Acórdão do Tribunal da Relação de Lisboa
Processo:
2270/2006-2
Relator: ESAGUY MARTINS
Descritores: RESPONSABILIDADE CIVIL
ACTO MÉDICO
DEVER DE INFORMAR
ÓNUS DA PROVA
Nº do Documento: RL
Data do Acordão: 06/29/2006
Votação: UNANIMIDADE
Texto Integral: S
Meio Processual: APELAÇÃO
Decisão: SENTENÇA CONFIRMADA
Sumário:
Decisão Texto Integral: Acordam na 2ª Secção (cível) deste Tribunal da Relação


I- A…, intentou acção declarativa de condenação, com processo ordinário, contra a Fidelidade – Companhia de Seguros, S.A., Dr. O…, e Dr. A…, pedindo a condenação solidária dos RR. a pagarem ao A., a título de indemnização por danos morais, a quantia de 17.500.000$00, bem como os juros que à taxa legal sobre tal quantia se vencerem desde a data da citação até efectivo e integral pagamento.
Alega para tanto, e em suma, que, na sequência de acidente de trabalho, ocorrido em 06-01-1996, foi internado, em 21-02-1996, nos Serviços Médico-Hospitalares da Ré Fidelidade – para quem a sua entidade patronal tinha transferido, à data, a sua responsabilidade civil por acidentes daquela natureza.
Sendo, logo após, observado várias vezes por médicos daqueles serviços, entre os quais os RR. Dr. O… e Dr. A… .
Que sempre lhe disseram ser o seu problema apenas a existência de massa inguinal, a remover cirurgicamente.
Tendo lugar, e proposta pela Ré Fidelidade, a correspondente intervenção, efectuada pelos referidos RR., médicos, em 08-03-1996.
Os quais, após a operação, peremptoriamente responderam, a pergunta do A., que a massa inguinal drenada não provinha de qualquer perfuração ileal, tendo ainda garantido aos pais do A. a inexistência de qualquer tumor.
Vindo a ser-lhe dada alta do internamento em 12-03-1996.
Não obstante, o A. começou de imediato a sofrer dores muito fortes, a não reter comida e a perder peso de dia para dia.
Vindo a ser constatada, nas urgências do H.D. de Faro, a existência de massa no preciso local de onde supostamente aquela teria sido retirada, na operação efectuada.
Em nova consulta com o R. Dr. O…, nos Serviços da Ré Fidelidade, considerou aquele tratar-se de uma infecção post-operatória, receitando-lhe antibióticos e pedindo análises e exames.
Aguardava o A. o resultado de um TAC, quando, na noite de 14 para 15 de Abril, começou a sentir-se muito mal, acabando por ser levado de casa de seus pais, em S. João da Talha, onde se encontrava, para a urgência do Hospital de S. José em Lisboa.
Onde lhe foi detectado quadro de abdómen agudo, abcesso de FID e sepsis, febre, taquicardia e hipotensão.
Sendo operado de urgência, dado a gravidade do seu estado, com hemicolectomia direita, ablação parcial do intestino, e anastomase ileon terminal – cólon transverso, dado que a patologia detectada tinha origem em peritonite generalizada e perfuração do ileon terminal.
A Ré Fidelidade assumiu a responsabilidade pelo sucedido, e que esta segunda intervenção era consequência directa da anterior.
Também os seus médicos, e designadamente o Dr. A…, referiram que a segunda intervenção fora absolutamente necessária, dada a deficiente execução da primeira, em resultado de incorrecto e incompleto diagnóstico, que não detectara a perfuração ileal.
No entanto, sobrevieram dores intensas na perna direita do A., sempre que andava cerca de 50 metros.
Mantendo-se tais dores, após uma nova intervenção no Hospital de S. José, em 06-03-1997, e agudizando-se mesmo.
Vindo a ser diagnosticada oclusão da artéria ilíaca externa direita.
Na sequência do que – e sempre assumindo a Fidelidade a correspondente responsabilidade – é decidido que o A. se faça operar pelo Instituto de Recuperação Vascular, do Dr. E. Serra Brandão, para revascularização do membro inferior direito, por bypass femoral com prótese.
Tendo a intervenção tido lugar em 16-09-1997, e no decorrer da mesma, procedeu-se à correcção de hérnia incisional, que fora entretanto detectada, em Agosto de 1997, assim se evitando uma 5ª operação.
Acabando o A., não obstante a intervenção correctiva feita, por ficar afectado de uma IPP de 51%, conforme reconhecido judicialmente, no Tribunal do trabalho de Faro, em 16-06-1998.
O A. necessita e necessitará para o futuro de controlo médico periódico, e de cumprir medicação.
E, não fora o incorrecto diagnóstico inicial, teria sido operado logo à perfuração ileal, sanando-se de vez o problema.
Não obstante a Fidelidade recusa-se a indemnizar o A. de todos os danos morais – dores, sofrimento, medo, limitações – decorrentes do incorrecto diagnóstico efectuado pelos seus serviços.
Sendo que os dois últimos RR. são responsáveis também, visto decorrer do seu exercício profissional a omissão de deveres profissionais e a prática dos actos que são causa dos danos aludidos.

Contestaram, conjuntamente, os RR. Fidelidade e A…, e individualmente, o R. O….
Dizendo os primeiros, que não existe uma relação de causa a efeito entre a lesão resultante do chamado “acidente de trabalho – traumatismo na virilha” e as lesões a nível vascular e outras que o A. apresenta.
Estando toda a história clínica relacionada com a massa tumoral de natureza infiltrativa observada por ocasião da intervenção cirúrgica de 08-03-1996, e confirmada pelo Dr. S… .
Impugnando ainda os termos dos acontecimentos, e consequências dos mesmos, representados pelo A.
E concluindo com a improcedência da acção e a sua absolvição...

O R. O…, arguiu a sua ilegitimidade, por ter actuado sempre e só, em nome e por conta da seguradora.
Requerendo a intervenção da AXA PORTUGAL, Companhia de Seguros, S.A., para quem transferiu a sua responsabilidade civil profissional, até ao montante máximo de 66.000.000$00.
E deduzindo impugnação, sustentando, face às circunstâncias, estar correcta a sugerida intervenção cirúrgica vascular, sendo a única prática clínica apropriada.
Alegando que ao efectuar a intervenção, constatou existir, sim, uma volumosa massa infiltrativa, nada relacionada com qualquer traumatismo, ou com o diagnóstico provisório – de hematoma retro-peritoneal do lado direito, ou de falso aneurisma arterial, constituindo qualquer destas situações uma “massa inguinal” – sugerido pelos exames complementares efectuados.
Sendo aquela, por infiltrativa e generalizada, impossível de remover na sua totalidade.
E que quando operou o A. este não padecia de qualquer perfuração ileal, nem de tal ficou a padecer em consequência directa dessa intervenção.
Por igual não podendo as lesões vasculares da artéria e veia ilíacas direitas, de que o A. se veio a queixar mais de seis meses depois, ter resultado daquela intervenção cirúrgica.
Nunca tendo tido a situação do A., como origem, qualquer acidente de trabalho, nem havendo o mesmo padecido de qualquer lesão resultante de um qualquer traumatismo por ele sofrido.
Fazendo ainda o historial dos seus contactos médicos com o A., com referência às técnicas e abordagens adoptadas.

Remata com a sua absolvição da instância, devendo, caso assim se não entenda, ser chamada a AXA PORTUGAL, e em qualquer caso, ser julgada improcedente por não provada, a acção.

Replicou o A., quanto à matéria da arguida ilegitimidade...mas também quanto à da “pretensa falta de relação causal entre o acidente de trabalho sofrido pelo A. e as lesões que sofreu e que apresentava”.

Vindo os RR. requerer a desconsideração do que tudo, assim, em tal réplica, excedeu a resposta à matéria da arguida ilegitimidade.

Deferida a requerida intervenção, e citada a AXA PORTUGAL, contestou esta, fazendo sua a contestação do R. O…, concluindo da ilegitimidade daquele, a sua própria ilegitimidade.

Ao que replicou o A., dando por reproduzidas as alegações feitas a propósito da questão da ilegitimidade, na sua anterior réplica.

O processo seguiu seus termos, com saneamento – considerando-se não escrita a matéria da réplica que foi além da resposta à excepção de ilegitimidade – e condensação, vindo, realizada que foi a audiência final, a ser proferida sentença que, julgando a acção improcedente, por não provada, absolveu os réus Fidelidade SA, Dr. O… e Dr. A…, e a chamada Axa Portugal SA, do pedido.

