Acórdão do Tribunal da Relação de Lisboa
Processo:
10601/2007-7
Relator: ROQUE NOGUEIRA
Descritores: INIBIÇÃO DO PODER PATERNAL
Nº do Documento: RL
Data do Acordão: 04/15/2008
Votação: UNANIMIDADE
Texto Integral: S
Meio Processual: APELAÇÃO
Decisão: IMPROCEDENTE
Sumário: 1. São pressupostos da inibição do exercício do poder paternal a violação culposa dos deveres para com os filhos e a gravidade do prejuízo para estes resultante dessa violação.
2. É passível de forte censura ético-jurídica o facto de o pai dos menores ter praticado com os próprios filhos actos de natureza sexual, colocando desse modo em grave perigo a saúde, a segurança e educação deles.
3. Não é relevante para ser decretada a inibição do exercício do poder paternal a orientação sexual do pai ou o seu estilo de vida menos convencional.
(PLG)
Decisão Texto Integral:

Acordam no Tribunal da Relação de Lisboa:

1 – Relatório.
No 1º Juízo Cível do Tribunal Judicial de Comarca da Amadora, M… requereu a inibição do poder paternal, quanto aos menores H… e F…, na parte que compete a Fe…, alegando que requerente e requerido foram casados entre si, tendo dessa relação nascido os referidos menores, mas que, entretanto, se divorciaram por mútuo consentimento.
Mais alega que veio a ter conhecimento, através de relatos feitos pelos próprios menores, que o pai, quando ainda viviam juntos, havia praticado actos de natureza sexual com eles, por várias vezes, chegando a obrigá-los a verem filmes pornográficos.
Conclui, assim, que o requerido não tem condições para cumprir os seus deveres para com os filhos, nomeadamente, o de velar pela sua segurança e saúde, e de dirigir a sua educação, pelo que, deve ser inibido do poder paternal, ficando os menores à guarda e cuidados da requerente.
O requerido contestou, impugnando parcialmente os factos alegados pela requerente, mas concluindo pela improcedência da acção.
Com a petição e a contestação foram arroladas testemunhas e requeridas outras diligências de prova.
Seguidamente, foi proferido despacho saneador, após o que se efectuaram as diligências consideradas necessárias, designadamente, inquérito sobre a situação moral e económica das partes, os factos alegados e o que foi julgado útil para o esclarecimento da causa.
Realizada a audiência de discussão e julgamento, foi, após decisão da matéria de facto, proferida sentença, julgando a acção procedente e declarando o requerido totalmente inibido do exercício do poder paternal relativamente aos menores H… e F….
Inconformado, o requerido interpôs recurso de apelação daquela sentença.
Produzidas as alegações e colhidos os vistos legais, cumpre decidir.
2 – Fundamentos.
2.1. Na sentença recorrida consideraram-se provados os seguintes factos:
H… e F… nasceram, respectivamente, em 14.7.1993 e 14.9.1996 e são filhos de Fe… e M… (documentos de fls. 61 e 62).
M… e Fe… divorciaram-se em 12 de Novembro de 2002, no âmbito do processo de divórcio por mútuo consentimento que correu termos na Conservatória do Registo Civil …, tendo a decisão já transitado em julgado (documento de fls. 42 e ss).
No âmbito do referido processo de divórcio, foi também homologado o acordo de regulação do poder paternal relativamente aos filhos menores de ambos H… e F…, segundo o qual os menores ficaram à guarda da mãe, sendo o poder paternal exercido em conjunto por ambos os progenitores (documento de fls. 42 e ss).
No âmbito do mesmo acordo foi também fixada uma pensão mensal de alimentos no valor de € 250 para cada um dos menores, a pagar pelo progenitor até ao primeiro dia útil de cada mês.
Seis anos após o casamento, mais concretamente a partir de 1 de Junho de 1994 - data em que a A. iniciou funções como enfermeira no Departamento de Psiquiatria do Hospital de São Francisco Xavier - a A. começou a dedicar mais atenção e a identificar, e apontar, comportamentos típicos do R., tais como, permanente cansaço, indolência, sonolência e falta de iniciativa; tendência para o isolamento, inclusive da família; aparência reveladora de consumo exagerado de bebidas alcoólicas; incapacidade de controlo no gasto do dinheiro do casal; alarmante falta de cuidados na sua higiene pessoal só levada a efeito quando pressionado pela A..
Tais comportamentos foram então sentidos pela A. como resultantes de ciúme pelo nascimento do filho mais velho do casal, H…, que nascera em 14 de Julho de 1993.
Em Junho de 1996, a empregada doméstica da casa de família queixou-se à A., informando que o R. quando passava por ela tentava apalpá-la e roçar-se, chegando mesmo a oferecer-lhe dinheiro para ter relações sexuais com ela.
Confrontado com este relato o R. negou.
Porém, quando a A. pretendeu confrontar as duas versões, o R. recusou e, convencendo a A. da verdade da sua versão, despediu a empregada.
A partir de Janeiro de 1997 a educadora do filho H… começou a sentir alterações no comportamento deste, tendo comunicado então à A. que este seu filho,
- tinha tendência para o isolamento, tanto na sala como nos recreios, brincando sempre nos cantos dos recintos e sozinho;
- Tinha dificuldade de concentração;
- Tinha dificuldade em adormecer, sendo necessário estar sempre acompanhado para adormecer e acordando várias vezes à noite referindo pesadelos e dificuldade em regressar ao sono;
- Era muitas vezes agressivo com as restantes crianças e desobediente às ordens que lhe eram dirigidas, fingindo não as ouvir;
- Por volta dos sete anos começou a recusar a medicamentação ministrada através de supositórios apenas admitindo os xaropes.
Estes comportamentos eram então explicados pelo previsto nascimento do irmão, já que a A. estava então grávida do filho F…, que nasceria em 14 de Setembro de 1996.
Antes, no Jardim de infância “…”, o H…tinha como características, ser tranquilo, obediente, dorminhoco, sociável, de fácil concentração, interessado e de grande sensibilidade na interacção com os outros meninos e de assinalável sentido de justiça identificando claramente os bons e os maus comportamentos.
Desde muito cedo que o R. rotulava o filho F… como uma criança muito difícil, queixando-se que este filho não gostava dele.
O F… começou muito cedo a revelar comportamentos de rejeição ao pai, manifestando-se em frequentes choros por não querer dormir em casa e, ao invés, pretender dormir em casa dos avós maternos.
Em meados de Maio de 1998, a A., ao chegar a casa, deparou com uma mala com roupas, adornos e pinturas de mulher que não lhe pertenciam.
Ao ser confrontado com tal facto, o R. explicou então à A. que aquela havia sido a forma de dizer que gostava de se vestir de mulher para se sentir bem quando tinha relações com outras mulheres.
A A. ficou perplexa com tal explicação e aconselhou o R. a procurar ajuda para esse problema.
O R. recusou dizendo que iria solucionar o problema se ele e a A. seguissem algumas directrizes que o próprio traçara.
No início de Julho de 1998 a A., em sua casa, encontrou o R. vestido com as suas roupas.
Mais uma vez a A. insistiu para o R. se tratar.
O R. acabou por sair de casa em meados desse mês de Julho de 1998 dizendo que queria ficar sozinho para repensar a vida.
Na ausência do R., um Colega e amigo deste, de nome C…, visitou a A. contando-lhe que se tinha afastado um pouco do convívio, principalmente “de ir a Santa Cruz”, porque recebera uma proposta do R. para troca ocasional das respectivas mulheres com vista à prática de actos sexuais.
O R. viria a confessar à A. que tinha relações sexuais com o próprio C….
No início de Junho de 1998, num domingo, os pais da A., na sua ausência, ao chegarem a casa desta, logo no átrio do prédio, ouviram o choro de uma criança que, quando chegaram ao 5.º piso – o da casa – identificaram o choro aflitivo como sendo do neto F….
