Acórdão do Tribunal da Relação de Lisboa
Processo:
3057/2007-1
Relator: RUI VOUGA
Descritores: COMINAÇÃO
PRINCÍPIO DA PRECLUSÃO
CONTESTAÇÃO
RECURSO
Nº do Documento: RL
Data do Acordão: 09/18/2007
Votação: UNANIMIDADE
Texto Integral: S
Meio Processual: APELAÇÃO
Decisão: CONFIRMADA A DECISÃO
Sumário: 1. Nos termos do art. 489º, nº 1, do Cód. Proc. Civil, “toda a defesa deve ser deduzida na contestação, exceptuados os incidentes que a lei mande deduzir em separado”, sob pena de preclusão.
2. Consequentemente, preclude-se, com a apresentação da contestação, o direito de invocar factos que nesse articulado deviam ser aduzidos, não podendo tomar-se em consideração os que, omitidos, venham depois a alegar-se em sede de recurso.
3. Donde que, «nas acções em que foi aplicada a cominação semi-plena prevista no nº 1 do art. 484º do CPC, atento o princípio da preclusão, estabelecido no art. 489º do CPC, não pode o réu condenado transferir para a fase recursiva as questões que deveriam ter sido suscitadas na contestação – incluindo as de conhecimento oficioso, mas que dependam de factos que não foram considerados provados.
F.G.
Decisão Texto Integral: Acordam na Secção Cível da Relação de Lisboa:

“P, LDA.” propôs acção declarativa de condenação, com processo comum ordinário, contra “G, SOCIEDADE UNIPESSOAL, LDA.”, pedindo a condenação desta no pagamento da quantia de € 19.668,64, acrescida de juros de mora, vencidos e vincendos, à taxa legal, até integral pagamento.
Para tanto, alegou ter alugado e vendido à Ré, a pedido desta, diversa cofragem e elementos auxiliares de construção, no valor total de € 21.995,57, não tendo a Ré pago as concernentes facturas que a Autora lhe remeteu, nas datas dos respectivos vencimentos, nem posteriormente, tendo apenas procedido ao pagamento da quantia de € 2.326,93.
A Ré, apesar de pessoal e regularmente citada, não contestou.

Foi proferido despacho a declarar confessados os factos articulados pela Autora na petição inicial e a ordenar o cumprimento do disposto no art° 484°, n° 2, do CPC.
Facultado o processo para alegações ao mandatário da Autora e ao MINISTÉRIO PÚBLICO (nos termos do art. 484º, nº 2, do Cód. Proc. Civil), não foi apresentada qualquer alegação jurídica.
Subsequentemente, foi proferida (em 13/11/2006) sentença que julgou procedente a acção e condenou a Ré a pagar à Autora a quantia de € 19.668,64, acrescida de juros de mora, vencidos e vincendos, à taxa legal (actualmente de 9.83%), até integral pagamento.

Inconformada com o assim decidido, a Ré apelou da referida sentença, tendo rematado as concernentes alegações com as seguintes conclusões:
1. A G, Sociedade Unipessoal, Lda. foi indevidamente condenada.
2. Existe um acordo entre as duas empresas que deveria ter sido cumprido.
3. Nomeadamente tendo sido requerida a suspensão da instância, por parte da Pericofragens.
4. Logo a Pericofragens também não cumpriu com o seu acordo.
5. Em consequência, não há incumprimento por parte da Ré.
6. Existindo sim, por parte da Autora.
7. Logo, deve a Autora cumprir o acordo para a Ré puder cumprir também
8. Pois nos termos em que o acordo foi celebrado a Ré só pode cumprir se a Autora cumprir também.

A Autora/Apelada não apresentou contra-alegações.

Colhidos os vistos legais, cumpre apreciar e decidir.
O OBJECTO DO RECURSO

Como se sabe, é pelas conclusões com que o recorrente remata a sua alegação (aí indicando, de forma sintéctica, os fundamentos por que pede a alteração ou anulação da decisão recorrida: art. 690º, nº 1, do C.P.C.) que se determina o âmbito de intervenção do tribunal ad quem (1)(2)