Inconformado, recorreu o A., formulando, nas suas alegações, as seguintes conclusões:
I- O A. não se pode conformar com a decisão recorrida, embora douta, porquanto se lhe afigura que, face ao acervo da matéria dada por provada, se pode inequivocamente afirmar que foram ocultadas ao autor informações médicas e sobre o seu estado de saúde.
II- A responsabilidade imputada aos RR pelo A. decorreria, para os RR médicos, de omissão de deveres profissionais e da prática de actos no exercício da profissão; e para a R. seguradora de ter esta assumido a conta, cargo e responsabilidade da intervenção e tratamentos, que teve lugar na sua instalação, com médicos ao seu serviço (art. 249º a 252º da p.i); e ainda das intervenções que se seguiram a esta.
III- A matéria de facto dada por provada configura a demonstração plena de que os RR. omitiram ao A. (e a seus familiares) informação relevante, quase mesmo decisiva, quanto aos procedimentos médicos em curso, criando-lhe uma falsa ideia da sua situação e motivando nele desconhecimento de um estado de saúde que deveriam e poderiam ter previsto e antecipado e, desse modo, obviado atempadamente; pelo que a aplicação do Direito a tais factos a outra solução não deverá conduzir que não à condenação solidária de todos os RR., como peticionado no pedido contra eles deduzido; e não, como na douta sentença, à sua absolvição.
IV- Conforme resulta do art. 342°, n.º1, àquele que invocar um direito cabe fazer a prova dos factos dele constitutivos e, como estabelece o n.º 2 do mesmo artigo, a prova dos factos impeditivos, modificativos ou extintivos do direito invocado, compete àquele contra quem a invocação é feita. Todavia, excepcionalmente, pode também verificar-se no âmbito das acções relativas à responsabilidade civil médica a inversão do ónus da prova, decorrente de uma conduta culposa da contraparte, em conformidade com o preceituado no art. 344°, n.º 2.
V- As dificuldades sobre a produção da prova nas acções referentes a responsabilidade civil médica, deverão ser superadas através da apreciação da prova produzida pelo paciente com ponderação dessas mesmas dificuldades, constituindo-se assim uma igualdade relativa entre as duas partes que, à partida, se encontram em manifesta desigualdade, já que um é leigo em matéria médica e outra é um especialista, uma necessidade motivada por razões processuais e por inequívocos critérios de justiça. Ou seja, deverá assistir ao tribunal a faculdade de considerar, na própria avaliação da prova, as naturais dificuldades da sua realização e de, nessas circunstâncias, julgar suficiente uma prova que, noutra situação, não seria bastante para a prova do facto, todavia apenas na precisa medida em que tal seja necessário para criar uma posição de igualdade entre as partes da acção
VI- Afigura-se ao recorrente que a douta sentença, salvo todo o devido respeito, não apreciou nem balizou de modo suficiente esta inquestionável dificuldade de prova que, à partida, como que desiquilibra, nas acções sobre responsabilidade médica, a igualdade formal das partes em litígio. No caso dos autos, com toda a dificuldade de prova que o A. naturalmente enfrenta, sendo leigo na matéria, ficou todavia plenamente demonstrado que os RR. omitiram ao A. (e a seus familiares) informação relevante, quase mesmo decisiva, quanto aos procedimentos médicos em curso, criando-lhe uma falsa idéia da sua situação e motivando nele desconhecimento de um estado de saúde.
VII- Tanto bastaria para sustentar juízo de censura juridicamente relevante à evidenciada conduta dos réus, e nessa medida tirar decisão condenatória deles. Ora, tendo o A. sufragado a culpabilidade dos RR na omissão de deveres profissionais, parece ser certo que não houve pela parte dos RR. médicos uma informação relevante que deveria ter sido transmitida ao paciente quanto à existência da massa inguinal e à possibilidade de esta atingir os órgãos próximos; e que mesmo perante a evidência da deterioração rápida, progressiva e acentuada do estado de saúde do A., em 9 de Abril de 1996, os RR. continuaram a não tomar medidas que obviassem a tal acentuada deterioração e ao previsível e conhecido facto de poderem estar a ser atingidos órgão abdominais como na semana seguinte se veio a verificar ter sucedido, com grave risco para a saúde do A.
VIII- Tal omissão de informação e da prática de actos médicos adequados a prevenir ou acautelar uma situação previsível, permitiu e acentuou a deterioração da saúde do A., levando ao internamento de urgência em S. José e todo o cortejo de intervenções e tratamentos que na p.i se descreveram e provados ficaram, causando-lhe um enorme sofrimento e danos físicos e morais extensíssimos, com sequelas para futuro, e que se mostram plenamente provados ( factos provados entre 39º e 160º da Base Inst.); e está provado que antes da intervenção de 8.3.96 o A.. não sofria de padecimentos físicos.
IX- O A., mesmo com a extrema dificuldade da prova a que acima aludimos, demonstrou que o resultado indesejável que se verificou se ficou a dever, adequadamente, a um erro de diagnóstico ou de terapia dos RR, concretamente a não terem estes praticado todos os actos considerados normalmente necessários para a prossecução da finalidade a que se propunham (a cura), nem prestado os conselhos a que, por força da relação jurídica, estavam obrigados a prestar. considerando ademais estarmos perante médicos especialistas, em relação ao qual o grau de exigência posta é maior.
X- Destarte, e resultando directamente do texto da própria decisão a suficiente matéria de facto provada para conduzir a solução diversa da decidida, afigura-se-nos que nunca poderia haver absolvição dos RR. do pedido. Estão nos autos - e concretamente nos factos que a própria sentença dá por provados - os indícios e as provas reveladoras da falta de diligência e de omissão de informação e deveres médicos pelos RR, e o nexo de causalidade entre tais omissão e falta e os danos do A.
XI- Pelo que se impõe a responsabilização dos RR., solidariamente, por força das disposições conjugadas dos art. 483°, n.º 2, 485° e 486° do Código Civil e face à estratégia terapêutica adaptada perante a situação clínica apresentada pelo A.; responsabilização pela qual sejam todos os RR. condenados a pagarem ao A., como peticionado, 17.500.000$00 (ou sejam, 87.290,00 €) e juros.
XII -Não o tendo feito, a douta decisão recorrida violou os artigos 483°, n.º 2, 485° e 486° do Código Civil.

Requer a revogação da decisão recorrida , substituindo-se a mesma por outra que condene os RR, como pedido na acção.

Contra-alegaram os RR., pugnando pela manutenção do julgado.

II- Corridos os vistos legais, cumpre decidir.
Face às conclusões de recurso, que como é sabido, e no seu reporte à fundamentação da decisão recorrida, definem o objecto daquele – vd. art.ºs 684º, n.º 3, 690º, n.º 3, 660º, n.º 2 e 713º, n.º 2, do Cód. Proc. Civil – são questões propostas à resolução deste Tribunal:
- se ocorreu omissão culposa de deveres profissionais e da prática de actos no exercício da profissão, por parte dos 2º e 3º RR.
- na positiva, se se verifica nexo de causalidade entre tal omissão e os danos comprovadamente sofridos pelo A.

