Acórdão do Tribunal da Relação de Lisboa | |||
Processo: |
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Relator: | LUÍS GOMINHO | ||
Descritores: | TENTATIVA IMPOSSÍVEL VIGILÂNCIA ELECTRÓNICA | ||
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Nº do Documento: | RL | ||
Data do Acordão: | 10/02/2018 | ||
Votação: | UNANIMIDADE | ||
Texto Integral: | S | ||
Texto Parcial: | N | ||
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Meio Processual: | RECURSO PENAL | ||
Decisão: | NÃO PROVIDO | ||
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Sumário: | I– A desconsideração punitiva da tentativa, decorrente do art. 23.º, n.º3, do Cód. Penal, tal como unanimemente o entendem a Doutrina e a Jurisprudência, assenta no carácter manifesto da inaptidão do meio ou da inexistência do objecto. II– Para o aferir, “tem de se fazer apelo, nesse ponto, a uma ideia de normalidade – segundo as aparências – que se baseia num juízo ex ante de prognose póstuma”, pois não obstante não existir o bem jurídico, casos há, em que perante o circunstancialismo em que o agente actua, o desvalor da acção merece ser punido, por aquele denotar perigosidade em relação ao mesmo. III– Resultando indiciado que apenas 40 minutos antes de ali surgir o arguido, a pessoa que ocupava o quarto onde se encontravam as malas contendo produto estupefaciente, informou o respectivo recepcionista que aquele ali se apresentaria para recolhê-las – o que aconteceu – então já não se poderá falar de tentativa impossível, caso o referido produto não se encontre no seu interior (em razão da actuação da Polícia Judiciária), pois que a inexistência de objecto não era para o mesmo manifesta. IV– A barreira física decorrente do confinamento de alguém a um domicílio não assenta exclusivamente na valia dos meios técnicos postos na detecção de eventuais ausências – vigilância electrónica. Estes servem basicamente para constatar as “violações”, ou como se refere no recente acórdão desta Relação de 04/02/2016, no processo n.º 150/14.6JBLSB-A.L1-9, “o equipamento eletrónico (…) apenas sinaliza o incumprimento das restrições que decorrem da sua aplicação”. V– O essencial da sua aplicação remete-nos para as características reveladas da personalidade do agente a ela sujeito e da sua capacidade em cumprir as correspondentes obrigações, devendo-se para o efeito operar não só uma prognose sobre tais aspectos, como atentar nas diversas condições objectivas presentes na situação a apreciar. (Sumário Elaborado pelo Relator). | ||
Decisão Texto Parcial: | ![]() | ||
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Decisão Texto Integral: | Acordam, em conferência, na Secção Criminal (5.ª) da Relação de Lisboa. I–Relatório: I–1.) – Inconformado com o despacho aqui constante, apenas por súmula, a fls. 74/75, em que a Mm.ª Juíza da Secção de Instrução Criminal de Lisboa (Juiz 4), na sequência do correspondente primeiro interrogatório enquanto detido, lhe aplicou a medida de coacção de prisão preventiva, recorreu o arguido D., melhor identificado nos autos, para esta Relação, deste modo sintetizando as razões da sua discordância: 1.ª– É imputado indiciariamente ao Arguido Recorrente a prática de um crime de tráfico de estupefacientes p. e p. pelo art.º 21.º do DL 15/93 de 22 de Janeiro, por referência à tabela II-A anexa. 2.ª– Compulsados os autos, constata-se que, de acordo com o auto de notícia e o circunstancialismo descrito a fls. 4 a 5, em 08/06/2018 a P.J., em cumprimento de mandado de busca ao quarto 609 da Residencial J., Amadora (fls. 20 e 21), logrou encontrar e apreender uma mala, tipo trolley de cor castanha, da marca Snowball, contendo no seu interior uma substância em pó de cor creme, envolta em fita adesiva castanha, aparentemente estupefaciente, que submetida a teste laboratorial resultou positivo para MDMA (fls. 35 e 36), que ali havia sido deixada pela suspeita K.. 3.ª– No passado dia 12/06/2018, isto é, volvidos 4 dias, pelas 21h51m, o Arguido, aqui recorrente D. deslocou-se à referida Residencial, com vista a recolher uma mala. 4.ª– Ali chegado, foi-lhe transmitido que teria de aguardar por um superior que pudesse entregar a mala (conversa para entreter enquanto era avisada a P.J. da presença daquele e se aguardava pela chegada das autoridades), tendo o Arguido aguardado descontraidamente enquanto bebia um cerveja (fls. 97 a 100). 5.ª– Pelas 22h15m chegaram os inspectores da P.J. que abordaram o Arguido e o conduziram às instalações da P.J. 6.ª– Como é bom de verificar, a P.J. não tem a mínima ideia de quem seja o aqui Arguido, não só porque não existe qualquer referência ao mesmo nesta investigação, como não há de todo qualquer referenciação do Arguido relacionada com qualquer processo. 7.ª– Aliás, não será demais recordar que a própria polícia judiciária no mandado de detenção que entrega ao arguido faz constar que: “resta descobrir a amplitude da responsabilidade do D. no circunstancialismo que levou à apreensão naquele local”. 8.ª– Também a fls. 97 e 99 dos autos é evidente, pelas questões aí colocadas pela polícia judiciária, para as quais não tem resposta, que se desconhece em absoluto o envolvimento do arguido nesta situação, que nem sequer é uma pessoa referenciada ou que tenha antecedentes criminais. 9.ª– Estes são pois os factos objectivos, num exercício puramente formal em que, por ora se desconsidera por completo as declarações prestadas pelo Arguido. 10.ª– O referido art. 21.º DL 15/93 de 22 de Janeiro, contém uma tipificação do crime de tráfico de estupefaciente caracterizada por uma estrutura progressiva abrangendo uma variedade típica de comportamentos em que se pode desdobrar a atividade sempre ilícita do tráfico. 11.ª– De notar que para que o tipo objetivo se preencha, basta a mera detenção ilícita daqueles produtos estupefacientes, desde que não seja para exclusivo consumo pessoal, não sendo pois necessário que a detenção do produto estupefaciente se destine à posterior venda. 12.ª– Ainda antes de entrarmos na discussão do preenchimento do elemento subjectivo, salvo melhor opinião, temos para nós que o elemento objectivo de todo não se encontra preenchido. 13.