Acórdão do Tribunal da Relação de Lisboa | |||
Processo: |
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Relator: | MANUEL ADVÍNCULO SEQUEIRA | ||
Descritores: | MEIOS DE PROVA | ||
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Nº do Documento: | RL | ||
Data do Acordão: | 12/07/2021 | ||
Votação: | UNANIMIDADE | ||
Texto Integral: | S | ||
Texto Parcial: | N | ||
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Meio Processual: | RECURSO PENAL | ||
Decisão: | NÃO PROVIDO | ||
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Sumário: | - Os meios de prova demonstram-se em si mesmos, para além de, legalmente, terem por objecto factos e não outros meios de prova, ou de obtenção desta, princípio geral enunciado no nº 1 do artº 124º do Código de Processo Penal; - Os meios de prova são diferentes e autónomos entre si, sem prejuízo do exame crítico final, a fazer entre todos os que hajam sido produzidos; - É legalmente vedada a prática da “prova” por declarações em audiência acerca de outros meios de prova ou de obtenção da mesma: documental, por escutas, apreensões, etc... (Sumariado pelo relator) | ||
Decisão Texto Parcial: | ![]() | ||
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Decisão Texto Integral: | Acordam, em conferência, na 5ª Secção Criminal do Tribunal da Relação de Lisboa. No âmbito deste processo foi o arguido AA condenado na pena de três anos de prisão, pela prática, em autoria material e na forma consumada, de um crime de furto qualificado, p. e p. pelo artigo 204.°, n.° 2, alínea e) do Código Penal. * Interpôs o arguido o presente recurso concluindo: “1ª-O presente recurso versa sobre matéria de facto e de direito, com os fundamentos previstos no disposto no art. 410º do CPP, nomeadamente, insuficiência para a decisão da matéria de facto provada, contradição insanável da fundamentação ou entre a fundamentação e a decisão e erro notório na apreciação da prova (artº 410º nº als. a) b) e c) do CPP). 2ª-A convicção do Tribunal para apuramento dos factos provados, no que respeita ao ora recorrente, não é verosímil, porquanto, salvo o devido respeito, não é possível retirar tais conclusões da prova produzida (cfr. factos provados designadamente, nos pontos 1 a 6 da douta sentença recorrida). 3ª- Ora salvo o devido respeito, não é possível retirar tais conclusões da prova produzida, uma vez que os factos provados dados como provados se alicerçaram somente e fortemente no Relatório Social e ainda, nas condenações anteriores do arguido, já transitadas em julgado, constantes no CRC. 4ª-Assim, a douta decisão recorrida errou notoriamente na apreciação da prova produzida em audiência de julgamento, devendo todos os pontos dos factos provados no douto acórdão recorrido, ser julgados não provados, ressalvando as condições pessoais do arguido assente no Relatório social e no seu CRC. 5ª-A prova produzida é manifestamente insuficiente e dúbia não podendo servir de alicerce aos factos julgados provados pelo Tribunal “a quo”, pelo que, consequentemente, o recorrente não pode ser condenado pela prática do crime que lhe é imputado. 6ª-O Relatório técnico de inspeção judiciária, traduz-se em ser um relatório pobre e insuficiente, no que concerne os vestígios digitais encontrados num dos vidros partidos da montra, que não permite aferir qual a datação das mesmas. 7ª-Limita-se a referir na sua conclusão que o Vestígio A1 identifica-se com o dactilograma correspondente ao dedo anelar da mão esquerda do arguido. Logo, tal Relatório não poderá ser valorado como prova pericial. 8ª-Tal Relatório não pode ser valorado como prova pericial. 9ª-Ora, a demais, o local em causa trata-se de um café aberto ao público para quem o queira frequentar. Para além disso, o arguido esclareceu e muito bem, que era frequentador assíduo do café, pois trabalhava na zona, na altura dos factos. 10ª-Para além do mais, impressões digitais no vidro da montra do café não fazem prova da participação direta por si só da intervenção do arguido, que o mesmo tenha sido autor ou cometido tal crime do qual vinha acusado e foi condenado. 11ª-Assim, a impressão digital do arguido não seja suficiente para a sua condenação, uma vez que não se fez a datação da mesma na perícia, ou melhor dizendo não se averiguou quando é que tal impressão digital ali foi deixada. 12ª- Por sua vez, a prova testemunhal também se mostrou dúbia para uma condenação em juízo. A testemunha BB, militar da GNR, limitou-se a deslocar-se ao local e elaborar o auto de notícia e não presenciou os factos, isto é, pouca ou nenhuma intervenção teve. Deu conhecimento do mesmo à equipa de investigação criminal que efetuou as perícias dos autos. Não se recorda dos objetos subtraídos e só pode indicá-los através da leitura da relação de bens dos objetos furtados. 13ª-Releva que a testemunha foi conduzida e induzida a dizer o necessário para se obter uma condenação em juízo, não prestou um depoimento isento, nem esclareceu devidamente os factos. consequentemente, o recorrente não pode ser condenado pela prática do crime que lhe é imputado. 14ª-A testemunha CC não prestou um depoimento claro, nem isento até porque não se recordava dos factos deste furto em concreto, nem dos objetos subtraídos, tendo sido induzido a dizer o que estava escrito na relação de bens furtados. 15ª- Declarou que não conhece o arguido. Como poderia conhecer?....Passados 9 anos (2012) data dos factos e presente audiência de julgamento que ocorreu em 2021. 16ª-Ademais, o restaurante foi alvo de diversos furtos. 17ª-A convicção do tribunal funda-se, fundamentalmente, pelo Relatório Social e antecedentes criminais do arguido (CRC). 18ª-A prova produzida é manifestamente insuficiente e dúbia não podendo servir de alicerce aos factos julgados provados pelo Tribunal “a quo”, pelo que, consequentemente, o recorrente não pode ser condenado pela prática do crime que lhe é imputado. 19ª- Por quanto, a impressão digital do arguido não seja suficiente para a sua condenação, uma vez que não se fez a datação da mesma na perícia, ou melhor dizendo não se averiguou quando é que tal impressão digital ali foi deixada – vide Acórdão do Tribunal da Relação de Lisboa, Procº Nº 520/16.5PAMTJ.L1-9. 