E, isto, assim, sendo certo que o teor das conclusões IV – V e VI, vai no sentido – não de uma impugnação da decisão da 1ª instância quanto à matéria de facto – mas no da inversão do ónus da prova, em matéria de culpa, “nas acções referentes a responsabilidade civil médica”.
*
Considerou-se assente na 1ª instância, sem impugnação a propósito, e nada impondo diversamente, a factualidade seguinte:
1) Em 6 de Janeiro de 1996, o A. exercia as funções de guarda nocturno para a empresa Pelpor – Pelargónia Portuguesa, Produções e Comercialização de Flores, Ld.ª, sua entidade patronal.
2) Laborando no estabelecimento da mesma, em Quinta Moncarapacho, Olhão.
3) A Pelpor, Ld.ª, entidade patronal do A., aquela data, tinha a sua responsabilidade civil por acidentes de trabalho ocorridos com empregados seus transferida para a R. Fidelidade SA, pela apólice 5168.568.
4) O Autor optou por ser tratado pelos serviços médicos da Ré Fidelidade.
5) O que participou a tal Ré, e esta aceitou, tendo nisso anuído no âmbito da sua cobertura de seguros por acidentes de trabalho.
6) No início de Fevereiro de 1996, o A. foi examinado por médico local da Ré Fidelidade, em Olhão.
7) Analisados por este os exames, análises, TAC e ecografia entretanto feitos na pessoa do A., decidiu enviá-lo a Lisboa, aos Serviços Médicos Centrais da Ré Fidelidade.
8) Em 21.02.96 o A. foi internado nos Serviços Médico-Hospitalares da Ré Fidelidade, em Lisboa.
9) Conforme consta de cartão/impresso daquela Ré, junto a fls. 11 (frente e verso) que aqui se dá por reproduzido.
10) O internamento foi decidido pelos Serviços Médicos daquela Ré, após o A. ter sido ali observado pelo médico ao serviço da Fidelidade.
11) Logo após o seu internamento o A. foi variadas vezes e em diversas ocasiões observado por diversos médicos ao serviço da R. Fidelidade.
12) Entre os quais, os RR Dr. O… e Dr. A… .
13) A Ré Fidelidade através dos seus serviços clínicos aconselhou o A. a que se submetesse a intervenção cirúrgica.
14) Assim, a 8 de Março de 1996, o A. é submetido a intervenção cirúrgica, a qual é efectuada pelos RR, Dr. O… e Dr. A… .
15) O autor teve alta do internamento a 12.03.96.
16) É-lhe marcada consulta nos referidos serviços médicos da Fidelidade em 19 de Março de 1996, para retirada de pontos.
17) Foi marcada ao A. uma consulta com o Dr. O..., nos serviços da Ré Fidelidade, em 9.04.96.
18) O A. queixava-se de dores violentas, espasmos dolorosos e incapacidade de se alimentar convenientemente.
19) Na consulta referida em R) (nº 17), o Dr. O... receitou ao A. antibióticos.
20) E pediu ao A. que fizesse umas análises e exames, nomeadamente um TAC.
21) O A. submeteu-se ao TAC pedido em 12 de Abril de 1996, tendo feito as outras análises logo no dia 9.04.96, sendo que o resultado de tais análises foi de imediato remetido directamente para a Fidelidade.
22) A Ré Fidelidade enviou ao Instituto de Recuperação Vascular um termo de responsabilidade datado de 10 de Setembro de 1997.
23) Após a intervenção de 16.09.97 voltou a recebê-lo em consulta nos seus serviços médico-hospitalares.
24) E em 6.01.98 deu-lhe alta definitiva com incapacidade permanente parcial para o trabalho.
25) Porque entretanto a situação não justificava tal alta, foi a baixa prolongada, tendo a alta definitiva sido dada a 18.03.96.
26) E tendo sido reconhecido judicialmente, por conciliação no Tribunal de Trabalho de Faro, a 16.06.98, homologada por sentença, que o A. sofre de uma incapacidade parcial permanente de 51%.
27) Pelo que lhe é paga pensão anual e vitalícia de 482.175$00, a cargo da Ré Fidelidade.
28) E também foi reconhecido que o A. necessita e necessitará para futuro de controle médico periódico, pelo médico assistente, pelo menos pelo menos 2 a 3 vezes/ano.
29) A 1ª Ré aceita que o 3º Réu, Sr. Dr. A…, é seu clínico-médico, integrando o respectivo quadro de pessoal.
30) Exerce tais funções nos serviços clínicos da 1ª Ré em Lisboa.
31) Por sua vez, o Sr. Dr. O..., também clínico-médico, é contratado pela 1ª Ré em regime de prestação de serviços, para dar assistência a seus sinistrados, dentro da sua especialidade médica – cirurgia vascular – mas não integrando o seu quadro de pessoal.
32) Em 18 de Julho de 1996, a 1ª Ré celebrou um contrato de seguro do ramo de “Acidente de Trabalho” com a firma “Pelpor Limitada” com sede em Moncarapacho, Olhão, em regime de folhas de férias, cobrindo os riscos dos seus trabalhadores, no exercício da actividade de serviços domésticos, o qual veio a ser titulado pela apólice nº 5618568.
33) Em 15 de Fevereiro de 1996, a segurada (Pelpor Lda.) preencheu uma participação de acidente de trabalho, na qual comunicava que “… no dia 6 de Janeiro de 1996, pelas21,00 horas, o seu empregado Angeolino Melo Pereira de Matos, guarda nocturno ao proceder à colocação de uma porta, a mesma caiu-lhe em cima, atingindo-o na virilha…”
34) Segundo é referido na participação de sinistro, o autor foi assistido nos primeiros socorros no Hospital Distrital de Faro.
35) Os RR aceitam que, em 22 de Janeiro de 1996, o A. foi sujeito a observação clínica pelo Sr. Dr. António Bruno, médico com consultório em Olhão, queixando-se que sofrera um traumatismo a nível da região inguinal e ilíaca direita, apresentando queixas ao nível da fossa ilíaca direita e dor no membro inferior direito.
36) Foi-lhe feita uma ecografia abdominal que mostrou a existência de um hematoma, com 70 mm intra-abdominal.
37) No dia 30 de Janeiro de 1996, o A. foi assistido no serviço de urgência do H. D. de Faro onde lhe foi feito um TAC abdominal e pélvico que mostrou a existência de uma colecção hipodensa medindo 7,7x5,7 cms que condicionava desvio da bexiga para a esquerda e anterior do recto abdominal direito.
38) Como o autor era sinistrado por acidente de trabalho, foi enviado para os serviços clínicos da 1ª Ré em Lisboa, onde deu entrada no dia 21.02.96.
39) Após esta primeira observação e examinados o exame ecográfico e o TAC (o autor era portador dos mesmos) o 3º Réu solicitou a intervenção de cirurgião vascular, vindo a comparecer o 2º Réu, ou seja o Sr. Dr. O..., por haver suspeita de lesão vascular o que foi suscitado pela observação aqueles meios complementares de diagnóstico.
40) Em 26.02.96, efectuada uma observação a tais meios complementares de diagnóstico, o 2º Réu concluiu pela existência de uma tumefacção dolorosa da fossa ilíaca direita, secundária a traumatismo, pulsos arteriais proximais e distais amplos.
41) Tendo sido solicitada a realização de um exame de ecodoppler arterial dos membros inferiores.
42) Em 5.039.96 o Sr. Dr. O... (2º Réu) procedeu a uma reobservação, em sede de cirurgia vascular, ao autor tendo constatado um agravamento das queixas relacionadas com a massa que se apalpava na fossa ilíaca direita, com queixas urinárias associadas à micção.
43) O exame ecodoppler, entretanto efectuado, parecia revelar um hematoma, mas não se excluindo a hipótese de falso aneurisma arterial, atendendo ao agravamento da situação e ao resultado dos exames complementares de diagnóstico.
44) Então, face a tal observação, foi proposta pelos médicos a realização de uma cirurgia para drenagem do suposto hematoma ou correcção da possível lesão vascular associada.
45) Ambos os médicos (2º e 3º RR) verificaram então a existência de uma massa de aspecto caseoso, infiltrativo aos vasos ilíacos.
46) O A. sujeitou-se a um novo exame de TAC abdominal, solicitaram-se análises clínicas e uma consulta de urologia em virtude das queixas urinárias referidas pelo autor, aquando da observação no H. D. de Faro.
47) Em 6.05.97 o A. voltou a ser reobservado pelo 2º Réu apresentando queixas de aumento do volume do membro inferior direito, às quais se associavam dores do tipo de claudicação intermitente.
48) Foram solicitados novos exames complementares de diagnóstico, nomeadamente, um ecodoppler arterial e venoso dos membros inferiores.
49) Em 27.05.97 o A. foi sujeito a nova observação efectuada pelo 2º Réu e, após leitura dos exames atrás mencionados, este Réu constatou que os mesmos revelavam uma oclusão da artéria e veia ilíacas externas direitas.
50) O Réu O… tem transferida para AXA Portugal, Companhia de Seguros, SA, a sua responsabilidade civil profissional sendo titular da apólice nº 931208/05 (Doc. nº 1 que se junta, sendo que existe um lapso de escrita no mesmo, por troca do nome “Jomes” em “Gomes”.
51) Transferiu assim para aquela seguradora a sua eventual responsabilidade e até ao montante de 66.000.000$00.
52) Com efeito, o Réu Dr. O... não é médico da Companhia de Seguros Fidelidade, e muito menos do A., limitando a sua actividade para com aquela seguradora à cirurgia vascular e quando é para tanto solicitado no âmbito desta sua especialidade de cirurgião.
53) Assim, e no dia 26 de Fevereiro de 1996, foi pedida a observação do A. por especialista de cirurgia vascular, tendo o Réu O... sido solicitado para esse fim pela R. Seguradora Fidelidade, e observado o doente nesse mesmo dia nas instalações desta.
54) Nessa data, veio a ter conhecimento que este ali havia comparecido para consulta, no dia 21.02.96, o que sucedeu através da “História Clínica” do A. elaborada pelos próprios serviços médicos da Companhia de Seguros Fidelidade a qual, e para esse fim, lhe foi facultada pelos respectivos serviços.
55) Porque o A. apresentava queixas de dores intensas na região inguinal do lado direito, e era portador de uma ecografia efectuada em Faro no dia 23.01.96 e do respectivo relatório, no qual se referia a suspeita de “hematoma volumoso, ainda sem sinais de liquefacção”.
56) De uma tomografia axial computorizada (TAC) também efectuada em Faro, no dia 30.1.96 que referia idênticas suspeitas, ficou o A. internado na clínica desta seguradora.
57) No dia 23.02.96, o A. fez nova TAC, requisitada pelos serviços da clínica da Fidelidade.
58) O Réu Dr. O… pediu como exame complementar um ecodopler arterial dos membros inferiores.
59) No dia 5.03.96, e dispondo já daquele exame, o R. voltou a examinar o A. tendo constatado que este apresentava agravamento das suas queixas anteriores às quais acresciam também urinárias associadas à micção.
60) O Réu O... informou-o que era aconselhável uma intervenção cirúrgica para drenagem do hematoma provocado pelo traumatismo, ou para uma eventual correcção de lesão arterial, isto caso existisse o pouco provável falso aneurisma, que se referia no ecodoppler efectuado.
61) O Réu O... voltou a observar o A. no dia 10.03.96, também na Fidelidade, isto é dois dias após a intervenção cirúrgica, para o medicar e verificar o estado pós operatório, que se mostrou satisfatório.
62) No dia 6 de Janeiro de 1996, e naquele estabelecimento, enquanto exercia a sua função, uma porta derrubada por fortes ventos que então se faziam sentir, atingiu o autor, ofendendo-o na zona do ventre.
63) Nos dias que se seguiram o A. foi-se sentindo bastante dolorido e mal disposto, o que se acentuava de dia para dia.
64) A seguir à intervenção de 8.03.96, ao sair do bloco operatório, o Réu Dr. A... foi abordado pelo pai do A. que lhe perguntou como correra a operação e qual o estado de saúde do filho, ao que este respondeu que estava tudo bem e que havia que observar um período pós-operatório normal.
65) Em 19.03.96 o A. foi observado pelo 3º Réu que lhe disse que estava tudo bem e que podia começar a sua recuperação normal.
66) O A. começou a sofrer dores muito fortes.
67) A não reter comida.
68) E a perder peso de dia para dia.
69) O A. foi observado no Hospital de Faro e foi-lhe sugerido que fosse de novo para os serviços médicos da Fidelidade, que o haviam operado, apresentando o A. naquele Hospital queixas urinária.
70) O A. contactou telefonicamente com tais serviços e com o Réu Dr. A….
71) O A. ficou a residir em casa de seus pais, em S. João da Talha, por se encontrar debilitado.
72) Na noite de 14 para 15 de Abril (domingo para segunda) o A. aguardava o resultado do TAC aludido, para o apresentar ao Dr. O... com quem tinha uma consulta agendada para 16 de Abril de 1996.
73) O A. estava então em casa de seus pais.
74) Começou a sentir-se muito mal.
75) A perder totalmente as forças.
76) A ter dificuldades em respirar.
77) E a perder as cores e a desfalecer amiúde.
78) Os pais do A. chamaram um médico particular para que o observasse e auxiliasse.
79) O médico em causa, examinando o A., ordenou que o mesmo fosse levado de urgência para o Hospital de S. José, em Lisboa.
80) Sob pena de, não dando ali entrada para ser sujeito a intervenção cirúrgica urgente, poder morrer dentro de poucas horas.
81) O A. deu, assim, entrada no serviço de urgência do Hospital de S. José na madrugada de 15 de Abril de 1996.
82) E foi-lhe logo ali e então detectado quadro de abdómen agudo, abcesso de FID e sepsis, febre, taquicardia e hipotensão.
83) Foi operado de urgência, dada a gravidade do seu estado.
84) A intervenção cirúrgica consistiu em hemicolectomia direita, com ablação parcial do intestino.
85) E anastonase ileon terminal – cólon transverso.
86) Uma vez que a patologia detectada tinha origem em peritonite generalizada e perfuração do ileon terminal,
87) No mesmo acto operatório, os médicos procederam a drenagem e lavagem abundante da cavidade abdominal e da boca da FID.
88) No post-operatório, o A. sofreu de fortes febres durante 15 dias, tendo-se declarado abcesso da cicatriz.
89) E pneumonia da base direita com derrame pleural associado.
90) O internamento hospitalar durou até 20 de Maio de 1996.
91) Familiares do A. contactaram neste entretanto a Ré Fidelidade, por intermédio dos seus serviços médico-hospitalares.
92) A quem deram conta do que vinha sucedendo ao A.
93) A Ré Fidelidade aceitou pagar os custos da intervenção, internamento, despesas conexas e despesas que de tal decorressem para o futuro.
94) O A. foi de novo consultado nos serviços médico-hospitalares daquela Ré a 28 de Maio de 1996, uma semana após a sua alta do Hospital de S. José.
95) No período post-alta, o A. ficou com fístula aberta na zona do corpo operada para drenagem.
96) E, por tal motivo, era obrigado a fazer pensos diários.
97) Pensos que quotidianamente teve de mudar desde Maio a Outubro de 1996.
98) Durante todo este período o A. manteve contactos com todos os Réus.
99) Tendo sido observado por alguns médicos da Ré Fidelidade, entre os quais o R. Dr. A....
100) Notadamente em consultas que tiveram lugar em 25 de Junho de 1996.
101) 30 de Julho de 1996.
102) 20 de Agosto de 1996.
103) 24 de Setembro de 1996.
104) E 29 de Outubro de 1996.