Quando entraram em casa o F… estava no quarto, de porta fechada - que só abriu após muita insistência - com suores, marcas de violência na cara e chamando pela mãe.
Os avós maternos queriam levar a criança ao hospital e só não o fizeram porque o R. os impediu.
No início de Agosto de 1998 o R. regressou a casa.
Consumia então grandes quantidades de droga.
Perante tais acontecimentos e tão conturbada vida o tio da A., J…, intervindo a pedido desta, convidou A. e R. para passar uns dias de férias em Paris, onde ele residia, a fim de ser repensada a vida de cada um e a vida conjugal.
Foram então para Paris, na segunda semana de Agosto de 1998.
Durante a estada em Paris, o R. falou com a Tia da A., J…, dizendo-lhe que:
- tinham sido 10 anos de mentira (os anos do casamento);
- continuava sem saber se era homem ou mulher;
- sentia necessidade de usar roupas de mulher para ter relações sexuais;
- tinha relações homossexuais;
A A. descobriu correspondência do réu com uma mulher e interceptou telefonemas desta.
O R. negava sempre tudo dando desculpas e explicações que iam convencendo a A.
A A. sentia que o R. não apresentava melhoras comportamentais e acabou, a conselho do seu tio J…, por pedir ajuda a uma terapeuta familiar, Dra P….
Em consequência dos primeiros contactos, foi iniciada no início de Janeiro de 1999 uma terapia familiar.
No âmbito dessa terapia, o R. foi relatando:
- problemas de infância:
- o uso de drogas e estupefacientes, explicando então o comportamento notado pela A. em meados de 1994, quanto à falta de controlo nas suas contas bancárias;
- o vício em sexo;
- as suas dúvidas quanto à sua identificação sexual (se era homem ou mulher);
- as suas relações homossexuais;
- a necessidade de se vestir de mulher para ter prazer sexual com outras mulheres;
- que tinha roupas de mulher, revistas e filmes pornográficos escondidos em casa e na garagem;
- que se masturbava várias vezes ao dia;
- a sua relação extra conjugal com uma mulher;
- que tinha terminado esta relação e que queria muito ficar com a A. e com os filhos;
Em Finais de Maio de 1999, a Dra P… propôs ao R. que iniciasse uma terapia individual com um psicólogo.
O R. foi sempre adiando resposta, mantendo apenas a terapia familiar.
Em Setembro de 1999, na praia de Santa Cruz, a avó materna encontrou o neto H… escondido atrás de um poço, assustado, com suores e a chorar.
O H… disse então à avó: “estou a fazer muita força na pilinha como o pai me disse para fazer “.
A Dra P… propôs o acompanhamento do caso pela Sociedade Portuguesa de Terapia Familiar (S.P.T.F.) para toda a família ser englobada na ajuda dada a complexidade do caso.
Em Novembro de 1999 foi iniciada a terapia na referida S.T.P.F. e continuava a terapia com a Dra P….
Em Maio de 2000, por opção da A. na tentativa de concorrer para ajudar o R.., e respondendo a um conselho da Dra P…, terminaram as relações sexuais conjugais.
Em Julho de 2000, o R. disse à A. que tinha estabelecido um contrato de pagamento de uma semanada com o H…e que era ele, e só ele, quem lhe pagaria.
No início de Novembro de 2000 a A. contactou o Dr L… – Psicólogo que a A. conhecera num trabalho conjunto no âmbito do acompanhamento de jovens na escola – e referiu-lhe a grande dificuldade que tinha em lidar com a postura actual do H….
A A. explicou então ao Dr L… que o H… estava sempre a implicar com o irmão, e acusando-a de não gostar dele, e só gostar do irmão; que tinha grande dificuldade com os trabalhos da escola; que era agressivo com os colegas e com os adultos; que tinha dificuldades em dormir.
Mais disse a A. que atribuía aquelas perturbações à instabilidade conjugal.
A partir de Dezembro de 2000 o R. deixou de comparecer à terapia familiar, adiando sempre as sessões.
No início do ano de 2001, a mãe da A. detectou que o ânus do H… estava ferido, com fissuras, dilatado e com escamas, tendo sido muito difícil tratá-lo e, desde então, ficou sempre com muito prurido.
A origem e explicação deste facto sempre foi atribuído pela A., e pelos avós maternos, à má digestão e/ou ao mau expelir de um alimento que estivesse em más condições ou relativamente ao qual o H… tivesse manifestado alguma alergia.
Ao referir este problema do prurido numa consulta pediátrica em Julho de 2001, o R. reagiu muito mal criticando a A. por ter observado este facto à pediatra.
Em Junho de 2001 o Dr L…, Psicólogo disse à A. que queria falar com o casal (A. e R.) com o intuito de tentar entender as reacções e comportamento do H… pois pensava que algo exterior estava a afectar a criança.
Foi feita de imediato uma sessão conjunta, na qual participaram a A. e o R., ficando determinado o início de sessões semanais individuais para o R. e de três em três semanas uma sessão conjunta com A. e R.;
Em resultado das sessões, que demonstravam uma (aparente), embora ténue, melhoria, a partir de Fevereiro de 2002, teve início um programa com vista ao reatamento das relações sexuais conjugais.
De tal modo que a A. comprou 2 alianças de ouro amarelo e branco e pediu namoro ao R. como marco de uma nova hipótese de relacionamento conjugal pleno, o que o R. aceitou.
Em 1 de Março de 2002, no aniversário da R…, filha da vizinha Pu…, A. e R. foram jantar a casa desta, tendo a A., logo após o jantar, ido para casa deitar o filho F….
O R. permaneceu em casa da R… até cerca da 01.00 da manhã.
No dia seguinte, a vizinha Pu… pediu à A. para lhe falar com urgência, contando-lhe que estava assustada porque o R. passara a noite anterior a falar de relações homossexuais e de relações com os animais, e que mais não contava porque não sabia o que se passava entre a A. e o R. e o tipo de relação que tinham um com o outro.
No dia 5 de Março de 2002 o R. foi chamado à Direcção do Centro de Saúde de …para responder a uma queixa que contra ele pendia apresentada pela Directora da Escola Superior…, segundo a qual o R. teria assediado sexualmente duas alunas de enfermagem que estagiavam naquele Centro de Saúde, tendo como orientador o R..
O R. acabou por ser afastado da orientação daquelas duas alunas.
A A. telefonou então ao Dr L…, pedindo-lhe ajuda e conselhos.
Perante este psicólogo, o R. continuou a negar o assédio de que era acusado e reconhecendo que em tempos, isso sim era verdade, tinha assediado sexualmente a empregada doméstica da sua casa.
A A. decidira entretanto sair de casa, caso o R. não o fizesse até ao final do mês de Maio de 2002.
Sucede que, no dia 3 de Maio de 2002, quando a A. chegou a casa, deparou com as alianças (a de casamento e a que oferecera em Janeiro), em cima da mesa de cabeceira, bem como o comando electrónico da garagem.
De imediato a A. procurou ajuda junto da vizinha Pu… a quem confiou as crianças enquanto foi procurar o Dr L….
O Dr L… acompanhou o regresso da A. a casa e a conversa que esta teve com os filhos, na qual se explicou que o pai, ora R., tinha abandonado a casa.
O F… disse “está bem” e voltou para casa da vizinha Pu….
O H… não se mostrou surpreso pronunciou: “já estava à espera” e quis ver as alianças e o comando, pedindo para guardar as alianças como recordação.
Nesse mesmo dia, à noite, o R. telefonou à A., confirmando que saíra de casa e pedindo para lhe enviar o computador para trabalhar.
No dia 5 de Maio de 2002, o R. telefonou novamente à A. desejando-lhe um feliz dia da mãe e perguntando pelo computador.
Desconfiando da importância do computador e no que ele poderia conter, a A., sugestionada pela Enf.ª I…, respondeu que não estava a conseguir retirar do computador os ficheiros com os seus trabalhos, mas que já chamara um técnico para o fazer e logo que o fizesse lho enviaria.
