Acórdão do Tribunal da Relação de Lisboa
Processo:
22246/17.2T8SNT.L1-1
Relator: ANA ISABEL MASCARENHAS PESSOA
Descritores: CLÁUSULA PENAL
NULIDADE
Nº do Documento: RL
Data do Acordão: 10/15/2019
Votação: UNANIMIDADE
Texto Integral: S
Texto Parcial: N
Meio Processual: APELAÇÃO
Decisão: IMPROCEDENTE
Sumário: É desproporcionada e nula, nos termos do artigo 19º alínea c) do regime aprovado pelo DL 446/85, de 25.10, a cláusula penal inserta num contrato de manutenção de elevadores celebrado por cinco anos, segundo a qual, na eventualidade de rescisão unilateral pela empresa de manutenção, é devido o pagamento da totalidade das prestações mensais devidas até ao termo do contrato.
Decisão Texto Parcial:
Decisão Texto Integral: Acordam na 1ª Secção do Tribunal da Relação de Lisboa.


I.RELATÓRIO:


OtisElevadores, Lda. moveu contra Condomínio B, pedindo a condenação do Réu a pagar à Autora o valor de €8.474,19, acrescido dos juros vencidos, à taxa legal e até 04.12.2017, no valor de €172,11 e bem assim, dos vincendos, contados sobre €8.474,19 desde 05.12.2017 e até efetivo e integral pagamento

Alegou, em resumo, que o valor peticionado se refere a serviços de conservação e reparação facturados e em dívida no âmbito de contrato de manutenção de elevadores entre as partes celebrado, e indemnização contratual por violação da cláusula 5.1.2. do contrato, que autoriza a ora Autora a cancelar o contrato quando verifique que estranhos intervieram na resolução de avarias ou na reparação do equipamento, ficando o cliente obrigado ao pagamento da totalidade das prestações de preço previstas até ao final do prazo contratado.
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Citado, veio o Réu contestar, impugnando os valores constantes das facturas, pugnando existência de justa causa que fundou a resolução do contrato.

Concluiu que deve a Ré ser absolvida do pedido, relativamente aos valores constantes da facturas nº RCN17901908, de 11-09-2017, na importância de € 6.875,95 e nota de juros NDJ17000148, de 13- 09-2017, na importância de € 40,47 pois a cláusula em que a Autora se baseia para aplicar tal indemnização é nula e os factos não se mostram provados, bem como a resolução efetuada pela Autora se mostra justificada e legal e que deve ser declarada a nulidade das cláusulas 5.1.7 e 5.7.1 do contrato celebrado entre a Autora e Ré, dando-se provimento à excepção perentória invocada pela Ré, devendo esta sem mais ser absolvida do pedido.
Subsidiariamente, para o caso de assim não se entender, pugnou pela redução das quantias constantes da fatura RCN17901908, de acordo com o estipulado na cláusula 5.7.1 do contrato, pela redução equitativa dos valores das cláusulas penais.
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A Autora respondeu às exceções, pugnando pela respectiva improcedência, e concluindo, como na petição inicial, pela procedência da acção.
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Procedeu-se ao saneamento da causa, realizou-se a audiência de julgamento, vindo a final a ser proferida sentença que julgando a ação parcialmente procedente, condenou o Réu a pagar à Autora a quantia global de €1.598,24 de capital, acrescida de juros de mora vencidos e vincendos, calculados à taxa legal comercial, sobre as verbas de capital e desde a data de vencimento de cada uma das faturas e até integral pagamento, absolvendo o Réu do demais peticionado pela autora.
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Inconformada com esta decisão, dela apelou a Autora, formulando as seguintes conclusões:

“I–INTRODUÇÃO

A) O Julgador “a quo” não se quis envolver na questão de fundo dos Autos (a problemática e evidente troca da placa para gerar a avaria, e a eventual implicação criminal…), e, apesar de bem decidir quanto à inexistência de justa causa para o R. ter posto termo ao Contrato dos Autos, condenou o R. em tudo o peticionado (docs. 19 a 25 da P.I.), excepto na sanção facturada na termos d Cl. “5.1.2.” (doc. 26 da P.I.);
B) Não se conformando a Otis quanto a este segmento da decisão, ensaia demonstrar porquê, e como segue;

