Acórdão do Tribunal da Relação de Lisboa
Processo:
20343/21.9T8LSB.L1-6
Relator: EDUARDO PETERSEN SILVA
Descritores: ACIDENTE DE VIAÇÃO
RESPONSABILIDADE PELO RISCO
REPARTIÇÃO DO RISCO
DANO BIOLÓGICO
Nº do Documento: RL
Data do Acordão: 09/14/2023
Votação: UNANIMIDADE
Texto Integral: S
Texto Parcial: N
Meio Processual: APELAÇÃO
Decisão: PARCIALMENTE PROCEDENTE
Sumário: I - Não se provando a culpa de qualquer dos condutores e considerando o embate entre uma mota Honda 600, que segue a velocidade não apurada, e ao aperceber-se de que um veículo ligeiro de passageiros Peugeot 106 se atravessa a si, perpendicularmente, numa manobra de marcha atrás para uma via com 6 metros de largo, derrapa de modo a embater no referido automóvel de lado, a proporção da contribuição de cada veículo para o risco deve ser considerada em 50% para cada, atendendo a uma tendencial equivalência da massa maior à massa menor em movimento.
II - Não se tendo autonomizado, enquanto enquadramento jurídico, na sentença, o dano biológico, antes se considerando a vertente patrimonial (perda de capacidade de ganho) e arbitrando-se €14.000,00 para um lesado de 39 anos de idade, motorista profissional, com défice funcional de 4 pontos em 100 sem incapacidade para o trabalho mas com esforços acrescidos, e vindo depois a arbitrar-se €39.000,00 como indemnização de dano biológico na vertente não patrimonial, em conjunto com os danos relacionados com quantum doloris de grau 4 em sete e dano estético de grau 3 em 7, um período de incapacidade temporária total de quase um ano, duas intervenções cirúrgicas com internamento hospitalar, tratamentos de fisioterapia, dependência de terceiros e incapacidade de ajudar a mãe também ela totalmente dependente, considera-se que no global nenhum dos danos incluídos é indemnizado em desvio dos padrões actualizados obtidos a partir de casos semelhantes.
Decisão Texto Parcial:
Decisão Texto Integral: Acordam os juízes que compõem este colectivo do Tribunal da Relação de Lisboa:

I. Relatório
J…, nos autos m.id., veio intentar a presente acção declarativa, sob a forma de processo comum, contra G…, S.A., pedindo a final a condenação desta a:
 “a) A pagar ao A. a quantia de 107.087,26€ (…), a título de Danos Patrimoniais e não Patrimoniais, acrescida de custas, procuradoria condigna e juros desde a citação até efetivo e integral pagamento.
b) A pagar ao A. o que se vier a remeter para liquidação a título de danos futuros, tratamentos, incapacidades, deslocações, medicamentos, perdas salariais, privação de uso do RX e não contemplados no pedido em a).”.
Em síntese, alegou ter sido vítima, em 24.1.2021 de um acidente de viação cujo responsável foi o condutor de veículo seguro na Ré e do qual lhe advieram danos patrimoniais e morais.
A Ré contestou, impugnando a versão da dinâmica do acidente dada pelo Autor, assacando-lhe a culpa na produção do mesmo, e invocando serem excessivos os valores por este peticionados.
Realizou-se audiência prévia, no âmbito da qual se fixou à causa o valor indicado de €107.087,26, foi proferido despacho saneador tabelar, identificado o objeto do litígio e enunciados os temas da prova.
Procedeu-se a julgamento com gravação da prova nele prestada, e seguidamente foi proferida sentença de cuja parte dispositiva consta:
 “Pelo exposto, julgo a presente ação parcialmente procedente e, consequentemente, decido condenar a Ré a pagar ao Autor a quantia de € 32.815,69 (€13.315,69 + €19.500,00), a título de indemnização por danos patrimoniais e não patrimoniais, acrescida dos respetivos juros de mora, à taxa legal, vencidos e vincendos, devidos, sobre a quantia de €13.315,69, desde a citação e, sobre a quantia de €19.500,00, desde a presente data, até integral pagamento, absolvendo-a do mais peticionado.
Custas pelo Autor e pela Ré na proporção do decaimento”. 
*
Inconformado, o A. interpôs o presente recurso, formulando, a final, as seguintes conclusões:
1ª-O ora recorrente não se conforma, com a decisão de mérito (…) no que concerne à aplicação ao caso concreto da responsabilidade pelo risco, pugnando antes, pela imputação da responsabilidade civil subjetiva ao condutor do veículo seguro na Ré, ora recorrida, por culpa exclusiva na produção do acidente;
2ª- Pugna assim pela aplicação do disposto no artº 483 nº 1 do Cod. Civil e não do disposto no artº 506 também do Cod. Civil. Com efeito,
3ª- O Tribunal “a quo“ considerou e invocou para a respetiva fundamentação da decisão, toda a prova junta aos autos, mas depois aplicou erradamente o direito aos factos.
