Acórdão do Tribunal da Relação de Lisboa | |||
Processo: |
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Relator: | ANABELA CALAFATE | ||
Descritores: | INTERVENÇÃO ACESSÓRIA | ||
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Nº do Documento: | RL | ||
Data do Acordão: | 12/02/2008 | ||
Votação: | UNANIMIDADE | ||
Texto Integral: | S | ||
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Meio Processual: | AGRAVO | ||
Decisão: | CONFIRMADA A DECISÃO | ||
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Sumário: | 1 - Alegando a embargada que não deve ser condenada como litigante de má fé porque nenhuma conduta processual reprovável praticou e que, a ter havido actuações ilícitas na execução das diligências de arresto, o responsável é o Estado Português por as diligências terem sido executadas e supervisionadas pelos funcionários judiciais, não tem qualquer viabilidade uma acção de regresso contra o Estado Português, pelo que não é admissível o incidente de intervenção acessória deste. 2 – A não se provar qualquer conduta processual reprovável da embargada nos termos do art. 456º do CPC, não pode esta ser condenada como litigante de má fé; mas a provar-se que litigou de má fé, causando com essa conduta prejuízos à embargante, só ela pode responder pelos seus actos, não tendo fundamento legal a pretensão de que seja o Estado Português, em acção de regresso, a suportar a indemnização em que a recorrente venha a ser condenada. (AC) | ||
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Decisão Texto Integral: | Acordam os Juízes na 1ª Secção do Tribunal da Relação de Lisboa I – Relatório A deduziu embargos de terceiro ao abrigo do art. 351º do C.P.C. pedindo que seja ordenada a restituição à embargante de todos os bens móveis removidos da Rua Artur Bual nº 3, 3º Esqº, freguesia de Paço de Arcos, concelho de Oeiras e do prédio misto em Porto de Mós. Mais requereu a condenação da embargada I Lda como litigante de má fé. Para sustentar o pedido de condenação da embargada por litigância de má fé, alegou: - o prédio denominado Cabeça Veada, sito na freguesia de Mendiga descrito na Conservatória do Registo Predial de Porto de Mós sob o nº 395, está inscrito a favor do F Leasing, conforme informação da Conservatória do Registo Predial que se juntou como doc. 16 - o referido F Sa adquiriu o imóvel por contrato de locação financeira imobiliária celebrado em 21/7/2006 com a Construções Sa conforme fotocópia do contrato de locação financeira que se juntou como doc. 17 - nem o F nem as Construções Sa são demandados nos presentes autos de arresto - por contrato de arrendamento celebrado em 27/10/2006, a sociedade Construções Sa arrendou à ora embargante, com autorização expressa do F Sa o referido prédio misto sito em Cabeceiros conforme fotocópia do contrato de arrendamento e da informação da Conservatória do Registo Predial que se juntou como doc. 18 - quando a embargante estava a chegar ao imóvel sito na Rua Artur Bual, em Paço de Arcos, foi informada telefonicamente por amigos que estavam a proceder à remoção do recheio do imóvel sito em Porto de Mós - imóvel que está arrendado à embargante, por uma sociedade que não é parte nos presentes autos - a embargante desde logo esclareceu os presentes na diligência, que o imóvel era propriedade do F e que havia um contrato de locação financeira celebrado entre aquela instituição e as Construções SA que em nada está relacionada com os presentes autos - acresce que, a embargante esclareceu que é titular de um contrato de arrendamento sobre o imóvel e todo o seu recheio tinha sido adquirido às suas expensas - a embargante assim que soube da diligência reuniu as facturas comprovativas da aquisição do recheio do imóvel sito na Cabeça Veada e dirigiu-se ao local - uma vez no local, a embargante exibiu os originais das facturas comprovativas da aquisição do recheio da casa da Cabeça Veada (doc. 19, 20 e 21) - mesmo perante comprovativo da aquisição dos bens móveis que compõem o recheio do prédio, a Ilustre Mandatária da Requerente não desistiu da diligência tendo removido todos os bens do interior do imóvel - não obstante a embargante ter afirmado que era arrendatária do imóvel e que o proprietário do mesmo era uma instituição bancária - e de ter exibido aos presentes as facturas juntas aos autos como docs. 19, 20 e 21 - foi decidido pela embargada, e comunicado à embargante pelos presentes, que iriam ainda assim efectuar a diligência de arresto com remoção, conhecendo da existência de facturas em nome da embargante relativas aos bens que se encontravam na casa e sabendo que os executados aí não residiam - assim mesmo, e com um espírito devastador retiraram tudo o que puderam deixando a casa no estado que as fotografias revelam, sem