105) Entretanto o A. começara a ter dificuldades em caminhar.
106) Sempre que andava cerca de 50 metros sofria dores intensas na perna direita.
107) Que inchava frequentemente.
108) E perdia mobilidade.
109) O A. sob recomendação médica sujeitou-se a tratamentos de fisioterapia.
110) A Ré Fidelidade suportava todas as despesas.
111) Após a drenagem total, o A. foi de novo internado no Hospital de S. José.
112) A 27 de Fevereiro de 1997.
113) Para nova intervenção cirúrgica, necessária à conclusão da cicatrizagem e fecho da fístula de drenagem, após secagem total da ferida.
114) A referida intervenção teve lugar a 6 de Março de 1997, naquele Hospital.
115) E teve alta a 7 de Março de 1997.
116) E em tal informação já se declara que o A. “tem alta, vem tirar os pontos daqui a 8 dias e só deve iniciar fisioterapia de reabilitação dos músculos da coxa dentro de um mês”.
117) Não obstante tais recomendações e a fisioterapia seguida, as queixas de síndrome doloroso na perna direita do A. mantiveram-se.
118) E até se agudizaram.
119) Motivando grande dificuldade no andar.
120) Daí que, dado isso, a equipa clínica do Hospital de S. José tenha pedido a realização de um exame Doppler e Duplex arterial na pessoa do A.
121) Por tais exames, realizados e após isso enviados ao Hospital de Santa Marta, em Lisboa, foi comprovada a existência de oclusão da artéria ilíaca externa direita”.
122) E a 6 de Junho de 1997, após angiografia digital intra-arterial periférica do membro inferior direito, realizada no ISU – Hospital da Cuf, é confirmada a existência de oclusão na artéria ilíaca externa.
123) Perante este quadro, foi proposta ao doente, ora A., a revascularização do membro inferior direito, por bypass femoral com prótese.
124) O que implicaria necessariamente outra intervenção cirúrgica.
125) Mas que era a única forma de tentar obviar ao problema do A., de cada dia acrescida dificuldade em andar.
126) A Ré Fidelidade e os seus serviços médicos acompanharam o processo, conheceram os exames médicos feitos e as soluções propostas e aceitaram-nas como boas.
127) O A. é aconselhado medicamente a proceder à cirurgia proposta o mais depressa possível.
128) Com tal fim, e consultada a Ré Fidelidade, é decidido que o A. se faça operar pelo Instituto de Recuperação Vascular, do Dr. E. Serra Brandão.
129) A intervenção foi marcada para 16.09.97.
130) Com vista à referida intervenção, o A. realizou colheita ambulatória de sangue para autotransfusão, nas 3 semanas anteriores ao acto operatório.
131) Em 13.09.97 foi sujeito à referida intervenção cirúrgica.
132) Sob anestesia geral foi realizada revascularização do membro inferior direito por bypass ileo-femural com prótese PTFE de 8 mm de diâmetro.
133) Fora entretanto detectada, em Agosto de 1997, ao A. hérnia incisional da extremidade superior da incisão de laparatomia mediana.
134) Assim, no mesmo acto cirúrgico procedeu-se à correcção dessa hérnia, evitando-se uma quinta intervenção.
135) Após esta intervenção, o A. manteve continência herniária.
136) Edema do membro operado.
137) E ficou sujeito a medicação e vigilância adequada.
138) Avaliações hemodinâmicas venosas efectuadas em 10.12.97, confirmaram a existência de lesões obstrutivas no eixo ilíaco externo direito, não obstante a intervenção correctiva.
139) A Ré Fidelidade manteve o A. sob sua responsabilidade todo este tempo.
140) O A. necessita de cumprir medicação com anti-agregante por ter feito prótese arterial.
141) O A. não sofria de qualquer oclusão da artéria ilíaca externa antes de ter sido submetido à intervenção cirúrgica de 8.03.96, nem das demais intervenções.
142) O A. temeu pela sua vida.
143) A qual foi salva por ter sido internado de urgência e operado de urgência em S. José em 15.04.96.
144) Tendo sofrido dores violentas.
145) O A. entre 8.03.96 e 15.04.96 perdeu peso.
146) Com crises de hipotensão.
147) Estados febris.
148) Períodos de taquicardia e desfalecimento.
149) Quando entrou no Hospital de S. José em 15.04.96 o A. sofria de sepsis dos tecidos e de peritonite generalizada.
150) O A. sentiu angústia, medo, receio e sofrimento.
151) O A. no período pós-operatório sofreu de estados febris prolongados.
152) E pneumonia com derrame pleural.
153) E abcesso da incisão.
154) Teve que manter fístula aberta durante meses para drenagem e secagem completa.
155) Perdeu parte do seu órgão intestinal dada a necessária hemicolectomia.
156) Sujeitou-se a nova intervenção em 6.03.97 para conclusão da intervenção e tratamentos de 15.04.96.
157) Sob anestesia geral, de novo.
158) Que o diminuiu e afecta.
159) E o afectará para a vida.
160) Ficou o A. na zona frontal do tronco, desfigurado por 3 cicatrizes longas e visíveis.
161) E outra cicatriz longa e visível na perna direita.
162) Todas resultantes das operações descritas.
163) E todas que o desfiguram, diminuem, complexas e afectam no dia a dia e muito especialmente, em períodos estivais e balneares.
164) O A. tinha, à data dos factos 30 anos.
165) Não sofria de padecimentos físicos.
166) Era pessoa alegre, sociável e bem disposta.
167) Tudo o que sucedeu acabrunhou-o e entristeceu-o.
168) No dia 8.03.96 o A. foi sujeito à referida intervenção cirúrgica por abordagem retro peritoneal da fossa ilíaca direita.
169) O constante de XX) (nº 45) não estava relacionado com o diagnóstico provisório sugerido pelos exames complementares.
170) Face à observação referida os médicos procederam à colheita de vários fragmentos para exame anatomopatológico, drenagem da cavidade e encerramento da parede.
171) Os tecidos colhidos foram remetidos para exame histológico, cujo resultado revelou, microscopicamente, um proliferação celular difusa linfo-histiocitária, com necrose, não havendo evidência de granulomas e concluindo-se por “um pseudo tumor inflamatório”.
172) Em 9.04.96 o A. volta ao hospital da 1ª Ré tendo referido um episódio de cólica renal e, em consequência de observação no serviço de urologia do Hospital Distrital de Faro apresentava um processo inflamatório à região inguinal direita.
173) Em 19.03.96 o A. fora ao Hospital da 1ª Ré onde lhe são extraídos os pontos cirúrgicos e referiu algumas parestesias da face externa da coxa.
174) Os exames referidos em 22) (nº 46) foram solicitados em virtude de o diagnóstico resultante da biopsia permanecer inconclusivo
175) O A. veio a ser internado no Hospital de S. José a fim de ser sujeito a uma intervenção cirúrgica por apresentar um quadro de abdómen agudo (peritonite).
176) O A. foi sujeito a um exame completo de coagulação na Clínica de Santa Cruz – Serviço de hematologia do Prof. Francisco Crespo.
177) Uma peritonite secundária a uma perfuração intestinal, passado mais ou menos um mês da intervenção inicial, não determina a sintomatologia apresentada pelo autor.
178) A anatomia patológica dos fragmentos colhidos não revelou tecido intestinal que pudesse suportar a confirmação duma lesão iatrogénica feita na altura da colheita (perfuração intestinal).
179) O resultado deste exame referia igualmente a presença de um hematoma retroperitoneal não excluindo a hipótese de um falso aneurisma.
180) O A. referiu sempre ao R. que as suas queixas se tinham iniciado após uma pancada que sofrera na região ilíaca e inguinal.
181) A mancha detectada nos exames efectuados e o facto de o A. ter sido atingido por uma pancada naquela região configuravam uma situação clínica de hematoma retro-peritoneal do lado direito, ou de falso aneurisma arterial para o que, e em qualquer dos casos era necessária uma intervenção cirúrgica a fim de resolver a situação.
182) Porquanto tal hematoma pelo seu volume poderia já estar a fazer compressão sobre o aparelho urinário de que poderiam resultar as ulteriores queixas de micção do Autor.
183) O réu O… informou o A. de que o problema de que sofria poderia ser hematoma, ou um falso aneurisma.
184) Sendo certo que qualquer das situações constitui “massa inguinal”.
185) Tal massa corresponde a uma tumefacção volumosa, a qual pode ter diversas origens, como sejam hematoma, um tumor ou falso aneurisma.
186) Dado tratar-se da remoção do hematoma ou correcção do pretenso falso aneurisma, o qual é feito por via extraperitoneal o R. não manuseia qualquer órgão da cavidade abdominal.
187) Nomeadamente intestino delgado ou cólon.
188) Ao efectuar a intervenção cirúrgica o R. O... fê-lo por via retroperitoneal da fossa ilíaca direita, a fim de poder drenar o hematoma, verificar a existência de eventual falso aneurisma arterial e corrigi-lo caso existisse.
189) Todavia o R. O... ao abordar tal região, constatou que não existia qualquer hematoma, ou falso aneurisma, mas sim uma volumosa massa infiltrativa, de limites não definidos, nada relacionada com qualquer traumatismo, ou com o diagnóstico provisório sugerido pelos exames complementares efectuados.
190) Por não se tratar de uma massa individualizada, e com contornos limitados, sendo sim infiltrativa e generalizada, quer para a parede anterior do abdómen, quer para a posterior, e em profundidade, era por isso tecnicamente impossível de remover na sua totalidade.
191) O R. O... colheu vários fragmentos desta massa para exame anatomo-patológico, tendo ainda efectuado a drenagem da cavidade retroperitoneal e encerramento da parede abdominal.
192) Tal exame foi efectuado na “Laban, Laboratório de Citologia e Histopatologia, Lda.”
193) Das amostras colhidas e submetidas à análise anatomopatológica, não resultou a existência de qualquer indício de conteúdo intestinal, como ocorreria se existisse perfuração ileal, mas sim a confirmação de pseudo tumor inflamatório e, mesmo assim, sob a forma de suspeita e, por isso, com pedido de novos exames.
194) O réu só voltou a observar o A. no dia 19.03.96 e para tirar “os pontos”, tendo-se este queixado de parestesias da face interna da coxa, razão pela qual lhe disse para voltar à consulta no dia 9.04.96 uma vez que ainda não dispunha dos resultados do exame, mas que as queixas deveriam estar relacionadas também com a referida “massa”.
195) Mais o réu deu conhecimento ao A. nessa consulta, que tinha conhecimento que o resultado do exame das amostras da massa colhida não era conclusivo, pelo que se mantinham as reservas e se aguardam os novos exames mandados fazer para poder ser diagnosticada a origem da sua doença.
196) Tendo explicado que se tratava de uma massa infiltrativa mas que era desconhecida a sua origem e possível evolução, mas que poderia provocar as queixas de que padecia, pois infiltrava e afectava todos os órgãos adjacentes aquela região.
197) Na verdade, o R. O... pediu um TAC para controle comparativo da evolução da massa infiltrativa, análises gerais para indagar do seu estado febril e enfraquecimento e consulta de urologia para apurar a razão das queixas urinárias.
198) O R. O... não teve conhecimento do resultado nem da TAC, nem das análises, nem da consulta de urologia, nem o A. compareceu à consulta de 16.04.96.
199) O R. O... somente voltou a ver o A. mais de um ano depois, concretamente em 6.05.97 e isto por a ré Fidelidade lhe ter pedido, uma vez mais, que o observasse.
200) Nessa data o A. apresentava queixas de aumento do volume do membro inferior direito e claudicação intermitente, pelo que o R. pediu um ecodoppler arterial e venoso dos membros inferiores.
201) O réu não tinha conhecimento de quaisquer exames efectuados pelo A. no Hospital de S. José, nem tinha acesso aos resultados, pelo que lhe pediu estes.
202) O réu voltou a observar o A. na Fidelidade no dia 27.05.97, já na posse dos exames pedidos tendo diagnosticado oclusão da artéria e veia ilíaca externa direitas e pedido um estudo completo à coagulação, a realizar no Hospital de Santa Cruz, por forma a confirmar se as queixas resultavam do processo infiltrativo da “massa” atrás descrita ou se provinha de uma deficiência da sua coagulação.
203) Deu então o A. conhecimento ao réu de que havia efectuado uma angiografia digital intra-arterial periférica dos membros inferiores, no ISU – Hospital da Cuf, e que o especialista que consultara lhe dissera o mesmo e aconselhara a operação.
204) Porque o A. apresentasse ao réu uma carta do Dr. Gil Marques, datada de 6.08.97 na qual se propunha a operação, a ser efectuada na Clínica de S. João de Deus, pelo Dr. Serra Brandão, o Dr. O... colocou-se à disposição daquele para prestar ao colega cirurgião vascular todos os esclarecimentos que ele tivesse por convenientes, quanto à sua história clínica.
205) Nunca o R. foi contactado pelo D. Serra Brandão, para o que quer que fosse.
206) Ao ser confrontado na operação com um situação semelhante à que o R. Dr. O... encontrou na operação de 8.03.96, o Dr. Serra Brandão viu-se na contingência de ter de colocar um bypass em posição não anatómica.
207) A fibrose com que o Dr. Serra Brandão foi confrontado resulta da evolução do processo infiltrativo inflamatório inicial a qual foi impeditiva da colocação do bypass inicialmente proposto, isto é ileo-femural direito, tendo optado por uma pontagem aorta-femural direita e por trajecto anómalo.
208) Mais, a intervenção efectuada pelo Dr. Serra Brandão em 16.09.97 foi também dirigida para a correcção da hérnia incisional resultante da laparotomia mediana efectuada no Hospital de S. José, em 15.04.96.
209) A hérnia de que padeceu não teve origem na intervenção cirúrgica efectuada pelo R. Dr. O..., a qual foi por incisão na região inguinal direita.
210) Mas sim na operação de laparotomia mediana efectuada no Hospital de S. José, esta sim por incisão na linha média abdominal indicada para o quadro peritonítico que o doente apresentava quando deu entrada no serviço de urgência deste hospital, em 15.04.96.
211) Foi o A. pela última vez à consulta do réu em 16.12.97 na qual propõe para o A. uma incapacidade de acordo com a opinião do médico legista.
212) Esta incapacidade vascular proposta pelo réu resulta da trombose venosa do membro inferior direito, da oclusão arterial e da implantação da prótese.
213) O facto deste tumor ser infiltrativo não permite que este seja removido, nem tão pouco drenado, impondo-se sim, como técnica médica colher amostras, drenar a cavidade retroperitoneal e encerrar a cavidade abdominal como foi feito, e aguardar-se o resultado de exames de diagnóstico para saber a origem do mesmo.
214) Tal tumor porque infiltrativo atingiria os órgãos que lhe estavam próximos até se saber a origem e possibilidade de tratamento.
215) O autor sempre afirmou que tudo sucedia de uma pancada resultante de acidente.

