proveito da boa imagem dada pela A. aos produtos da R.. Ponderando em termos de equidade, critério que vai ínsito no art.º 34.º, valorado o número de clientes que surge indicado no petição apresentada pelo autor e verificando-se, à luz da factualidade provada, que os benefícios auferidos pela “C...”, sem prejuízo da sua atendibilidade, não têm a extensão que o Autor lhes atribui, fixar-se-á em 2.000.000$00 (valor que constitui cerca de metade da média anual das comissões recebidas pela A.), a indemnização a que a Autora tem direito....» Parece-nos que se trata duma questão bastante complexa, não só quanto a saber se é devida a indemnização, mas também, em caso afirmativo, qual o seu montante. Vejamos agora o requisito da alínea b): que a autora venha a beneficiar consideravelmente, após a cessação do contrato, da actividade desenvolvida pelo cessionário. O mais importante é que o principal (neste caso a ré e cedente) fique em condições de continuar a usufruir da actividade desenvolvida pelo ex-concessionário, o que, in casu, se verifica. Mas não só: provou-se que a concedente, após a cessação do contrato, continuou a vender os seus produtos no território onde vigorava o exclusivo dado à ré e que, em resultado da actividade da A., os seus produtos mantiveram, após a cessação do contrato, junto dos aludidos clientes, uma imagem de alta qualidade. Ora, como se disse, a indemnização de clientela destina-se essencialmente a compensar o concessionário dos proventos de que, após a cessão do contrato, poderá continuar a beneficiar o concedente, como resultado da actividade por aquele desenvolvida. Ou dito doutro modo: a indemnização de clientela a que se refere o artigo 33º traduz-se numa compensação devida ao agente, após a cessação do contrato, pelos benefícios de que o principal continue a auferir com a clientela angariada ou aumentada pelo agente. Por isso, essencial é apurar se, e em que medida, após a cessação do contrato, o cedente fica a beneficiar da actividade desenvolvida pelo concessionário.Vejamos agora o requisito da alínea c). Em relação a este nenhuma questão se levanta, tendo em consideração os factos provados. É que a A. deixou de receber, após a cessação do contrato, qualquer retribuição por contratos negociados ou concluídos com os anteriores clientes. E deixou igualmente de receber qualquer retribuição por contratos negociados ou concluídos com quaisquer outros clientes do posto de abastecimento. Nada mais recebeu, pois, como contrapartida pelo contrato celebrado com a ré. VI Verificar-se-iam, pois, os pressupostos da obrigação da “indemnização de clientela”, nos termos do referido artigo 33º.Em princípio, dada a similitude das situações entre os contratos de concessão e de agência, o regime deste é, em regra, aplicável ao contrato de concessão. Parece, contudo, que há que ver caso a caso se se verifica uma analogia tal que justifique essa aplicação. E, como se vem dizendo, entre os dois contratos existe uma grande analogia nesta parte: tanto o agente como o concessionário promovem os produtos do “principal”, assim contribuindo para a sua divulgação. E tal como sucede num contrato de agência, o concessionário adquire e fideliza determinada clientela. Daqui resulta uma certa afinidade entre o contrato de agência e o contrato de concessão comercial, não só quanto à actividade desenvolvida pelo agente e pelo concessionário, mas ainda quanto à situação de dependência económica em que ambos se encontram relativamente à outra parte. É que o contrato de concessão envolve, com muita frequência, um conjunto de actividades semelhantes às que se verificam no contrato de agência, estando os contraentes unidos, em ambos os casos, de modo idêntico, por relações de estabilidade e cooperação, com um objectivo comum. Mas é fundamentalmente pela integração do revendedor na rede de distribuição do concedente, com tudo o que isso implica e pressupõe em termos de colaboração entre as partes, e de promoção dos bens distribuídos, que se aproximam os dois contratos (o de agência e o de concessão) e que, nessa medida, mais se justifica a aplicação ao contrato de concessão do regime da agência. É ainda tal integração que torna mais fácil ao concedente impor a sua política comercial e controlar a fase da distribuição, sendo certo, por outro lado, que o concessionário também retira daí benefícios, nomeadamente pela posição de privilégio e a vantagem concorrencial que passa a ter. O que, tudo junto, evidencia a função económico-social deste contrato (a sua causa «hoc sensu») e explica a sua importância e frequente utilização prática (15). Se é verdade que o agente promove a realização de contratos por conta do cedente, também, no caso sub judice, a concessionária vendeu os produtos da ré durante três anos, tendo angariado clientes, e a actividade por ela desenvolvida contribuiu para que estes tivessem uma boa imagem dos produtos da Ré. E convém não esquecer que a indemnização é concedida precisamente pelos benefícios que o principal continua a poder auferir pela clientela angariada. E, como vimos, também a actividade desenvolvida pela autora proporcionou à ré a possibilidade de mais facilmente vender os seus produtos na região onde aquela esteve implantada. Portanto, o regime da indemnização por clientela previsto