sequer apurar em que condições os bens se encontravam e sem qualquer respeito pela vida privada dos executados e da embargante que viu assim a sua vida privada ser devastada e pilhada - a embargada litiga com manifesta má fé, nos termos das alíneas c) e d) do art. 456º do CPC - pelo que deverá ser a embargada condenada em indemnização que deverá consistir: - no reembolso das despesas que a má fé tenha obrigado a embargante a fazer, incluindo os honorários da mandatária, bem como, - em indemnização pelos prejuízos e danos morais que a sua conduta provocou na embargante, já que a privou de poder utilizar os bens que estavam no interior dos dois imóveis, que não deverá ser inferior a 50.000€ nos termos do art. 457º do CPC * A embargada I Lda contestou os embargos de terceiro tendo pugnado pela sua improcedência e pela sua absolvição do pedido de litigância de má fé; mais requereu a intervenção provocada acessória do Estado Português «para responder perante os prejuízos invocados pela embargante» fundamentando a dedução deste incidente nos seguintes termos:- o arresto, ao qual foram deduzidos os presentes embargos, foi decretado, nos precisos termos em que foi requerido, pelo Tribunal Judicial da Comarca de Vila Nova de Ourém (art. 187º da contestação) - para tanto, foram nomeados funcionários judiciais e o agente de execução, que estiveram presentes na referida diligência, de modo a que o arresto nas diversas moradas dos devedores fosse efectuado em simultâneo, isto é, no mesmo dia à mesma hora (art. 188º da contestação) - assim sendo, caso se venha a concluir, o que se admite, mas não concede, que ocorreram de facto os prejuízos invocados pela embargante e/ou que o arresto foi em excesso, não se limitando aos bens penhoráveis e necessários ao pagamento da dívida, (art. 189º da contestação) - e, sendo certo que, tais diligências foram efectuadas e supervisionadas por funcionários judiciais, e não pelos mandatários da embargada, cuja presença é meramente acessória, como se alega nos art. 93º e 96º do articulado, (art. 190º da contestação) - requer-se desde já, nos termos do nº 1 do art. 330º e nº 1 do art. 331º, ambos do CPC a intervenção acessória provocada do Estado (art. 191º da contestação) * Foi então proferido despacho indeferindo liminarmente a requerida intervenção acessória do Estado nos seguintes termos:«A embargada deduziu incidente de intervenção acessória provocada do Estado, para intervir como seu auxiliar, relativamente ao pedido de indemnização por litigância de má fé que contra si foi deduzido pela embargante, alegando que caso se conclua pelos prejuízos invocados e pelo excesso do arresto, as diligências foram efectuadas e supervisionadas por funcionários judiciais. O art. 330º nº 1 do CPC admite o chamamento pelo réu, como auxiliar da defesa, de terceiro contra quem o réu tenha acção de regresso, sempre que esse terceiro careça de legitimidade para intervir como parte principal. A embargante deduziu pedido indemnizatório contra a embargada com base em litigância de má fé desta. Os pressupostos da condenação em litigância de má fé são os previstos no art. 456º do CPC, referindo-se apenas e só à conduta processual da parte e respectivas consequências. Não se vislumbra, nem foi alegado fundamento legal ou substancial que determine a responsabilização do Estado, em direito de regresso, pela conduta processual da exequente. Assim, por não reunir os pressupostos de que depende a admissão do incidente, nos termos do art. 234º A nº 1 do CPC, indefiro liminarmente a requerida intervenção acessória do Estado.» Deste despacho recorreu a embargada apresentando na sua alegação as seguintes conclusões: 1) No caso em apreço, é de admitir o incidente de intervenção acessória do Estado; 2) A recorrente, tal como ficou exposto nos art. 187º a 191º da contestação aos embargos de terceiro nos autos em epígrafe nos autos do processo em epígrafe, tem direito de regresso, porque a actuação dos funcionários judiciais, prejudicou a recorrente, em termos que permitem intentar uma acção de responsabilidade civil contra o Estado, porque reunidos os pressupostos do art. 483º do Código Civil; os funcionários que efectuaram as diligências (e as supervisionaram) não são funcionários da requerente, mas do Estado; 3) O direito de regresso, tanto pode existir em alguns casos que fundamentam a intervenção principal como noutros que justificam a intervenção acessória; 4) Com este chamamento, o demandado obtém não só o auxílio do terceiro interveniente, como também a vinculação deste último à decisão, de carácter prejudicial, sobre as questões de que depende o direito de regresso (art. 332º nº 4). Portanto, a intervenção de terceiro não é acompanhada de qualquer alteração no objecto da causa