II–DO RECURSO PROPRIAMENTE DITO

C) Em causa neste recurso, está, apenas, a validade (ou não) da Cl. “5.1.2.” do Contrato dos Autos;
D) O Contrato dos Autos, foi o segundo celebrado com o R., e em ambos representado pelo mesmo Administrador (que com a Otis já celebrou “N” outros contratos iguais), pessoa experiente e profissional e que aceitou vincular o R. nos exactos termos contratados e sugerindo as alterações que quis ao clausulado proposto, como sabia poder fazer, negociando todos os termos desse mesmo clausulado, mas não quis alterar a Cl. “5.1.2”, como o podia ter feito;
E) No Contrato dos Autos, ao contrário da cláusula relativa à resolução intempestiva do contrato sem justa causa, em que a sanção é partilhada e com a expressão de 50%, na Cl. “5.1.2” a sanção corresponde a 100% do período em falta, contado a partir do momento em que o R. incumpre.
F) O que se visa acautelar de forma “musculada” é que nenhum estranho – que não os técnicos da Otis – “mexa” na instalação; faz todo o sentido: sendo a Otis civil e criminalmente responsável pela instalação enquanto o contrato vigorar, se algum terceiro intervier nela provocando um acidente, a Otis responde “prima facie”, com todos os inconvenientes para ela resultantes desse facto; é por isso que, nesta situação, e só nesta situação, a penalização é de 100%, por forma a ser dissuasora de qualquer tentação de fazer intervir um terceiro não autorizado na instalação;
G) Como se percebe, o R., se o tivesse querido, podia ter reduzido esta sanção (por exemplo, equiparando-os às demais), e não o fez: basta ver a última página do Contrato dos Autos (doc. nº 1 da P.I.) para se perceber que nas “Condições Particulares” o R. contratou sabiamente pelo menos 4 derrogações ao texto proposto, sendo assim evidente que esta – a Cl. “5.1.2” – também o podia ter sido, mas não o quis fazer;
H) O R. com a nova EMA seguinte (que veio substituir a Otis na instalação), a Orona, celebrou um contrato com uma cláusula igual;
I) É que perante esta situação todas as EMA’s se defendem da mesma forma, e praticam o mesmo tipo de texto, por forma a dissuadir a veleidade da tentação de deixar estranhos/terceiros “mexerem” na instalação;
J) E logrou a Otis provar que terceiros “mexeram” na instalação de forma indubitável;
K) Na verdade, os factos assentes nºs. 13 e 14, são cristalinos: a placa original fotografada em 2012 pelo Engº S. da Otis (doc. nº 17 da P.I.),não era a mesma que em 2017 lhe foi levada para reparar (doc. nº 18 da P.I.);
L) Ora, se não foi a Otis a trocá-la, alguém o fez, tendo o R. violado a cl. “5.1.2” de forma evidente e insofismável;
M) E se não foi a Otis, só podia ter sido a Orona, que em Agosto de 2017 já andava pelo prédio a preparar a sua contratação eminente na conservação dos elevadores do R., como veio a acontecer a partir de 18.08.2017! (daí que o facto não provado sob o nº 1 seja contraditório com os factos assentes nºs. 13 e 14);
N) Apurou-se que a placa avariada até era anterior à construção do prédio, estava “morta”, sem reparação possível, e, naturalmente, que só os técnicos da Orona teriam acesso a esse material (relembre-se que os elevadores do prédio foram originariamente instalados pela Orona e eram de marca Orona – facto assente nº 7); e,
O) Assim, deve o R. ser condenado - também - no pagamento desta factura (a junta como doc. nº 26 da P.I.), para além de todas as demais (docs. nºs. 19 a 25 da P.I.), que desde o início confessou dever, pois não existiam de facto, quaisquer queixas no serviço da Otis (que obviamente o R. não conseguiu provar), antes da “fabricação” de uma alegada justa causa para afastar a Otis da instalação.
Terminou pedindo que seja concedido provimento ao recurso, e, em conformidade, se substitua a sentença recorrida na parte em que é desfavorável à Otis, condenando finalmente o Réu relativamente a todos os valores peticionados.
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O Réu contra-alegou, concluindo da seguinte forma:
A.O Apelado celebrou com a Apelante, em 10 de Março de 2016, um contrato de manutenção simples, através do qual a Apelante se obrigava a conservar os elevadores instalados no prédio situado …, durante 5 anos, renováveis por iguais períodos, com o valor inicial e mensal de € 126,30, acrescido de IVA, atualizado anualmente.
B.Tal contrato substituiu um anterior, celebrado em 4 de Julho de 2012, denominado “Contrato Otis Controlo OC – Manutenção Simples” cujo objeto era igual.
C.Na comparação entre os dois clausulados (2012 – Doc. n.º3 junto à Petição Inicial e 2016 – Doc. n.º1 junto à Petição Inicial) assistimos basicamente às mesmas cláusulas gerais, o que prova claramente estarmos perante cláusulas contratuais gerais, padronizadas e destinadas à generalidade dos clientes.
D.Conforme resulta da sentença recorrida na sua fundamentação de Direito: “…facilmente se conclui que o contrato dos autos está sujeito ao regime jurídico das cláusulas contratuais gerais e ao disposto no DL 446/85, de 25 de outubro pois o mesmo é formado por cláusulas que constam de um formulário, pré-elaborado pela autora, que contém uma primeira folha com a identidade dos contraentes, as páginas seguintes com as “condições gerais” e uma última página com as “condições contratuais específicas” que incluem as “condições particulares” mas estas não afastam a natureza de contrato de adesão, tanto mais que eventuais negociações têm sempre por base o formulário e as cláusulas contratuais já prédefinidas pela autora.”
E.Sendo evidente a existência de cláusulas contratuais gerais nos contratos celebrados com a Apelante, veja-se a este propósito a ação inibitória instaurada pelo Ministério Público e que mereceu decisão desfavorável, de 16 de Julho de 2014, quanto às cláusulas 5.5.2, 5.6, 5.7.4 e 5.9 dos contratos de manutenção simples da Apelante. (http://www.dgsi.pt/jdgpj.nsf/f1d984c391da274c80257b820038a5b4/2ba51f05b0cae962802580de004db400/$FILE/20054_10_0T2SNT.pdf).
F.Curiosamente as únicas cláusulas alteradas nas condições gerais entregues ao Apelado no contrato de 2016 face ao contrato de 2012!