ª– A tipicidade objectiva do ilícito criminal em questão impõe que o agente, por qualquer forma, detenha o produto, não importando o fim a que se destina. 14.ª– Ora, como bem se constata, aquando da deslocação do Arguido Recorrente no dia 12/06/2018 à referida Residencial há muito que não se encontrava naquele local, nem a mala, nem o produto estupefaciente. 15.ª– Aliás, segundo a indiciação (e dos elementos probatórios recolhidos), o Arguido Recorrente terá comunicado ao recepcionista que pretendia recolher uma bagagem (nem sequer sabe qual) que se encontrava no quarto 609, desconhecendo igualmente de que mala em concreto se tratava (se era apenas uma ou mais do que uma). 16.ª– Mala essa que há pelo menos 4 dias que não se encontrava naquela Residencial, encontrando-se apreendida à ordem da P.J. nas suas instalações. 17.ª - Tal factualidade – repete-se na estrita visão da indiciação, sem atender a quaisquer outros factos nomeadamente aportados pelas declarações do Arguido – remete-nos para a discussão se, por um lado, existem actos de execução de crime, e por outro lado, remete-nos ainda para a discussão da tentativa impossível da prática do crime. 18.ª– Ora, o simples acto do Arguido Recorrente ali se ter dirigido para proceder à recolha de uma bagagem, não aponta para uma conduta ou resolução criminosa. Dito de outro modo, o acto praticado pelo arguido, de recolha da bagagem, por si só (e é apenas este que temos indiciado objectivamente) não é um acto inequívoco da prática do crime nem idóneo à respectiva consumação. 19.ª– A mera decisão de cometer um crime só releva enquanto elemento do tipo e não devemos, por isso, confundi-la com a mera cogitação ou intenção, até porque a cogitação não é punida desde ULPIANUS, que criou a máxima: “cogitationis poenam nemo patitur”. 20.ª– O que nos leva à segunda questão – da tentativa impossível – que assume um carácter muito mais evidente neste conspecto. Na tentativa impossível por inexistência do objeto, latu sensu, o que acaba por existir é uma representação errónea acerca das circunstâncias do fato por parte do agente, ou seja, de forma simplista, podemos dizer que ela tem lugar quando se verifica uma patologia ou defeituosidade no elemento intelectual do dolo (a representação) por parte do agente, em sentido desfavorável. Vale isto por dizer que, existe uma vontade sedimentada no sentido de cometer o crime. Tem lugar, todavia, um erro na representação da realidade por parte do sujeito. Um erro que nada tem a ver com o regime jurídico-penal do erro (sobre as circunstâncias do fato), que mais não é do que a sua antítese. 21.ª– No caso em apreço, face à carência de objecto, a tentativa aparece como impossível e, como tal, não punível. A inexistência da mala, a qual não se encontrava sequer nas instalações da Residencial, e que se alega que continha produto estupefaciente, o que na verdade o Recorrente desconhece, pois nunca a vislumbrou, ainda que de soslaio, faz com que a prática do crime seja impossível, pois a falta do objecto apresenta-se como manifesta para a generalidade das pessoas de são entendimento. 22.ª– Por outras palavras, ainda que o Arguido Recorrente, nas palavras da indiciação, soubesse e quisesse cometer o ilícito, era-lhe impossível cometê-lo por falta de objecto, ressaltando inequívoco que o Recorrente não praticou qualquer um dos actos típicos previstos no artigo 21º, nº 1, do Decreto-Lei nº 15 / 93 de 22 de Janeiro. 23.ª– Na linha da doutrina e jurisprudência dominantes, mesmo nos denominados crimes de perigo (concreto-abstracto), como sucede no caso do crime de tráfico de estupefacientes, embora exista a proteção abstrata de um bem jurídico complexo (v.g., a vida humana, a saúde, etc), a inexistência do objeto leva a que não haja, efetivamente, qualquer tipo de ofensividade, na medida em que nos parece abusivo, excessivo e até surreal, considerar que p. ex., quando o agente, ainda que com o propósito de traficar determinadas substâncias transporta uma qualquer bagagem de um lado para o outro contendo no seu interior farinha – ainda que este esteja convencido de se tratar de uma qualquer substância proibida – exista uma ofensa de perigo ao bem jurídico vida ou saúde pública. 24.ª– Nos crimes de perigo, não deve (nem pode) ser punido aquele perigo hipotético na medida em que tal constitui uma violação quer do princípio da ofensividade, quer do princípio da proporcionalidade, uma vez que não há, por falta de perigosidade do facto, merecimento ou necessidade de pena. 25.ª– Daí que a punibilidade de condutas em que inexiste qualquer ofensividade, in casu, acaba por se basear em uma norma incriminadora inválida sob um ponto de vista axiomático: uma mera forma desprovida de substância. 26.ª– Finalmente, cumpre ainda fazer uma singela referência ao elemento subjectivo do tipo. Embora não sendo admissível a ideia de um "dolus in re ipsa", isto é, a presunção do dolo resultante da simples materialidade de uma infracção, ainda que tal fosse possível, o certo é que não existindo elemento objectivo consubstanciado na conduta típica praticada, nem por aqui se poderia presumir aquele. 27.ª– Pelo que, face à ausência de conduta criminosa, inexistem fortes indícios de crimes, pelo que não podia a prisão preventiva ter sido aplicada, devendo o arguido ser imediatamente restituído à liberdade. 28.ª– Se é certo que do puro exercício formal fica demonstrado, ainda que indiciariamente, a inexistência de crime por tentativa impossível (assim falecendo a forte indiciação de crime e com ela qualquer medida coactiva de privação de liberdade); permita-se agora que tal exercício seja considerado com a variável expurgada – as declarações prestadas pelo Arguido Recorrente – que, não obstante não terem sido consideradas pelo Tribunal recorrido, o certo é que nenhum elemento probatório as contraria, nem as mesmas são intrinsecamente contraditórias. 29.ª– De acordo com as declarações prestadas pelo arguido em sede de primeiro interrogatório judicial, não correspondem à verdade os factos 1º (no tocante ao arguido), 10º (parte final, nomeadamente, “que daí retirasse o produto estupefaciente”), o facto 11º que embora não tenha relevância, não corresponde à verdade que o arguido se tivesse deslocado de Aljezur, pois já se encontrava na área metropolitana de Lisboa, mais concretamente em Sintra, Penedo; não sendo ainda verdade os factos 16.