No dia 6 de Maio, surge um novo telefonema do R. para a A., desta vez para o local de trabalho desta, perguntando se iria, de facto, colocar um técnico a mexer no computador.
Perante a resposta afirmativa, o R. tornou-se de tal modo agressivo que a A., assustada, abandonou de imediato o local de trabalho para ir buscar as crianças à escola e levá-las para onde o R. não pudesse lançar-lhes a mão.
No dia seguinte, 7 de Maio de 2002, o técnico de computadores, Pa…, descobriu no computador um filme pornográfico do R., feito pelo próprio.
No qual ele se filmava a ele próprio dedicando-se a práticas sexuais de auto carícia anal e de auto penetração anal.
Nesse mesmo dia 7 de Maio, o R. e a A., conforme combinado, encontraram-se em casa do Dr L…, tendo o R. proposta à A. um período de férias conjugais de 3 meses para a A. resolver os seus problemas sexuais.
A A. recusou o pedido dizendo que já não dava mais oportunidades ao R..
Ao pedido do R. para ver as crianças, a A. respondeu que estas apenas o queriam ver em determinadas condições que foram impostas à A. pelo próprio H…:
- o primeiro encontro deveria ocorrer em casa do Dr L…;
- não queria andar de casa em casa, bastando ver o pai de vez em quando;
- a A. e mais um adulto deveriam estar sempre presentes.
O R. aceitou as condições e marcou-se reunião para o dia 12 de Maio de 2002, na presença do tio J...
À chegada a casa do Dr L…, enquanto o F… se limitou a dar um beijo ao pai, e a afastar-se em seguida, o H… agarrou-se ao R. e começou a chorar.
O R. agarrou o H…e levou-o para um canto da sala onde conversou em voz muito baixa, sem possibilitar a sua audição pelos restantes, tendo-lhe segredado a maior parte do que dizia.
No dia 13 de Maio de 2002, quando a A. foi buscar o filho H… à escola, este disse-lhe que escrevera uma carta para o pai em que lhe dizia que gostava muito dele.
A A. pediu para ver essa carta e reteve-a em seu poder, sendo que na mesma se lê, entre outras coisas: “pai estou triste porque há palavras de coisas tuas, ex: histórias e pila (pila de mola).” “Pai, tu és o melhor pai da galáxia e não te esqueças dos 10 €” (documento de fls. 48).
A referida “pila de mola” é um pequeno pénis de plástico com um mecanismo movido a corda e que, uma vez accionado, provoca um movimento saltitante (objecto junto aos autos).
Após esse episódio o H… pediu para falar com o Dr L….
Logo no dia 14 de Maio de 2002, a A. marcou consulta de pedopsiquiatria no Hospital D. Estefânia, ficando esta marcada para o dia 24 de Maio para falar só com a A..
No dia 17 de Maio o H… e o Dr L… encontraram-se tendo o H…contado a este psicólogo que o R. e ele costumavam brincar com a “pila de mola”.
Em 25 de Maio e em 14 de Junho decorreram novos encontros na presença do Dr L….
A primeira consulta de pedopsiquiatria marcada para o H… ocorreu em 20 de Junho de 2002.
No dia anterior, quando a A. preparava a criança para o encontro com a Pedopsiquiatra, Dra Ma…, dizendo-lhe que era uma médica amiga e que ele poderia conversar com ela que a mãe não viria a saber de nada a não ser que ele quisesse, o H… levantou-se dizendo que se o obrigassem a contar todos os segredos seria uma “tortura” para ele.
No dia 22 de Junho de 2002, dia da festa da escola das crianças, o H… disse, quando caminhava para o carro: “estou triste e contente. Triste porque o pai e a mãe estão separados, e contente porque as coisas em casa estão melhores ... mas ficava mais contente se o pai voltasse e se modificasse.”.
No dia de aniversário do H…, a 14 de Julho de 2002, o R. compareceu e tentou falar a sós com o filho, no carro, tendo o H… recusado sem que a A. estivesse também presente.
No dia 27 de Julho à noite em passeio pelo paredão da Costa da Caparica, o H… e o F… explicaram à avó as mudanças que se estavam a verificar em casa:
Disse o F…: “avó, sabes que vamos mudar de quarto?”
Disse o H…: “agora vamos por a casa à nossa maneira, fui eu que dei a ideia à mãe!”
Disse o F…: “é que eu só sonhava com o meu pai a bater-me e não dormia.”
Disse o H…: “e a mim quando não dormia e tinha pesadelos queria ir ter com a minha mãe à cama e não me deixava. Tinha de ficar na cama sozinho e dizia-me para eu arranjar uma mulher como ele tinha arranjado”.
O H… disse à A.: “quero falar com um juiz para dizer a verdade do meu pai”.
No dia 29 de Agosto de 2002, o H… estava em casa dos avós maternos e disse à avó que queria desabafar.
O H… disse então que “desde que o pai saiu de casa fiquei muito mais feliz, graças a Deus”;
Disse depois que o pai o obrigava a ver filmes (sobre sexo) que ele não gostava de ver e que o pai se zangava se ele não quisesse ver tudo até ao fim.
Mais contou que o pai lhe dizia para ver o filme porque tinha que aprender a fazer aquilo porque estava a crescer muito e podia arranjar alguém para fazer aquelas coisas e que ele iria gostar muito de as fazer.
O H… continuou a explicação dizendo que o pai lhe mostrava esses filmes, explicando-os, quando a mãe não estava em casa ou às vezes quando ela estava, às escondidas na sala.
O H… informou ainda que o pai também obrigava o F… a ver os filmes mas com menor frequência.
A conversa com a avó continuou com a explicação detalhada e pormenorizada do que se passava nos filmes;
Por fim, o H… disse: “pronto L… (a avó) o 2.º grande segredo já está. Graças a Deus. Estás chocada L…? Não esperavas que o pai me fizesse isto; pois não?
No dia 30 de Agosto, o H… disse à avó materna: “o pai devia ser castigado, devia ser preso, não por muito tempo, pelo menos um ano porque um homem não deve fazer aquilo a uma criança muito menos um pai a um filho”.
No dia 7 de Setembro de 2002, a A., o R., e os filhos encontraram-se no Jardim Zoológico, com o Dr L…..
No decorrer dessa visita, o H… disse ao DR L… que queria “mandar o pai para a fossa dos leões para servir de alimento”.
Nesse dia, aquando da despedida, depois de uma troca de palavras, o R., à frente das crianças, obrigou a abertura da porta do carro da A..
Porém, num movimento brusco a A. conseguiu libertar-se por uns instantes e fechou a porta do carro, que foi trancada pelo filho H…dizendo: “pronto mãe, assim o pai já não te pode bater.”
No dia 8 de Setembro de 2002, cerca das 22 horas o H… e o F… levantaram-se da cama e disseram à A. que não conseguiam dormir.
Na conversa que se seguiu o H… contou que antes o R. queria brincar com a pilinha dele, que também queria brincar com a do F… mas que, porque este não queria, o pai lhe batia.
O F… confirmou que o pai lhe “batia tanto até que desistia”.
O H…. contou ainda que o R. lhe “enfiava os dedos no rabo tanto com roupa como sem roupa” e disse “sabes mãe, às vezes acordava de noite sentindo mexerem-me no rabo e com as cuecas para baixo e quando eu me virava só via a porta a fechar ... só podia ser o pai, tu não eras, nem o mano”.
Mais contou então o H… que, por vezes, nesses momentos em que acordava de noite nas condições descritas, sentia-se molhado com “um líquido que se colava a mim e que ficava agarrado”.
Depois, levando a A. até à porta do escritório, acrescentou: “sabes que eu antes vinha aqui à noite e como a cama estava aqui eu baixava-me e via o pai ao pé do computador com a pilinha de mola a pôr e a tirar do rabo com toda a força” e, rematou perguntando à A.: “mãe ficaste impressionada? O pai fazia-te o mesmo?” –
No dia 10 de Setembro de 2002, a A. contou tudo à pedopsiquiatra e esta nem esperou pela habitual consulta das crianças marcada para dia 17 de Setembro, iniciou nesse mesmo dia os testes com o H….