Vejamos:
II-1- Acolheu-se, na sentença recorrida, o entendimento de se reconduzir a pretensão do A., à área da responsabilidade civil extracontratual, delitual ou aquiliana.
Pressupondo aquela, a verificação dos requisitos contemplados no art.º 483º, do Cód. Civil, quais sejam, o facto ilícito, a culpa, os danos e o nexo de causalidade entre o primeiro e estes últimos (sem prejuízo de as simples omissões darem lugar à obrigação de reparar os danos, quando, independentemente de outros requisitos legais, havia, por força de lei ou de negócio jurídico, o dever de praticar o acto omitido., vd. art.º 486º, do mesmo Cód.).
E, em coerência com o enquadramento feito em matéria de área de responsabilidade, partiu-se da consideração, na decisão assim sob censura, de que “Cabe ao autor (doente/lesado) demonstrar em juízo que a conduta dos RR (2º e 3º RR) não se pautou pelas regras de actuação susceptíveis de, in abstracto, virem a propiciar a produção do pretendido resultado. Em suma: cabe ao lesado provar a culpa do lesante”.
Para se concluir que “Dos elementos recolhidos nos autos resulta que os RR agiram com a diligência que lhes era exigível face ás circunstâncias do caso, de harmonia com as prescrições concretamente recomendáveis para o remédio de tal situação médica, no respeito pelas técnicas médicas conhecidas e utilizadas, no mesmo tipo de situação”.
Ou seja: fazendo-se recair o ónus da prova da culpa do lesante, sobre este, concluiu-se, em sede de culpa, mais do que pelo simples não provado dos factos suporte da mesma, em termos de exclusão daquela.
O que, a dever subsistir, retirará, in concreto, efectivo alcance à própria questão da repartição do ónus da prova.