G.Pelo que, contrariamente, ao alegado pela Apelante, no artigo 5.º das suas alegações, a forma alegadamente esclarecida, sabedora e experiente do administrador do Apelado, não desqualifica as respetivas cláusulas como cláusulas contratuais gerais, muito menos sana qualquer nulidade das mesmas cláusulas pela sua aceitação/imposição.
H.Contrariamente ao que a Apelante alega, a existência de uma desproporcionalidade na cláusula 5.1.2 do contrato, seria sempre de conhecimento oficioso, mesmo que não tivesse sido alegado pelo Apelado (o que foi e mereceu aliás capítulo próprio na contestação – artigos 79 a 102), nos termos do artigo 286.º do Código Civil e artigo 608.º n.º2 do CPC.
I.Sendo o objeto do recurso delimitado pelas conclusões de alegação da Apelante, atentemos às especiais razões invocados pela Apelante para o facto da aplicação de uma cláusula penal equivalente a 100% do período em falta ser proporcional, adequada e equilibrada face à alegada (mas não provada) intervenção de estranhos à OTIS.
J.A cláusula 5.1.2 insere-se sistematicamente nas exclusões gerais de responsabilidade contratual, a qual possibilita à Apelante mediante certas e determinadas condições e mediante prova das mesmas, cancelar de imediato as suas responsabilidades contratuais para com o Apelado.
K.Tal exclusão da responsabilidade só se verifica “quando verificar que quaisquer estranhos intervieram tentativamente ou não, na resolução de avarias ou na reparação do equipamento”, o que na sentença da qual a Apelante recorre não se mostrou provado.
L.Como resulta dos factos não provados, não resultou provado conforme insinuações tecidas pela Apelante na Petição Inicial que fossem os técnicos da Orona que mudaram a “placa boa” por uma inoperacional provocando a avaria.
M.Pelo que, nem se alcança como possa a Apelante rescindir unilateralmente o contrato SXG162/3/4, conforme Doc. n.º10 junto à petição inicial, ainda para mais na sequência de uma resolução do Apelado, no entender do tribunal do qual se recorre, sem justa causa, a qual na melhor das hipóteses e caso tal cláusula não fosse declarada nula, conferiria direito à Apelante a 50% do remanescente do contrato e não a sua totalidade!
N.Recorde-se que a sentença recorrida, na sua fundamentação de Direito considera que a cláusula 5.1.2 do contrato quando preceitua que “o cliente fica obrigado ao pagamento da totalidade das prestações do preço previstas até ao final do prazo contratado” … “consubstancia uma cláusula penal desproporcionada face aos danos a ressarcir, pois não se tem em conta o caso concreto, o momento em que os factos ocorreram e a expressão dos prejuízos para que objetivamente se possa definir a proporção entre a sanção e os danos a ressarcir e, consequentemente, por uma indemnização justa tendo em consideração a gravidade, a culpa, a ilicitude e os danos emergentes da violação do contrato em cada caso concreto e não apenas um cálculo matemático tendo em conta os meses em falta até ao termo do prazo contratado.”
O.A este respeito e no mesmo sentido já se pronunciaram em duas ações inibitórias que incidiram sobre a mesma redação da cláusula 5.1.2 aqui no cerne da questão, a saber, o acórdão de 27/05/2014, no âmbito do Processo n.º 1921/12TJLSB proferido pelo Tribunal da Relação de Lisboa e mais recentemente a decisão de 20/03/2017, no âmbito do processo 2100/16.6T8LRA, proferida pelo Tribunal Judicial da Comarca de Leiria.
P.Tal segmento da norma foi, pelo tribunal do qual se recorre, declarado nulo de acordo com o disposto no artigo 19.º, alínea c) do Decreto-Lei n.º 446/85, de 25 de Outubro, por se considerar consagrar uma cláusula penal desproporcionada ao dano a ressarcir no âmbito do quadro negocial acima mencionado.
Q.A cláusula penal previamente estipulada, apesar da Apelante alegar que a mesma se destina a acautelar de forma “musculada” a intervenção de terceiros nos equipamentos sob a sua responsabilidade e que a mesma exista para defesa das EMA’s, a verdade é que tal como está redigida tal cláusula a mesma é potenciadora de desigualdades, violando assim o principio da proporcionalidade, na vertente da “justa medida” dos danos à indemnização arbitrada, pois sendo feita em abstracto não tem em conta os danos concretos em cada situação.
R.Deste modo, em abstrato, num contrato a 20 anos, os quais ainda existem, poderíamos estar aqui na presença de uma indemnização de várias dezenas de milhares de euros, enquanto que num contrato anual, a intervenção de terceiros no equipamento poderia custar uma indemnização de poucas centenas de euros!
S.Tal forma de cálculo da penalização, não tem em conta os princípios gerais da responsabilidade civil e penal, os quais obrigariam a uma análise cuidado no âmbito de um sistema móvel, em que uma vez apurado o agente responsável, se avaliaria a gravidade de tal intervenção, o grau de culpa, a ilicitude, os danos e o respetivo nexo causal.
T.Neste sentido, considera o Apelado que a Apelante nunca concretizou quais os reais danos pela alegada intervenção de terceiros na troca da referida placa, não sendo de forma nenhuma proporcional que se faça depender o cálculo da indemnização única e exclusivamente dos meses que restem cumprir no contrato a que pôs termo.
U.Não sendo portanto, por falta de factos alegados pela Apelante, ao abrigo do principio do dispositivo, possível sequer arbitrar qualquer indemnização segundo juízos de equidade, nos termos do artigo 812.º do Código Civil, como aliás a Douta sentença recorrida não o fez.
V.Reforça-se ainda e por último que, apesar da alegada gravidade da situação, decorridos mais de um ano e meio sobre os acontecimentos, o Apelado desconhece a existência de qualquer queixa crime contra a Orona, ou desconhecidos, pelos factos alegados, bem como qualquer outra ação de responsabilidade civil.
Terminou pedindo que o recurso seja considerado improcedente, com a consequente confirmação da sentença proferida em primeira instância.
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II.–QUESTÕES A DECIDIR.