º e 17.º. 30.ª– A indiciação, no tocante aos factos acabados de referir e que são imputados ao Arguido, não tem qualquer elemento de prova que os sustente, pelo contrário, o único elemento de prova que contraria frontalmente a indiciação são as declarações que prestadas pelo Arguido Recorrente perante o Tribunal em primeiro interrogatório, inexistindo qualquer elemento que contrarie essas declarações. 31.ª– Ainda que dúvidas pudessem existir em relação às declarações prestadas pelo Arguido Recorrente (embora não se vislumbrando quais), o certo é que é a própria P.J. que entende que este “caiu de paraquedas” na presente situação. 32.ª– Face às próprias interrogações da P.J. não temos dúvidas que o Tribunal recorrido prendeu para investigar e não para acautelar qualquer situação. 33.ª– Ora, neste ponto, crê-se que o Tribunal recorrido andou muito mal. Em rigor, é consabido que neste conspecto o Tribunal, via de regra, socorre-se não só de regras de experiência comum (que neste ponto de nada servem, na medida em que a justificação do Recorrente é perfeitamente plausível), mas também da personalidade evidenciada pelo mesmo. 34.ª– Ora, como é bom de verificar, o Recorrente não só não tem quaisquer antecedentes criminais, como nunca pisou um Tribunal, seja para que situação fosse! 35.ª– Por muitas interrogações que o Tribunal recorrido pudesse ter (que não se vislumbram quais, a não ser um impiedoso sentimento justicialista), não existindo quaisquer incongruências face aos elementos probatórios recolhidos nos autos, a única solução justa e de direito, seria, na dúvida, entender favoravelmente ao Recorrente. 36.ª– O princípio da presunção de inocência (afirmado nos artº. 11º da D.U.D.H., art.º 6.º, n.º 2 da C.E.D.H., art.º 14.º, n.º 2 do P.I.D.C.P. e art.º 32.º, n.º 2 da C.R.P.) presente em todas as fases do processo, com particular acuidade nesta fase, impõe que seja sempre aplicada a medida de coacção menos gravosa de entre todas as admissíveis, com respeito pelos princípios da necessidade, adequação, proporcionalidade (art.º 193.º, n.º1 do CPP) e intervenção mínima (num critério de concordância prática). 37.ª– Ademais, ainda no que concerne à personalidade do Arguido Recorrente, em particular em relação às suas condições pessoais sobre as quais também prestou declarações, ficou evidente a sua desnecessidade de sequer se relacionar com o mundo do crime, muito menos o tráfico de estupefacientes. 38.ª– Cotejadas estas condições pessoais (desvalorizadas pelo Tribunal recorrido) com as regras de experiência comum (igualmente ignoradas pelo Tribunal “a quo”) é consabido que os ditos “correios” ou “mulas” tratam-se de indivíduos de baixo estrato social, com difíceis condições económicas, muitas vezes manietados não só pelo dinheiro fácil, mas por um qualquer ascendente que os denominados “donos da droga” têm sobre si. 39.ª– Basta atentar nas declarações do Arguido para rapidamente se perceber que se trata de uma pessoa que vive acima da média portuguesa, pois sendo fotógrafo de profissão, conta com outros trabalhos por conta própria – com particular acuidade para a exploração de alojamento local na Costa Vicentina –, inserido numa estrutura familiar com posses, desde logo evidenciada pelo respectivo património imobiliário. 40.ª– Se resulta evidente para o Arguido Recorrente que inexistem fortes indícios da prática pelo Arguido do crime de tráfico de estupefacientes (tendo a decisão recorrida violado expressamente o plasmado no artigo 202.º do C.P.P.), igualmente entende o Recorrente que o Tribunal “a quo” fez uma errada interpretação e aplicação dos alegados perigos a que alude o art. 204º do Código de Processo Penal. 41.ª– Com efeito, o despacho que aplicou a medida de coacção ao arguido entendeu que se verifica perigo de fuga, quer face à gravidade do crime (se é que ele existe!), quer perante a possibilidade (hipotética) que o Arguido tem em eximir-se à Justiça. 42.ª– Na verdade, para além de nenhum perigo em concreto ter sido fundamentado - pois não existe qualquer perigo de fuga - a fundamentação deste requisito assentou em critérios que são unanimemente rejeitados pela doutrina e pela jurisprudência. 43.ª– Nem a gravidade do crime deve ser fundamento ou incremento ao perigo de fuga, como o juízo prognóstico do arguido poder procurar eximir-se às consequências penais do crime, sobretudo numa fase tão precoce do processo, deve ser afastada. 44.ª– Por outro lado, a principal circunstância que milita a favor do Arguido – a sua personalidade –, foi infundadamente afastada pelo Tribunal recorrido. 45.ª– O Arguido Recorrente não tem quaisquer antecedentes criminais, nem impende sobre si (sequer) a presente investigação criminal, tanto que inexiste nos autos qualquer ponto de ligação ou de contacto entre o Arguido e esta. 46.ª– No que concerne ao alegado perigo de perturbação do inquérito, é consabido que à medida que o inquérito prossegue mais atenuado fica o perigo de perturbação do inquérito. Todavia, só um olhar menos atento permitiria concluir pelo perigo de perturbação do inquérito, sobretudo para a aquisição da prova. 47.ª– É que não só não houve inquérito (no sentido em que estamos habituados a ver – tendo as autoridades policiais sido avisadas e nesse sentido feito a busca e apreensão), como não haverá qualquer inquérito a fazer, uma vez que tal busca e apreensão enquanto facto objectivo encerra o mesmo. 48.ª– Inexiste qualquer matéria probatória recolhida, coligida e compilada que precise de análise aprofundada nos autos. Não há igualmente aturada informação bancária ou fiscal ou pericial a recolher ou a analisar (nem esta serve qualquer propósito ao crime em investigação), como o único depoimento com relevância (do recepcionista) já foi prestado. 49.ª– Inexistem escutas telefónicas nem se crê que venham a existir por inexistência de alvos. A verdade é que a prova escassa que existe já se acha recolhida e nos autos, não sendo susceptível de ser perturbada na sua aquisição. É, até, um nonsense jurídico dizer que algo que já se encontra recolhido e adquirido pode ser perturbado na sua aquisição que já sucedeu! 