Nos dias 11 e 18 de Setembro de 2002, o R. telefonou pretendendo falar com as crianças mas estas não quiseram falar-lhe.
No dia 21 de Setembro, porque o R. insistiu em marcar um encontro para esse dia, a A. promoveu um encontro em que estiveram presentes, também, a D. A… e o marido, Sr J….
Nesse encontro o H… disse ao pai que, tanto ele como o mano, F…, não o queriam ver mais, nem ouvir e que, quando tivessem saudades lhe telefonariam.
No dia 4 de Outubro de 2002 a A. foi chamada à “Clínica do Parque”, tendo os respectivos serviços clínicos aconselhado a que o R. não estivesse mais com os filhos.
No dia 12 de Outubro de 2002, no decorrer de um jantar, o H…proferiu perante a mãe uma das suas habituais “frases adultas”: “mãe, o que é que te fez acordar para a realidade? Durante quatro anos andaste a tratar da doença do pai e não vias que ele só andava em cima de nós.”
Desde 22 de Outubro o F… começou a frequentar, semanalmente, a área de dia da “Clínica do Parque”.
A A. é acompanhada quinzenalmente, desde o dia 5 de Novembro, pela Dra Maria….
O H… faz psicoterapia, semanalmente, com a Dra Ma…, desde 19 de Novembro.
No dia 29 de Outubro o H… quis falar com o Dr L… para lhe dizer que tinha vergonha de contar à Dra Ma… o que o pai lhe tinha feito e que não queria aprender na escola para não ser como o pai.
O H… revelou então que o pai lhe ensinara, a ele e ao irmão, a masturbar-se, perguntando-lhes se gostavam mais “da pila dura ou mole”;
E que o R. lhe disse (a ele H…), que se contasse alguma coisa “a amiga morte ia visitá-lo”.
O H… entendeu esta frase como uma ameaça, até porque o pai já lhe batera, pelos mais variados motivos e, segundo a expressão utilizada pelo próprio H… “de uma forma diferente das palmadas no rabo” que a mãe lhe dá, uma vez que estas, ao contrários das outras do pai, “servem para educar”.
O H… pediu à mãe, como prenda de Natal, uma porta nova de alta segurança para colocar em casa.
No dia 30 de Outubro o H…pediu à A. para mudar de nome (apelido) porque não queria chamar-se “…” porque não queria “pertencer à família do pai”.
O H…passou então, a partir de 11 de Novembro de 2002 a assinar apenas H….
Após o anúncio que a A. fez aos filhos que se encontrava divorciada, o H… perguntou se o R. deixara de ser seu pai e se já podia tirar um outro bilhete de identidade com o novo nome (sem o apelido “…”).
Desde que o R. saiu de casa em 3 de Maio de 2002, e à excepção dos encontros acima referidos, sempre com a presença de terceiras pessoas, os filhos não têm mantido qualquer contacto com o pai.
O F… disse à avó materna que o pai lhe mexia na pilinha e que vomitava quando o pai lhe aparecia no quarto à noite.
O H… era obrigado pelo pai a receber o pénis deste na sua boca, contra a sua vontade que chorava e dizia não querer.
O réu obrigava os filhos H… e F… a despirem-se para com ele, também nu, tirarem fotos.
O H… relatou à avó materna que o pai lhe punha uma espécie de azeite ou óleo no ânus e com os dedos tentava alargá-lo.
O H… relatou à avó materna que quando o pai lhe mexia no ânus sentia que no seu tecido intestinal as fezes ascendias e lhe provocavam dores.
O H… manifesta vontade de não estar com o pai, afirma não sentir a falta dele e não ter saudades e ter vontade de lhe dar um par de socos devido ao que lhe fez.
O réu costumava brincar com o H… com uma pila de mola de plástico que punha a descer pelas pernas do H….
Quando o H… e o Filipe não queriam ver os filmes pornográficos e de terror que o réu lhes mostrava, este batia-lhes.
O réu punha o seu pénis no rabo do H… e quando este lhe dizia que o estava a magoar, o réu dava-lhe uma “lambada”.
2.2. O recorrente remata as suas alegações com as seguintes conclusões:
A - A douta sentença considerou que o Requerido deve ser inibido do exercício do poder paternal, mas entendemos que esta deverá ser considerada nula
porque ofende um dos elementares princípios de um estado de direito
democrático, o principio da legalidade, consagrado na Constituição da
Republica Portuguesa, à qual estão vinculadas todas as outras leis de carácter inferior.
B - A douta sentença dá como provada a identidade dos supostos ofendidos H… e F…; frisamos supostos ofendidos porque remetemos para o
processo competente à análise dessa situação concreta de ofendidos, contudo
esclarecemos a V. Exas. que no âmbito desse processo crime, em fase de
inquérito, o grau de perigosidade do ora recorrente mereceu como medida
cautelar um Termo de identidade e residência.
C - Os comportamentos do menor H… não podem ser desassociados de
uma criança normal em face à ruptura conjugal dos seus progenitores, porque
é por demais evidente considerando o teor do parágrafo 6 que o
relacionamento destes entrava em ruptura e este facto tem consequências nos
menores, não obstante a existência de um período de estabilidade emocional
referido no parágrafo 13 em que não podemos esquecer que o menor
encontrava-se aos cuidados do pai porque a mãe não tinha os
comportamentos típicos de progenitora.
D - Quanto aos envolvimentos sexuais invertidos do R. não existem mais do que declarações da Requerente, que tendo interesse directo na causa o seu
testemunho de parte é tendencioso e não sério.
E - Não existe prova de um suposto envolvimento com o colega que a
Requerente refere, não foi ouvida a mulher do sujeito passivo «C…» e poderemos estar no campo da difamação de pessoas e a invadir a privacidade e estabilidade de uma outra família. Sem provas e de forma grosseiramente leviana.
F - Se o instituto de medicina legal não concluiu a penetração anal, que é o que este ponto da acusação quer referir, temos só a concluir que as sentenças
são sempre assentes em factos e não em suposições.
G - Mais somos levados a concluir que a idoneidade dos avós é nenhuma, pois se não puderam levar a criança aos hospital, poderiam participar á comissão
de menores, ao ministério público e a tantas instituições.
H - A manipulação dos factos é de tal forma escandalosa que temos por
evidência que remontam ao ano de 1998 e só actualmente e para utilização
clara na inibição do poder paternal é que são manuseados; qual arma de longo
alcance para utilizadores especializados...
I - São estas e outras situações claras de falsos depoimentos de familiares
que conduzem pessoas a situações de clara injustiça e que o Requerido não
se conforma nem pode aceitar, como humano médio colocado nestas
circunstâncias.
J - Ninguém no seu juízo perfeito espera 4 anos para relatar comportamentos de risco de menores sem incorrer na prática de um de dois crimes, ou omissão de auxilio, ou falsas declarações!!!
K - As declarações não sérias de uma criança, nunca podem ser superiores a relatórios de peritos forenses, ou teremos de reformular o nosso sistema jurídico e afastar profissionais dotados e competentes e colocar lá avós manipuladoras e crianças instrumentalizadas, por um processo de fome, conforme de novo peritos referem e já se citou neste recurso!
L - É na máxima confiança pela justiça e imparcialidade dos Tribunais que este processo é recorrido e que se apela a Vossas Exas a aplicabilidade das
normais jurídicas adequadas ao caso sub -judice!
M - Os peritos do instituto de medicina legal são vetados ao papel da nulidade, uma vez que os relatórios dos mesmos não são sequer considerados.
N - A opinião destas crianças sobre o pai, vai ganhando contornos de maldade, e é desencadeada uma aversão ao progenitor e afastamento do mesmo e
quem sabe até se não ridicularização, pois é muito provável que a mãe, os
avós e o Tio Francês não tenham sido modestos e não tenham poupado as
crianças ao conhecimento das tendências supostamente homossexuais do pai.