É sabido que é pelas conclusões das alegações de recurso que se define o seu objeto e se delimita o âmbito de intervenção do tribunal ad quem (cfr. artos 635º, nº 4, e 639º, nº 1, do Código de Processo Civil), sem prejuízo das questões cujo conhecimento oficioso se imponha (cf. artigo 608º, nº 2, ex vi do artigo 663º, nº 2, do Novo Código de Processo Civil).

No caso dos autos, em face do teor das alegações da Recorrente importa apreciar e decidir se deve o Réu ser condenado no pagamento da sanção facturada pela Autora com fundamento na violação da cláusula 5.1.2 do contrato entre as partes celebrado, no valor de €5.590,20, a que acresce o IVA no valor de €1.285,75, num total de €6.875,95 (cf. documento 26 junto à petição inicial, junto a folhas 42 verso).
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III.–FUNDAMENTAÇÃO.

III.1. O Tribunal de primeira instância considerou provados os seguintes factos:
1.-A autora é uma sociedade comercial que tem como atividade principal o fornecimento, a montagem e a conservação de elevadores.
2.-Em 10.03.2016, a autora assinou com o réu um escrito denominado de “Contrato Otis Simples – Manutenção Simples”, através do qual a primeira se obrigava a conservar os elevadores instalados no prédio do réu, situado …, durante 5 anos, renováveis por iguais períodos, com o valor inicial e mensal de €126,30, acrescido de IVA, atualizado anualmente.
3.-O escrito referido em 2. substituiu um anterior, celebrado em 04.07.2012, denominado “Contrato Otis Controlo OC – Manutenção Simples” e, em 03.08.2014, autora e réu assinaram uma adenda ao contrato, clarificando a garantia dos equipamentos por um ano.
4.-Nos dois escritos referidos em 2. e 3., o réu foi sempre representado pelo Sr. M. (sócio gerente da “M. Unipessoal, Lda.), nomeado administrador externo do réu por ata de 09.06.2012, situação que ainda se mantém.
5.-Desde o início que a autora foi conservando mensalmente os elevadores do réu e foi cumprindo com as suas obrigações e procedente às reparações, quando e sempre que adjudicadas e/ou autorizadas pelo réu, encontrando-se todos os elevadores certificados até 18.11.2021.
6.-O escrito referido em 2. surgiu por renegociação com o réu e por uma questão de preço.
7.-Os elevadores do réu foram instalados pela “Orona”.
8.-Em 04.08.2017 foi reportada à autora uma “avaria” no elevador do Bloco C-2 e o técnico da autora deslocou-se ao local nesse mesmo dia.

9.-De 9 de agosto a 11 de agosto, autora e réu trocaram os seguintes e-mails:
Dia 9 de agosto de 2017:
“(…) Exmos. Senhores.
Venho pelo presente apresentar a reclamação relativa à avaria no elevador do Bloco C-2 reportada na passada 6ª feira e até esta data sem qualquer informação do ponto de situação. Informe que neste prédio, não sendo necessário tal justificação residem condóminos com absoluta necessidade do elevador. Lamentavelmente hoje é 4ª feira nada sabemos sobre a resolução desta avaria ou o que quer que seja. Este assunto é bastante para rescisão unilateral do contrato de manutenção.
Sem outro assunto.
Atentamente,
A Administração
M. (…)”

Dia 10 de agosto de 2017:
“Bom dia Exmo. senhor M.
Mereceu a nossa melhor atenção a vossa reclamação relativa à avaria no elevador do bloco C-2 da Rua ... (…) O ascensor é uma máquina complexa composta por milhares de componentes e pese embora todo o empenho das pessoas responsáveis pela sua assistência, sendo uma máquina está sujeita a avarias que surgem de forma imprevisível. (…) Neste caso em concreto, após análise feita pelo nosso técnico conclui-se que existe um problema na placa de comando não sendo possível, no local, averiguar se o mesmo tem reparação ou se terá de ser substituída.
Nesse sentido procedemos à recolha da mesma e enviámos para o nosso departamento de engenharia que se encontra neste momento a tentar proceder à reparação da mesma.
Contamos ter a confirmação na próxima segunda feira dia 7 de agosto, pelo que nesse mesmo dia voltaremos ao seu contacto com um feedback.
O supervisor técnico responsável pela unidade, senhor RB...., tem mantido contacto telefónico com o senhor M colocando-o ao corrente da situação pelo que não compreendemos a sua afirmação de que, à data, não tem qualquer conhecimento acerca do que se está a passar alegando ser justa causa para a rescisão unilateral do contrato.
Compreendemos o transtorno e desconforto que esta avaria possa estar a causar aos moradores, o que lamentamos desde já, mas de facto, nestas circunstâncias não é possível uma resolução imediata. Tentaremos ser tão breves quanto possível. (…)”

Dia 10 de agosto de 2017:
“(…)
Para OTIS
Ao cuidado Sr. Eng.º AF.
Vem a administração pelo presente lamentar o teor deste email, nos vários anos de colaboração com a OTIS tal situação nunca aconteceu.
Mais lamentamos ter que ser a administração a solicitar informação sobre o que se passava com o equipamento, o que só aconteceu hoje após contactos telefónicos para a OTIS.
Assim neste sentido e lamentavelmente a resposta que obtivemos nada esclarece.
Aguardamos com a máxima brevidade resposta esclarecedora sobre o que se está a passar.
As medidas a tomar Legalmente serão comunicadas por carta registada com aviso de receção.
Sem outro assinto.
A Administração
M.”

Dia 11 de agosto de 2017:
“(…)
Exmo. senhor M
(…) Tal como lhe referi na anterior comunicação, a equipa técnica que respondeu à avaria reportada para o elevador instalado no bloco C2 …, identificou um problema na placa de comando não tendo sido possível a sua reposição em funcionamento.

Tomamos a decisão de retirar a placa de comando e enviar para o nosso departamento de engenharia e estamos a desenvolver todos os esforços no sentido de resolver o ploblema através da atualização do software e assim evitar custos para o condomínio. Caso a atualização do software não resolva o problema e a placa tenha de ser reparada com a substituição de componentes, ou até mesmo substituída por uma nova, teremos de vos apresentar o respetivo orçamento.