20ª-Nos termos do disposto no artº 127º do C.P.P., a regra é a de que a prova é apreciada segundo as regras da experiência e a livre convicção da entidade competente, o que não significa uma ausência de critérios legais que predeterminem ou hierarquizem o valor dos diversos meios de prova (Cfr. Figueiredo Dias, in “Direito Processual Penal”, I Vol. 1974, págs. 202 e segs.). “A livre convicção do julgador não pode significar, nem significa, a substituição da certeza objetiva como finalidade da prova, por uma convicção subjetiva, incondicionada, e desligada de regras legais, de regras de lógica baseadas na experiência, que formam o conteúdo de um direito probatório substantivo” (Cfr. Manuel Cavaleiro de Ferreira, in “Curso de Processo Penal”, Vol. 1º, Lisboa 1986, pág. 204 a 205). Refere, ainda, o mencionado catedrático que “A prova, na sua conclusão, é demonstração da realidade dos factos e é um juízo de certeza; à probabilidade corresponde um juízo de opinião, e à possibilidade mais ou menos fundamentada e que por isso consente muitos graus, corresponde um juízo de suspeita. A certeza, a prova plena, a demonstração da realidade dos factos, é exigida, em processo penal, em especial na decisão condenatória, e no que respeita ao facto punível e sua imputação ao agente” (o sublinhado é nosso) – Cfr. obra supra citada, pág. 205. 21ª-Na valoração da prova, o julgador deve pautar-se por juízos objetivos, devendo lograr afastar qualquer dúvida. E, existindo dúvidas, as mesmas só podem ser favoráveis ao arguido, em nome do princípio “in dubio pro reo”, consagrado no artº 32º da CRP, o que não sucedeu no caso sub judice. 22ª-O princípio do “in dubio pro reo” não é mais que uma regra de decisão: produzida a prova e efetuada a sua valoração de forma isenta e ponderada, quando o resultado do processo probatório seja uma dúvida, uma dúvida razoável e insuperável sobre a realidade dos factos, ou seja, subsistindo no espírito do julgador uma dúvida positiva e invencível sobre a verificação, ou não, de determinado facto, o Juiz deve decidir a favor do arguido, dando como não provado o facto que lhe é desfavorável, o que não se verifica neste caso. 23ª-No presente caso, a violação do princípio em causa resulta, claramente, do texto da decisão recorrida, ou seja, constata-se que o tribunal decidiu a desfavor do arguido, apesar de tal decisão não ter suporte probatório bastante, o que decorre, além do mais, da prova produzida e da motivação da convicção do tribunal explanada naquele texto. 24ª-Em processo penal deve aceitar-se o risco da absolvição do culpado e nunca o da condenação de um inocente, vigorando sempre a presunção de inocência e, por isso, a necessidade de prova plena em desfavor do arguido. 25ª-Atentos os factos provados, e a esses temos que nos reportar, há que valorar, para aferir e determinar a medida da pena, o grau de culpa do agente – devendo o facto ilícito ser valorado em função do seu efeito externo -, e, por outro lado, atender às necessidades de prevenção - cfr. artigo 71º do Código Penal. Na sentença devem ser expressamente referidos os fundamentos das penas-cfr. art. 71º, n.º 3. 26ª-O Tribunal a quo violou, ainda, o disposto no artigo 71º do Código Penal, por incorreta e imprecisa aplicação. Considerando os escassos factos provados sobre as concretas circunstâncias da prática do crime, a ausência de quaisquer alusões ou considerações quer aos sentimentos manifestados no seu cometimento e os fins ou motivos que o determinaram - quer sobre a conduta anterior e posterior à prática dos factos, quer sobre a personalidade do agente, a sua integração social, as suas condições pessoais, nomeadamente familiares -, deverão pender a favor do arguido, seja por aplicação do princípio geral "in dubio pro reo", seja pelo facto da falta de fundamentos para penalizar o arguido. 27ª-Há que respeitar a livre apreciação da prova e a convicção do Tribunal, sem, contudo, se descurar o facto de assistir ao arguido o direito de exigir que o acórdão que determina a sua condenação - em especial a privação da sua liberdade - seja criteriosamente fundamentado e se sustente em factos que permitam, só por si, valorar o grau de ilicitude e a intensidade do dolo. 28ª-A douta sentença recorrida encontra-se afetada dos vícios de insuficiência para a decisão da matéria de facto provada, erro notório na apreciação da prova produzida e contradição entre a fundamentação e a decisão, nos termos do disposto no artº 410º nº 2 als. a), b) e c) do CPP. 29ª-Resulta da decisão recorrida e do contexto desta que o tribunal “a quo” chegara a uma situação de dúvida sobre a realidade factológica, ainda assim decidiu em desfavor do arguido, ora mesmo não reconhecendo o tribunal “a quo” essa dúvida ela resulte ou seja é patente do texto da decisão recorrida, por si só, ou em conjugação com as regras da experiência comum, (n.º 2 do art. 410.º do CPP, mormente no previsto na al. c) daquele n.º 2 - erro notório na apreciação da prova.) 30ª-Deste logo, na valoração da prova, o julgador deve pautar-se por juízos objetivos, devendo lograr afastar qualquer dúvida. 31ª- O tribunal “a quo” olvidou um princípio estruturante do processo penal: o de que para a condenação se exige um juízo de certeza e não de mera probabilidade– vide Processo n.º: 720/11.4pjprt.p1, Tribunal da relação do Porto, de 23 jan. 2013, fonte: dgsi, Relator: Eduarda Lobo. 32ª- Face ao supra exposto, não poderá o recorrente ser condenado, como foi, pela prática do crime de furto qualificado, devendo ser Absolvido. 33ª-Mesmo que não se entendesse que o recorrente deveria ser absolvido, o que não se aceita, mas apenas se admite como mera hipótese raciocínio, sempre se diria que a pena aplicada ao recorrente deve ser suspensa na sua execução, atendendo a que o mesmo. 