4ª- Entre o elenco dos factos considerados como assentes destacam-se os seguintes:
 “(…)
7. O veículo de matrícula …JC, conduzido por C…, encontrava-se a sair de um pátio/garagem que dá acesso à rua Barão de Saborosa, existente do lado esquerdo da via, atendo o sentido de marcha do Autor, em marcha atrás.
8. O Autor, quando se apercebeu da existência do veículo seguro, travou com a roda traseira da mota, de forma a prosseguir de rojo, na diagonal, evitando o embate frontal.
 (…)“
5ª- Para tal é indicada a seguinte fundamentação:
 “- dos documentos juntos aos autos (fotos do local do acidente; cópia do título de propriedade do motociclo; auto de participação elaborado pela PSP, nomeadamente com a referência às características dos veículos e à data de nascimento do Autor – também constante dos elementos clínicos - e declaração manuscrita, na altura, pela testemunha M…; (…) do depoimento das testemunhas ouvidas, a saber: - CR…, agente da PSP, que deu conta de ter elaborado o auto de acordo com o que lhe foi transmitido no local, esclarecendo que observou os vestígios de vidros junto ao eixo da via; - M…, testemunha ocular da colisão, esclareceu a posição em que estava (“a descer a rua”, no passeio do lado oposto ao da “garagem”) e descreveu o acidente como tendo ocorrido da seguinte forma: “o carro estava a sair em marcha atrás e a mota embateu-lhe”, esclarecendo que “o carro já tinha saído completamente da garagem” e pensou “a mota não vai conseguir passar”, afirmando que na altura pensou ainda que se a mota tivesse tentado passar pelo lado direito, atento o sentido de marcha da mesma, “vinha contra mim”; disse ainda que a visibilidade da rua é reduzida porque é uma descida (no sentido em que ela ia) e “foi tudo muito rápido”; (…) –JD…, amigo do condutor do veículo ligeiro, disse que estava a chegar ao local, a pé, tendo visto o carro a sair em marcha atrás e ouvido o embate, dizendo que “foi tudo muito rápido”; - C…, condutor do veículo seguro na Ré, descreveu o local, esclarecendo que entre a rua e a “garagem” dos seus pais existe um “túnel”, não sendo possível “manobrar” nesse espaço de saída, que, por isso, obriga a sair de marcha atrás; disse que “ia a sair”, “devagarinho”, e olhou para o seu lado esquerdo, deixou passar uma carrinha e, depois, ouviu uma mota “a abrir” e ainda pensou voltar a entrar, “meteu a primeira” mas “não teve essa reação” e, entretanto, “ele despistou-se”; afirmou que a mota “vinha a meio” e que ficou atravessada, tendo tido a impressão que travou com a roda de trás e foi “de rojo”; disse ainda que com o embate o seu carro foi desviado e bateu com a lateral no pilar; afirmou ainda que a mota “vem de uma subida íngreme” e “deve ter-se assustado”; - das declarações de parte do Autor, relativamente à dinâmica do acidente, apenas foi possível concluir, com a certeza exigível, que travou com a roda traseira para evitar o embate frontal, colocando a mota “de rojo” após ter tido a perceção que não conseguia passar pela frente do carro; (…) “
6ª-Ora, dos elementos acima enunciados, considera o ora recorrente que resulta evidente e claro que a produção do acidente em causa nos autos, se deu exclusivamente devido à manobra de marcha atrás que estava a ser efetuada pelo veículo automóvel. Com efeito,
7ª- Da conjugação objetiva de todos os elementos probatórios, considerados e bem, pelo Tribunal “a quo“, resulta inequívoco, que se trata de uma via estreita, com pilaretes nos passeios das respetivas bermas em ambos os sentidos de marcha (vide fotografias juntas aos autos) que impedem, nomeadamente, uma manobra de recurso com desvio para a respetiva direita; com visibilidade reduzida para quem seguia no sentido de transito do A., (vide fotografias) e que a única manobra, que no caso concreto, contribuiu decisivamente para a produção do acidente, foi a marcha atrás em saída de um estacionamento particular, ao ingressar na via de trânsito, do condutor do veiculo automóvel.
8ª- Esta manobra está confessada, resulta do depoimento do respetivo condutor, nomeadamente as hesitações que teve ao volante, pois refere ter ouvido a mota, pensou em meter a primeira mudança para ir novamente para a frente, mas não meteu porque não teve essa reação!
9ª- Mas acima de tudo, considera o recorrente que para além desta evidência, releva em especial, (o que é comum a todos os depoimentos destacados) a rapidez do evento, que de um ponto de vista lógico e físico, significa a proximidade a que ambos os veículos se encontravam e à impossibilidade de evitar a colisão, fosse de que modo fosse por parte do recorrente. Ou seja,
10ª- O depoimento da testemunha presencial, que desde logo prestou as suas declarações constantes da participação do acidente de viação, M…, é de uma clareza indubitável quando espontaneamente diz que o veículo já tinha saído completamente da garagem tendo a testemunha pensado que a mota não ia conseguir passar!