O - Tudo o que os menores referem é reforçado por conclusões dos adultos de comportamentos que podem ter muitas interpretações e os relatórios clínicos
por si, não corroboram nunca estas teorias e a verdade é clara.
P - In casu a douta sentença que seria competente para definir os
circunstancialismos da relação de parentesco e os seus impedimentos
ultrapassa-se e abrange uma competência do foro criminal sem o respeito aos princípios elementares do Processo Penal; nomeadamente favore pró reo.
Q - Na senda de tudo o que tem sido amplamente explanado, o que é
sustentado com o ónus da prova carreada para este processo e com o douto
mérito do I. M. L, além de toda a dogmática usada como interpretação
jurídica de estudos clínicos provados e de suportes em sede de psicologia,
pedopsicologia e sexologia, temos que concluir que estas crianças foram
manipuladas ao ponto de desenvolverem um raciocínio lógico conducente a
um juízo de valor a actos sexuais de relevo.
R - Venerandos Juizes Desembargadores, as conclusões da douta sentença pecam por se cingirem ao preconceito das disfunções sexuais deste casal, e
por aleatoriamente (refere-se aleatoriamente porque a sentença omite por
completo a referência aos exames periciais, concludentes e perspectiveis ),
de ausência de penetração anal e neste sentido tece um juízo de valor que o
tribunal competente em sede própria não apreciou e que está ainda a
promover o necessário inquérito, que passará indubitavelmente por uma
acareação entre as supostas testemunhas, a vitima com personalidade
jurídica e as vitimas desprovidas de capacidade judiciária.
S - Note-se que a tomada de conhecimento dos actos sexuais de relevo é de Agosto de 2002 e jamais a Requerente promoveu queixa crime contra o
Requerido, sendo que existe de facto processo crime promovido no âmbito
destes autos, pelo necessário incidente de vista ao Ministério Público, tendo
a Requerente vindo a constituir-se assistente no referido processo já no ano
de 2007.
T - Na dignidade, na imagem, na honra e nos demais direitos constitucionais fundamentais, principalmente o da família, de acordo com o art. 36 da nossa CRP os cônjuges têm iguais direitos e deveres quanto á capacidade civil e
política e á manutenção e educação dos filhos. A parte final deste art. é
reforçada pelo n°. 5.
U - O nosso pensamento legislativo está perfeitamente expresso e uma
interpretação simples conjugando com todo o processado leva-nos a concluir
que desde 1994 a Requerente acordou para a realidade da sua infelicidade
com o Requerido, nomeadamente peta falta de identidade sexual, que em
bom rigor, se traduz em o Requerido ser liberal e progressista e ela ser
conservadora; um choque de mentalidades muito grande e à boa maneira
manipuladora, de quem quer sair airosa da culpa, em vez de olhar para si e
para as suas omissões, nomeadamente à sua falha no dever de coabitação e
de deveres sexuais, limitou-se a olhar para o requerido.
V - Nos termos da lei 147/99 de 1 de Setembro (lei de protecção à criança e Jovens em perigo), alínea b) do art°. 4°. - refere a mesma lei que a intervenção
para a promoção dos direitos e protecção da criança e do jovem em perigo
obedece aos seguintes princípios ali taxativamente descritos, das alíneas a) a
j), nomeadamente e para efeitos desta referência a alínea d) refere
privacidade, e taxativamente a mesma lei refere que na promoção dos direitos
e protecção da criança e do jovem deve ser efectuado respeito pela intimidade,
direito á imagem e reserva da vida privada e por alguma razão o legislador
consagrou ainda na alínea h) a obrigatoriedade da informação referindo que a
criança e o jovem, os pais, o representante legal ou a pessoa que tenha a sua
guarda de facto têm direito a ser informados dos seus direitos, dos motivos que determinaram a intervenção e da forma como este se processa.
W - De acordo com a mesma em lei, em conformidade com o principio da subsidiariedade a intervenção deverá ser efectuada sucessivamente pelas
entidades com competência em matéria da infância e juventude, pelas
comissões de protecção de crianças e jovens, e em última instância, pêlos
tribunais.
X - De acordo com o art.°. 12°. As Comissões de protecção de crianças e
jovens denominadas comissões de protecção são instituições oficiais, não
judiciárias, com autonomia funcional, que visam promover os direitos da
criança e do jovem e prevenir e por termo a situações susceptíveis de afectar a
sua segurança, saúde, formação, educação ou desenvolvimento integral.
Y - Se por si só, a mente destas crianças foi trabalhada no sentido que os
autos apontam e provam, quer pelo IML, que prova que o último facto dado
como provado neste sentença é de todo falso e contra a prova espera-nos a
nós a boa compreensão de V. Exas., a disponibilidade do estado em sede
própria para ressarcir os danos que foram feitos na esfera jurídica e pessoal
do ora Requerido, que jamais se poderá conformar com a sua inibição nesta
regulação de poder paternal.
Z - A lei de protecção de menores que veio ao nosso ordenamento jurídico por força de uma recomendação europeia, merece todo o respeito de V. Exas. e
o Requerido não poderá manter-se calado, ou ser conivente com as imputações que são consideradas provadas com base nas declarações dos menores, ou com base no testemunho da avó nos termos daquilo que ela ouviu dizer, e não daquilo que ela viu, e está preparado para ser vexado publicamente, mas trazer de um Tribunal europeu uma melhor Justiça, se
assim se afigurar necessário.
AA - Como V. Exas. . podem concluir o busílis do art. 195 não está garantido
nesta inibição do poder paternal, pois não está aqui provado que o Requerido
infringiu culposamente os seus deveres para com os filhos, pelo que o Tribunal
competente para avaliar a sua culpa é um Tribunal criminal e este ainda não
proferiu uma sentença, e de acordo com o principio In dúbio pró Reo, este é
inocente.
AB - Nestes termos consideramos que a sentença é tendenciosa e parcial,
porque se cingiu a uma realidade, realidade esta de relação entre cônjuges,
não entre crianças.
AC - A douta sentença quer sugerir uma conduta homossexual do ora
Requerido, e em abono da verdade, de homossexual tem zero e se duvidas
houvesse, a existir paternidade, houve uma cópula sexual repetida em vários
momentos que originou a procriação, e por isso, houve um comportamento
heterossexual dominante.
AD - Quis o legislador taxativamente enunciar as condições de perigosidade endofamiliar, nomeadamente os condenados definitivamente a que a lei atribui esse efeito, o que não é o caso em concreto, os interditos e os inabilitados por anomalia psíquica, o que não é o caso, os ausentes desde a nomeação de curador provisório, o que também não é o caso, portanto, como pessoas normais colocadas naquelas circunstâncias, e ainda como juristas verificamos que esta sentença peca de novo por tendenciosa e parcial e não cumpre os requisitos legais previstos no art°. 1913, n°. 1 a), b) e c) do C. Civil.
AE - Já referimos neste recurso que consideramos esta sentença nula porque se sustenta em factos de natureza penal que em sede própria não foram ainda
apreciados. Se o nosso legislador civil consagrasse a possibilidade da mera
suspeição ser fundamento para inibição do poder paternal resultaria da lei, na
citada aliena a) não o que ali se encontra expressamente consagrado,
nomeadamente " os condenados definitivamente por crime ", mas diria o
legislador: os suspeitos em processo crime.
AF - Se o legislador assim consagrou , e previu, não pode o intérprete, no
recurso à interpretação extensiva, cingir-se a elementos que o legislador não
previu e estava em condições de prever, como é evidente a ratio desde artigo
é o fundamento deste recurso, quis o legislador prevenir todas as situações de
falsas declarações e de supostas denuncias caluniosas, bem como estando o
mesmo em seara alheia (legislador civil a legislar sobre matéria penal), quis
salvaguardar o respeito á lei máxima, ou seja, à nossa Constituição,
nomeadamente ao capitulo dos direitos e deveres fundamentais a que se
reportam os art°s. 32, 36 e 37 da mesma.
