Acórdão do Tribunal da Relação de Lisboa | |||
Processo: |
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Relator: | GUILHERME CASTANHEIRA | ||
Descritores: | PESSOA COLECTIVA CULPA | ||
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Nº do Documento: | RL | ||
Data do Acordão: | 02/08/2007 | ||
Votação: | UNANIMIDADE | ||
Texto Integral: | N | ||
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Meio Processual: | RECURSO PENAL | ||
Decisão: | REJEITADO | ||
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Sumário: | 1. Sendo a noção de culpa inaplicável às pessoas colectivas, quando tomada ao pé da letra, como culpa dessas próprias pessoas, visto faltar-lhes a personalidade real ou natural, já se pode falar de culpa de uma pessoa colectiva no sentido de culpa dos seus órgãos ou agentes pelo que a pessoa colectiva se obriga, através dos seus órgãos ou representantes, a organizar as suas actividades de modo adequado a prevenir violações das normas legais, informando-se do conteúdo e alcance destas. 2. É irrelevante que o arguido tenha ou não obtido benefício económico com a infracção. | ||
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Decisão Texto Integral: | Acordam na 9.ª Secção Criminal de Lisboa:
I. No processo de contra-ordenação n.º 2339/06.2TFLSB, da 3ª Secção, do 1.º Juízo do Tribunal de Pequena Instância Criminal de Lisboa, “O Instituto ...”, inconformado com a decisão de fl. 77 a 78, proferida em 5 de Novembro de 2006, que o condenou “na coima de 1.498,80 euros, pela prática da contra-ordenação p. e p. pelo art. 80º, j), do Regulamento de Resíduos Sólidos da Cidade de Lisboa”, veio da mesma interpor recurso, com os fundamentos e conclusões constantes da respectiva motivação. Assim (transcrição): (...) Conclui por “dever o recurso ser julgado procedente, declarando-se nulo o despacho-sentença, e absolvendo-se o recorrente”. * 2. – Quanto à questão invocada pelo recorrente de que o despacho/sentença recorrido considerou que o recorrente tem antecedentes e pendentes contra-ordenacionais da mesma natureza, não indicando, objectivamente, quais os antecedentes a que se refere, o que constitui nulidade da sentença, nos termos do disposto no artº379º,nº1, al. c) e 97º,nº1, al. a), por via do artº41º do RGCO, também discordamos do recorrente. No entanto, na motivação refere que a convicção do tribunal se fundou na apreciação crítica e global de toda a prova, produzida e constante dos autos, sendo certo que um desses elementos é a informação da Câmara Municipal de Lisboa, constante do documento de fls.70, na qual são descriminados os antecedentes contra-ordenacionais da recorrente, dali constando que contra o recorrente existem nove processos de contra-ordenação, pelo mesmo tipo de infracção – disposição de resíduos sólidos do grupo III – de risco biológico – nos contentores destinados à deposição e remoção de resíduos sólidos e urbanos, encontrando-se uns pendentes e noutros a recorrente pagou as coimas respectivas. Trata-se de um elemento probatório pedido pela Mmª. Juíza oficiosamente, que a mesma considerou como meio de prova para a decisão a proferir no âmbito dos seus poderes ao abrigo do disposto no artº64º, nºs 1 e 2 do RGCO. Consequentemente, o douto despacho recorrido não incorre em qualquer nulidade, uma vez que se encontra fundamentado nesta parte, no que toca aos antecedentes contra-ordenacionais do arguido, que, foram, aliás, ponderados na decisão final proferida, a qual entendemos ser justíssima e adequada ao caso concreto. 3. Quanto à invocada questão de que o despacho/sentença, em função da matéria dada como não provada, ao não ter em consideração para a medida da coima os requisitos previstos no artº18º,nº1 do RGCO, incorreu em omissão de pronúncia sendo nulo, nos termos do artº379º,nº1, al. c) do CPP., entendemos que também aqui não assiste razão ao recorrente. Do douto despacho recorrido, resulta claramente qual a gravidade da situação, qual a culpa do agente – a negligência – qual a situação económica do recorrente – resultante da declaração de IRC junta pelo mesmo e constante de fls. 64 e SS., e quanto a benefício económico, deu-se como não provado que o agente tenha retirado algum benefício da prática da infracção. Consequentemente, não houve qualquer preterição do artº18º do RGCO. Quanto