11ª- Esta perceção direta, de quem está a observar em simultâneos ambos os veículos, traduz a realidade espaço temporal e a inevitabilidade da colisão! Depoimento completamente isento e limpo de quaisquer conjeturas ou elaborações mentais.
12ª- A mesma perceção espaço temporal resulta do depoimento de JD… que viu o carro a sair de marcha atrás e ouviu o embate, tendo sido tudo muito rápido! Sequencial e sem intervalos temporais.
13ª- As declarações de parte do A. ora, recorrente seguem exatamente a mesma realidade, ou seja, travou com a roda traseira por ter tido a mesma perceção da testemunha M…, ou seja, que não conseguia passar e evitou o embate frontal!
14ª- A manobra de marcha atrás, legalmente qualificada, como uma das manobras especiais, prevista no artº 35º nº 1 do Cod. Estrada, só deve, tal como a previsão indica, ser efetuada “em local e por forma que a sua realização não resulte perigo ou embaraço para o trânsito“ indicando o artº 46 , nº 1 , e artº 47 ambos do Cod. Estrada como deve ser efetuada e nos locais onde é proibida.
15ª- Pela própria descrição que o condutor C… faz do local de estacionamento, túnel, que bem conhece, o cuidado com a manobra, deve ser redobrado e se necessário, até auxiliado, para a manobra se concretizar em segurança, sem criação de perigo de acidente para os restantes utentes da via, como é evidente, ter acontecido no caso do acidente dos autos.
16ª- Esta testemunha refere a determinada altura, tal como descrito na fundamentação da douta sentença, que olhou para o lado esquerdo e deixou passar uma carrinha, portanto deveria ter-se assegurado que a seguir à carrinha, não se aproximava qualquer outro veículo, o que não refere ter feito.
17ª- Atento o exposto, dúvidas não subsistem que a manobra estradal, causal, para a produção do acidente, foi a manobra de marcha atrás, inexistindo, qualquer comportamento estradal do recorrente que tenha concorrido para a colisão.
18ª- Assim sendo, e não obstante o douto Tribunal “a quo“ ter elencado a prova produzida convenientemente, fez incorreta aplicação do direito aos factos, já que face ao que destacou, e considerou como provado, será inevitável concluir pela culpa do condutor do veiculo automóvel, seguro na recorrida ,por violação do disposto nos artºs 3º, nº 2, 35º nº 1, artº 46 nº 1 e 47º todos do Cod. Estrada e em consequência, seja aplicada ao caso, a responsabilidade civil subjetiva do condutor nos termos do disposto no artº 483 nº 1 do Cod. Civil, com a consequentemente pela imputação de 100% da responsabilidade civil à recorrida.
19ª- Vide neste sentido douto Ac. do STJ, proferido no processo 3028/17-8 T8LRA.C1.S1, da 1ª secção , de 10.05.2022 :
“(…)
II - Não resultando dos factos provados matéria, da qual possa ser feita a imputação ao autor, condutor do velocípede, a violação de qualquer norma estradal (conduta ilícita), também não temos como relevante na ocorrência do acidente a dinâmica própria da circulação do mesmo em velocípede.
III - Tendo a condutora do veículo segurado da ré efetuado a manobra de saída do estacionamento e entrada na via de circulação, de marcha atrás e sem se assegurar que podia efetuar essa manobra em segurança e estando, no momento do embate, atravessada na via de circulação e a ocupar a semi faixa de rodagem onde circulava o autor e quase toda a outra semi faixa, é responsável pela ocorrência desse acidente ocorrido.
“(…)”
20ª- Por mera cautela, sempre se dirá, que mesmo que assim se não entenda, a repartição do risco considerada pelo douto Tribunal “a quo“ nunca deveria proceder, o que subsidiariamente e por dever de patrocínio, igualmente se alega. Efetivamente,
21ª- É pacificamente aceite e considerado quer pela doutrina quer pela jurisprudência, que no âmbito de aplicação do disposto no artº 506, nº 1 do Cod. Civil, se atende ao risco inerente a cada um dos veículos intervenientes no acidente.
22ª- Assim sendo, o risco intrínseco de um veículo automóvel é bastante maior que o risco inerente a um motociclo, pelo que a respetiva repartição, não deve de modo algum ser igual.
23ª- Deverá antes, em consonância com o risco inerente às características de cada veículo, ser maior para o veículo automóvel e bastante menor para o motociclo, na ordem de 80% e 20% respetivamente, o que se invoca e alega para todos os devidos e legais efeitos.