Como compreenderá esta avaria não se trata de um componente mecânico que chegou ao fim da sua vida útil e que a solução passa pela sua simples substituição, estamos perante uma avaria ao nível da placa de comando em que podemos estar perante vários tipos de anomalia, temos de proceder ao despiste das várias possibilidades de solução até chegarmos aquela que irá resolver o problema.
Estamos sensíveis ao transtorno que esta avaria possa estar a causar aos moradores e estamos empenhados na resolução tão breve quanto possível.
Contamos poder dar-lhe um feedback até ao final desta manhã. (…)”

Dia 11 de agosto de 2017:
“Exmo. Sr.
Mais uma vez lamento a falta de profissionalismo da OTIS, pois infelizmente foi a administração (cliente) que procurou o fornecedor para saber o que se passava e não o contrário como deveria ser. mais lamentamos o atraso e o transtorno que esta situação acarreta ao condomínio onde infelizmente existem condóminos que necessitam de elevador. Reitero o email enviado anteriormente. (…)”

Dia 11 de agosto de 2017:
“Boa tarde Exmo. senhor M
Da análise que o nosso laboratório de engenharia efetuou à placa de comando, conclui-se que não se trata da mesma placa de comando à qual temos dado assistência e que esta não está operacional e não tem reparação possível.
Dessa forma enviamos orçamento para a substituição da referida placa de comando.
Só após a adjudicação do mesmo faremos a encomenda ao fabricante não dispondo neste momento de informação quanto ao prazo de entrega da mesma. (…)”

10.-No dia 17.08.2017 a administração do réu enviou uma carta registada para a autora com o seguinte teor:
“Assunto: Rescisão Unilateral de Contrato por Justa causa devido a incumprimento da V/parte.
Exmos. Senhores.
No seguimento dos email’s enviados sobre a reclamação do incumprimento do prazo legal, nomeadamente a falta de informação no prazo estabelecido por lei (24 horas), conforme Decreto-Lei datado de 28 de Dezembro de 2002, que junto enviamos.
Não obstante o que acima se refere, mais lamentamos termos sido obrigados a contactar telefonicamente para os vossos serviços de manutenção a solicitar informação da situação do elevador estar parado desde o dia 4/8/17.
Conforme chamei a vossa atenção neste bloco existe criança com dificuldade de locomoção. (…)”

11.-A autora respondeu à missiva, por carta de 18.08.2017, com o seguinte teor:
“Exmos. Senhores,
Mereceu a nossa melhor atenção a vossa comunicação recebida a 18 de agosto de 2017, na qual nos indicam a intenção de rescindir o atual contrato de manutenção alegando justa causa pelo incumprimento por parte da Otis elevadores.
No passado dia 4 de agosto de 2017 pelas 16:16 foi registado um pedido de intervenção técnica através da nossa central de atendimento permanente para o elevador que se encontra instalado na Rua …, devido ao mesmo se encontrar parado. O nosso técnico chegou ao local no mesmo dia pelas 17:14,52 minutos depois do pedido de intervenção, cumprindo com o estabelecido na alínea d), ponto 1.1 do Anexo II do Dec. Lei 320/2002 “O tempo de resposta a qualquer pedido de intervenção por avaria do equipamento não pode ser superior a vinte e quatro horas.”
Após análise, o técnico confirma que a paragem do elevador está relacionada com um problema proveniente da placa de comando, não sendo possível a sua resolução imediata. Pelas 18:20 o técnico sai do edifício deixando a notificação de intervenção na caixa da administração do condomínio.
No dia útil seguinte, dia 7 de agosto, o mesmo técnico desloca-se ao edifício dotado de uma consola especifica e conforma que não há possibilidade de reparação no local havendo necessidade de enviar a referida placa para o nosso laboratório de engenharia.
(…) Após vários testes e ensaios o nosso departamento de engenharia confirma que a avaria na placa de comando não tem reparação e que a mesma terá de ser substituída. Contudo, confirmámos também que a placa em causa, não corresponde à placa que se encontrava instalada no elevador antes do registo da avaria.

No dia 11 de agosto de 2017 foi elaborado um orçamento para a substituição da placa de comando e enviado para a administração do condomínio. Dai em diante não voltámos a ter qualquer comunicação por parte da administração nem para obter qualquer esclarecimento sobre a situação nem para discutir o orçamento apresentado.
Ao longo de todo este processo, a administração do condomínio, na pessoa do senhor M, foi sendo informada quer telefonicamente pelo supervisor técnico responsável, senhor RB, quer através da troca de emails com o delegado de serviço a clientes, senhor CO.
Não reconhecemos a justa causa alegada por vossas excelências para a rescisão unilateral do contrato pelos motivos atrás referidos e que facilmente se comprovam, sendo pelo contrário, aplicável o ponto 5.1.2 do atual contrato (…)”.

12.-No dia 22.08.2017 a autora enviou uma carta ao condomínio réu com o seguinte teor:
“Exmo. Senhor,
(…)
A resolução contratual operada por V. Exa. carece, em absoluto, de justa causa, tendo sido deliberadamente trocada a placa de comando que intervencionámos – na avaria de 04.08.2017 – e que não tinha reparação (como já referimos na nossa carta de 18.08.2017).
Dispomos de todos os registos fotográficos e testemunhal para corroborar esta afirmação (…), pelo que, e com o fundamento na intervenção ilegal de terceiros na instalação, quando estava em vigor o Contrato celebrado com esta empresa, consideramos o mesmo resolvido com justa causa pela Otis, e faturá-lo-emos em conformidade. (…)”

13.-No ano de 2012, o engenheiro LS, do departamento de engenharia da autora, foi à instalação e fotografou as placas de comando dos elevadores.

14.-A placa de comando retirada pela autora após a avaria de 04.08.2017 para ser reparada no departamento de engenharia da autora tem componentes distintos da placa de comando fotografada em 2012.