34ª- A suspensão da execução da pena de prisão é um poder-dever ao qual o julgador se encontra vinculado, sendo que, sempre que aplique uma pena de prisão não superior a 5 anos, deverá, obrigatoriamente, ponderar a respetiva suspensão, fundamentando quer a concessão, quer a denegação da suspensão, realizando, para tal efeito, um juízo de prognose do comportamento futuro do arguido, pesando as necessidades de prevenção geral e de prevenção especial aplicáveis ao caso, o que não se verificou neste caso. 35ª- Acresce que o arguido tem uma família constituída que aguarda por si. 36ª-Pese embora, o mesmo tem sido severamente punido devido ao seu passado delituoso, do qual não se orgulha… tem respondido em certos processos criminais, somente por ter uma ficha biométrica no Sistema Automatizado de Identificação. 37ª- Pelo exposto, a douta sentença recorrida encontra-se afetada dos vícios de insuficiência para a decisão da matéria de facto provada, erro notório na apreciação da prova produzida e contradição entre a fundamentação e a decisão, nos termos do disposto no artº 410º nº 2 als. a), b) e c) do CPP. 38ª-Ao assim não ter decidido, violou o douto acórdão recorrido, designadamente, o disposto no artigo 204º nº2 alínea e) do CP, nos artigos 127º e 410º nº als. a), b) e c) do CPP e nos artigos 40º, 50º, 51º, 53º, 54º, 70º, 71º do CP, bem como no artigo 32ºda CRP, não tendo feito a mais correta interpretação e aplicação dos mesmos ao caso concreto, devendo tais normativos legais ter sido interpretados e aplicados no sentido do supra exposto.” * A Digna Magistrada do Ministério Público junto da primeira instância pugnou fosse negado provimento ao recurso e mantida a sentença recorrida, concluindo: “1. Quando o recorrente alega o vício previsto no art. 410.º, n.º 2 al. a) do CPP, deve especificar os factos que, em seu entender, eram necessários para a decisão justa que devia ser proferida, que o Tribunal a quo devia ter indagado e conhecido e não indagou e, consequentemente, não conheceu, podendo e devendo fazê-lo. 2. No caso sub judice, verifica-se que aquilo que o recorrente verdadeiramente não aceita é apreciação da prova levada a cabo pelo Tribunal a quo, pelo que a questão nada tem a ver com o vício do art. 410.º, mas com a impugnação da matéria de facto, nos termos do art. 412.º, n.º 3 do CPP. 3. Todavia, o recorrente não impugnou de forma processualmente válida a decisão proferida sobre a matéria de facto (cfr. art. 412.º, n.º 2, al. a), n.º 3, als. a) e b) do CPP), pelo que esta deve ter-se por definitivamente fixada (cfr. art.º 431.º, al. b), do CPP). 4. No que concerne aos vícios previstos no art. 410º, n.º 2, als. b) e c), do CPP, verifica-se que inexiste qualquer oposição entre os factos provados, os factos não provados, nem entre estes e aqueles, mas antes se apercebe que todos se harmonizam. 5. Muito menos existe um confronto insuperável e contraditório entre a fundamentação probatória da matéria de facto, ou contradição insanável entre a fundamentação e a decisão, assentando a convicção do Tribunal, de forma fundamentada, na prova pericial, testemunhal e documental nela referida. 6. Pelo contrário, verifica-se que o juízo crítico final resultou do confronto entre os diversos meios de prova produzidos, bem como da valoração intrínseca que, de acordo com as regras processuais aplicáveis ao poder de livre apreciação (cfr. art. 127º do CPP), o Tribunal entendeu ser o que decorria de um processo racional e lógico de formação da convicção, no qual tiveram interferência todas as cambiantes de normalidade, razoabilidade e de senso comum. 7. Neste conspecto, cumpre salientar que, gozando o Tribunal recorrido do privilégio da imediação das provas e assentando a convicção do julgador, em larga medida, no que tal imediação lhe permite apreender, só se da apreciação da prova feita pelo Tribunal superior resultar para este ter havido clara violação dos critérios da apreciação da prova, deve o mesmo modificar a matéria de facto dada como assente. 8. A violação do princípio in dúbio pro reo pressupõe um estado de dúvida no espírito do julgador, só podendo ser afirmada quando, do texto da decisão recorrida decorrer, por forma evidente, que o Tribunal, na dúvida, optou por decidir contra o arguido. 9. Contudo, a dúvida que há-de levar o tribunal a decidir pro reo, tem de ser uma dúvida positiva, uma dúvida racional que elida a certeza contrária, ou seja, uma dúvida razoável e insuperável sobre a realidade dos factos. 10. Ou seja, inexistindo qualquer dúvida razoável na formulação do juízo factual que conduziu à decisão condenatória e resultando esse juízo do exame e discussão livre das provas produzidas e examinadas em audiência, subordinadas ao princípio do contraditório (cfr. arts. 355.*, n.* 1, do CPP e 32.*, n.* 1, da CRP), fica afastada a invocada violação do princípio do in dubio pro reo e da presunção de inocência. 11. Ora, in casu, não se vislumbra que a M.ma Juiz do Tribunal a quo tenha tido qualquer dúvida sobre a prova dos factos imputados ao arguido, sendo que a prova produzida permite afirmar, com segurança, que este praticou o ilícito criminal pelo qual foi condenado, não tendo permanecido qualquer dúvida que haja sido julgada contra o mesmo. 12. Com efeito, a fundamentação da matéria de facto assentou no conjunto da prova produzida e examinada em sede de audiência de julgamento, analisada global e criticamente, segundo as regras da experiência e da livre convicção do Tribunal, nos termos do disposto no art. 127*, do CPP, excepto quanto ao exame pericial, cujo juízo científico se encontra subtraído à livre apreciação da prova, nos termos do art. 163*, n.* 1, do CPP. 13. Assim, pese embora o arguido tenha negado a autoria dos factos, o certo é que o depoimento das testemunhas BB e CC se revelou coerente, linear e objectivo, razão pela qual mereceu a credibilidade do Tribunal e afastou a versão do arguido, sendo certo que este não logrou apresentar uma explicação minimamente razoável para os vestígios digitais constantes da prova pericial e o ofendido afirmou peremptóriamente que não conhecia o arguido e nunca o tinha visto frequentar o seu café. 14. De acordo com o art. 70* do CP, se a pena for combinada no tipo legal, em alternativa com prisão ou multa, o Tribunal dá preferência à não detentiva sempre que esta realize de forma adequada e suficiente as finalidades da punição. Nesta operação apenas se deve tomar em consideração as exigências de prevenção, maxime de prevenção especial. 