24ª- Veja-se neste sentido, o douto Ac. Rel. Coimbra, proferido no proc. nº 1685/15.9T8CBR.C1, de 21.02.2018:
“(…)
3. Na responsabilidade pelo risco, nada de relevantemente diferenciado se mostrando apurado quanto à concreta dinâmica do acidente, é de fixar em graus diferenciados a percentagem dos riscos de circulação próprios de veículos dotados de características estruturais diferentes, dada a maior apetência do veículo de maiores dimensões para, em caso de colisão, provocar lesões graves nos demais utentes das vias públicas, que utilizem veículos de menor peso e dimensões; designadamente um embate entre um veículo ligeiro e uma bicicleta. “(…)”
25ª- Atento o exposto, e subsidiariamente, repita-se, defende o ora recorrente que na hipótese, de ser considerada a responsabilidade pelo risco, deverá sempre ser revogada a douta sentença proferida pelo Tribunal “a quo” e alterada para decisão que reparta o risco de forma distinta atribuindo ao veiculo automóvel 80 % da responsabilidade e ao motociclo 20 %, com a consequente repercussão no quantum indemnizatório a favor do ora recorrente.
26ª- Seguidamente, e no que concerne à fixação dos danos decorrentes do acidente, o ora recorrente discorda, do valor fixado na douta sentença recorrida, a título de perdas salariais durante o período comprovado de incapacidade para o trabalho. Com efeito,
27ª- 0 valor obtido, de €10.116,27, é superior e não inferior ao peticionado, conforme descrito, pelo que devera ser esse o valor considerado e não o de “9.001,40“ inicialmente peticionado , mas tendo-se provado rendimento superior deve prevalecer, por se conter dentro do pedido total. Acresce que,
28ª- Mesmo o que foi considerado na demonstração aritmética respetiva, nem sequer considerou os proporcionais respetivos, quer dos subsídios de férias, quer de Natal, devendo também por isso, prevalecer o valor provado de 10.116,27€, devendo em consequência a douta sentença ser igualmente revogada neste segmento.
29ª- Do mesmo modo, considera o recorrente, que a indemnização fixada a tútulo de danos patrimoniais futuros, ou seja a titulo de perda da sua capacidade de ganho, decorrente da IPP, fixada de 4 pontos, fica aquém do valor justo e equitativo do caso em apreço.
30ª- Apesar da incapacidade definitiva fixada, não impossibilitar o exercício da capacidade de ganho do recorrente, implica, como ficou demonstrado, esforços suplementares.
31ª- Assim sendo, tem vindo a ser o entendimento o seguinte (vide … Ac. Rel Lisboa, proc. nº 21292/15.5T8SNT.L1, de 27.01.2022:
 “(…) Nesta sede, o dano biológico corresponde à diminuição somático psíquica e funcional do lesado, com repercussão na sua vida profissional. Como refere o acórdão do Supremo Tribunal de Justiça de 19.10.2021, processo n.º 7098/16.8T8PRT.P1.S1, «[centrado o objecto do recurso na indemnização do dano biológico, o Supremo Tribunal de Justiça tem-se pronunciado com frequência e constância no sentido de afirmar esse dano, na sua vertente patrimonial, como abrangendo um espectro alargado de prejuízos incidentes na esfera patrimonial do lesado, desde a perda do rendimento total ou parcial auferido no exercício da sua actividade profissional habitual até à frustração de previsíveis possibilidades de desempenho de quaisquer outras actividades ou tarefas de cariz económico, passando ainda pelos custos limitações ou de maior onerosidade no exercício ou no incremento de quaisquer dessas actividades ou tarefas, com a consequente repercussão de maiores despesas daí advenientes ou o malogro do nível de rendimentos expectáveis».(…) “
32ª- Assim, tendo em conta a idade do recorrente, a sua vida profissional como motorista de pesados, profissão com reconhecido desgaste, a dificuldade do atual mercado de trabalho, inclusive de reconversão e alternativas profissionais, e tendo em ainda em consideração decisões já proferidas com coeficientes de incapacidade equivalentes, considera-se que o montante de €14.000,00 a esse titulo é manifestamente exíguo, devendo ser alterado para um valor nunca inferior a €22.000,00, o que desde já se requer.
33ª- Acrescente-se que como bem pondera o douto Ac. STJ de 11.05.2022, já supracitado, muito embora ao referir-se aos danos não patrimoniais, mas que o recorrente considera equiparável:
 “(…) VIII - Na indemnização por danos não patrimoniais devem ser observados os padrões de indemnização seguidos pela prática jurisprudencial, procurando - até por uma questão de justiça relativa - uma aplicação tendencialmente uniformizadora ainda que evolutiva do direito.