15.-A autora emitiu as seguintes faturas em nome do réu:
- Fatura nº FRS17003040, referente à reparação dos elevadores, no valor de €634,07, e com data de vencimento a 08.02.2017;
- Fatura nº FRS17003043, referente à reparação dos elevadores, no valor de €211,35, e com data de vencimento a 03.03.2017;
- Fatura nº A0417001351, referente à reparação dos elevadores, no valor de €134,48, e com data de vencimento a 20.03.2017;
- Fatura nº FRS17005089, referente à reparação dos elevadores, no valor de €211,35, e com data de vencimento a 03.04.2017;
- Fatura nº FRS17005500, referente à reparação dos elevadores, no valor de €211,36, e com data de vencimento a 03.05.2017;
-Fatura nº FCN17048606, referente à conservação dos elevadores de abril a junho de 2017, no valor de €468,81, e com data de vencimento a 01.04.2017;
-Fatura nº FCN17084076, referente à conservação dos elevadores de julho de 2017, no valor de €468,81, e com data de vencimento a 01.07.2017, estando em dívida apenas o valor de €156,27;
-Fatura nº RCN17901908, referente a sanção contratual de agosto de 2017 a março de 2021 nos termos da cláusula contratual 5.1.2, no valor de €6.875,95, e com data de vencimento a 11.09.2017;
-Fatura nº NDJ17000148, referente a nota de juros, no valor de €40,47, e com data de vencimento a 13.09.2017.

16.-O réu não efetuou o pagamento das faturas descritas em 15., apesar da autora o ter solicitado.
17.-Da cláusula 5.1.2 do contrato referido em 2. consta que “A OTIS não se responsabiliza pelo funcionamento dos elevadores, quando verificar que quaisquer estranhos intervieram, tentativamente ou não, na resolução de avarias ou na reparação do equipamento. Sempre que tal se verifique, a OTIS poderá cancelar de imediato as suas responsabilidades contratuais, ficando o CLIENTE obrigado ao pagamento da totalidade das prestações de preço previstas até ao final do prazo contratado.”
18.-No dia 4 de agosto de 2017, sexta-feira, o administrador da ré não foi contactado pelo técnico que se deslocou ao local sobre o ponto de situação da avaria.
19.-No condomínio vive uma criança com dificuldade de locomoção que necessita do elevador para sair do seu apartamento.
20.-O orçamento apresentado pela autora ao réu no dia 11 de agosto de 2017 para a substituição da placa de comando do elevador Orona Arca II foi de € 2.240,00 acrescido de IVA.
21.-O contrato referido em 2. contém uma primeira folha com a identidade dos contraentes, as páginas seguintes com as “condições gerais” e a última página com as “condições contratuais específicas” que incluem as “condições particulares”.
22.-A partir de 18 de agosto de 2017 a Orona passou a efetuar a manutenção dos elevadores do réu.
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III.2. Na decisão recorrida considerou-se que não se provaram os seguintes factos:
- foram os técnicos da Orona que mudaram a “placa boa” por uma inoperacional, provocando a avaria.
- no dia 7 de agosto de 2017 o administrador do réu recebeu queixas de vários condóminos de que o elevador se mantinha avariado e sem qualquer menção ou sinal de intervenção técnica por parte da autora.
- durante os dias da avaria a criança que reside no prédio com dificuldades de locomoção foi obrigada a solicitar a colaboração de vizinhos para, em braços, a ajudarem a descer e a subir as escadas com a respetiva cadeira de rodas.
- o administrador do réu viu-se obrigado a reunir com os condóminos e dada a situação financeira do condomínio não comportar o custo de €2240 euros mais IVA, a curto prazo, foi proposto por vários condóminos renegociar o valor da mesma, mas sem abertura por parte da autora.
- a placa Orona Arca II tem um custo de €430,00 mais IVA junto do fabricante ORONA.
- o técnico da autora não deixou qualquer comunicação da sua presença no dia 4 de agosto de 2017, indicação da ocorrência ou relatório da visita a qualquer condómino ou ao seu administrador.
- durante mais de 7 dias o réu e o seu representante nunca foram informados de qual a causa da avaria do elevador.
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III.3 Os factos e o direito.

Mantendo-se inalterada a factualidade provada, por não ter sido objecto de impugnação, importa agora apurar se é de manter a absolvição do Réu da parte do pedido respeitante à cláusula penal indemnizatória fundada na violação da cláusula 5.1.2. do contrato.
Saliente-se que pese embora a controvérsia acerca da resolução do contrato operada pelo Réu, não foi com fundamento em tal resolução que a ora Apelante conformou o seu pedido – a pretensão indemnizatória foi formulada apenas com fundamento na cláusula 5.1.2. citada.

Vejamos então.

Sendo os contratos uma fonte de obrigações, nos termos do disposto no artigo 406º do Código Civil o contrato deve ser pontualmente cumprido, ocorrendo tal cumprimento quando o devedor cumpre a obrigação a que está vinculado – artigo 762º do Código Civil.

Celebraram as partes o contrato de que foi junta cópia como documento n.º 1 à petição inicial, mediante o qual se vincularam, reciprocamente, a determinadas obrigações, de entre as quais importa destacar a estipulada para a ora Autora, de prestar serviços de manutenção de elevadores instalados no condomínio Réu, e para este último, de proceder ao pagamento das acordadas retribuições.

Clausulou-se no contrato, no que ao presente recurso importa, que a ora Autora não se responsabilizaria pelo funcionamento dos elevadores, “quando verificar que quaisquer estranhos intervieram, tentativamente ou não, na resolução de avarias ou na reparação do equipamento. Sempre que tal se verifique, a OTIS poderá cancelar de imediato as suas responsabilidades contratuais, ficando o CLIENTE, obrigado ao pagamento da totalidade das prestações de preço previstas até ao final do prazo contratado”.

É sabido que a resolução consiste na destruição da relação contratual, operada por um dos contraentes, com base num facto posterior à celebração do contrato.

Pode fundar-se na convenção das partes (cláusula contratual resolutiva expressa) ou num fundamento legal que a justifique correspondendo, assim, a um direito potestativo vinculado, como resulta do artigo 432.º do Código Civil.

Acerca dos efeitos da resolução do contrato dispõe o artigo 433º do Código Civil que, na falta de disposição especial, a resolução é equiparada, quanto aos seus efeitos, à nulidade ou anulabilidade do negócio jurídico, com ressalva do disposto nos artigos seguintes.