15. Por sua vez, no que respeita à determinação do quantum exacto da pena, há que considerar as circunstâncias do art. 71°, n° 2 do CP, mormente os factos relativos à execução do facto, os relativos à personalidade do agente e os relativos à sua conduta, anterior e posterior ao facto. Há que considerar ainda a culpa do agente (que estabelece o limite máximo inultrapassável de pena concreta que é possível aplicar) e as exigências de prevenção. 16. No caso vertente, tendo em consideração que as exigências de prevenção geral são bastante elevadas, atenta a frequência com este crime ocorre e o enorme sentimento de insegurança que desencadeia na comunidade em geral e sendo certo que as exigências de prevenção especial são igualmente bastante elevadas, face aos antecedentes criminais do arguido e ao elevado grau de ilicitude e da culpa do mesmo, bem andou a M.ma Juiz do Tribunal a quo em optar pela aplicação de uma pena de prisão e em fixá-la em 3 anos. 17. Na formulação do juízo de prognose póstuma, ínsito ao art. 50°, do CP, o Tribunal deverá atender, no momento da elaboração da sentença, à personalidade do agente, às condições da sua vida, à sua conduta anterior e posterior ao facto, bem como à confissão aberta e relevante, ao seu arrependimento, à reparação do dano ou à prática de actos que obstem ao cometimento futuro de novos crimes e às circunstâncias do crime. 18. No caso em análise, e como bem refere a M.ma Juiz do Tribunal a quo, o arguido já sofreu 9 condenações, pela prática de 28 crimes, tendo-lhe sido aplicadas 4 penas de multa e 5 penas de prisão, 2 das quais suspensas na sua execução, sendo que actualmente o arguido se encontra em cumprimento de pena privativa da liberdade. 19. Acontece que, nem mesmo a aplicação de penas de prisão suspensas na sua execução impediram o arguido de voltar a delinquir, o que revela que não interiorizou, minimamente, a gravidade das suas condutas, nem o dever ser jurídico penal. 20. Deste modo, atenta a personalidade do arguido, a sua conduta anterior e posterior aos factos e os seus antecedentes criminais, duvidas não restam que já não é possível formular um juízo de prognose póstuma favorável relativamente ao mesmo, no sentido de que a simples censura do facto e a ameaça da prisão realizam de forma adequada e suficiente as finalidades da punição. 21. Face ao exposto, forçoso é concluir que as exigências de prevenção reclamadas no caso em apreço apenas serão satisfeitas com a aplicação de uma pena de prisão efectiva, pelo que bem andou o Tribunal a quo em não suspender a execução da pena.” * Neste Tribunal da Relação, a Digna Procuradora-Geral Adjunta emitiu douto parecer no sentido da improcedência do recurso. * Dispensados os vistos, foram os autos à conferência. * Fundamentação. * A sentença recorrida estabeleceu os seguintes factos provados: “1. No dia 18/01/2012, pelas 6 horas e 30 minutos, o arguido dirigiu-se ao restaurante "...", sito na Avenida .........., na ......, ....... 2. Ali chegado, o arguido partiu o vidro de uma das janelas laterais do estabelecimento, entrou no estabelecimento, e dali retirou os seguintes objetos: a. Uma coluna de som, de marca ....., no valor de € 300; e b. Uma caixa registadora, no valor de € 40. 3. Em seguida e na posse dos referidos objetos, que fez seus, o arguido encetou fuga do local. 4. O arguido sabia que para entrar no referido estabelecimento teria de ultrapassar as barreiras físicas existentes, o que fez ao partir o vidro da janela, com o intuito de dali subtrair bens de valor, o que conseguiu. 5. O arguido sabia que os objetos que subtraiu do restaurante "..." não lhe pertenciam e que ao actuar da forma acima descrita estava a agir contra a vontade do respectivo proprietário, ainda assim quis actuar da forma descrita, o que conseguiu. 6. O arguido sabia que as suas condutas eram proibidas e punidas por lei penal e tinha capacidade e liberdade para se determinar de acordo com esse conhecimento. 7. O arguido em cumprimento de pena no E.P. de ...., onde se encontrava anteriormente, trabalhava. 8. Em liberdade, o agregado era composto pela companheira. 9. Tem três filhos de 20, 19 e 7 anos de idade, os quais vivem com as respectivas mães. 10. Tem o 7.° ano de escolaridade, com frequência de escolaridade para obtenção de equivalência ao 9.° ano. 11. O arguido desenvolveu-se num meio familiar marcado pela separação dos pais, quando contava 15 anos de idade, tendo a mãe do arguido, figura com quem mantinha grande ligação afetiva, abandonado a casa de família. Na sequência, o acompanhamento do arguido e da irmã ficou a cargo do pai que, não obstante o apoio e enquadramento dispensado, terá tido limitações, nomeadamente ao nível educacional. 12. Com um trajecto escolar marcado pelo insucesso e desmotivação, o arguido abandonou o sistema de ensino com cerca de 14 anos. Inscreveu-se no ensino noturno, do qual desistiu após concluir o 7.° ano de escolaridade. 13. No plano laboral, o arguido começou a trabalhar ainda jovem, com cerca de 17 anos, tendo exercido atividade no mesmo centro comercial onde o pai trabalhava e, até aos 20 anos, desempenhou de forma pouco regular e consistente, diferentes ocupações. 14. A instabilidade patente na trajectória profissional terá estado associada ao início do consumo de estupefacientes (das denominadas "drogas duras") aos 18 anos de idade, tendo nesse contexto beneficiado de acompanhamento clínico especializado e efectuado em momentos diferentes, tratamento, sempre acompanhado pelo pai. Segundo o afirmado por si, esta problemática está debelada. 15. Com cerca de 20 anos começou a desempenhar trabalhos como ..., tendo obtido formação profissional nesta área quando tinha 25 anos de idade. 