IX - Não se pode atender só à prática seguida pela jurisprudência de equivaler indemnizações para factos semelhantes e estagnarem os montantes indemnizatórios porque os termos de comparação se referem a situações passadas, devendo ser tida em conta a evolução, fazendo o acompanhamento do aumento do custo de vida (inflação) e o aumento dos rendimentos médios das pessoas. “(…) (sublinhado nosso)
34ª- E a este propósito nunca é demais relembrar a recente atualização do capital mínimo obrigatório para o seguro automóvel obrigatório, desde 01.06.2022 para €6.450.000 para danos corporais, pelo que tal aumento, não visará aumentar a margem de solvência dos Seguradores, mas também, obviamente, visa ressarcir adequadamente os lesados, vítimas de acidentes de viação, facto que expressamente se invoca, como critério de ponderação.
35ª- No mais, quanto aos restantes montantes indemnizatórios fixados pela douta sentença, considera o ora recorrente, serem ajustados e adequados às circunstâncias provadas do caso concreto.
Nestes termos,
E demais de Direito (…) deve ser concedido provimento ao presente recurso e em consequência, revogada a sentença proferida pelo douto Tribunal “a quo e substituída por outra que atenda a tudo o supra alegado, fazendo-se desse modo, verdadeira Justiça!
*
Também inconformada, a Ré interpôs recurso, formulando a final as seguintes conclusões:
 (…)
2. Discorda da matéria de facto dada como não provada, bem assim como, da fundamentação de facto e de direito da douta sentença.
3. Da prova produzida em sede de audiência de julgamento resultou de forma inequívoca, na modesta perspetiva da ora recorrente, o acidente em análise nos autos ocorreu única e exclusivamente pela conduta negligente do próprio Autor.
4. Considera a ora recorrente que a Meritíssima Juiz do tribunal a quo fez errada interpretação dos depoimentos prestados em sede de audiência de discussão e julgamento, sendo que, no seu modesto entender, da prova produzida, resultaram demonstrados e provados os factos alegados na contestação, oportunamente, junta aos autos que não foram dados como provados na douta Sentença, nomeadamente:
1) o veículo de matrícula JC era conduzido a uma velocidade “muito reduzida” e com “extrema cautela” e atenção ao trânsito existente na via da Rua ..., bem como aos peões que circulavam no passeio;
2) quando o veículo ainda se encontrava parcialmente no passeio e na via de trânsito da esquerda, atento o sentido de marcha ascendente;
3) apercebeu-se que circulava no sentido ascendente uma moto e imobilizou o veículo, de forma a dar-lhe passagem;
4) a traseira do veículo seguro, em momento algum, entrou na faixa de rodagem destinada ao sentido de trânsito onde circulava a mota conduzida pelo Autor;
5) encontrando-se o veículo seguro imobilizado no passeio a com a traseira na via oposta à da circulação do veículo do Autor;
6) o ora Autor, imprimindo uma “velocidade excessiva” à mota que conduzia, quando se apercebeu da existência do veículo seguro, apesar de o mesmo se encontrar parado, assustou-se, travou e, devido à “velocidade excessiva” com que seguia, a roda traseira da mota começou a derrapar na via;
7) o que provocou a perda de controle do motociclo por parte do Autor;
8) tendo o embate ocorrido, totalmente, dentro da hemi-faixa de rodagem destinada ao sentido oposto ao que a mota conduzida pelo Autor tomava;
5. Com efeito, do depoimento do Agente da PSP C…M…, da Testemunha M…, da testemunha JD…, do Condutor do Veículo Seguro C… e do perito averiguador LC…, resultam provados os factos enunciados.
6. Resulta dos depoimentos que nenhuma culpa pode ser imputada ao condutor do veículo seguro.
7. O condutor do veículo seguro usou de toda a prudência e cautela na execução da manobra de marcha atrás para sair do pátio onde se encontrava que efetuou a manobra de marcha atrás lentamente, após verificar que é podia efectuar em segurança, já se encontrando praticamente a concluir a manobra quando ocorre o acidente.
8. Quer dos depoimentos, quer das fotografias retiradas após o sinistro e juntas aos autos com a contestação, verifica-se que o veículo seguro, na execução da manobra, não chegou a invadir a hemi-faixa de rodagem destinada ao sentido de trânsito tomado pelo aqui autor.
9. Aquando do embate o veículo seguro mantinha a traseira dentro da faixa de rodagem contrária ao sentido de trânsito tomado pelo aqui autor, junto a linha longitudinal descontinua impressa no asfalto.
10. Resulta ainda, da análise das fotografias e dos depoimentos das testemunhas, que o embate do motociclo na lateral esquerda do veículo seguro, ocorreu no pilar, na zona da porta do condutor, local esse estrutural do veículo seguro, produzindo elevada deformação desse mesmo pilar, fazendo efeito acordeão ao veículo seguro e ainda produzindo o arrastamento do mesmo para a direita e subsequente embate da frente direita, sob a ótica, do veículo seguro num pilarete existente no passeio.