Efectivamente, muito embora, na falta de especificação logo no requerimento de interposição, o recurso abranja tudo o que na parte dispositiva da sentença for desfavorável ao recorrente (art. 684º, nº 2, do C.P.C.), esse objecto, assim delimitado, pode vir a ser restringido (expressa ou tacitamente) nas conclusões da alegação (nº 3 do mesmo art. 684º) (3)(4). Por isso, todas as questões de mérito que tenham sido objecto de julgamento na sentença recorrida e que não sejam abordadas nas conclusões da alegação do recorrente, mostrando-se objectiva e materialmente excluídas dessas conclusões, têm de se considerar decididas e arrumadas, não podendo delas conhecer o tribunal de recurso.
No caso sub judice, emerge das conclusões da alegação de recurso apresentada pela Ré ora Apelante que o objecto da presente Apelação está circunscrito a uma única questão: Se, uma vez que, já depois de proposta a presente acção mas antes de expirado o prazo de que a Ré dispunha para a contestar, os representantes de ambas as partes concluíram entre si um acordo de pagamento da quantia pecuniária exigida pela Autora na presente acção - nos termos do qual a empresa A, LDA. (cujo legal representante é o mesmo da sociedade ora Ré) procederia à montagem de andaimes para a aqui Autora, sendo descontada uma percentagem de 25 % do valor dessa montagem até perfazer o valor total da dívida ora reclamada -, tendo ficado acordado que a Autora iria pedir a suspensão dos termos do presente processo, a Autora ora Apelada está obrigada a cumprir o aludido acordo.

MATÉRIA DE FACTO
Factos Considerados Provados na 1ª Instância:

Devidamente ordenados, segundo uma sequência lógica e cronológica, os factos que a sentença recorrida elenca como provados são os seguintes:
1) A A. tem por objecto social a produção, comercialização e distribuição de cofragens e elementos auxiliares de construção.
2) A R. tem como principal actividade económica obras especializadas de construção.
3) No exercício do seu comércio, a A. alugou e vendeu à R., e esta tomou de aluguer e comprou, diversa cofragem e elementos auxiliares de construção.
4) Estes negócios, porquanto não foram precedidos da previsão de condições especificas, seguiram a normal tramitação comercial da A., nomeadamente através do respectivo pedido comercial, conhecimento do cliente das condições gerais de locação e venda, seguido de remessa do equipamento e facturação dos alugueres e vendas em conta corrente.
5) As Condições Gerais de Locação e Venda anteriormente aludidas foram sempre facultadas ao cliente e presentes no verso de cada uma das Facturas.
6) A totalidade do equipamento auxiliar de construção e cofragens foi entregue pela A. à R., tendo para o efeito sido enviado do armazém da A. e recepcionado pela R. em obras de construção que à altura esta tomara de empreitada.
7) A Locação e a Venda originaram a emissão de respectivas Facturas de Aluguer e Venda, com vencimento a pronto pagamento e a 60 dias;
8) Até à presente data, e não obstante os esforços da A., a R. limitou-se a proceder a pagamentos parciais no valor global de € 2.326,93.
9) Isto apesar do envio pela A., em 13 de Julho de 2006, de carta registada com aviso de recepção interpelando a R. para que procedesse ao pagamento do seu saldo devedor em conta corrente.
10) As facturas supra enunciadas totalizam o valor global de € 19.668,64 (dezanove mil seiscentos e sessenta e oito euros e sessenta e quatro cêntimos).

O MÉRITO DA APELAÇÃO

1) ESTÁ OU NÃO A AUTORA ORA APELADA OBRIGADA A CUMPRIR O ACORDO DE PAGAMENTO DA QUANTIA PECUNIÁRIA EXIGIDA NA PRESENTE ACÇÃO, CONCLUÍDO ENTRE OS REPRESENTANTES DE AMBAS AS PARTES JÁ DEPOIS DE PROPOSTA A PRESENTE ACÇÃO MAS ANTES DE EXPIRADO O PRAZO DE QUE A RÉ DISPUNHA PARA A CONTESTAR (NOS TERMOS DO QUAL UMA TERCEIRA EMPRESA - CUJO LEGAL REPRESENTANTE É O MESMO DA SOCIEDADE ORA RÉ - PROCEDERIA À MONTAGEM DE ANDAIMES PARA A AQUI AUTORA, SENDO DESCONTADA UMA PERCENTAGEM DE 25 % DO VALOR DESSA MONTAGEM ATÉ PERFAZER O VALOR TOTAL DA DÍVIDA ORA RECLAMADA -, TENDO-SE A AUTORA COMPROMETIDO A PEDIR A SUSPENSÃO DOS TERMOS DO PRESENTE PROCESSO ?