16. Fruto de dois relacionamentos afetivos anteriores, o arguido tem três filhos, atualmente com 20, 19 e 7 anos de idade, que residem nos agregados maternos respetivos, mencionando o próprio manter um relacionamento próximo com os descendentes. 17. O arguido iniciou um novo relacionamento afectivo há cerca de dois anos e meio com DD, já durante a reclusão, tendo o casal contraído matrimónio há cerca de 11 meses por procuração. 18. Para além de condenações averbadas, apresenta uma situação jurídica indefinida, devido a outras condenações em pena de prisão a aguardar trânsito em julgado, perspectivando-se uma amplitude considerável de privação de liberdade. 19. À data dos factos presentes na acusação, datados de 2012, o arguido residia com EE, mãe da sua filha mais nova, na Rua ....., ...., encontrando-se o arguido desempregado há algum tempo, desempenhando alguns trabalhos como ..... ou no setor ...... 20. Previamente à reclusão actual, encontrava-se em liberdade desde 22/09/2016, alvo de medida não detentiva no âmbito do Proc.° 723/15..... Residia há alguns meses num espaço habitacional inserido no local de trabalho, no espaço "....", em ..., em virtude das funções que desenvolvia como ….. e …. em conjunto com o seu pai. 21. No plano familiar, o arguido beneficiava de uma estrutura coesa e apoiante e que mantinha contacto regular com a mãe, residente no ..., bem como com as irmãs, actualmente autonomizadas em agregados constituídos e inseridas profissionalmente. 22. O arguido revela que mantinha um estilo de vida estruturado, centrado no convívio com os filhos e na prática desportiva. 23. Em termos de funcionamento pessoal, o arguido aparenta deter capacidades cognitivas e recursos pessoais que lhe permitem um discurso consonante com a adequação social. Contudo, importa que desenvolva consciência crítica e descentração social, ou seja, que reflicta sobre a origem dos seus comportamentos criminais e das suas consequências para si e, sobretudo, para os outros. 24. Apesar de nesta altura verbalizar propósitos de mudança no sentido pró-social, por ora, ainda não se observa um processo de mudança atitudinal consistente que permita, com segurança, avançar para uma prógnose positiva quanto à sua reinserção social. 25. Durante a reclusão tem contado com o apoio incondicional da esposa e dos pais, traduzido em visitas semanais por parte de DD e da sua mãe e do envio mensal de 20 € por parte da primeira. O pai também contribui para o seu sustento financeiro em meio prisional com o envio mensal de 40 E. 26. Em situação finura de vivência em liberdade, o arguido perspectiva coabitar com o cônjuge no agregado familiar desta, em ..., do qual fazem parte as três enteadas. Este agregado reside num apartamento arrendado de tipologia T2 (aguarda pela atribuição de habitação social), e a sua sobrevivência é assegurada pelo Rendimento Social de Inserção (RSI) no valor de 374 €, acrescido dos abonos de família das menores, no valor de 174 €, de mais 100 € proveniente do Fundo de Garantia de uma das filhas e de mais algum dinheiro (sem precisão de quantia) oriundo de alguns trabalhos .... pontuais desenvolvidos pela esposa. Os sogros do arguido também apoiam economicamente. 27. Como despesas fixas, respeitantes à renda, água e luz, tem um total de cerca de 465 e, o que implica uma gestão criteriosa dos fundos disponíveis. 28. O arguido refere ter trabalho assegurado como …../…… junto dos serviços da Câmara Municipal de ..... 29. No momento dispõe de 1,23 € no Fundo de Uso Pessoal (FUP), aforro manifestamente insuficiente para fazer face às suas despesas pessoais. 30. Perante os factos deduzidos na presente acusação, o arguido distancia-se, pois refere que dado o tempo decorrido, não se recorda. 31. Relativamente ao comportamento criminal inerente às condenações já impostas, revela atitude de alheamento e de incompreensão, não admitindo todos os crimes pelos quais foi alvo de reação penal. 32. Releva-se para o facto de, no que concerne aos comportamentos delituosos assumidos por si, os circunstanciar (entre 2015 e 2017) num período de desestabilização pessoal decorrente de dificuldades financeiras para fazer face às suas despesas. 33. Aguarda com alguma ansiedade a definição da sua situação jurídico-penal para poder iniciar o usufruto de medidas de flexibilização da pena e perspetivar o seu futuro (a liberdade condicional no âmbito da apreciação ao 'A de pena foi-lhe indeferida a 30/03/2020). 34. Em termos institucionais tem mantido atitude globalmente adaptada, com boa capacidade de integração, embora com alguns avanços e recuos no sentido da valorização do seu percurso pessoal e prisional. Esteve integrado no curso de Educação e Formação de Adultos — EFA B3, de modo a completar o 9.° ano de escolaridade, no ano lectivo de 2018/2019, não terminando por absentismo. A nível disciplinar foi alvo de uma sanção a 12/11/2019. Permanece em regime comum, sem o usufruto de medidas flexibilizadoras da pena. 35. Em termos de saúde está a ser seguido em consulta de cirurgia geral e foi avaliado em consulta inicial na valência de psicologia, após a sua afectação ao E.P. de ..... 36. A presente situação jurídico-penal e penitenciária tem tido impactos essencialmente de natureza emocional no próprio e nos familiares. 37. O arguido já sofreu condenações: a) Por sentença do ...° Juízo de Competência Criminal de ...., de 04/07/2005, transitada em julgado a 18/09/2005, por factos praticados a 29/10/2003, por um crime de resistência e coacção sobre funcionário e oito crimes de injúria, nas penas de 2 anos de prisão e de 3 meses de prisão por cada crime de injúria, respectivamente e, na pena única de 3 anos de prisão, suspensa na sal execução, pelo período de 5 anos, declarada extinta a suspensão da execução da pena, a 07/12/2010 (boletins ns.° 1 e 2); b) Por sentença do ...° Juízo Criminal de ..., de 28/01/2008, transitada em julgado a 21/04/2008, por factos praticados a 16/05/2004, por um crime de condução sem habilitação legal, na pena de 120 dias de multa, declarada extinta, por prescrição, a 21/04/2012 (boletins ns.