11. É indubitável que na execução da manobra de marcha atrás o condutor do veículo seguro cumpriu com todas as diligências e cuidados exigíveis a qualquer homem médio colocado na sua posição.
12. Ao invés foi, sem sombra de dúvidas, a conduta do aqui autor que deu causa ao acidente, veja-se que de acordo com o depoimento do condutor do veículo seguro e das próprias declarações de parte do autor resulta que o mesmo quando se apercebe do veículo do seguro na faixa de rodagem oposta a que circulava o autor, este tendo tido a percepção que não consegui mobilizar o motociclo por si conduzido, no espaço livre e visível à sua frente, decidiu realizar uma manobra defensiva e dar a lateral da sua mota, não travando, mas projetando-se de lado de forma a defender o seu corpo e não é evitar o embate.
13. Donde se retira que o autor imprimia ao motociclo por si conduzido velocidade que não lhe permitia prever ou antecipar a presença e as manobras executadas pelos demais utentes da via onde circulava, circulando com total desprezo e desrespeito pelos demais utilizadores da via em questão.
14. Em virtude do que fica supra exposto devem ser dados como provados e aditados à matéria de facto provada, os factos alegados nos artigos 4º a 17º da contestação oportunamente apresentada pela ora recorrente e em consequência deve o recurso ora interposto ser julgado procedente e em consequência ser declarada a culpa na produção do acidente imputada autor, absolvendo-se a ora recorrente do pedido contra si deduzido.
15. No que respeita a quantificação e liquidação dos danos insurge-se a ora recorrente contra os valores fixados a título de perdas salariais, de perda da capacidade de ganho e de danos patrimoniais emergentes da danificação do motociclo, roupas e telemóvel por se encontrarem em total oposição aos depoimentos prestados em sede de audiência de julgamento.
16. Devendo ser retirado dos fatos provados o ponto 30 por total ausência de prova sobre a questão do valor do veículo à data do acidente. Com efeito, nem sede de julgamento, em sede de sede prova documental se fez qualquer prova sobre esse facto o outro relativo a quantificação dos danos sofrendo pelo motociclo propriedade do autos[1].
17. Pelo exposto, no que ao dano patrimonial emergente da perda total do motociclo diz respeito deve a douta sentença ser revogada, devendo ser dado como não provado qualquer dano referente a quantificação do motociclo do autor.
18. Quanto à quantificação do dano patrimonial decorrente da danificação de roupa e outros objetos transportados pelo autor quando da ocorrência do acidente a quantificação feita no valor de 1304,38 euros pela douta sentença ora recorrida encontra-se em total contradição com os factos dados como provados nos pontos 32, 33 e 34 da matéria de facto provada.
19. No ponto 32 a matéria de facto provada, ficou assente que o autor no dia do acidente e estava equipado com capacete blusão e calças.
20. No ponto 33 fixou-se que um capacete tinha o valor 749 EUR, o blusão o valor 150 EUR e as calças o valor de 279, 99 EUR. Pelo que, a soma destes itens quantifica se em 1.178, 99 EUR e não na quantia arbitrada na douta sentença de que ora se recorre.
21. No tocante ao valor fixado de 9.001,40 euros pela douta sentença a título de perdas salariais durante o período incapacidade total para o trabalho insurge se a ora recorrente contra todo e qualquer valor atribuído autor a este título.
22. Da prova produzida em julgamento, mormente do depoimento do amigo do A. TG…, resultou claramente que durante o período de incapacidade para o trabalho o autor recebeu baixa paga pela segurança social.
23. Sobre esta questão em concreto, da perda de rendimento durante o período de incapacidade, nenhuma outra prova foi feita nos autos. Não fui junto pelo autor qualquer documento que comprovasse que durante o período de incapacidade não recebeu qualquer rendimento, não foi oficiada a segurança social para vir informar os autos se havia liquidado ou não qualquer quantia a título de baixa correspondente ao período de incapacidade temporária sofrido pelo autor.
24. Esta prova incumbia única e exclusivamente ao autor ou qual tinha o ónus da prova sobre os danos por si sofridos com os quais não podem ser presumidos pelo douto tribunal nem quantificados sem que tenha sido feita prova sobre os mesmos.
25. Pelo que, conjugando a ausência de prova documental e o depoimento da testemunha TG… decorre que o autor não logrou provar que durante o período de incapacidade temporária não recebeu qualquer quantia monetária ou teve dano patrimonial decorrente da mesma.
Pelo exposto, deve a douta sentença ser revogada no que respeita à condenação da ora recorrente a pagar a quantia de 9.001,40€ a título de perda de rendimento, devendo ser dada como não provado essa questão.
26. Insurge-se ainda a ora recorrente contra a fixação em 39.000 EUR no que respeita aos danos morais sofridos pelo autor.