50.ª– Não pode o Recorrente Arguido aceitar que, sem quaisquer indícios ou factualidade concreta – como de resto exige a verificação do alegado perigo –, se presuma em artificialidades a existência do mesmo. Tal representa uma pura especulação e não uma concretização segura da realidade. 51.ª– De resto, é o próprio despacho judicial de que se recorre que consigna um perigo hipotético e não um perigo concreto, o que leva a concluir que, em concreto, também tal perigo inexiste, embora se admitindo, ainda assim, de uma forma geral, aplicável a todos os inquéritos, o perigo de perturbação (ainda que não em concreto) pode existir de forma muito atenuada até à sua efectiva conclusão, razão pela qual, a medida de coação de proibição de contactos poderá, no limite, fazer sentido. 52.ª– Já no que respeita o perigo de continuação da actividade criminosa, sem prejuízo do apelo ao princípio com suporte constitucional da presunção de inocência, a verdade é que, como já se aludiu supra, o despacho de indiciação e a factualidade recolhida nos autos não são sequer suficientes para se alcançar a prática de factos criminosos pelo Arguido Recorrente. 53.ª– É pacífico o entendimento de que o perigo de continuação da actividade criminosa, não se confunde, necessariamente, com a consumação de novos actos criminosos. Devendo antes ser aferido em função de um juízo de prognose a partir dos factos indicados e personalidade do arguido por neles revelada. 54.ª– Repare-se que o tribunal “a quo” em momento algum descreve um traço da personalidade do Recorrente, limitando-se a concluir pela existência do citado perigo tendo por base um hipotético estilo de vida que de todo não corresponde à realidade. 55.ª– Como se referiu, não foi sequer ponderada a falta de antecedentes criminais, que, como é consabido, constitui sempre um dos factores que o Tribunal terá de ponderar em ordem ao ajuizamento da existência de um perigo de continuação da actividade criminosa por determinado arguido, militando, por definição, em sentido contrário à verificação desse perigo. 56.ª– Daí que, entende o arguido Recorrente que a prisão preventiva acha-se violadora dos princípios da legalidade, adequação, necessidade e proporcionalidade a que aludem os artºs. 191.º, 192.º, 193.º e 204.º todos do C.P.P. 57.ª– Na verdade, o despacho recorrido encerra em si mesmo uma verdadeira punição ex ante. 58.ª– Vigora nesta sede, o princípio da legalidade, o que significa que tais medidas são apenas as que constam taxativamente da lei, obedecendo a sua aplicação aos princípios da necessidade, da adequação e da proporcionalidade (artº 193.º do C.P.P.). 59.ª– Procedendo à correcta interpretação do artigo 204.º, do C. P. P., com o sentido exposto e com recurso aos indícios imputados e aos elementos recolhidos nos autos, considera-se ser no mínimo temerário concluir que, continuando o Arguido Recorrente em liberdade (como sempre esteve), há o perigo concreto de voltar a praticar factos integradores do mesmo tipo de ilícito, desde logo, quando é muitíssimo duvidoso sequer que o Arguido Recorrente tenha praticado algum ilícito e sobretudo quando se pode e deve pensar que o arguido Recorrente pode estar inocente. 60.ª– Acresce que, não resulta evidenciada, ainda que de forma meramente indiciária, qualquer personalidade criminógena do Arguido Recorrente, sendo consentâneo que a aplicação de uma medida de coacção não pode servir para acautelar a prática de qualquer crime pelo arguido. 61.ª– Em bom rigor, o Princípio da Adequação prende-se fundamentalmente com as exigências cautelares que o caso, em concreto, requer. Dito de outro modo, a adequação verifica-se quando a medida a eleger se mostrar capaz e suficiente para obviar o perigo que, em concreto, determinou a necessidade de imposição de tal medida de coacção. 62.ª– Ora, a medida de coacção de prisão preventiva imposta pelo Tribunal recorrido, salvo melhor opinião, não se afigura a mais adequada face às circunstâncias concretas no caso sub judice, pois que as exigências cautelares dos autos tal não a imporiam. 63.ª– Precisamente porque, em concreto, as exigências cautelares dos autos não se afiguram elevadas, a aplicação da medida de coação mostra-se manifestamente desadequada. 64.ª– Com efeito, sendo a medida de coação desnecessária e desadequada no caso concreto, afigura-se ainda desproporcional porquanto se mostra mais limitativa dos direitos fundamentais do arguido do que outras que igualmente satisfazem as concretas exigências cautelares do caso, como seja a proibição de contactos, não privativa da liberdade. 65.ª– Em suma, há uma manifesta falta de factos, ainda que indiciários, que permita sustentar os concretos perigos elencados pelo Ministério Público na sua promoção e que foram vertidos para o despacho recorrido, o que, obviamente, conflitua com o princípio da legalidade (artigo 191.º, n.º 1 do C.P.P.), por um lado, e com as próprias exigências constantes do artigo 204.º do C.P.P., por outro. Termos em que deve o despacho judicial recorrido ser alterado e substituído por outro que determine a sujeição do Arguido ao TIR já prestado e, no limite, eventualmente, acompanhado de qualquer outra medida de coacção não privativa da liberdade, como seja, p. ex. a proibição de contactos. I–2.)– Respondendo ao recurso interposto, a Digna Magistrada do Ministério Público junto do Tribunal a quo concluiu por seu turno: 1.º– O arguido encontra-se fortemente indiciado de um crime de tráfico de estupefacientes em co-autoria, p. e p. no art. 21.º, n.º 1, do DL 15/93 de 22 de Janeiro por referência à tabela II-A anexa, já que as suas declarações são contraditórias com os elementos objectivos factuais que constam dos autos sobre o conhecimento e vontade da prática de tal crime. 2.º– Receia-se o perigo de fuga, pelos inúmeros contactos no estrangeiro que possui, e bem assim o de perturbação do inquérito e da conservação da prova, bem como o de continuação da actividade criminosa. 3.º– A medida de coacção aplicada nos autos é proporcional, e adequada à gravidade abstracta e concreta do crime pelo qual o arguido se encontra indiciado. 4.º– A Mm.