AG - De acordo com o art.°. 137 do CPC , com o devido respeito, esta sentença é nula porque ilícita, pois em conjugação com os art°s. 1913 do CC,
100, 101 e 102 da Lei 147/99 de 1.09, e 137 e 138 do CPC, esta sentença
realiza actos inúteis que ali são expressamente declarados como ilícitos,
conforme resulta do n0. 1 do art°. 138 não corresponde ao fim que se visa
atingir.
AH - Permitir que esta sentença produza os seus efeitos com base na prova carreada, é abrir um precedente para, com recurso á analogia, em processo
de menores ser considerado válido o depoimento de menores contra a prova
de peritos e o depoimento indirecto de familiares que no seu depoimento
declaram factos precisos e confessam a prática de um crime de omissão de
dever de auxilio, e a sentença declara tudo provado e acha “ tudo
perfeitamente normal”.
AI - Deverá esta sentença ser declarada improcedente, porque não existem os pressupostos do art°. 1913 n°. 1 al. A ) CC, exceptuados que estão os
pressupostos das alíneas b ) e c). E não se poderá recorrer aqui á
interpretação extensiva em virtude do legislador ter consagrado expressamente
a necessidade de condenação e trânsito em julgado do processo crime.
AJ - Afigura-se igualmente improcedente esta sentença porque ilegal pois, são tiradas conclusões de natureza penal num processo civil sem que tivessem
sido cumpridos os requisitos do processo crime que lhe dariam causa.
AK - Requer-se também que seja declarada a violação do direito á imagem do Requerido, á reserva da sua vida privada , bem como a todos os direitos que a nossa CRP consagra.
AL - Requer-se que seja considerada a Requerente litigante de má fé, nos
termos do que já se disse neste recurso e como já se tinha dito na
contestação, sendo que a sentença é omissa em relação a esta questão.
AM - Mais se deve declarar procedente o pedido de indemnização, ressalvadas as hipóteses do mesmo recorrer desta sentença em processo contra o estado
português por não cumprir os pressupostos legais.
AN - Deverá a requerente ser ainda condenada nas custas do processo por ter dado causa a um processo sem prova e trazendo à discussão civil factos de
natureza criminal quando tinha ao seu alcance a real possibilidade de recorrer
às instituições criminais.
2.3. A recorrida contra-alegou, concluindo nos seguintes termos:
1. A sentença ora recorrida fundamentou e decidiu bem, apresentando-se isenta de criticas.
2. Foi abundantemente provada a matéria que justifica a inibição do exercício do poder paternal por parte do pai.
3. Não se reconhece a existência de qualquer das nulidades e ilegalidades
apontadas.
4. A sentença não descurou quaisquer das provas apresentadas.
5. A sentença não decidiu contra a matéria factual provada.
6. A Apelada não agiu em má-fé.
7. A Apelada não deve qualquer indemnização ao Apelante.
2.4. O M.ºP.º respondeu às alegações de recurso, concluindo:
l. Provados que foram os factos alegados na petição inicial, simplesmente
há que aplicar o disposto no art. 1915° n°1, do C.Civil e decretar o Réu
inibido do exercício do poder paternal, como se fez na sentença ora em
recurso.
2. Na sentença não são enumerados os requisitos do art. 1913°, do C.Civil porque este preceito reporta-se às situações em que a inibição opera ope
legis e a situação dos autos não se integra neste preceito mas sim no
mencionado art. 1915° do C.Civil.
3. A fixação da pensão de alimentos decorre directamente do disposto nos arts. 1917°, do C.Civil e 198° da OTM, pelo que não tinha que ser
requerida por qualquer das partes.
4. Porque não houve qualquer registo da prova e não houve qualquer
apresentação superveniente de documentos, a modificação da decisão de
facto por parte do tribunal de recurso só seria possível nos termos do art.
712° al.a), 1a parte e al.b), do C.P.Civil.
5. Tal como resulta da fundamentação da decisão da matéria de facto, a
convicção do tribunal formou-se com base nos depoimentos prestados
pelas testemunhas e nos diversos documentos juntos aos autos.
6. Não havendo registo da prova, do processo não constam todos os
elementos de prova que serviram de base à decisão, pelo que não é
possível ao Tribunal ad quem alterar a matéria de facto apurada na lª
instância.
7. Os únicos documentos com força probatória plena juntos aos autos são
os Assentos de Nascimento dos menores e os factos deles constantes foram dados como provados, pelo que também não se verifica a possibilidade de alteração da matéria de facto por força do disposto na al.b) do mencionado art. 712° do C.P.Civil.
8. De igual modo, na ausência de registo da prova, não pode ser colocada
em causa a relevância que o julgador deu a cada um dos depoimentos
prestados em audiência pois a sua convicção foi formada tendo por base
o princípio da livre apreciação das provas, vertido no art. 655°, do
C.P.Civil.
9. O Réu apresentou contestação, todas as provas que apresentou foram
admitidas pelo tribunal e o seu ilustre mandatário esteve presente em
todas as sessões de julgamento, pelo que não pode agora vir alegar que
foram preteridas diligências de prova que, do seu ponto de vista, eram
essenciais. Se assim era deveria tê-las requerido, o que não fez.
10. Tendo em consideração a natureza dos actos praticados pelo Réu nos
seus filhos e dados como provados, bem como o tempo decorrido desde
então, nenhum exame a realizar no momento presente poderia
determinar a existência de abusos sexuais nos menores.
11. Não houve qualquer violação do princípio do contraditório pois o Réu teve sempre ao seu alcance a possibilidade de se defender, de apresentar
as suas provas e de contraditar as apresentadas pela requerente e pelo
Ministério Público. Se não o fez de molde a satisfazer os seus interesses,
tal não é responsabilidade do tribunal e não pode agora vir escudar-se
numa imaginada violação do princípio do contraditório.
12. O tribunal é competente para conhecer da matéria em causa, por força
do disposto nos arts. 146° al.i) e 149°, ambos da OTM.
13. Os menores têm capacidade para depor como testemunhas, nos termos do art. 616° do C.P.Civil e têm aptidão mental para depor. Aferir da
admissibilidade e credibilidade do seu depoimento cabe ao juiz e, no
caso presente, a Mmª Juiz fundamentou devidamente a apreciação que
fez da prova produzida pelos menores, aliás, em sintonia com o vertido
nos relatórios periciais sobre esta matéria.
14. A sentença recorrida não se mostra afectada de qualquer vício e as
nulidades invocadas pelo recorrente não passam da mera referência ao
dispositivo legal que as prevê, sem que se aponte razão de tal
entendimento.
2.5. Como é sabido, o âmbito dos recursos determina-se face às conclusões da alegação do recorrente, só abrangendo as questões aí contidas, como resulta do disposto nos arts.690º, nº1 e 684º, nº3, do C.P.C. (serão deste Código as demais disposições citadas sem menção de origem). Assim, tendo em conta as conclusões formuladas pelo recorrente, sintetizadas a fls.983 e segs., são, fundamentalmente, três as questões que importa apreciar no presente recurso:
1ª – saber se a sentença recorrida é nula, nos termos pretendidos pelo recorrente;
2ª – saber se a decisão do tribunal de 1ª instância sobre a matéria de facto pode, no caso, ser alterada pela Relação;
3ª – saber se, face à matéria de facto considerada assente, se verificam os pressupostos da inibição do exercício do poder paternal, relativamente ao pai dos menores, ora recorrente.
2.5.1. As nulidades das decisões, revistam ou não a natureza de sentenças, como resulta das disposições conjugadas dos arts.668º, nº1, 666º, nº3, 716º, 726º, 749º e 752º, são as taxativamente indicadas naquele primeiro preceito. Na verdade, não inserindo esse artigo qualquer expressão que imprima à enumeração carácter exemplificativo, tem de entender-se que a sentença só é nula quando se verifique algum dos casos aí previstos (cfr. Alberto dos Reis, Código de Processo Civil, Anotado, vol.V, pág.138).