no citado artigo 33º é aplicável por analogia aos contratos de concessão comercial, nomeadamente ao celebrado entre as partes nesta acção. VII No entanto, a apelante diz que não pôs termo ao contrato, tendo apenas impedido a sua renovação. E, por isso, exercendo o seu direito de denúncia, nenhuma indemnização teria de pagar à autora.Mas não é essa a questão, pois a autora não põe em causa a validade da denúncia. E uma coisa é certa: o contrato cessou por iniciativa da ré, pois, caso contrário, ter-se-ia renovado. A autora não põe em causa o direito da ré a denunciar o contrato (a impedir a sua renovação). Nem é esse o fundamento desta acção. Como dissemos, o direito à indemnização de clientela existe mesmo que o cessionário não tenha sofrido prejuízos. Aliás, estes contratos são a maioria das vezes celebrados por um prazo determinado (um ou mais anos), contendo uma cláusula de renovação por iguais períodos de tempo, desde que não sejam denunciados por qualquer das partes com uma certa antecedência. É o que acontece no caso dos autos. O contrato só não se renovou porque a R. o denunciou. Portanto, cessou por vontade da ora ré/apelante. VIII Vejamos agora o montante da indemnização.O artigo 34º refere-se à média anual das remunerações recebidas pelo agente durante os últimos cinco anos, ou, como sucede neste caso concreto, à média dos três anos que o contrato esteve em vigor. No contrato de agência existe a retribuição (artº 1º), a qual é determinada essencialmente com base no volume dos negócios conseguidos pelo agente, em regra sob a forma de comissão ou percentagem calculada sobre o volume dos negócios por ele conseguidos (ver ainda os artigos 15º e 16º). Pode também ser fixada, pelo menos parcialmente, em quantia determinada. Mas a forma mais corrente de cálculo é a comissão sobre as vendas promovidas pelo agente, o que é facilmente determinável. Portanto, no contrato de agência, a retribuição determina-se fundamentalmente com base no volume de negócios conseguidos pelo agente, normalmente através de uma comissão ou percentagem calculada sobre o valor dos negócios obtidos. Mas o mesmo não sucede no contrato de concessão comercial, onde não existe uma “retribuição” calculada nestes termos. O concessionário, como vimos, ao contrário do agente, actua em seu nome e por sua conta, adquire a mercadoria, comprando-a ao fabricante ou ao fornecedor, para a vender a terceiros, assumindo os riscos da comercialização, não recebendo, por isso, qualquer outra retribuição do concedente. Já vimos quais os critérios para a fixação da indemnização. A autora invoca que durante os 3 anos de vigência do contrato recebeu comissões no total de 11.737.556$00. Este montante é a soma das parcelas referidas nos números 15 a 18 dos “factos provados”, ou seja, das quantias auferidas pela ré nos termos da cláusula 5ª do Contrato: “80% das comissões de revenda fixadas oficialmente”. E é com base nestes dados, e tendo em consideração a clientela que diz ter angariado, que formula o pedido de condenação da ré a pagar-lhe a quantia de 3.900.000$00. A verdade é que apenas ficou provado que angariou “meia centena” de clientes, ou seja, pouco mais de 1/6 dos referidos. Mas não conta apenas para a fixação da indemnização o número de clientes angariados. Até porque, em regra, este número não é facilmente apurado. Há que ter em consideração todas as circunstâncias referidas no anteriores números V e VI. Por todo o exposto, parece-nos mais adequada uma indemnização de 5.000, 00 euros.Por todo o exposto acorda-se em conceder parcial provimento à apelação, alterando-se a sentença recorrida e condenando-se a ré a pagar à autora a quantia de sete mil e quinhentos euros (7.500,00) acrescida de juros de mora, à taxa de juro comercial, vencidos desde o dia 21 de Março de 2000, data da citação, até integral pagamento. Custas em ambas as instâncias na proporção do vencido. Lisboa, 14.02.2006. Pimentel Marcos Abrantes Geraldes Maria do Rosário __________________ (1).-Na acepção que será referida. (2).-Lições de Direito Comercial, vol. I-202. (3).-Ob. cit. pag. 209. (4).-E o contrato de cessão de exploração teria de ser feito por escritura pública, sob pena de nulidade (artº 81, nº 2, m. do Código do Notariado) (5).- “Do Contrato de Concessão Comercial”, ROA pag. 600. (6).- (conf. "Anotações Ao Novo Regime do Contrato de Agência" de Carlos Lacerda Barata, sobretudo as anotações ao artigo 1º). (7).-Veja-se PINTO MONTEIRO, «Contrato de Agência», 4.ª edição, págs. 49 e «Denúncia de um Contrato de Concessão Comercial», in RLJ 130, págs. 92. Pode ver-se, ainda MARIA HELENA BRITO, «O Contrato de Concessão Comercial», 1990, págs. 155 e ss. (8).-Ver estudo publicado por A. Pinto Monteiro no BMJ 360-83. (9).-Menezes Cordeiro ob. cit. pag. 600. (10).-Veja-se o que sucede, por exemplo, com marcas mundialmente conhecidas. (11).-"Contrato de Agência", pag 60. (12).-O Contrato de Concessão Comercial, pag. 100. (13).-Carlos Lacerda Barata, in “Anotações ao Novo regime do Contrato de Agência”., pag. 82. (14).-A. Pinto Monteiro, in Contrato de Agência pag. 115. No mesmo sentido Carlos Lacerda Barata, in Anotação ao Novo Regime do Contrato de Agência, pag. 82. (15).-António Pinto Monteiro, Denúncia de um Contrato de Concessão Comercial, R.L.J., ano 130º, pág. 94. |