II-2- Em matéria de responsabilidade civil dos médicos, consiste o problema da autonomia, em determinar se aquela há-de subordinar-se aos regimes gerais de responsabilidade civil – ao regime da responsabilidade contratual ou ao regime da responsabilidade extra-contratual – ou a um regime especial; o problema da unidade consiste em determinar se a responsabilidade civil dos médicos há-de subordinar-se a um ou a dois (ou mais) regimes jurídicos.
Como refere Nuno Manuel Pinto Oliveira, (1) optando-se por uma concepção unitária, a responsabilidade civil dos médicos por actos praticados em instituições privadas de saúde encontrar-se-ia subordinada a um conjunto de princípios e de regras aplicáveis a todas as situações em que, e em relação a todos os sujeitos contra os quais, um paciente frustrado ou lesado pela prestação dos serviços médicos apresenta uma pretensão indemnizatória; optando-se por uma concepção dualista ou pluralista, a responsabilidade civil dos médicos por actos praticados em instituições privadas de saúde encontrar-se-á subordinada a dois conjuntos de princípios e de regras: os actos praticados em instituições privadas de saúde no cumprimento de um contrato de prestação de serviços concluído entre o médico e o paciente conduziriam à responsabilidade contratual do médico; os actos praticados em instituições privadas de saúde no cumprimento de um contrato de prestação de serviços concluído entre a clínica e o paciente, esses, conduziriam à responsabilidade extracontratual do médico.
No Acórdão do Supremo Tribunal de Justiça de 05-07-2001, (2) acolheu-se a concepção dualista (ou pluralista) da responsabilidade civil dos médicos: existindo uma relação obrigacional entre o médico e o paciente, a responsabilidade civil “por assistência médica” assumiria “a um tempo” natureza contratual e extracontratual.
Na jurisprudência italiana encontramos “soluções” enveredando, relativamente à responsabilidade civil do médico auxiliar “dependente”, pela sua classificação como “responsabilidade contratual, resultante da inobservância de deveres integrados em relações obrigacionais sem deveres primários de prestação (“obrigação sem prestação”), apresentando o contacto social como fonte de deveres de protecção. (3)
E outras fundando tal responsabilidade na teoria das relações contratuais de facto, conduzindo a uma obrigação sem contrato. (4)
Entre nós, aproximando-se aparentemente, da primeira das referenciadas construções dogmáticas, Sinde Monteiro, quando refere entre os casos paradigmáticos de contacto existencial ou social entre o potencial lesante e o potencial lesado – em que se tornariam mais palpáveis os deveres gerais de conduta do direito delitual, “ordenados a evitar uma interferência com a esfera jurídica alheia” – a relação entre o médico auxiliar da instituição (pública ou privada) de saúde e o paciente. (5)
Nuno Manuel Pinto de Oliveira, (6) concedendo que as regras da responsabilidade civil contratual não resolvem de forma adequada os problemas da responsabilidade civil dos médicos, entende não deverem contudo sufragar-se as teses da relação contratual sem contrato ou da relação obrigacional ex lege, por não conduzirem a resultados correctos.
E, assim, depois de assinalar que “há pelo menos uma regra da responsabilidade contratual cuja aplicação à responsabilidade civil dos médicos é duvidosa – o art.º 799º - e há pelo menos uma regra da responsabilidade civil extracontratual cuja aplicação à responsabilidade civil dos médicos é certa – o art.º 494º.”.
Para Teixeira de Sousa, “a posição do médico não deve ser sobrecarregada através da repartição do ónus da prova, com a demonstração de resultados que não garantiu nem poderia garantir”, e por isso, “o regime de ónus da prova deve ser sempre o da responsabilidade extracontratual”. (7)
Finalmente, a tese da autonomização da responsabilidade profissional, apela, inelutavelmente, à desvalorização das “estruturas dogmáticas comuns” do direito da responsabilidade civil, substituindo-as por “estruturas dogmáticas especiais” resultantes de um desenvolvimento do direito para além do plano da lei. (8)