ª Juiz considerou devidamente todos os factores a que o legislador obriga na escolha da medida de coacção aplicável em função das exigências cautelares que se fazem sentir, não tendo violado nenhuma das disposições previstas nos arts. 191.°, 193.°, 204,° e 202.º do CPP. Pelo exposto, deverá ser negado provimento ao recurso apresentado pelo arguido, mantendo-se a decisão recorrida nos seus precisos termos. I– Subidos os autos a esta Relação, o Exm.º/ª Sr.º/ª Procurador(a)-Geral Adjunta limitou-se a apor o respectivo visto. *** Seguiram-se aqueles outros referidos no art. 418.º do Cód. Proc. Penal. *** Tendo lugar a conferência. Cumpre apreciar e decidir: III–1.)– De harmonia com as conclusões apresentadas, consabidamente definidoras do respectivo objecto, com o recurso interposto, tem em vista o Arguido D. submeter à apreciação do presente Tribunal as seguintes questões: - Saber se a sua deslocação à residencial J. na Amadora, não traduz um acto inequívoco da prática do crime indiciado, nem essencial à sua consumação; - Se no caso estamos perante uma tentativa impossível; - Se não se mostram indiciados os factos referidos sob os pontos 1, 10, 11, 16 e 17; - Se não se encontram fundamentados quaisquer dos perigos elencados no art. 204.º do Cód. Proc. Penal, convocados pelo Tribunal a quo; - Se a medida coactiva deve ser alterada, sujeitando-se o Recorrente, para além do TIR já prestado, no limite, a qualquer outra não privativa da liberdade, nomeadamente, a proibição de contactos. III–3.2.)– Como temos por habitual, confiramos primeiro o ter do despacho de que se recorre: TIPO DE CRIME: um crime de tráfico de estupefacientes, p. e p. pelo art. 21.ºdo Decreto-Lei 15/93, de 22 de Janeiro, por referência à tabela II -A anexa. PERIGOS: Perigo de fuga; perigo de perturbação do decurso do inquérito, nomeadamente, perigo para a aquisição, conservação ou veracidade da prova e perigo de continuação da actividade criminosa. MEDIDA DE COAÇÃO: TIR e Prisão preventiva, cfr. art.ºs 193.º, 202.º, n.º 1, al. a) e 204.º al.ªs a), b) e c), todos do Código de Processo Penal. Porque perante este enunciado nada de particularmente útil se adianta sobre a factualidade considerada indiciada, tentemos reconstruí-la: 1.– Em data não concretamente apurada, anterior a 26.05.2018, o arguido, K., G. e outros indivíduos cujas identidades se desconhecem, congeminaram um plano que se traduzia na introdução de estupefacientes em Portugal, com vista à sua cedência a terceiros, a troco de quantias monetárias. 2.– Na prossecução desse projecto as suspeitas viajaram, no dia 26.05.2018, de Salvador, no Brasil, para Lisboa, no voo TP021. 3.– No dia 17.05.2018 as suspeitas K. e G. hospedaram-se na Residencial J., sita na Amadora, ficando no quarto 609. 4.– As suspeitam pagaram antecipadamente a estadia até 11.06.2018. 5.– Posteriormente as referidas suspeitas deslocaram-se para Amesterdão, na Holanda, de onde regressaram no dia 04.06.2018, no voo TP661. 6.– A suspeita K. trouxe consigo, no último voo, uma mala do tipo trolley, no interior da qual se encontravam dez embalagens, que continham MDMA com o peso bruto de 11,300kg (onze quilos e trezentos gramas). 7.– As suspeitam voltaram à referida residencial, para onde levaram o aludido produto estupefaciente. 8.– Posteriormente, a suspeita G. viajou de Lisboa para o Aeroporto de Vira Copos, em Campinas, no Brasil, onde foi detida em flagrante delito no dia 06.06.2018, na posse de 8,5kg de MDMA. 9.– A suspeita K. teve conhecimento da detenção da sua irmã e colocou-se em fuga, deixando o produto estupefaciente no seu quarto da residencial J.. 10.– Após, a suspeita K. contactou com o arguido e solicitou-lhe que se deslocasse à residencial e que daí retirasse o produto estupefaciente. 11.– O arguido acedeu àquela solicitação. 12.– Assim, no dia 12.06.2018 o arguido viajou de Aljezur, onde reside, para a Amadora. 13.– No dia 12.06.2018, cerca das 20H00, a arguida telefonou para a Residencial J. e disse que até à seguinte sexta-feira iria uma pessoa à residencial recolher a sua bagagem. 14.– Na mesma data, cerca das 21H51m, o arguido chegou à Residencial J. e pediu para retirar o supracitado trolley do quarto 609. 15.– Depois, cerca das 22hl5m, o arguido foi abordado na residencial por Inspectores da PJ. 16.– O arguido agiu em conjugação de vontades e esforços e no desenvolvimento de um plano previamente arquitectado com as suspeitas G. e K. , com o propósito de receber e transportar da Holanda para Portugal o referido produto estupefaciente, cujas características, natureza e quantidade conhecia; e de o transportar da referida residencial para outro local, com o fito de o entregar a terceiros, a troco do recebimento de uma quantia monetária. 17.– O arguido actuou sempre de forma livre, voluntária e consciente, bem sabendo que todas as suas condutas eram proibidas, e punidas por lei. III–3.1.)– Passando de imediato a apreciar a primeira das questões acima deixada inventariada, e tendo por referência a factualidade acabada de transcrever, cuja justificação probatória se afirma ter assentado nos elementos indicados no requerimento da apresentação formulado pelo Ministério Público, mesmo concedendo que ao momento da sua detenção, a Polícia Judiciária não conhecia ou dispunha de qualquer referência concreta sobre a pessoa do Arguido, tal não nos leva a concluir que a referida recolha das malas, não traduza a prática do crime apontado ou acto idóneo à respectiva consumação. Com efeito, tal como se refere no respectivo n.º 1, o Arguido, em data anterior 26.05.2018, havia congeminado com K., G. e outros indivíduos cujas identidades se desconhecem, um plano que se traduzia na introdução de estupefacientes em Portugal, com vista à sua cedência a terceiros, a troco de quantias monetárias. O produto em causa, no caso, MDMA, não deixou de ser efectivamente obtido, ao que tudo indica, na referida viagem das suspeitas à Holanda. Tanto assim que, uma parte dele foi apreendido à G., no seu regresso ao país de origem, e aproximadamente 11 quilogramas continham-se no trolley que permaneceu no quarto 609 da residencial. Tendo em conformidade transitado quer para aquele país, quer para o nosso. Ora perante este enunciado de facto, só por aqui (na conexão com os demais elementos de natureza subjectiva), se alcançaria a co-autoria do Recorrente no transporte do produto em causa, crime esse naturalmente consumado. Neste quadro, o que a sua deslocação no sentido da recolha do referido produto verdadeiramente acrescenta, é o índice material daquele envolvimento. Não chegou efectivamente a detê-lo, é certo, no que poderia constituir-se numa diferente modalidade das acções previstas no tipo do art. 21.