à questão de a decisão recorrida ter mantido a coima de 1.498.80 euros aplicada pela autoridade administrativa pela prática da contra-ordenação, quando foi dado como não provado o dolo, apenas subsistindo a negligência, parece-nos não ter a mesma qualquer relevância para efeitos de se poder dizer que a decisão recorrido incorreu em qualquer nulidade prevista no artº379º,nº1, al. c) do CPP. Com efeito, à contra-ordenação em questão, prevista no artº80º, al.j) do RRSC de Lisboa, corresponde coima ente 1 a 10 vezes o salário mínimo nacional, o qual era à data da infracção de 374,70 euros, em conformidade com o DL 242/2004, de 31.12.). Ou seja, a coima aplicável situa-se entre os 374,70 euros e metade de 3.740,70 euros, ou seja, 1.873,85 euros, por força do disposto no nº4 do artº17º da LQCO. Conclui por a sentença recorrida não violar qualquer disposição legal e, como tal, dever ser mantida. Neste Tribunal, o Exmo. Procurador-Geral Adjunto teve vista dos autos – fl.116. II. Efectuado o exame preliminar, foi considerado tratar-se de “simples despacho” (fl.58), não antecedido de audiência, o que determinou, para lá da manifesta improcedência, o envio dos autos à conferência. Como questão prévia, há que referir que a interposição de recursos obedece a regras técnicas, determinadas na lei processual, que as partes, devem respeitar. É pacífica a jurisprudência do S.T.J. no sentido de que o âmbito do recurso se define pelas conclusões que o recorrente extrai da respectiva motivação, sem prejuízo, contudo, das questões do conhecimento oficioso. A exigência de conclusões nos recursos, quer no âmbito penal quer no contra-ordenacional, tem em vista a determinação precisa e clara por parte dos sujeitos processuais dos aspectos que, por considerados incorrectamente julgados, pretendem ver reapreciados, de modo a permitir ao Tribunal conhecer de forma sintética as razões do pedido que lhe é dirigido, com as inegáveis vantagens de celeridade processual daí decorrentes. E, neste particular, importa reter a lição do Prof. Alberto dos Reis, expressa no Código de Processo Civil Anotado, vol. V, pág. 359, em que refere: «No contexto da alegação o recorrente procura demonstrar esta tese: que o despacho ou sentença deve ser revogado, no todo ou em parte. É claro que a demonstração desta tese implica a produção de razões ou fundamentos. Pois bem: essas razões ou fundamentos são primeiro expostos, explicados e desenvolvidos no curso da alegação; hão-de ser, depois, enunciados e resumidos, sob a forma de conclusão, no final da minuta.». As conclusões são, pois, a enunciação resumida dos fundamentos do recurso, «as proposições sintéticas que emanam naturalmente do que se expôs e considerou ao longo da alegação» (vide autor e ob. cit., pág. 359), sendo elas que delimitam o objecto do recurso, como acima se referiu. Cumpre, pois, decidir, sendo que esta Relação apenas conhece da matéria de direito (artº75º, nº 1 do D.L. 433/82, e sem prejuízo do consignado no nº 2 do mesmo normativo). É o seguinte o teor da decisão recorrida (transcrição): * Inexistem nulidades ou questões prévias de que cumpra conhecer. * 2.1 Matéria de facto provada 1 - No dia 30 de Junho de 2005, pelas 07h13, no Instituto ..., sito na Rua ., em Lisboa, encontrava-se um saco preto, e no seu interior um saco branco contendo compressas com sangue, saco colector com fluidos orgânicos e um frasco de administração de soro e respectiva tubagem com vestígios de sangue. 2 – O recorrente repôs, entretanto, a situação e solicitou à C.M.L. a retoma da remoção dos resíduos. 3 – O recorrente não observou o cuidado, zelo e diligência a que estava obrigado e de que era capaz, nas circunstâncias concretas, pois não promoveu o cuidado a observar na separação deste tipo concreto de resíduos, dos demais resíduos depositados nos contentores destinados aos Resíduos Sólidos Urbanos. 