Ora, segundo o recorrente, a sentença recorrida é nula, por ofender o princípio da legalidade consagrado na CRP, por se sustentar em factos de natureza penal que ainda não foram apreciados em sede própria e por realizar actos inúteis que a lei expressamente declara como ilícitos. Todavia, como é bom de ver, nenhuma destas situações se enquadra em qualquer das alíneas do nº1, do art.668º. Aliás, o recorrente nem sequer invoca o citado artigo, limitando-se a alegar que a sentença é nula, nos termos atrás referidos.
Haverá, deste modo, que concluir que a sentença recorrida não é nula, por não se verificar qualquer das causas de nulidade da sentença previstas no art.668º, nº1.
Por outro lado, não se vê que tenha sido ofendido o princípio da legalidade. Acresce que o tribunal recorrido é o competente para conhecer dos factos da causa, independentemente de terem ou não natureza criminal, atento o disposto nos arts.146º, al.i), 149º, 194º e 198º, da O.T.M., e no art.1915º, do C.Civil. Por último, a afirmação de que a sentença realiza actos inúteis é incompreensível, porquanto, o que o art.137º proíbe é a realização de actos inúteis no processo.
2.5.2. A decisão do tribunal de 1ª instância sobre a matéria de facto pode ser alterada pela Relação, nos termos do art.712º, nº1. No entanto, o recorrente não invoca, nas conclusões da sua alegação, a citada disposição legal, nomeadamente, qualquer das suas alíneas a), b) ou c), onde se encontram previstos, precisamente, os casos em que a decisão de facto pode ser modificada. Na verdade, o recorrente limita-se a invocar os falsos depoimentos de familiares e a falta de consideração pelos relatórios dos peritos forenses, para concluir que os factos essenciais dados como provados não são verdadeiros.
Porém, a situação em análise não se enquadra em qualquer daquelas alíneas do nº1, do art.712º. Note-se que tal enquadramento apenas poderia ser feito, à partida, no âmbito da al.b), já que, do processo não constam todos os elementos de prova que serviram de base à decisão de facto, não tendo ocorrido gravação dos depoimentos prestados (cfr. a al.a)) e o recorrente não apresentou documento novo superveniente (cfr. a al.c)). Contudo, os elementos fornecidos pelo processo não impõem decisão diversa, insusceptível de ser destruída por quaisquer outras provas, como prevê a al.b), o que aconteceria se o tribunal de 1ª instância tivesse desprezado a força probatória de documento que fizesse prova plena de determinado facto e na sentença se tivesse admitido facto oposto, caso em que incumbiria à Relação fazer prevalecer a força probatória do documento. Situação esta que, manifestamente, não ocorre no caso dos autos.
E não se diga que os relatórios dos peritos forenses não foram considerados. Basta atentar que, na fundamentação do julgamento da matéria de facto, se refere expressamente que: «De relembrar que os relatórios médicos, embora não sejam conclusivos, não afastam a possibilidade de terem ocorrido actos de natureza sexual por parte do pai. Veja-se por exemplo, a este propósito, o que consta a fls.260 quanto ao F… e a fls.185 quanto ao H…. De salientar também que, dada a natureza dos actos que eram praticados, os mesmos nunca poderiam deixar marcas físicas susceptíveis de perdurar no tempo por forma a serem percepcionadas na data em que foram elaborados os relatórios».
Assim, no exame sexual directo de clínica médico-legal, efectuado pelo I.M.L., na pessoa do menor H…, concluiu-se no respectivo relatório, datado de 9/7/03, designadamente, que (cfr. fls.188):
« - As fissuras localizadas às 12 h e 5 h, sangrantes ao toque podem ter sido provocadas pelo traumatismo da areia numa pele sensibilizada por lesões de coceira.
O prurido anal em crianças com esta faixa etária pode dever-se frequentemente a parasitas intestinais, não podendo, contudo afastar outras causas de dermatite a investigar pelo clínico assistente.
- Ainda que o exame anorectal apresente ligeira hipotonia do esfíncter, não estamos na posse de dados inequívocos, para que em termos médico-legais, se possa afirmar ter ocorrido coito anal com a frequência relatada na informação.
Não podemos contudo infirmar que este tenha episodicamente ocorrido, conforme é relatado por esta criança de 9 anos.
- Ainda assim, outras práticas sexuais (tais como beijos, carícias, o simples toque nos genitais ou no ânus) que não deixam necessariamente vestígios traumáticos, não podem ser excluídos».
Por outro lado, no relatório pedopsiquiátrico relativo ao menor F…, datado de 15/3/04, refere-se, a final, a fls.266, que: «É difícil avaliar o grau de gravidade e a natureza do abuso de que o menor tem sido vítima e a influência dos relatos do irmão. A verdade é que o estilo de vida do pai e a sua personalidade não aconselham a co-habitação. No entanto os contactos com o pai poderão ser reatados progressivamente, e não parecem pôr em risco o estado psicológico da criança, desde que:
- sob a forma de visitas e/ou actividades conjuntas, na presença de terceiros;
- o menor se sinta preparado para isso e o deseje.
Deve manter o acompanhamento psicológico».
Não se invoque, pois, o I.M.L. para se argumentar que está provado não ter havido penetração anal em relação ao menor H…. O que aquele Instituto diz é que não está na posse de dados inequívocos para poder afirmar que ocorreu coito anal com a frequência relatada na informação, mas não podendo infirmar que este tenha episodicamente ocorrido, conforme é relatado pelo próprio menor. Isto é, o exame sexual não exclui a ocorrência do facto, até porque, conforme esclarecimento prestado pelo I.M.L. a fls.420, a mucosa anorectal, pela sua franca vascularização, tem a particularidade de apresentar uma cicatrização rápida, de tal modo que as escoriações que provocam uma solução de continuidade menos profunda, em média um mês depois do instrumento causador da mesma actuar não se identifica qualquer cicatriz.
E também não se alegue que apenas existem declarações tendenciosas da requerente, falsos depoimentos de familiares (mãe e tio da requerente) e declarações não sérias das crianças. Dir-se-á, desde logo, que apenas o interdito por anomalia psíquica nunca é admitido a depor, tratando-se da única causa de incapacidade ipso iure para depor como testemunha (cfr. o nº1, do art.616º). Nos restantes casos de incapacidade, designadamente, em relação ao menor, seja qual for a idade, cabe ao juiz apreciar se a pessoa tem aptidão natural para depor, considerados os factos a provar (cfr. o nº2, do art.616º). Apreciação esta que tem lugar oficiosamente ou por impugnação da parte contrária (cfr. os arts.635º a 637º), que também pode deduzir contradita (cfr. o art.640º). Sendo certo que o depoimento testemunhal está sujeito à livre apreciação do julgador, que decidirá segundo a sua prudente convicção acerca de cada facto e no confronto com todas as outras provas produzidas (cfr. os arts.655º, nº1 e 642º). Ora, não consta que o requerido tenha impugnado a admissão de qualquer testemunha ou tenha deduzido contradita. Aliás, foi o próprio requerido que requereu que o seu filho H… fosse ouvido sobre as aduzidas revelações e também para esclarecer da relação que tem com o pai (cfr. fls.133). Só que, confrontado com as declarações prestadas pelo mesmo, que lhe foram claramente desfavoráveis, pretende agora catalogá-las de não sérias, para assim as desvalorizar, em seu benefício. Por outro lado, a convicção do tribunal baseou-se, ainda, no depoimento de outras pessoas, como sejam, M…, terapeuta familiar, L…, psicólogo clínico, Maria…, enfermeira, Jo…, professora do menor H…, e P…, técnico de computadores (cfr. fls.645 e 646).