e, menos ainda, de qualquer cumulação objectiva; 5) Isto mesmo acontece agora no âmbito do incidente de chamamento para intervenção acessória previsto no art. 330º do CPC, com fundamento no eventual direito de regresso, cuja única intenção é a de alargar o caso julgado ao respectivo interveniente; 6) Salvador da Costa Ac. da RL de 21/6/2001, in www.dgsi.pt defende que a admissibilidade da intervenção acessória do terceiro ao lado do réu, depende necessariamente da articulação de factos que revelem a existência de uma relação material conexa com a que é objecto da respectiva acção, envolvente do réu e de um terceiro, devendo ser ainda articulados factos reveladores de que, perdida a demanda, o Réu tenha acção de regresso contra terceiro com vista à realização do direito subjectivo a indemnização ou a restituição correspondente ao prejuízo derivado da perda da acção; 7) Ora, a recorrente (na qualidade de embargada, o que equivale a ré no incidente de embargos de terceiro) articulou factos que revelam a existência de uma relação jurídica material conexa com a que é objecto da respectiva acção, e autonomizou-os no ponto VI da peça processual da contestação ao incidente de embargos de terceiro – art. 187º a 191º-, sendo que para um enquadramento da questão em apreço seja necessário ler o articulado no seu todo; 8) A embargante e contra-parte pode igualmente intentar uma acção contra o Estado de responsabilidade civil extracontratual pelo excesso de arresto, porque os funcionários não se limitaram a penhorar os bens necessários ao pagamento da dívida; ou seja, a acção dos funcionários pode ter prejudicado simultaneamente a embargante e a embargada (não tem responsabilidade pelos actos cometidos pelos funcionários do Estado); 9) Está, pois, configurado um direito de indemnização com viabilidade e conexo com o objecto da relação controvertida na presente acção, na medida em que a eventual condenação da recorrente, permite-lhe accionar o Estado Português (que eventualmente terá direito de regresso contra os funcionários judiciais) que ficam vinculados em termos reflexos, pelo caso julgado; 10) Justifica-se, assim, a intervenção acessória provocada do chamado, que, embora não possa ser condenado nesta acção fica vinculado ao caso julgado da sentença a proferir, no tocante aos pressupostos de que depende o direito de regresso da recorrente, ora agravante; 11) Aliás, é no interesse do Estado intervir, para evitar que a embargada intente mais tarde uma acção contra o Estado, devido ao facto dos seus funcionários terem arrestado em excesso (claro está, a confirmar-se a procedência dos embargos deduzidos); 12) Existe no caso em apreço, um duplo interesse do Estado intervir, para esclarecer a sua posição para o futuro e evitar ser demandado no futuro sobre a matéria em apreço; 13) O princípio da adequação formal, determinando a prática oficiosa dos actos que melhor se ajustem ao fim do processo, bem como as necessárias adaptações, “quando a tramitação processual prevista na lei não se adequar às especificidades da causa” (art. 265º - A do CPC), encontra aplicação, designadamente, na hipótese de modificação subjectiva da instância decorrente de intervenção acessória; 14) Por último, há que trazer à colação, o princípio da economia processual e o princípio da cooperação, previsto no art. 266º nº 1 do CPC, que tem por finalidade a obtenção, com brevidade e eficácia, da justa composição do litígio, visando, por um lado, o apuramento da verdade sobre a matéria de facto e, com base nela, a obtenção da adequada decisão de direito; e por outro, o da cooperação em sentido formal, com vista à obtenção, sem dilações inúteis, das condições para que essa decisão seja proferida no menor período de tempo compatível com as exigências do processo * Não foi apresentada contra-alegação.* Colhidos os vistos cumpre decidir.II – Questões a decidir O objecto do recurso é delimitado pelas conclusões da alegação do recorrente (art. 684º nº 3 e 690º nº 1 do CPC) pelo que no presente recurso a única questão a decidir é a da admissibilidade do incidente de intervenção acessória do Estado Português. * III - FundamentaçãoA dinâmica processual relevante para decisão é que a consta em I. O art. 330º do Código de Processo Civil estabelece: «1. O réu que tenha acção de regresso contra terceiro para ser indemnizado do prejuízo que lhe cause a perda da demanda pode chamá-lo a intervir como auxiliar na defesa, sempre que o terceiro careça de legitimidade para intervir como parte principal. 