º, n.º1, do DL n.º 15/93, de 22/01. Mas essa circunstância não apaga aquela consumação já verificada. III–3.2.)– Para sustentar que não estaremos sequer perante qualquer situação delitiva, convoca o Arguido a figura da tentativa impossível, que procura materializar com a alegação de que o produto estupefaciente foi aprendido em 08/06/2018, e só a 12 (quatro dias volvidos), é que o próprio veio a ser detido pela Polícia Judiciária, isto quando o produto e a mala em causa “há muito não se encontravam naquele local”. Ou seja, inexistiria objecto susceptível de conduzir à consumação. Preceitua com efeito o art. 23.º, n.º3, do Cód. Penal, que “a tentativa não é punível quando for manifesta a inaptidão do meio empregado pelo agente” ou (será esta a hipótese a actuar) “a inexistência do objecto essencial à consumação do crime”. Ou seja, o cerne desta desconsideração punitiva, tal como unanimemente o entendem a Doutrina e a Jurisprudência, assenta do carácter manifesto da inaptidão do meio ou da inexistência de objecto. Para o aferir, “tem de se fazer apelo, neste ponto, a uma ideia de normalidade – segundo as aparências – que se baseia num juízo ex ante de prognose póstuma. É que, entende-se, dado o circunstancialismo em que o agente actuou, o desvalor da acção merece ser punido, não obstante não existir o bem jurídico. E merece-o porque denotou perigosidade em relação a um bem jurídico, ainda que este assuma mera forma de aparência” – Leal-Henriques Simas Santos, Código Penal Anotado, Reis dos Livros, 1.º Vol., pág.ª 306. No mesmo sentido, cfr. Pinto de Albuquerque, Comentário do Código Penal, Universidade Católica Portuguesa, 2.º Ed., pág.ª 136. Da nossa parte, afora a referência feita à sua apreensão, constante do respectivo auto, em função dos elementos que se mostram disponibilizados, não temos nota sobre o que aconteceu, no entretanto, ao produto, ou onde ficaram exactamente as malas. O ser aprendido significa a sua afectação aos fins da investigação e o desapossamento da coisa da titularidade de quem se apresente com o respectivo direito. Mas só isso. Pelo que não podemos corroborar a enfase emprestada à afirmação de que “há muito não se encontravam naquele local”. Seja como for, o que com outra propriedade podemos sustentar, é que de harmonia com o depoimento da testemunha E.L., recepcionista da referida Residencial, a pessoa se identificou como K., apenas cerca de 40 minutos antes de ali surgir o Arguido, lhe indicou que alguém, até sexta-feira, iria buscar as bagagens. Ou seja, quer aquela quer o Recorrente, menos de uma hora antes, estavam convictos de que o MDMA se encontraria no quarto que havia sido “alugado”, pelo que não estamos perante qualquer tentativa impossível para efeitos do referido art. 23.º, n.º3, do Cód. Penal. III–3.3.)– Na questão que de seguida se mostra colocada, discute-se a bondade da indiciação dos factos constante dos pontos 1, 10, 11, 16 e 17. Os argumentos apresentados convergem basicamente para o tal desconhecimento da Investigação sobre a sua pessoa, a ausência de provas que os suportem e a desconsideração que foi operada das suas declarações. Sobre este último aspecto, ouvido o respectivo despacho, importa consignar que tal atitude do Tribunal não se filiou num qualquer alheamento em relação ao conteúdo do por si afirmado, mas sim pela não credibilidade que lhe encontrou. De modo resumido, referiu aquele ter conhecido casualmente a tal K. há cerca de aproximadamente um ano, ano e meio, no Brasil, quando aí se deslocou a acompanhar uma tia sua, tendo como ela um “envolvimentozito”. “Há pouco tempo” aquela disse-lhe que vinha a Portugal, o que o deixou contente, ao que se subentende, na perspectiva de poder voltar a estar com a mesma. “Nisto, (ela) ligou-lhe a pedir se poderia ir buscar a sua mala e a do seu filho” que estariam na tal Residencial, já que se encontraria em Braga, com uma amiga, a fim de lhas entregar na sexta-feira, altura em que regressaria à zona da capital, sendo que já havia feito o “check-out”. O que aquele anuiu. Como vinha a Lisboa passar o fim-de-semana com familiares, tal deslocação não seria muito complicada ou inconveniente. Dirigiu-se à residencial em causa com outra amiga, estava descontraidamente a beber uma cerveja, enquanto esperava que algum responsável lhe pudesse entregar as malas (o que se sabe agora ter sido um pretexto falsamente invocado pelo recepcionista), quando surgiram os inspectores da Polícia Judiciária que o detiveram. Não sabia nada do que se encontrava no interior das malas, tendo sido totalmente surpreendido com toda esta situação. Do conjunto de menores sintonias detectadas pela Mm.ª Juíza em relação a esta versão, não deixaremos aqui de registar pelo menos as seguintes: - Haverá declarações do Arguido à Polícia Judiciária no sentido de que se deslocou de Aljezur para Lisboa, tendo sido contactado pela K. na véspera do interrogatório, ou seja dia 11, e como tal, o mesmo encontrar-se efectivamente naquela região do Algarve e já não em Lisboa, quando o referido contacto terá sido feito; - Só 40 minutos antes da presença do Arguido na residencial é que a tal K. contactou o recepcionista a dizer que alguém ia buscar as malas; - O Arguido afirmou estar hospedado em Sintra, com a mulher e os seus dois filhos, na zona do “Penedo”, sem no entanto conseguir fornecer qualquer outra especificação de localização, quando aí deveria retornar; - Deslocou-se de Sintra para Cascais na companhia de uma tal “C.” que não consegue também melhor identificar, sendo que alegadamente seria com ela e uns amigos que iriam festejar os Santos Populares, facto que omitiu à sua companheira; - Trazia consigo 330,00 euros, coroas dinamarquesas, norueguesas e suecas, … o que se afigura pouco compatível com a frequência daquele tipo de