° 3 e 4); c) Por sentença do Juízo de Média Instância Criminal de ... — Secção — Juiz ..., de 18/09/2009, transitada em julgado a 09/10/2009, por factos praticados a 29/09/2008, por um crime de detenção de arma proibida, na pena de 90 dias de multa, declarada extinta, por pagamento, a 04/03/2011 (boletins ns.° 5 e 6); d) Por sentença do Juízo de Pequena Instância Criminal de ... — Juiz .., de 01/06/2012, transitada em julgado a 04/07/2012, por factos praticados a 19/05/2012, por um crime de desobediência, na pena de 120 dias de multa, declarada extinta, por pagamento, a 30/08/2013 (boletins ns.° 7 e 8); e) Por sentença do Juízo Local Criminal de ...— Juiz ..., de 13/02/2013, transitada em julgado a 05/03/2013, por factos praticados a 28/07/2010, por um crime de detenção de arma proibida e um crime de consumo de estupefacientes, na pena de 210 dias de multa, declarada extinta, por pagamento, a 03/09/2014 (boletins ns.° 9 e 10); f) Por acórdão do Juízo Central Criminal de ... — Juiz ..., de 03/03/2015, transitado em julgado a 13/04/2015, pela prática a 13/01/2014, de três crimes de furto qualificado, na pena única de 4 anos de prisão, suspensa na sua execução, por igual período e sujeita a regime de prova, revogada a suspensão, a 08/05/2018 (boletim n.° 11 e 12); g) Por sentença do Juízo Local Criminal de ... — Juiz ..., de 13/02/2019, transitada em julgado a 15/03/2019, por factos praticados a 16/11/2017, por um crime de resistência e coacção sobre funcionário, um crime de dano qualificado, um crime de condução de veículo em estado de embriaguez e dois crimes de injúria agravada, na pena única de 2 anos e 6 meses de prisão e 4 meses de pena acessória de proibição de conduzir (boletim n.° 13); h) Por sentença do Juízo Local Criminal de ... — Juiz ..., de 04/06/2020, transitada em julgado a 29/10/2020, por factos praticados a 29/11/2011, por um crime de furto qualificado, na pena de 1 ano e 4 meses de prisão (boletim n.° 14); i) Por acórdão do Juízo Central Criminal de ... — Juiz ..., de 15/12/2016, transitado em julgado a 05/09/2017, pela prática a 28/06/2015, 13/07/2015, 19/07/2015 e 21/07/2015, de um crime de furto qualificado, um crime de furto qualificado tentado, um crime de furto de uso de veículo, um crime de ofensa à integridade física simples e um crime de resistência e coacção sobre funcionário, nas penas parcelares de 3 anos, 1 ano e 6 meses, 9 meses, 1 ano e 3 meses e 2 anos e 6 meses de prisão, respectivamente e, na pena única de 5 anos de prisão, a qual se encontra em cumprimento (certidão de fls. 110 e ss.).” * Cumpre apreciar. De acordo com a jurisprudência fixada pelo Acórdão do Plenário das Secções do STJ de 19.10.1995 (D.R., série I-A, de 28.12.1995), o âmbito do recurso define-se pelas conclusões que o recorrente extrai da respectiva motivação, sem prejuízo, contudo, das questões de conhecimento oficioso. * Atendendo às conclusões apresentadas são questões a apreciar: Reenvio do processo – artos 410º e 426º do Código de Processo Penal; Erro de julgamento e violação do princípio “in dubio pro reo”; Suspensão da execução da pena. * Reenvio do processo. Para motivar a sua decisão de facto, explanou a sentença recorrida pela seguinte forma: “Para responder à matéria de facto, o tribunal atendeu ao apurado em sede de audiência de julgamento, analisando global e criticamente, segundo as regras da experiência e da livre convicção do tribunal, nos termos do artigo 127.°, do Código de Processo Penal, excepto quanto ao exame pericial constante dos autos, a fls. 31 a 33 e 39 a 44, cujo juízo científico se presume subtraído à livre convicção, nos termos do disposto no artigo 163.°, n.° 1, do mesmo diploma legal, uma vez que não se vislumbram razões para, no caso concreto, divergir daqueles juízos (...) Conjugadamente com os documentos constantes dos autos, nomeadamente, auto de notícia, fls. 3 e 4, relação de objetos furtados, fls. 6, relatório Táctico de Inspecção Ocular, fls. 12 e 13, reportagem fotográfica, fls. 14 e 15, 23 a 25, relatório técnico de inspecção judiciária, fls. 20 a 22, certidão a fls. 110 e ss., relatório social e CRC actualizado do arguido. O arguido prestou declarações, infirmando os factos, referindo que frequentava o espaço por lá se deslocar para beber café, esclarecendo o trabalho tido na data e, questionado, referiu o local onde se localizava o restaurante. Inquirida a testemunha BB, militar da GNR, esclareceu as diligências efectuadas e o constatado, confirmando a relação de bens apresentada e entregue pelo denunciante. Ouvida a testemunha/ofendido CC, o mesmo confirmou o facto do espaço por si explorado ser alvo de frequentes assaltos, apenas minorados nos últimos anos. As referidas testemunhas responderam de forma coerente, objectiva e credível, tendo assim contribuído para a convicção do tribunal, tendo igualmente, com base no depoimento das mesmas, face ao descrito local onde se localiza o restaurante, afastar o declarado pelo arguido. A verdade objecto do processo não é uma verdade ontológica ou científica, é uma convicção prática firmada em dados objectivos que, directa ou indirectamente, permitem a formulação de um juízo de facto. Não restaram assim quaisquer dúvidas acerca do cometimento dos factos pelo arguido, conforme supra se expôs. Quanto às condições pessoais do arguido apuradas, decorreram das declarações prestadas pelo mesmo, nesta matéria e teor do relatório social elaborado, ponderando-se igualmente o teor do CRC junto aos autos e certidão de acórdão aludido.” A consequência processual correspondente verificar-se-ia por, na versão do recorrente, estar a sentença recorrida afectada “dos vícios de insuficiência para a decisão da matéria de facto provada, erro notório na apreciação da prova produzida e contradição entre a fundamentação e a decisão, nos termos do disposto no artº 410º nº 2 als. a), b) e c) do CPP.” Padeceria, assim, de todos os defeitos previstos no nº 2 do artº 410º do Código de Processo Penal. Mas tal não corresponde à verificação das correspondentes previsões no confronto com o texto da