2. A intervenção do chamado circunscreve-se à discussão das questões que tenham repercussão na acção de regresso invocada como fundamento do chamamento.» O nº 2 do art. 331º prevê: «O juiz, ouvida a parte contrária, deferirá o chamamento quando, face às razões alegadas, se convença da viabilidade da acção de regresso e da sua conexão com a causa principal» Refere-se no preâmbulo do Decreto-lei nº 329-A/95, de 12 de Dezembro : “ A fisionomia atribuída a este incidente traduz-se, nesta perspectiva, numa intervenção acessória ou subordinada, suscitada pelo réu, na altura em que deduz a sua defesa, visando colocar terceiro em condições de o auxiliar na defesa, relativamente à discussão das questões que possam ter repercussão na acção de regresso ou indemnização invocada como fundamento do chamamento. (…) procurou limitar-se drasticamente o arrastamento temporal que caracteriza muitos dos incidentes de chamamento à autoria requeridos, ao abrigo do sistema vigente, muitas vezes com intuitos claramente dilatórios. Neste sentido, cumpre, desde logo, ao juiz emitir um juízo liminar sobre a viabilidade da acção de regresso e a sua conexão com a matéria da causa principal, pondo rapidamente termo a incidentes manifestamente infundados". Explica-se no Ac da RL de 4/12/2006 (Proc. 9910/2006-7 – in www.dgsi.pt): «O direito de regresso pode definir-se como o direito que uma pessoa tem de haver de outrem tudo ou parte do que prestou a terceiro e/ou uma indemnização por haver satisfeito essa prestação (1). O incidente de intervenção acessória provocada pressupõe uma relação jurídica, conexa com a controvertida, da qual resulte a responsabilidade do chamado para com o réu pelo dano consubstanciado na perda da demanda (2). Incumbe ao R. requerente o ónus de alegar factos que permitam ao juiz concluir que, caso venha a ser condenado no pedido formulado, lhe assistirá, nestes termos, direito de regresso contra terceiro. O terceiro é chamado para que se possa constituir, em relação a ele, caso julgado no que tange aos pressupostos do direito de regresso que dependem do reconhecimento da existência do direito do A. (3).» No caso dos autos, a embargante pretende a condenação da embargada como litigante de má fé nos termos das alíneas c) e d) do nº 2 do art. 456º do C.P.C. Dispõe o art. 456º do C.P.C. na parte que ora interessa: «1. Tendo litigado de má fé, a parte será condenada em multa e numa indemnização à parte contrária, se esta a pedir. 2. Diz-se litigante de má fé quem, com dolo ou negligência grave: a) Tiver deduzido pretensão ou oposição cuja falta de fundamento não devia ignorar; b) Tiver alterado a verdade dos factos ou omitido factos relevantes para a decisão da causa; c) Tiver praticado omissão grave do dever de cooperação; d) Tiver feito do processo ou dos meios processuais um uso manifestamente reprovável, com o fim de conseguir um objectivo ilegal, impedir a descoberta da verdade, entorpecer a acção da justiça ou protelar, sem fundamento sério, o trânsito em julgado da decisão. 3. (…)» Não foi alegado pela recorrente na contestação aos embargos de terceiro que a sua conduta processual foi determinada por qualquer acto do Estado Português, mais concretamente, através dos funcionários judiciais. Apenas resulta do alegado pela recorrente naquele articulado e é reiterado nas conclusões deste recurso, que no seu entender, se a embargante sofreu prejuízos com o arresto e se este foi efectuado em excesso por não se limitar aos bens penhoráveis e necessários ao pagamento da dívida, o Estado é o responsável pelos danos alegadamente sofridos pela embargante, pois as diligências de arresto foram efectuadas e supervisionadas por funcionários judiciais e não pela embargada ou pelos seus mandatários. Portanto, na tese da recorrente, nenhuma conduta processual reprovável praticou e por isso não deve ser condenada como litigante de má fé; segundo a embargante, a ter havido actuações ilícitas na execução das diligências de arresto, o responsável é o Estado Português porque as diligências foram executadas e supervisionadas pelos funcionários judiciais. Ora, a não se provar qualquer conduta processual reprovável da embargada nos termos do art. 456º do CPC, não pode esta ser condenada como litigante de má fé. Mas a provar-se que a embargada litigou de má fé, causando com essa conduta prejuízos à embargante, só ela pode responder pelos seus actos não tendo fundamento legal a pretensão de que seja o Estado Português, em acção de regresso, a suportar a indemnização em que a embargada venha a ser condenada. Assim, não tem qualquer viabilidade uma acção de regresso contra o Estado Português. Nesta conformidade, não é admissível o incidente de intervenção acessória do Estado Português, devendo manter-se o despacho recorrido. * IV – DecisãoPelo exposto, nega-se provimento ao recurso, confirmando-se o despacho recorrido. Custas pela recorrente (art. 446º nº 1 do CPC). Lisboa, 2 de Dezembro de 2008 Anabela Calafate Antas de Barros Folque de Magalhães |