Em face da não contestação da presente acção, foram considerados confessados todos os factos articulados pela Autora na petição inicial (nos termos do art. 484º-1 do Cód. Proc. Civil), posto o que veio a ser proferida sentença que, enquadrando juridicamente a factualidade admitida por confissão ficta da Ré, concluiu terem sido celebrados entre as partes contratos de aluguer e de compra e venda (cfr. os arts. 1022º e 874º do Código Civil), sendo que, no que concerne ao aluguer, a Ré incumpriu a sua obrigação de pagar o aluguer estipulado (arts. 1038º, al. a), e 1039º do Código Civil) e, no que respeita à compra e venda, a Ré incumpriu a obrigação de pagar o preço ajustado (cfr. o art. 879º, al. c), do mesmo Código).
Pelo que, devendo os contratos ser pontualmente cumpridos (art. 406º do Cód. Civil), tornando-se o devedor que falta culposamente ao cumprimento da obrigação responsável pelo prejuízo causado ao credor (art. 798º do mesmo diploma) e tratando-se de obrigações pecuniárias com prazo certo, a sentença recorrida não pôde deixar de condenar a Ré no pagamento do valor total das facturas emitidas pela A. (€ 19.668,64), acrescido de juros moratórios vencidos e vincendos, à taxa legal, até integral pagamento.
A circunstância de – segundo agora invoca a Ré/Apelante nas suas alegações – ter sido concluído entre os representantes de ambas as partes (já depois de proposta a presente acção mas antes de expirado o prazo de que a Ré dispunha para a contestar) um acordo de pagamento da quantia pecuniária exigida na presente acção (nos termos do qual uma terceira empresa - cujo legal representante é o mesmo da sociedade ora Ré - procederia à montagem de andaimes para a aqui Autora, sendo descontada uma percentagem de 25 % do valor dessa montagem até perfazer o valor total da dívida ora reclamada), tendo-se a Autora comprometido a pedir a suspensão dos termos do presente processo, é totalmente irrelevante.
Efectivamente, nos termos do art. 489º, nº 1, do Cód. Proc. Civil, “toda a defesa deve ser deduzida na contestação, exceptuados os incidentes que a lei mande deduzir em separado”, sob pena de preclusão. Consequentemente, preclude-se, com a apresentação da contestação, o direito de invocar factos que nesse articulado deviam ser aduzidos, não podendo tomar-se em consideração os que, omitidos, venham depois a alegar-se em sede de recurso: cfr., neste sentido, inter alia, o Ac. do STJ de 2/4/1992 (publicado in BMJ nº 416, p. 642). Donde que, «nas acções em que foi aplicada a cominação semi-plena prevista no nº 1 do art. 484º do CPC, atento o princípio da preclusão, estabelecido no art. 489º do CPC, não pode o réu condenado transferir para a fase recursiva as questões que deveriam ter sido suscitadas na contestação – incluindo as de conhecimento oficioso, mas que dependam de factos que não foram considerados provados» (Ac. do STJ de 19/2/1004, proferido no Proc. nº 03B4161/ITJ/Net, apud ABÍLIO NETO in “Código de Processo Civil Anotado”, 18ª ed. Setembro de 2004, p. 667).
Como assim, a sentença recorrida não merece qualquer censura, improcedendo, consequentemente, in totum, a presente apelação.
DECISÃO
Acordam os juízes desta Relação em negar provimento à Apelação, confirmando integralmente a sentença recorrida.
Custas da apelação a cargo da Ré/Apelante.
Lisboa, 18/9/2007
Rui Torres Vouga (Relator)
José Gabriel Pereira da Silva (1º Adjunto)
Maria do Rosário Barbosa (2º Adjunto)
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1 - Cfr., neste sentido, ALBERTO DOS REIS in “Código de Processo Civil Anotado”, vol. V, págs. 362 e 363.
2 - Cfr., também neste sentido, os Acórdãos do STJ de 6/5/1987 (in Tribuna da Justiça, nºs 32/33, p. 30), de 13/3/1991 (in Actualidade Jurídica, nº 17, p. 3), de 12/12/1995 (in BMJ nº 452, p. 385) e de 14/4/1999 (in BMJ nº 486, p. 279).
3 - O que, na alegação (rectius, nas suas conclusões), o recorrente não pode é ampliar o objecto do recurso anteriormente definido (no requerimento de interposição de recurso).
4 - A restrição do objecto do recurso pode resultar do simples facto de, nas conclusões, o recorrente impugnar apenas a solução dada a uma determinada questão: cfr., neste sentido, ALBERTO DOS REIS (in “Código de Processo Civil Anotado”, vol. V, págs. 308-309 e 363), CASTRO MENDES (in “Direito Processual Civil”, 3º, p. 65) e RODRIGUES BASTOS (in “Notas ao Código de Processo Civil”, vol. 3º, 1972, pp. 286 e 299).