festividade, associada normalmente a uma grande movimentação e relativa confusão de pessoas; - Não lhe foi apreendida qualquer chave do seu carro ou da casa onde estaria albergado; - No dizer do Arguido, as malas iriam passar do carro da C. para o seu, esperando que a sua companheira não detectasse a sua presença, o que se afigura pouco crível, perante a ideia que se faz do seu tamanho. Da nossa parte, não deixaremos de anotar também a estranheza da suspeita K. ter ido para Braga passar algum tempo com a sua amiga, e no fundo, ter deixado a roupa na Residencial. Logo, a toda esta anómala movimentação (constatamos aliás, neste tipo de casos, uma certa constância actual no facto do veículo em que a pessoa que se desloca a levantar o produto estupefaciente, não ser do próprio - no antecedentemente relatado, era de aluguer, com a particularidade de dever ser entregue no final desse dia) e precariedade de explicações, se associar com base na experiência decorrente em situações idênticas, o conhecimento do Arguido em relação ao conteúdo da referida mala. A Mm.ª Juíza a quo, estranha também uma deslocação sua, muito curta, à Suécia, para enrolar equipamento de pára-quedismo … donde o seu envolvimento geral descrito no requerimento de apresentação não lhe oferecer reticências. É certo que o Arguido não tem antecedentes criminais e não havia registos policiais anteriores que relacionassem a sua pessoa com qualquer tipo de ilícito. Em todo o caso, já não traduzem factores decisivos a ser levados em conta neste tipo de situações, tal como os últimos recursos em matéria de tráfico de estupefacientes em que tivemos participação o atestam. Concordamos também, que por via de regra, os “correios” de droga costumam ser pessoas de modesta condição social e precária condição económica. Seja como for, nunca seria esse o posicionamento que atribuiríamos ao Recorrente no circuito em causa. III–3.4.)– Do nosso ponto de vista, o condicionalismo indiciário carreado nos autos não afasta a possibilidade objectiva de os factos poderem assumir uma outra configuração, eventualmente com uma qualificação jurídica ligeiramente diferente (tentativa). A suspeita K. , inquestionavelmente, soube da detenção da sua irmã. Por isso mesmo, ao contrário do que tinha programado, não viaja para o Brasil no dia 11/06/2018 (num voo que estava previsto para as 13H15, o que foi verificado pela Polícia Judiciária), nem obviamente quis correr o risco de ser surpreendida a levantar as malas em questão. Nunca mais foi avistada, e com alguma probabilidade, já não estará mesmo em Portugal. Como conhecia ao Arguido, pede-lhe para ir levantar o produto, dando-lhe conhecimento das suas características, seja pela cautela implicada no respectivo valor seja para assumir as salvaguardas necessárias à respectiva posse, tendo em vista a que não se perdesse em absoluto o produto em causa: 8,5 quilos de ecstasy, segundo fls. 46, valerão um milhão e meio de reais, ou seja € 334.000,00, sendo que agora estão em causa cerca de 11 quilos. Todavia, para que este “cenário” logre melhor plausibilidade, será necessário esmiuçar melhor a prova disponível – já que o Arguido também a ele não adere nas suas declarações – seja investigando-se o paradeiro da mencionada K. , seja conseguindo-se aceder aos contactos e eventuais mensagens registados no seu telemóvel. Pelo que, em vez do quadro de articulação geral referido nos pontos 1 e 16, teríamos uma situação mais confinada, resultado da contingência surgida com a prisão da suspeita G. e seus desenvolvimentos. III–3.5.)– Ainda assim, nesse condicionalismo (num cenário hipotético de atenuação especial da pena, potenciada pela forma não consumada da infracção), não se afasta a possibilidade abstracta de aplicação da medida coactiva que foi escolhida, haja-se em vista que a respectiva moldura máxima (8 anos) se incluir, com conforto, na hipótese previsiva da al. a), ou mesmo da al. c) do art. 202.º do Cód. Proc. Penal, pois que o tráfico de estupefacientes integra também o conceito de «criminalidade altamente organizada» indicado na al. m) do respectivo art. 1.º. Não cabe aqui discutir que a prisão preventiva traduz, entre nós, uma medida de coacção excepcional e de ultima ratio. Assim acontece não só em função do primado de que os direitos, liberdades e garantias só podem ser restringidos nos casos expressamente previstos na Constituição, «devendo as restrições limitar-se ao necessário para salvaguardar outros direitos ou interesses constitucionalmente protegidos», como também, em função do princípio da presunção de inocência. Tem-se igualmente por pacífico que não traduz uma antecipação da pena, estando a sua aplicação sujeita a um condicionalismo apertado, já que depende, cumulativamente, das condições gerais contidas nos art.ºs 191.º a 195.º, do Cód. Proc. Penal, em que avultam os princípios da adequação e da proporcionalidade, dos requisitos gerais previstos no art. 204.º, e ainda dos requisitos específicos atinentes àquela concreta medida de coacção (cfr. respectivo art. 202.º). Quanto aos perigos evidenciados, o despacho recorrido convoca todos os constantes daquele art. 204.º, ainda que a respectiva fundamentação se concentre primacialmente nos referidos na al. a) e b). Em relação ao perigo de fuga, concorda-se que não deve ser aferido em termos meramente hipotéticos, mormente em função da sanção a aplicar. Em todo o caso, a menos que se exija um início da sua consumação, o que não se defende, tanto mais que tal interpretação não se quadraria com a natureza cautelar das respectivas medidas, tal como se enuncia no acórdão da Relação de Coimbra de 19/01/2011, no processo n.º 2221/10.9PBAVR-A.C1, não se pode, ainda assim, “deixar de se fazer um juízo de avaliação da realidade hipotética com base nas suas manifestações que, por recorrentemente repetidas, se instilaram no consciente colectivo como regras. Trata-se de um juízo de valor que se ajuste ao senso comum sem o distorcer, nem na sobrevalorização dos perigos, nem na sua ignorância ou desvalorização. Quanto ao perigo, ele deve ser real e iminente, não meramente hipotético, virtual ou longínquo, e resultar da ponderação de factores vários, como sejam toda a factualidade conhecida no processo e a sua gravidade, bem como quaisquer outros, como a idade, saúde, situação económica, profissional e civil do arguido, bem como a sua inserção no contexto social e familiar.” Na sua fundamentação, a Mm.