sentença recorrida e é apenas por este, conjugado com regras de experiência comum, que aqueles vícios se manifestam e podem ser processualmente relevantes. Os factos dados como provados são aptos ao preenchimento do tipo penal em causa, alínea e) do nº 2 do artº 204º do Código Penal, pelo que insuficiência alguma existe. Não se detecta qualquer contradição (menos ainda insanável) interna ou por contraposição, entre os factos e respectiva motivação. E não revela a sentença erro crasso na apreciação da prova, já que a leitura efectuada pelo tribunal recorrido é perfeitamente plausível e ainda que outras possam ser admissíveis O dissentimento do recorrente prende-se, directa e muito claramente, com a sua discordância sobre a forma como foi apreciada a prova produzida em audiência, pois no seu entender deveria ter conduzido à sua absolvição, sendo portanto questão a apreciar de seguida. * Erro de julgamento e violação do princípio “in dubio pro reo”. Aqui o recorrente insurge-se contra a sentença em dois momentos distintos: Na valoração do exame à sua impressão digital, o meio de obtenção de prova essencial para a decisão; e Na valoração dos depoimentos que indica e na parte que fundaram a prova relevante sobre o que foi retirado do estabelecimento. * No que à impressão digital respeita e sua datação, não se verifica qualquer perplexidade, já que é o arguido quem admite ter a mesma sido aposta na altura dos factos, pois então frequentava o estabelecimento. Não se vai, com certeza, exigir data (e hora?) para tal efeito, menos ainda neste caso, bem se sabendo, por um lado, que tais vestígios podem desaparecer com o passar do tempo e que por outro, é ainda difícil datar a aposição de impressão digital, menos ainda com precisão absoluta. Ou seja, apela-se a exigência de prova impossível de obter, como forma de não a estabelecer. Sucede que o tribunal recorrido não se baseou apenas na recolha isolada daquele vestígio, conjugando-o e muito bem, com a circunstância do dono do estabelecimento ter asseverado, sob juramento, não conhecer o arguido, o que afastou a versão deste no sentido de ser cliente daquele café. Mais. Conforme o próprio recorrente adianta e consta dos autos, o vestígio em causa foi encontrado num dos vidros partidos da montra pelo assaltante para ali entrar. Estas circunstâncias são nítidas, coincidentes e seguras no que respeita à presunção que delas tirou o tribunal recorrido, segundo regras de experiência comum e à luz da normalidade dos comportamentos humanos. O recorrente ainda esgrime com a invalidade do relatório pericial, mas trata-se de questão nova, nunca antes suscitada nos autos, pelo que o tempo para a correspondente arguição de há muito se esgotou, para além de que irregularidade alguma ali se detecta. * Quanto à valoração dos depoimentos na parte que fundaram a prova sobre o que foi retirado do estabelecimento, labora o recorrente em erro, corrente, diga-se. Foi pedida, pelo Ministério Público, a confrontação das daquelas duas testemunhas com documento constante dos autos, a saber, a lista dos bens retirados, elaborada de seguida ao assalto. Isto porque as testemunhas, atendendo ao lapso temporal entretanto volvido e muito naturalmente, não se recordavam daquele facto. Ora, aquela lista, documento portanto, era o meio de prova adequado à demonstração dos correspondentes factos. Mais importante, já produzida. Não se entende a que propósito se persevera na produção em audiência de “prova” sobre meios de prova. No caso, prova testemunhal acerca de prova documental. Pura inutilidade, salvo o devido respeito, já que os meios de prova se “provam” a si mesmos, para além de, legalmente, terem por objecto factos e não outros meios de prova, ou de obtenção desta, princípio geral enunciado no nº 1 do artº 124º do Código de Processo Penal, depois especificado no nº 1 do artº 128º do Código de Processo Penal, no que à prova testemunhal respeita. E uma de duas, ou o meio de prova é suficiente e se basta a si próprio (como manifestamente era o caso, de resto, tal como tendencialmente na esmagadora maioria de idênticas situações), ou não. E aqui, ou se verifica a produção de outro meio de prova sobre o mesmo facto, ou este não se demonstra. Certo é que os meios de prova são autónomos entre si, sem prejuízo, naturalmente, do exame crítico final a fazer entre todos e com a totalidade dos que hajam sido produzidos. Legalmente vedada é aquela prática e por mais usual que seja, ainda que na esmagadora maioria dos casos suceda na modalidade de “prova” por declarações, em audiência, acerca de outros meios de prova ou de obtenção da mesma: documental, por escutas, apreensões, etc... Tudo para afirmar que perante aquele documento, cuja integridade e fiabilidade nunca foi posta em causa, o correspondente facto se revela como provado. * O princípio “in dubio pro reo”, constitucional e tributário do princípio da presunção de inocência, traça a solução em caso de dúvida criada no julgador acerca da ocorrência de um facto. Mas está muito longe de ser regra de apreciação probatória a estabelecer a obrigatoriedade de ter dúvidas em caso de controvérsia. É sim uma regra de valoração de prova dirigida ao tribunal de julgamento que não o obrigando a duvidar, impõe decisão a favor do acusado quando, valorados todos os elementos de prova produzidos, persistam dúvidas razoáveis sobre os factos e/ou a responsabilidade daquele. Como se sustenta no Ac. de 5.7.2007 do S.T.J. “este princípio é uma imposição dirigida ao juiz, no sentido de este se pronunciar de forma favorável ao réu, quando não houver certeza sobre os factos decisivos para a solução da causa. Mas daqui não resulta que, tendo havido versões díspares e até contraditórias sobre factos relevantes, o arguido deva ser absolvido em obediência a tal princípio. A violação deste princípio pressupõe um estado de dúvida no espírito do julgador, só podendo ser afirmada, quando, do texto da decisão recorrida, decorrer, por forma evidente, que o tribunal, na dúvida, optou por decidir contra o arguido (Ac STJ de 24.3.99, CJ-STJ 1, 247).” “Tem entendido este Supremo Tribunal de Justiça, (…) [que] só pode sindicar a aplicação do princípio in dubio pro reo quando da decisão recorrida resulta que o Tribunal a quo ficou na dúvida em relação a qualquer facto e que, nesse estado de dúvida, decidiu contra o arguido. Não se verificando esta hipótese, resta a aplicação do mesmo princípio enquanto regra de apreciação da prova no âmbito do dispositivo do art. 127.