27. Com efeito, com relevo para apreciação e quantificação dos danos Morais resultou provado que o autor em consequência do acidente sofreu um quantum doloris de grau 4 numa escala de 7, sofreu dano estético de grau 3 numa escala de 7 e ficou com um défice funcional permanente de 4 pontos em 100.
28. A fixação em 39.000 EUR dos danos morais sofridos pelo autor é extremamente exorbitante e violadora do princípio da igualdade para situações de facto similares às dos autos.
29. A atribuição de qualquer quantia que supere os 20000 EUR para compensação dos danos morais sofridos pelo autor irá contra os demais acórdãos dos tribunais superiores ao enriquecimento sem causa do autor mediante o consequente empobrecimento da ora recorrente.
30. Pelo exposto, a ora recorrente pugna pela revogação da douta sentença no que respeita a quantificação e fixação dos danos morais e a sua substituição por outra que fixe indemnização pelos danos não patrimoniais em valor inferior a 20000 EUR.
Nestes termos … deve a … Sentença ora recorrida ser alterada e substituída por outra que absolva a Ré do pedido por ausência de culpa do condutor do veículo seguro na produção do acidente como é de inteira Justiça!
Caso assim não se considere, deve a … Sentença ser revogada e alterada no que respeita à quantificação dos danos patrimoniais e não patrimoniais de acordo com as alegações supra expedidas.
*
Não consta a apresentação de contra-alegações.
Ambos os recursos foram correctamente admitidos pelo tribunal de primeira instância.  
Corridos os vistos legais, cumpre decidir:
II. Direito
Delimitado o objecto do recurso pelas conclusões da alegação - artigo 635.º, n.º 3, 639.º, nº 1 e 3, com as excepções do artigo 608.º, n.º 2, in fine, ambos do CPC - as questões a decidir são:
- no recurso do autor:
a) saber da culpa a 100% do condutor do veículo seguro na Ré, por violação do disposto nos artºs 3º, nº 2, 35º nº 1, 46º nº 1 e 47º, todos do Código da Estrada;
b) subsidiariamente, saber se deve a repartição de risco ser alterada para 80% para o veículo automóvel e 20% para o motociclo, com a consequente repercussão nas quantias indemnizatórias fixadas ao autor;
c) saber se a indemnização por perdas salariais deve ser fixada em €10.116,27 que, ainda que superior aos peticionados €9.001,40, por aquele valor, porém, se conter ainda no valor do pedido total, e além do mais por o tribunal, na demonstração aritmética que fez, revelar nem ter considerado os proporcionais de subsídios de férias e de Natal;
d)  saber se a indemnização por danos patrimoniais futuros, a título de perda da capacidade de ganho decorrente de IPP fixada em 4 pontos, deve ser fixada não nos €14.000,00 em que o foi, mas, “tendo em conta a idade do recorrente, a sua vida profissional como motorista de pesados, profissão com reconhecido desgaste, a dificuldade do atual mercado de trabalho, inclusive de reconversão e alternativas profissionais, e tendo em ainda em consideração decisões já proferidas com coeficientes de incapacidade equivalentes”, em montante nunca inferior a €22.000,00. 
No recurso da Ré:
- a impugnação da decisão sobre a matéria de facto; 
- saber se os €1304,38 arbitrados como indemnização por danos “em roupa e outros objetos transportados pelo autor quando da ocorrência do acidente” se encontram “em total contradição com os factos dados como provados nos pontos 32, 33 e 34 da matéria de facto provada”.
- saber se é indevida a condenação em indemnização em €9.001,40 porque o autor “não logrou provar que durante o período de incapacidade temporária não recebeu qualquer quantia monetária ou teve dano patrimonial decorrente da mesma”.
- saber se é excessiva a indemnização de €39.000,00 por danos morais, que ao invés deve ser fixada em valor inferior a €20.000.
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III. Matéria de facto
A decisão sobre a matéria de facto proferida pelo tribunal de primeira instância é a seguinte:
1. No dia 24 de janeiro de 2021, pelas 17.00 horas, na Rua ..., junto ao n.º 113, em Lisboa, deu-se a colisão entre o veículo automóvel, ligeiro de passageiros, da marca Peugeot, modelo 106, com a matrícula …JC, e o motociclo, da marca Honda, modelo CBR600 FS, com a matrícula …RX, propriedade do Autor e conduzido por este.
2. A faixa de rodagem no local tem uma largura de 6 metros e é constituída por 1 via sem separador com 2 sentidos de trânsito.
3. O Autor circulava no sentido Sul-Norte, ascendente.
4. O veículo de matrícula …JC, conduzido por C…, encontrava-se a sair de um pátio/garagem que dá acesso à rua ..., existente do lado esquerdo da via, atendo o sentido de marcha do Autor, em marcha atrás.
5. O Autor, quando se apercebeu da existência do veículo seguro, travou com a roda traseira da mota, de forma a prosseguir de rojo, na diagonal, evitando o embate frontal.