ª Juíza, não deixando de convocar a expressiva moldura penal associada ao crime tido por indiciado e a potenciação do perigo de fuga que tal circunstância acarreta, não deixou de relevar ainda o facto de o Arguido, aparentemente, se movimentar com alguma facilidade nos países do norte da Europa, para além de possuir no Brasil família e possibilidade de ocupação profissional. Logo, não estamos perante uma mera extrapolação decorrente da simples gravidade da pena. E se normalidade das situações, a circunstância de se ter mulher e filhos e de se exercer uma profissão (ainda que não implicando uma ocupação diária), constituem índices inibidores daquele perigo, o facto de o Arguido querer “estar” com a K. , mas também ir com a C. para os Santos Populares, deixa-nos reticentes sobre o valor que afinal empresta àquela sua relação. Em relação ao perigo “perturbação do inquérito”, reconhecemos, que a já constante do processo não revela susceptibilidades de maior comprometimento em termos de manutenção. Mas como se dá nota no despacho recorrido, o óbice que se detecta não incidirá tanto sobre essa prova, mas sim naquela outra a produzir, mormente aconselhando a K. a sair de Portugal (caso o não tenha feito), ou na hipótese da vir a ser encontrada, instruindo-a sobre um sentido declarativo que entenda mais favorável à sua posição processual. A que acrescem as possibilidades de condicionamento das pessoas que o terão acompanhado naquele dia ou em anteriores (conseguindo-se a sua identificação e paradeiro) ou das que a análise do conteúdo do seu telemóvel possa disponibilizar. E nesse domínio, o perigo em causa não deixa de assumir alguma tangibilidade. III–3.6.)– Vejamos agora o problema à luz dos princípios da adequação e da proporcionalidade. O primeiro, como é sabido, vem a traduzir-se na exigência de que “a medida a aplicar ao arguido deve ser idónea para satisfazer as necessidades cautelares do caso e, por isso, há-de ser escolhida em função da cautela, da finalidade que se destina” (Germano Marques da Silva, Curso de Processo Penal, II Vol., pág.ª 248). Mostra-se consagrado na primeira parte do n.º 1 do art. 193.º do Cód. Proc. Penal, e “relaciona o perigo que justifica a imposição da medida de coacção com a apetência desta para lhe fazer face, dizendo-se que uma medida é adequada se, com a sua aplicação, se realiza ou facilita a realização do fim pretendido e não o será se o dificulta ou não tem absolutamente nenhuma eficácia para realização das exigências cautelares”. Já o da proporcionalidade, tem a ver com a gravidade do crime e as sanções que previsivelmente lhe venham a ser aplicadas, no que se correlaciona a onerosidade da medida para o arguido com a danosidade social do comportamento deste às tais reacções criminais. No caso presente, pela soma dos perigos acima detectados e respectivo grau, bem como da natureza do crime que temos em presença, é para nós inegável, até pela sua própria natureza, que a prisão preventiva é a que, com maior eficácia, cobre a totalidade do espectro dos perigos assinalados. Quanto ao da proporcionalidade/necessidade, a questão poderá ser mais complexa. Dúvidas inexistem, porém, que em qualquer das configurações factuais que aqui poderemos ter como presentes, existe um dado incontestável: o da quantidade de produto estupefaciente aprendida ser manifestamente expressivo. Logo, esse será sempre um elemento incontornável para a pena que houver de aplicar. Por outro lado, a este nível de tráfico, trata-se de comportamentos que se revestem de manifesta danosidade social e individual, sendo precisamente um dos crimes que maior sensibilidade negativa suscita por parte do respectivo colectivo comunitário em termos de insegurança. Donde, não se detectar um desacerto evidente na justificação jurídica conferida à medida aplicada. III–3.7.)– Não havendo pois que a postergar, em função da subsidiariedade legalmente postulada para a prisão preventiva, vejamos se a OPHVE satisfará, com suficiência, tais exigências preventivas. Como é sabido, o art. 193.º, n.º3, do Cód. Proc. Penal, preceitua que “quando couber ao caso medida de coacção privativa da liberdade nos termos do número anterior, deve ser dada preferência à de permanência na habitação sempre que ela se revele suficiente para satisfazer as exigências cautelares”. Porém, como vimos sustentando neste domínio, a barreira física decorrente do confinamento de alguém a um domicílio não assenta exclusivamente na valia dos meios técnicos postos na detecção de eventuais ausências – vigilância electrónica. Estes servem basicamente para constatar as “violações”, ou como se refere no recente acórdão desta Relação de 04/02/2016, no processo n.º 150/14.6JBLSB-A.L1-9, “o equipamento eletrónico (…) apenas sinaliza o incumprimento das restrições que decorrem da sua aplicação”. O essencial da sua aplicação remete-nos para as características reveladas da personalidade do agente a ela sujeito e da sua capacidade em cumprir as correspondentes obrigações. Isto mesmo está relembrado no despacho recorrido, que no seu final enfatiza o prejuízo que deverá ser efectuado sobre tais aspectos, que embora não falecendo em relação às condições objectivas, já não se verificarão em relação às subjectivas, sendo “que o Arguido tem facilidade de se ausentar da sua residência e rapidamente se ausentar do território nacional”. Este, é aliás um aspecto a que o recurso interposto não contrapõe garantias particulares, uma vez que todo ele está direccionado para a solicitação de aplicação de uma medida não detentiva. Nesta conformidade IV–Decisão: Nos termos e com os fundamentos indicados, julga-se pois improcedente o recurso apresentado pelo Arguido D., assim se confirmando a decisão recorrida. Pelo seu decaimento, ficará aquele condenado em 3 (três) UCs de taxa de justiça (art.ºs 513.º e 514.º do CPP e respectivo Regulamento das Custas Judiciárias). Elaborado em computador. Revisto pelo Relator, o 1º signatário Lisboa, 2-10-2018 Luís Gominho José Adriano |