II-3- Dir-se-á, depois deste respigar, que os cânones de interpretação e de desenvolvimento do direito devem considerar-se como instrumentos adequados para corrigir as assimetrias decorrentes da distinção entre os dois “tipos” tradicionais de responsabilidade.
Devendo assim “Os critérios de ilicitude e de culpa aplicáveis à responsabilidade civil dos médicos...apreciar-se com base na distinção entre a responsabilidade contratual e a responsabilidade extracontratual”. (9)

Não sofre pois crise que a responsabilidade civil que o A. pretende exercitar, no confronto dos RR. médicos, se situa, como bem se entendeu na sentença recorrida, na área extracontratual.
Nenhum vínculo contratual se mostra estabelecido entre o A. e qualquer daqueles, tendo o Dr. O... assistido o A., porquanto prestando serviços à Fidelidade, foi chamado a intervir no caso, e o Dr. A..., por fazer parte dos quadros de pessoal daquela seguradora.

Enquanto na responsabilidade contratual, os critérios de ilicitude e culpa dependem de se qualificar o dever violado como obrigação de resultado ou de meios – sendo que na segunda hipótese aplicar-se-á um critério de ilicitude referido, não já ao resultado, mas à conduta (a omissão da mais elevada medida do cuidado exterior é apreciada em sede de tipicidade e ilicitude) – já na responsabilidade extracontratual, os critérios de ilicitude e culpa dependem de se qualificar a violação do dever como consequência directa ou indirecta (imediata ou mediata) da conduta do agente ou do lesante: na primeira hipótese, aplicar-se-á um critério de ilicitude referido ao resultado (a omissão do cuidado exterior é apreciada em sede de culpa, e só aí); na segunda hipótese, adoptar-se-á um critério de ilicitude referido à conduta (a omissão da mais elevada medida de cuidado exterior é apreciada em sede de tipicidade e de ilicitude). (10)
Diga-se que o interesse prático da distinção entre os critérios da ilicitude e da culpa na responsabilidade contratual e na responsabilidade extracontratual dos médicos é, em todo o caso escasso, em consequência da coordenação dos deveres contratuais do médico ao tipo “obrigação de meios”. (11)
Como refere Nuno Oliveira, “Na hipótese de o não cumprimento de uma obrigação de meios causar uma violação directa ou imediata de direitos de outrem, os critérios da tipicidade e da ilicitude da responsabilidade contratual e da responsabilidade extracontratual afastam-se; os critérios de distribuição do ónus da prova, esses, aproximam-se: se a responsabilidade é contratual, o lesado há-de demonstrar que o lesante (médico) não adoptou a mais elevada medida de cuidado exterior exigível e o lesante há-de demonstrar que adoptou a medida normal de cuidado interior, (12) (art.º 799º, n.º 1, do Cód. Civil); se a responsabilidade é extracontratual, o lesado há-de demonstrar que o lesante (que o médico) não adoptou o cuidado exterior (art.º 487º, n.º 1, do Cód. Civil) e o lesante há-de demonstrar que adoptou o cuidado interior exigível.”.
E, “A omissão do cuidado exterior (de uma conduta correcta) indicia a omissão do cuidado interior: “se a falta do cuidado interior presente na culpa diz respeito às circunstâncias intelectuais e emocionais do espírito do agente, a sua prova basear-se-á, por via de regra, num juízo de aparência ou de probabilidade a partir do comportamento exteriormente adoptado”.
Tendo-se assim, na aplicação estrita de tais critérios, uma diferença extremamente ténue, entre os relativos à distribuição do ónus da prova em cada um dos dois casos. Na responsabilidade contratual, o lesado só teria de demonstrar que o lesante (médico) não adoptou a mais elevada medida de cuidado exterior; na responsabilidade extracontratual, teria de demonstrar que o lesante (médico) não adoptou a medida normal de cuidado exterior.
Já “Na hipótese de o não cumprimento de uma obrigação de meios causar uma violação indirecta ou mediata de direitos de outrem, os critérios de tipicidade e ilicitude aplicáveis em cada um dos dois casos aproximam-se; os critérios de distribuição do ónus da prova, também”. (13)
Certo que, nesse caso, também o critério de ilicitude na responsabilidade extracontratual se referirá à conduta (a omissão da mais elevada medida de cuidado exterior é apreciada em sede de tipicidade e ilicitude).
Colocando-se a questão da culpa do lesante, feita a prova da ilicitude, no mesmo plano
Sendo que em todas as circunstâncias em que “o resultado lesivo se situa em tal medida no quadro do curso da acção que é patente a respectiva imputação ao agente”, a lesão de bens jurídicos ou a violação de direitos de outrem deverá ser considerada como uma lesão “directa” ou “imediata”; em todas as restantes situações, a lesão de bens jurídicos ou a violação de direitos (absolutos) de outrem deve ser considerada como uma violação “indirecta” ou “mediata”. (14)

II-4- Porque as questões colocadas pelo recorrente nas suas alegações, também interessam a essa área, mais se dirá que:
È no plano do dever de informação prévia do médico ao paciente que a doutrina tem sobretudo elaborado.
E, assim, consagrando inclusive o dever de resposta às questões colocadas pelo paciente.
Partindo-se da consideração de que a medicina, como é consabido, é uma actividade de risco.
E, por outro lado, de que, como refere André Gonçalo Dias Pereira, (15) “afirmado que está o primado da dignidade humana, a impor um princípio de autodeterminação e do respeito pela integridade física e moral do paciente, só o consentimento devidamente esclarecido permite transferir para o paciente os riscos que de outro modo serão suportados pelo médico”.
Sendo que, na insuficiência de tal informação (maxime sobre os riscos) o consentimento é inválido e a intervenção médica ferida de ilicitude.
Com a consequente responsabilidade do médico pelos danos patrimoniais e não patrimoniais resultantes da intervenção arbitrária.
Sem que, no entanto, é dito, se deva concluir automaticamente que, no caso de informação insuficiente, o médico deva responder por todas as consequências negativas da intervenção. “Isso seria transformar a responsabilidade por violação do consentimento informado numa forma, algo camuflada, de criar responsabilidade objectiva pelo dano iatrogénico. Ora tal opção...quando assumida em alguns ordenamentos jurídicos passou pelo crivo do legislador e importou uma decisão política estrutural...”. (16)
Como quer que seja, e relativamente a outras informações, sempre se imporá, que a sua omissão integre violação de dois bens jurídicos, a saber, a liberdade e a integridade física e psíquica, sendo que, estabelecido o nexo de causalidade, apenas os danos ocasionados que caiam no âmbito de protecção do dever de esclarecer merecem ser indemnizados. (17)