4 – Tem antecedentes e pendentes contra-ordenacionais da mesma natureza. - que o recorrente tenha actuado livre, voluntária e conscientemente, ciente de estar a praticar um acto ilícito; Provado ficou que no local referido em 1. se encontrava um saco branco com resíduos sólidos hospitalares. O recorrente não pode deixar de ter conhecimento das legais objecções à mistura de tais resíduos com os resíduos urbanos vulgares, sendo sabido que há um determinado número de doenças potencialmente fatais que podem ser transmitidas, nomeadamente, através de contacto com sangue contaminado. O Tribunal quer, ainda, acreditar que o recorrente agiu, apenas, a título de negligência. É necessário atalhar este tipo de conduta, pelos riscos que pode envolver; e por muito que se possa dizer que a autoridade administrativa faz uma pobre investigação antes de proferir decisão. Certo é que o recorrente já tem antecedentes, nesta matéria, e já teve tempo de ajustar o comportamento dos seus funcionários às exigências legais e, sobretudo, às exigências impostas pelo Bom Senso. Nos termos de facto e de direito expostos, não concedo provimento ao recurso e, consequentemente, condeno o Instituto …na coima de 1.498,80 euros, pela prática da contra-ordenação p. e p. pelo art. 80º, j) do Regulamento de Resíduos Sólidos da Cidade de Lisboa, pela qual vinha acusado.” * O recorrente foi notificado do despacho que lhe comunicou a instauração do processo e lhe facultava o direito de defesa, bem como do despacho que admitiu liminarmente o recurso de contra-ordenação e aceitou a acusação, com referência a todos os elementos de facto, necessários, sobre os quais se pronunciou, não ficando a decisão, respectiva, aquém, nem indo para além desse, delimitado, objecto dos autos, sendo que os factos provados, referidos, configuram a violação aludida, cuja inobservância e violação é punível com coima. E tratando-se de “simples despacho” (fl.58), não antecedido de audiência, só possível processualmente, em face da concordância, desde logo, do recorrente – que, como resulta do processado, compreendeu o âmbito, e alcance, da decisão condenatória da autoridade administrativa, quer quanto à descrição dos factos imputados, quer no tocante à indicação das provas obtidas, e avaliadas na decisão recorrida –, mostravam assentes, nessa medida, os aspectos formais que, sempre, poderiam ser avaliados, e, se disso fosse caso, supridos, na prescindida audiência. No mais, nem se trata de exigência legal, nem, à luz das regras da experiência comum (cf. em juízo de prognose póstuma) eram necessárias “análises” para prova de que “os materiais encontrados nos contentores da Câmara Municipal de Lisboa”, junto ao Instituto …em Lisboa – um saco preto, e no seu interior um saco branco contendo compressas com sangue, saco colector com fluidos orgânicos e um frasco de administração de soro e respectiva tubagem com vestígios de sangue – “eram resíduos perigosos”. Ou seja, quanto às, invocadas, nulidades da decisão administrativa, o tribunal recorrido pronunciou-se sobre as mesmas, embora em termos genéricos, face à fase judicial dos autos, mostrando-se o decidido fundamentado, com acerto, atentos à natureza da matéria, e do procedimento naquela outra fase, não judicial. 2. O recorrente, embora em contexto diferente, suscita a questão dos “antecedentes e pendentes contra-ordenacionais” por o despacho ser nulo, ao não os indicar, objectivamente. Inexiste, pois, também aqui, a, invocada, “nulidade”, ou, muito menos, “violação do disposto no artigo 32º, nº2, da Constituição da República Portuguesa”. 3. Tal é, de resto, o que sucede quanto à, alegada – por menção aos artigos 18º, nº1, do RGCO, e 379º,º1, al. c), do CPP – “omissão de pronúncia, e nulidade”, do despacho, por “em função da matéria dada como não provada, não ter em consideração para a medida da coima os requisitos ali previstos”. O tribunal recorrido pronunciou-se expressamente sobre a questão. É uma apreciação que se mostra inteiramente correcta e, para o efeito, é absolutamente irrelevante que o arguido tenha ou não obtido benefício económico com a infracção. Assim, improcede o invocado pelo recorrente, em termos remanescentes, como explicitado na “contramotivação” do MP, acima transcrita, e para onde se remete. * Em conformidade com o exposto, e por manifesta improcedência (arts. 417.º, n.º 3 c), 419.º, n.º 4 a) e 420.º, n.º 1, do CPP), não se concede tutela, e rejeita-se o recurso interposto pelo arguido confirmando-se inteiramente a decisão recorrida. Condena-se o recorrente nas custas, com 8 UC’s de taxa de justiça – art. 93.º, n.º 3 e 94.º, do RGCO e art. 87.º, n.º 1 b) do CCJ. Nos termos do art. 420.º, n.º 4, do CPP, vai, ainda, condenado o recorrente em 3 UC’s. |