Refira-se, por último, apenas para aquilatar da postura processual do recorrente, que, tendo ele reconhecido, na contestação (art.48º), ser verdade o alegado pela requerente no art.26º da P.I., ou seja, que ele, recorrente, lhe tinha confessado que tinha relações sexuais com o próprio C…, vem agora, na conclusão «E» das suas alegações de recurso, dizer que não existe prova de um suposto envolvimento com o colega que a requerente refere, acusando-a de leviandade grosseira. Afinal quem usa de leviandade? E depois afirma-se que a sentença recorrida é que quer sugerir uma conduta homosexual do recorrente! (cfr. a conclusão «AC»).
Haverá, assim, que concluir que a decisão do tribunal de 1ª instância sobre a matéria de facto não pode, no caso, ser alterada pela Relação, já que não se verifica qualquer das circunstâncias previstas no art.712º, nº1, que justifique a modificação de tal decisão.
2.5.3. Face à matéria de facto considerada assente pelo tribunal de 1ª instância, que ora se mantém, não poderá deixar de se entender que se verificam os pressupostos da inibição do exercício do poder paternal, em relação ao pai dos menores, previstos no art.1915º, nº1, do C.Civil. Na verdade, daquela matéria de facto resulta, inequivocamente, que o pai dos menores H… e F… infringiu culposamente os deveres para com os filhos, com grave prejuízo destes.
Entende o recorrente que a sentença deve ser declarada improcedente, por não existirem os pressupostos do art.1913º, nº1, do C.Civil. É certo que, no caso, não se verificam os requisitos aí previstos, designadamente, o da al.a), do nº1, que considera de pleno direito inibidos do exercício do poder paternal os condenados definitivamente por crime a que a lei atribua esse efeito (as als.b) e c), do mesmo nº1, prevêem situações de interdição e inabilitação por anomalia psíquica, e de ausência, respectivamente). Só que, a lei distingue entre a inibição de pleno direito, nascida ex vi legis de situações que denunciam indirectamente a impossibilidade efectiva do exercício dos poderes e deveres próprios dos pais (condenação criminal, incapacidade civil ou ausência), situação esse contemplada no citado art.1913º, e a inibição judicial, decretada pelo tribunal especializado com base nos factos concretos reveladores de efectiva inabilidade moral, física ou social para o desempenho do múnus paternal, prevista no art.1915º. Trata-se aqui, pois, da inibição judicial directa do exercício do poder paternal, isto é, daqueles casos em que os pais, ou um deles, são privados desse exercício, não por incorrerem numa das situações genérica ou abstractamente previstas na lei como determinantes de tal providência, mas porque o tribunal competente, ponderando as circunstâncias concretas do caso, decretou por sentença a medida (cfr. Pires de Lima e Antunes Varela, Código Civil, Anotado, vol.V, págs.416 e 420). O que vale por dizer que, no caso, a afirmação de que não existem os pressupostos do art.1913º é perfeitamente inócua, já que, a inibição do exercício do poder paternal foi decretada ao abrigo do disposto no art.1915º.
Nos termos deste último artigo, são pressupostos da inibição a violação culposa dos deveres para com os filhos e a gravidade do prejuízo para estes resultante dessa violação. Ora, como se diz na sentença recorrida: «Os actos praticados pelo requerido na pessoa dos filhos H…e F… consubstanciam (…) uma clara e evidente violação dos seus deveres para com os filhos, que se reveste de uma enorme gravidade e que implica um grave prejuízo dos interesses dos filhos. Esta violação tem natureza culposa pois trata-se de actos praticados voluntariamente pelo requerido o qual podia e devia ter agido de forma diversa».
Note-se que o art.1878º, do C.Civil, sublinha expressamente uma das notas intrínsecas mais características do instituto do poder paternal, que é a de este funcionar no interesse dos filhos, e não no interesse do titular do poder. Assim, compete aos pais, no interesse dos filhos, além do mais, velar pela segurança e saúde deste, e dirigir a sua educação. Trata-se de um poder-dever, ou de um poder funcional, que deve ser exercido altruisticamente, de harmonia com o objectivo primacial de protecção e promoção dos interesses do filho, com vista ao seu harmonioso desenvolvimento físico, intelectual e moral (cfr. Almiro Rodrigues, in «Interesse do menor, contributo para uma definição», Revista Infância e Juventude, nº1, 1985, 18-19, e Tomé d`Almeida Ramião, in Organização Tutelar de Menores, Anotada e Comentada, 5ª ed., pág.89).
Dúvidas não restam que, no caso, atenta a matéria de facto apurada, a violação dos deveres para com os filhos é imputável ao requerido, ora recorrente, sendo passível de forte censura ético-jurídica, tendo resultado dessa violação graves prejuízos para aqueles. Não se trata de censurar a orientação sexual do pai dos menores ou o seu estilo de vida menos convencional, mas sim de criticar vivamente o facto de o mesmo ter praticado com os próprios filhos menores actos de natureza sexual, como os relatados nos autos, colocando desse modo em grave perigo a saúde, a segurança e educação deles, que estão, desde 24/5/02, com acompanhamento terapêutico pelo departamento de pedopsiquiatria do Hospital de Dona Estefânia (cfr. fls.190), sendo que, o H… apresenta um quadro psicológico compatível com o diagnóstico de estado limite ou pré-psicose (cfr. fls.324). Conforme refere o I.M.L., Serviço de Psiquiatria Forense, «Em relação às competências parentais, parece-nos que o examinando (pai) revela fracos recursos para atender às necessidades dos menores, não só pela sua estrutura de personalidade, mas também porque não soube proteger os filhos dos conflitos matrimoniais e do seu comportamento sexual» (cfr. fls.379). Acrescentando que, «Parece-nos ainda extremamente pertinente e necessário a continuação do acompanhamento psicoterapêutico aos menores, de forma a que possam trabalhar alguns aspectos mais problemáticos do seu desenvolvimento psico-afectivo …» (cfr. fls.379 e 380). Por último, no que respeita à circunstância de a mãe dos menores só após o divórcio ter dado notícia do comportamento do seu ex-marido em relação aos filhos, informa o I.M.L. que «No entanto, e apesar do conhecimento dos comportamentos parafílicos atrás referidos (do requerido), nada nos permite afirmar inequivocamente que a examinanda (requerente) pudesse ser levada a suspeitar de eventuais práticas sexuais do progenitor com os filhos, até porque os comportamentos descritos por ela dizem respeito a actos exclusivamente praticados com adultos, quer seja num contexto homosexual, quer seja no contexto heterosexual» (cfr. fls.411).
Consideramos, pois, que a decretada inibição do exercício do poder paternal é a medida mais adequada à situação, tendo em vista o interesse e a protecção dos menores. Poder-se-á dizer que se trata de uma solução violenta. Mas mais violenta foi a opressão ignóbil a que os menores foram sujeitos, reiteradamente, pelo próprio pai, causadora de danos que só se espera não sejam irreversíveis.
Haverá, deste modo, que concluir que, face à matéria de facto considerada assente, se verificam os pressupostos da inibição do exercício do poder paternal, relativamente ao pai dos menores, ora recorrente, previstos no art.1915º, do C.Civil.
Quanto à pretendida declaração de violação do direito à imagem do requerido e à reserva da sua vida privada, bem como, de procedência do pedido de indemnização, é evidente que não é neste processo que tais questões têm que ser discutidas, sendo que, apenas foram colocadas em sede de recurso. No que respeita à litigância de má fé da requerente, alegada pelo requerido, nada aponta nesse sentido, antes se podendo dizer que é o requerido que litiga em termos que mais se aproximam da má fé a que alude o art.456º, atento o que atrás se expendeu.
Não merece, pois, qualquer censura a sentença recorrida, improcedendo, assim, as conclusões da alegação do recorrente.
3 – Decisão.
Pelo exposto, nega-se provimento ao recurso, confirmando-se a sentença apelada.
Custas pelo apelante.


Roque Nogueira

Abrantes Geraldes

Tomé Gomes