II-5- Sustenta o A. ter ocorrido omissão de informação, de banda dos 2º e 3º RR., relativamente “à existência da massa inguinal e à possibilidade de esta atingir os órgãos próximos; e que mesmo perante a evidência da deterioração rápida, progressiva e acentuada do estado de saúde do A., em 09 de Abril de 1996, os RR. continuaram a não tomar medidas que obviassem a tal acentuada deterioração e ao previsível e conhecido facto de poderem estar a ser atingidos órgãos abdominais”.
Tendo-se assim que “o resultado indesejável se ficou a dever, adequadamente, a um erro de diagnóstico ou de terapia dos RR., concretamente a não terem estes praticado todos os actos considerados normalmente necessários para a prossecução da finalidade a que se propunham, nem prestado os conselhos a que, por força da relação jurídica, estavam obrigados a prestar”.
Isto, sem concretização, e depois de na sua p.i., ter o A. alegado que a sepsis dos tecidos e peritonite generalizada de que sofria quando entrou no Hospital de S. José, em 15/04/1996, eram “Decorrentes de perfuração ileal de que os últimos RR não haviam curado no decorrer da intervenção cirúrgica de 08/03/1996, vd. art.ºs 188º e 189º.
Ora, e pelo que a actos médicos respeita, temos que quer se configurem os danos sofridos pelo A., como directos, quer como indirectos, em função da possibilidade do seu reporte ao próprio quadro do curso da acção/omissão, ponto é que não logrou o A. fazer prova de não terem os RR. observado seja a mais elevada medida de cuidado exterior, seja apenas o cuidado exterior (Sem prejuízo de desde já se propender para o entendimento, atento o desfasamento constatável, face ao que representado é, de se tratarem, os assim em causa, danos indirectos).
Com efeito, do confronto com a factualidade apurada, não se retira – como assim constituía ónus de prova do A. – que os RR. hajam omitido os melhores cuidados possíveis, disponíveis na técnica profissional, com recurso às leis da arte e da ciência médica, ou, sequer, os cuidados que normalmente, e naquelas circunstâncias concretas, são dispensados pelo “médico médio”.
Antes daquela resultando que foram sempre pedidas as análises e exames necessários, recorrendo-se à intervenção cirúrgica de acordo com o diagnóstico que tais meios auxiliares permitiam.
Desde logo, mereceu resposta negativa o art.º 134º da B.I., onde se perguntava se a sepsis e peritonite eram decorrentes de perfuração ileal de que os 2º e 3º RR. não haviam curado no decorrer da intervenção cirúrgica de 08/03/96.
Como também – pretendendo o A. que a segunda intervenção cirúrgica a que foi submetido de urgência, era consequência directa da que fora efectuada em 08-03-96, e que decorrera do facto de naquela primeira intervenção não ter sido verificada a perfuração ileal, que afinal seria a causa do surgimento da massa inguinal então drenada, a 08-03-96, e da patologia subsequente que conduziu o A. à situação de grande urgência que o levou à intervenção de 15-04-96 – resultou igualmente tal matéria não provada, vd. “respostas” negativas aos art.ºs 58º a 61º da B.I., como também, aliás, as respostas negativas aos art.ºs 77º a 80º da mesma base.
Depois importa salientar estar provado que “O facto de este tumor (massa verificada aquando da intervenção de 09-03-1996) ser infiltrativo não permite que este seja removido, nem tão pouco drenado, impondo-se sim, como técnica médica colher amostras, drenar a cavidade retroperitoneal e encerrar a cavidade abdominal como foi feito, e aguardar-se o resultado de exames de diagnóstico para saber a origem do mesmo”, vd. n.º 223, da matéria de facto.
Sendo que “Tal tumor porque infiltrativo atingiria os órgãos que lhe estavam próximos até se saber a origem e possibilidade de tratamento”, vd. n.º 224.
O que também retira alcance à observada previsibilidade da “situação”, em sede de ilicitude por omissão de procedimentos.
Anotando-se que, na sequência da verificação, pelos 2º e 3º RR., aquando da intervenção cirúrgica feita ao A. em 08-03-1996, da existência da dita massa de aspecto caseoso, infiltrativo aos vasos ilíacos, ter-se também verificado que aquela “não estava relacionado com o diagnóstico provisório sugerido pelos exames complementares”, vd. n.º 169, da matéria de facto, estando provado ainda que “Das amostras colhidas e submetidas à análise anatomopatológica, não resultou a existência de qualquer conteúdo intestinal, como ocorreria se existisse perfuração ileal, mas sim a confirmação do pseudo tumor inflamatório, e mesmo assim, sob a forma de suspeita e, por isso, com pedido de novos exames”, vd. n.º 193 da matéria de facto.
E que voltando o R. a observar o A., no dia 19-03-1996, e para tirar “os pontos”, e face às queixas deste, lhe disse para voltar à consulta no dia 09-04-96, uma vez que ainda não dispunha dos resultados do exame, mais lhe dando conhecimento que o resultado do exame das amostras da massa colhida – que explicou tratar-se de uma massa infiltrativa, desconhecendo-se a sua origem e possível evolução – não era conclusivo, pelo que se aguardavam os novos exames mandados fazer para poder ser diagnosticada a origem da sua doença, vd. n.ºs 194 e 195, da matéria de facto.
Não tendo o R. O... conhecimento do resultado nem da TAC nem das análises pedidas, nem do resultado da consulta de urologia, para que remeteu o A., que não compareceu à consulta de 16-04-1996, somente voltando a ver o A. mais de um ano depois, concretamente em 06-05-1997, e isto por a Ré Fidelidade lhe ter pedido, uma vez mais, que o observasse, vd. n.ºs 198 e 199, da matéria de facto.
E o que dos n.ºs 200 e seguintes da matéria de facto se retira, é a observância, por parte de tal R., e também desde então, de procedimentos que em nada sustentam a omissão de procedimentos adequados.
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Nem omissão de comportamentos adequados, nem de dever de informação são, dest’arte, equacionáveis, relativamente aos RR. médicos.
E, não sendo assim de configurar comportamento ilícito, de banda daqueles, queda prejudicada a questão da culpa dos mesmos, que sempre haveria de reportar-se a acto ilícito.
Ficando pois por preencher os necessários requisitos da responsabilidade civil.
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Também, vindo a responsabilidade assacada pelo A. à Ré Fidelidade, construída sobre a, assim rejeitada, responsabilidade dos RR. médicos, sempre também quanto a ela a acção teria que improceder.

Em suma, improcedem as conclusões de recurso.

III- Nestes termos, acordam em julgar o recurso improcedente, confirmando, embora com fundamentação não inteiramente coincidente, a sentença recorrida.

Custas pelo A., sem prejuízo do concedido apoio judiciário.

Lisboa, 2006-06-29
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(Ezagüy Martins)
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(Maria José Mouro)
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(Neto Neves)



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1.-In “Responsabilidade Civil em Instituições Privadas de Saúde: problemas de ilicitude e de culpa”, Centro de Direito Biomédico, 11, “Responsabilidade Civil dos Médicos”, Coimbra Editora, 2005, págs. 128 e seguintes.

2.-In CJAcSTJ, 2001, tomo II, págs. 166-170.

3.-Vd. o Acórdão da 3ª secção da Corte di Cassassione de 22 de Janeiro de 1999 (n.º 589), in www.dannoallapersona.it

4.-Cfr. Ângela Lanotte, cit. por Nuno Oliveira, in op. cit. pág. 140.

5.-Anotação ao acórdão do Supremo Tribunal de Justiça de 17 de Fevereiro de 2000 e à sentença do juiz do 3º Juízo de Competência Especializada Cível do Tribunal de Comarca de Santo Tirso de 2 de Maio de 1996”, In RLJ, Ano 133º, págs 17-32 (28).

6.-In op. cit. pág. 169.

7.-In “Sobre o ónus da prova nas acções de responsabilidade civil médica”, in Direito da Saúde e Bioética, AAFDUL, 1996, pág. 137.

8.-Cfr. Karl Larenz, in “Metodologia da ciência do direito”, 3ª ed. 1997, Fundação Calouste Gulbenkian, págs. 588 e seguintes.

9.-Nuno Manuel Pinto Oliveira, in op. cit. pág. 187.

10.-Idem, págs. 252-253.

11.-Idem, pág. 253.

12.-O cuidado exterior reporta ao erro da técnica profissional, com recurso às leis da arte e ciência médica; a medida normal de cuidado interior implica que “naquelas circunstâncias, não podia ou não devia ter agido de outra forma”, cfr. Jorge Ferreira Sinde Monteiro, in “Responsabilidade por Conselhos, Recomendações ou Informações”, Almedina, 1990, pág. 263.

13.-Nuno Manuel Pinto Oliveira, in op. cit. pág. 254.

14.-Idem, pág. 249.

15.-In “O Dever de Esclarecimento e a Responsabilidade Médica”, Centro de Direito Biomédico, 11, “Responsabilidade Civil dos Médicos”, Coimbra Editora, 2005, págs. 436 (439-440) e seguintes.

16.-Idem, pág. 458, citando-se os casos da Nova Zelândia, Países escandinavos e, em certa medida, em França.

17.-Idem, pág. 496.