º do CPP” (Ac. de 19/10/2000, proc. n.ºs 2728/00-5 e 1552/01-5). “É, pois, insofismável que não invocam apropriadamente o princípio in dubio pro reo. Pretendem, com essa etiqueta, contestar a valoração das provas efetuada pelo tribunal recorrido e, com isso, impugnar a decisão de julgar provados os factos que visam modificar. Não pode ser assim. A dúvida que faz mobilizar o in dubio pro reo é somente aquela com que se depara o tribunal que, em cada fase do processo e no âmbito das suas competências, tem de julgar os factos que constituem o objeto da causa. Como se sustenta no Ac. de 26/06/2019 deste Supremo Tribunal (proc. n.º 174/17.1PXLSB.L1.S1), “a dúvida tem que ser do tribunal e daquele que se encontre a decidir o caso naquele momento e não de qualquer outro ou de qualquer outro interveniente”. (Ac S.T.J. de 6.1.2021, 2/19.3PBPTM.S1). “Exigindo-se a convicção do julgador sobre a prática dos factos da acusação para além da dúvida razoável e radicando o princípio in dubio pro reo na mesma dúvida razoável, este situa-se no âmago da livre apreciação da prova, constituindo como que o “fio da navalha” onde se move a missão de julgar. Convicção “para lá da dúvida razoável” e “dúvida razoável” legitimadora do princípio in dubio pro reo limitam-se e completam-se reciprocamente, obedecendo aos mesmos critérios de legalidade da produção e da valoração da prova de apreciação vinculada e da livre apreciação dos restantes em conformidade com o critério do art. 127.º do CPP, sujeitos ambos à mesma exigência de legalidade da prova e da sua apreciação motivada e crítica, da objectividade, racionalidade e razoabilidade dessa apreciação. Ora a prova testemunhal, que continua a ser, fatalmente, no nosso sistema processual penal, considerada a “prova rainha”, é uma prova sobejamente falível, deteriorável pelo decurso do tempo e facilmente contaminada pelas demais circunstâncias que envolvem o modo como cada ser humano estriba a forma de elaborar o seu processo de entendimento da realidade. Por isso, o Tribunal a quo, ao apreciar a prova (o que tem de fazer de uma forma lógica e racional, sempre segundo as regras da experiência comum), deve fazer uma análise dos elementos disponíveis, de forma conjugada e crítica, nada impedindo que, nessa conjugação, atribua crédito a parte de determinado depoimento mas já não estribe a sua convicção noutra parte do mesmo (...) Nas sábias palavras de Bacon: «os testemunhos não se contam, pesam-se», não vigorando no nosso ordenamento jurídico o princípio testis unus, testis nullus” (Ac S.T.J. de 20.1.2021, 611/16.2PALSB.L1.S1). O in dubio pro reo, com efeito, “parte da dúvida, supõe a dúvida e destina-se a permitir uma decisão judicial que veja ameaçada a concretização por carência de uma firme certeza do julgado” (Cristina Líbano Monteiro, I n Dubio Pro Reo, Coimbra, 1997). Ora o texto da sentença, por si ou em conjugação com as regras da experiência, nenhum paradoxo encerra, daí se não podendo extrapolar para um qualquer inexistente estado de dúvida, sendo de sublinhar que esta não se levantou ao tribunal recorrido. * Suspensão da execução da pena. Mantida a sentença nos termos antecedentes, resta apreciar se se deve sustentar a mesma no que a este ponto diz respeito. Sobre o mesmo discorreu a sentença recorrida como segue: “Por último, importa ponderar a aplicação do regime constante do artigo 50.° do Código Penal, que permite ao tribunal a suspensão da execução da pena de prisão aplicada em medida não superior a cinco anos se, atendendo à personalidade do agente, às condições da sua vida, à sua conduta anterior e posterior ao crime e às circunstâncias deste, concluir que a simples censura do facto e a ameaça da prisão realizam de forma adequada e suficiente as finalidades da punição (...) No caso concreto, verifica-se que o arguido tem 41 anos de idade, tendo sofrido nove condenações, por vinte e oito crimes, por factos praticados entre 2003 e 2017, vendo-lhe aplicadas quatro penas de multa e cinco penas de prisão, das quais duas foram suspensas na sua execução, tendo uma delas sido revogada, sendo certo que se encontra em cumprimento de pena privativa da liberdade, por factos praticados posteriormente e, aguardando execução de pena de prisão, por factos praticados anteriormente. Tal juízo no caso concreto, atenta a personalidade do arguido, não se mostra favorável, não se afigurando que a simples ameaça de execução da pena seja suficiente para inibir a prática pelo arguido de novos crimes, não podendo deixar de ponderar a postura do arguido que, não manifestou qualquer arrependimento ou auto censura pelos factos aqui apreciados, quando toda a prova para tal apontou, sem qualquer margem de dúvida que se pudesse vislumbrar. Não se mostram, destarte, verificados os pressupostos para a suspensão da execução da pena, razão pela qual se afasta a sua aplicação.” Lapidar. Por um lado, releva o passado criminal do arguido e por outro, a sua postura acrítica face ao crime cometido. Nestas circunstâncias, é inviável qualquer tipo sério de juízo de prognose positiva sobre a atitude social futura do arguido. A ser concedido o voto de confiança pedido, apenas uma consequência futura seria previsível: o reforço de comportamentos semelhantes, assim potenciado por sentimento de impunidade, em contrário dos fins legais das penas. * Consequentemente, improcede o recurso. * Pelo exposto, acordam em negar provimento ao recurso, confirmando na íntegra a sentença recorrida. Custas pelo recorrente, fixando-se a taxa de justiça em três UC. * Lisboa, 7 de Dezembro de 2021 Manuel Advínculo Sequeira Alda Tomé Casimiro |