Por outro lado, nos termos do disposto no artigo 810º do Código Civil, justamente no domínio e respeito pela liberdade contratual (artigo 405º do Código Civil), permite-se às partes que, por acordo e antecipadamente, possam estipular o montante da indemnização.
Tal estipulação contratual assume a natureza de cláusula penal - enquanto estipulação negocial em que uma das partes se obriga antecipadamente, perante a outra, caso não cumpra a obrigação ou não a cumpra exatamente nos termos devidos, ao pagamento de uma quantia pecuniária, a título de indemnização.

Tendo embora sido perspetivada, tradicionalmente, como indemnização pré-determinada - estipulando-se uma pena, esta substituirá a normal obrigação de indemnizar, porque constitui, em si mesma, a indemnização em que previamente se acordou, tal não significa que as partes não possam estipular uma cláusula penal compulsória.

Em função da finalidade prosseguida pelos contraentes com a sua fixação, ela pode, pois, classificar-se em cláusula de fixação antecipada da indemnização ou cláusula penal em sentido estrito e em cláusula penal puramente ou exclusivamente compulsória.
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A cláusula em questão tem, indubitavelmente, a natureza de cláusula resolutiva, na justa medida em que atribui à ora Autora, verificados que estejam os respectivos pressupostos, a faculdade de pôr termo ao contrato, e de cláusula penal, pois nela surge a determinação da obrigação do Réu na eventualidade de exercício pela Autora da aludida faculdade de resolver o contrato com os fundamentos ali previstos.

Entendeu-se na decisão sob censura que a estipulação contratual em apreço, na parte em que configura uma cláusula resolutiva é absolutamente legítima, concluindo-se pela nulidade da mesma no segmento em que consubstancia uma cláusula penal indemnizatória.

E é contra este entendimento que a ora Apelante se insurge.

Entendemos que o faz sem razão.

Sufraga-se inteiramente o entendimento vertido na decisão recorrida de que o contrato em causa – designadamente na parte que respeita à cláusula em questão - está sujeito ao regime jurídico das cláusulas contratuais gerais, aprovado pelo Dec. Lei n.º 446/85, de 25.10.

Na verdade, como se decidiu no Acórdão do Supremo Tribunal de Justiça de 20.12.2017[1], em que igualmente se discute um contrato de prestação de serviço de manutenção de elevadores:
“Corresponde a um contrato de adesão, porquanto na sua regulação, dispõe de uma série numerosa de cláusulas contratuais gerais (…). Na verdade, trata-se de um conjunto de proposições pré-elaboradas, nomeadamente pela Recorrida, e que os destinatários indeterminados se limitam a aceitar. As cláusulas contratuais gerais caracterizam-se, sobretudo, pela sua generalidade e rigidez, advindo a generalidade da circunstância de se destinarem a um conjunto indeterminado de interessados, enquanto a rigidez resulta de serem elaboradas sem prévia negociação, sendo aceites em bloco pelos aderentes (A. MENEZES CORDEIRO, Tratado de Direito Civil Português, I, Tomo 1, 2.ª edição, 2000, págs. 415 e segs.).

O contrato, contudo, contém ainda algumas cláusulas particulares, nomeadamente sobre o preço concreto da prestação de serviço, o mês da faturação, a duração concreta do contrato e o período concreto da sua renovação. Todavia, essas cláusulas, sujeitas a negociação prévia, não sendo cláusulas contratuais gerais, não retiram tal natureza ao conjunto das demais cláusulas, não só pela dimensão que estas assumem como também pela vastidão das matérias abrangidas, constituindo, claramente, o núcleo essencial modelador do contrato celebrado, nos termos usados no acórdão do Supremo Tribunal de Justiça 15 de janeiro de 2013 (600/06.5TCGMR.G1.S1), acessível em www.dgsi.pt.

Tratando-se, pois, de um contrato de adesão, a validade das suas cláusulas está sujeita a controlo jurisdicional, nomeadamente nos termos especificados no DL n.º 446/85, de 25 de outubro.”

De salientar que a cláusula se insere sistematicamente nas exclusões gerais de responsabilidade contratual e que a própria Apelante justifica  introdução da mesma com a finalidade de acautelar “de forma musculada” que nenhum estranho mexa na instalação, assegurando que os contratos de manutenção de elevadores contém cláusulas iguais, e que «todas as EMA’s se defendem da mesma forma, e praticam o mesmo tipo de texto, por forma a dissuadir a veleidade da tentação de deixar estranhos/terceiros “mexerem” na instalação», não se descortinando, pois, qualquer possibilidade de o ora Recorrido ter tido possibilidade efectiva de influenciar o conteúdo da cláusula pré-elaborada pela ora Recorrente.

Por outro lado, dispõe o artigo 1.º do Decreto - Lei n.º446/85, de 25 de Outubro:
“1.As cláusulas contratuais gerais elaboradas de antemão, que proponentes ou destinatários indeterminados se limitem, respectivamente, a subscrever ou aceitar, regem-se pelo presente diploma.
2.O presente diploma aplica-se igualmente às cláusulas em contratos individualizados, mas cujo conteúdo previamente elaborado o destinatário não pôde influenciar.
3.O ónus de prova de que uma cláusula contratual resultou de negociação prévia entre as partes recai sobre quem pretenda prevalecer-se do seu conteúdo”.

Acerca deste último dispositivo, que corresponde ao artigo 3.º, n.º 2, parágrafo 3.º, da Directiva Comunitária 93/13/CEE, de 5 de Abril, que a transpõe para a ordem jurídica interna, importa referir que “...se é certo que é aquele a quem não convém a cláusula que tem interesse em pedir a declaração da sua nulidade ou a sua exclusão do contrato, não podemos esquecer que quem invoca a cláusula é que tem de provar a sua existência e o conjunto de factos que a tornam eficaz. Recaindo sobre ele não só o ónus de prova como também o de alegação dos factos constitutivos do direito invocado (artigos 342º, n.º 1 do Código Civil e 664º do Código de Processo Civil). Pelo que, em um caso concreto, dever-se-á entender que determinada cláusula previamente elaborada cai na previsão do artigo 1.º do DL n.º 446/85 se a parte que dela queira prevalecer-se não tiver alegado e provado que a mesma resultou de negociação. Sem o que se concluirá que a mesma não resultou dessa negociação, mesmo que a contra parte a tal se não tenha reportado”[2].

Cabia, pois, à Autora, que invocou a cláusula 5.1.2. do contrato aqui em discussão, e que dela se quis prevalecer, alegar e demonstrar que a mesma resultou de negociação entre as partes para a afastar do regime do Decreto - Lei n.º 446/85. Ora, como se vê dos factos provados, manifestamente, a ora Autora não logrou provar tal negociação.

O regime aprovado pelo Decreto - Lei n.º 446/85, de 25.10, consagrou a boa - fé como princípio geral de controlo - cfr. art.ºs 15.º e 16.º -, elencando nos artigos 18º a 22º as cláusulas que qualifica de absoluta ou relativamente proibidas.

Nos termos da alínea c) do artigo 19.º do Decreto - Lei n.º 446/85, de 25 de Outubro, “são proibidas, consoante o quadro negocial padronizado, designadamente, as cláusulas contratuais gerais que consagrem cláusulas penais desproporcionadas aos danos a ressarcir”.

A este respeito, não pode deixar de subscrever-se o juízo formulado pelo Tribunal Recorrido, nos termos do qual “analisando a cláusula penal indemnizatória – cláusula 5.1.2 – retira-se que está previsto, no segmento final da cláusula, que “o cliente fica obrigado ao pagamento da totalidade das prestações do preço previstas até ao final do prazo contratado”, nas situações em que a Otis decida pôr termo ao contrato porque estranhos intervieram na resolução de avarias ou na reparação do equipamento, o que claramente consubstancia uma cláusula penal desproporcionada face aos danos a ressarcir, pois não se tem em conta o caso concreto, o momento em que os factos ocorreram e a expressão dos prejuízos para que objetivamente se possa definir a proporção entre a sanção e os danos a ressarcir e, consequentemente, por uma indemnização justa tendo em consideração a gravidade, a culpa, a ilicitude e os danos emergentes da violação do contrato em cada caso concreto e não apenas um cálculo matemático tendo em conta os meses em falta até ao termo do prazo contratado.”

Note-se que para efeitos de integração do preceituado no artigo 19º, al. c) da LCCG não é exigível que a cláusula penal se mostre excessiva, isto é, grave ou ostensivamente desproporcionada[3].

A cláusula em questão, na medida em que estabelece cláusula penal consubstanciada em indemnização por danos, no valor da totalidade das prestações de preço previstas até ao final do prazo contratado, ou seja, das prestações vincendas até ao fim do prazo do contrato, como aconteceria se este fosse integralmente cumprido, sendo certo que a Autora por força da resolução do contrato que está na sua disponibilidade, fica dispensada da correspondente prestação de serviços naquele período, conduz a um manifesto desequilíbrio na posição de cada uma das partes[4] - é como se só uma das partes ficasse obrigada ao cumprimento do contrato.

Não está demonstrada expetativa da Autora no cumprimento do referido contrato até ao seu termo, que justifique o pagamento, nos termos clausulados, de todas as prestações vincendas, sendo certo que tendo o contrato sido celebrado em Março de 2016, para o período de cinco anos, o mesmo foi resolvido em Agosto de 2017.
Revela-se, pois, a referida cláusula penal desproporcionada aos danos que visa ressarcir, no contexto do quadro negocial em causa, sendo proibidas e nulas, nos termos do artigo 19°, al. c) do RCCG.

Sempre se dirá que ainda que assim não se entendesse, sempre seria de manter a improcedência do pedido nesta parte.

Efetivamente, não provou a Autora como lhe cabia, nos termos do já referido artigo 342º do Código Civil, que qualquer terceiro, estranho, interveio na resolução de avaria ou na reparação do equipamento, sendo que diversamente do alegado pela Apelante, da simples circunstância de se ter demonstrado que a placa fotografada em 2012 não é a mesma que em 2017 foi levada para reparar, não pode, sem mais, concluir-se, que foi uma terceira pessoa, muito menos a indicada sociedade com a qual o Réu contratou subsequentemente a manutenção dos elevadores, quem procedeu à troca, pois uma realidade não implica a outra.

Num período de cerca de cinco anos várias hipóteses podem explicar tal troca de placa, pelo que desconhecendo-se as circunstâncias em que teve lugar, não pode concluir-se pela verificação dos pressupostos previstos na cláusula 5.1.2.

Conclui-se desta forma pela improcedência da apelação.
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IV.Decisão.
Pelo exposto, acordam julgar improcedente a apelação e consequentemente, em manter a sentença recorrida.
Custas pela Apelante – artigo 527º do Código de Processo Civil.
Registe e notifique.



Lisboa, 2019-10-15                                      
                                       
 
                                      
(Ana Isabel Mascarenhas Pessoa)                                       
(Vera Antunes)                                       
(Amélia Rebelo)



[1]Proferido no âmbito do processo n.º 10348/14.1T2SNT.L1.S1, acessível em www.dgsi.pt
[2]Cf. José Manuel Araújo de Barros, “Cláusulas Contratuais Gerais, DL n.º 446/85 – Anotado”, Coimbra Editora, 2010, pág. 32.; Cf. ainda o Acórdão da Relação do Porto de 11.04.2018, proferido no âmbito do processo n.º 10146/16.8T8VNG.P1, acessível em www.dgsi.pt.
[3]Cf. o Acórdão da Relação do Porto de 14.12.2018, proferido no âmbito do processo n.º 3180/15.7T8VNG
[4]Cf. o Acórdão da Relação de Coimbra, de 28/10/2014, proferido no âmbito do processo n.º 3516/13.5TJCBR.C1, acessível em www.dgsi.pt.