6. Acabando por embater com a lateral direita da mota na lateral esquerda do veículo seguro.
7. O Autor foi assistido no local e transportado de emergência para o Hospital.
8. A responsabilidade civil decorrente da circulação do veículo de matrícula …JC estava transferida para a Ré através da apólice n.º …. 
9. O Autor deu entrada nas urgências do Centro Hospitalar Universitário de Lisboa Central – S. José, por traumatismo torácico e do ombro direito.
10. À admissão na sala de trauma apresentava-se hipotenso, taquicárdico e suado.
11. Fez exames de diagnóstico como TAC que revelou hemopneumotorax bilateral, pneumomediastino, fratura de 10 dos arcos costais, fratura da omoplata direita e do terço médio da clavícula ipsilateral bem como focos de contusão pulmonar.
12. Procedeu-se a drenagem torácica bilateral e antibioterapia.
13. Foi ainda sujeito a intervenção cirúrgica à clavícula e ombro direito com redução aberta e fixação interna com placas e parafusos que mantém.
14. Ali ficou internado até dia 9 de fevereiro de 2021, data em que teve alta medicado, com suspensão braquial e indicação para manter seguimento em Ortopedia.
15. Em casa ficou em repouso absoluto e dependente de terceiros.
16. Retirou os pontos volvidos 15 dias das operações.
17. Foi submetido a nova intervenção cirúrgica a 3 de maio, para reorientação do parafuso proximal da placa da omoplata.
18. Esteve com incapacidade temporária geral total entre 24/01/2021 e 09/02/2021 e entre 02/05/2021 e 04/05/2021.
19. Efetuou tratamentos de fisioterapia e foi medicado.
20. O Autor é trabalhador dependente da “M… – Transportes Lda.” com a categoria profissional de Motorista.
21. Aufere uma retribuição mensal base de € 701,00, acrescida de diuturnidades, complemento salarial, prestação pecuniária, trabalho noturno e ajudas de custo.
22. Em 2019, o Autor declarou ter auferido €15.949,09.
23. O Autor esteve com incapacidade temporária geral parcial entre 10/02/2021 e 01/05/2021 e entre 05/05/2021 e 13/10/2021.
24. Esteve com incapacidade temporária total para a sua atividade profissional entre 24/01/2021 e 13/10/2021 (263 dias).
25. Em consequência do acidente, o Autor ficou com sequelas que lhe conferem um défice funcional permanente de integridade físico-psíquica de 4 pontos (em 100).
26. Ficou com várias cicatrizes, ficando com um dano estético permanente fixável no grau 3, numa escala de 7, e teve um quantum doloris fixável no grau 4, numa escala de 7.
27. As sequelas são compatíveis com o exercício da sua atividade profissional, implicando esforços suplementares.
28. Na sequência do acidente, o motociclo ficou danificado e foi rebocada para uma oficina.
29. Foi efetuado orçamento para reparação dos danos, o qual ultrapassava o valor comercial do RX.
30. Para adquirir um motociclo de características idênticas às do RX, sem garantia, a um particular, o Autor terá de despender, pelo menos, €3.000,00.
31. O Autor utilizava o RX regularmente.
32. No dia do acidente, o Autor estava equipado com capacete, blusão e calças.
33. Entre outubro de 2019 e agosto de 2020, um par de luvas Kryptonite tinha o valor de € 125,99, umas botas TCX Xblend o valor de € 179,99, um capacete Schuberth o valor de € 749,00, um intercomunicador Schuberth o valor de € 229,00, um blusão Brooklin o valor de € 150,00, um conjunto de protetores o valor de € 72,00 e calças Revit Offtrack o valor de € 279,99.
34. Com a queda no solo e primeiros socorros, os bens com que estava equipado ficaram danificados.
35. O Autor nasceu em 25/10/1981.
36. A mãe do Autor está acamada e totalmente dependente de terceiros.
37. Antes do acidente, o Autor fazia ginásio, algo que lhe dava prazer e trazia bem-estar.
38. Depois do acidente, o Autor deixou de o fazer por dificuldade em movimentar o membro superior direito.
39. O salvado do motociclo foi avaliado, por uma empresa que se propunha a comprá-lo, em €625,00.
Com interesse para a boa decisão da causa, não resultou provado que:
a) o Autor circulava “normalmente” quando, de forma repentina e sem que nada o fizesse prever, o JC sai bruscamente da garagem em marcha atrás;
b) ficando a ocupar parcialmente ambas as vias de trânsito, colocando-se na frente do Autor;
c) o Autor decidiu manobrar para a esquerda atenta a velocidade que o condutor do JC imprimia na manobra de marcha atrás;
d) em ato continuo o condutor do JC avança para a frente cortando novamente a trajetória do Autor;
e) de seguida, o Autor e o RX foram projetados ao solo;
f) o motociclo era o principal meio de transporte do Autor;
g) no dia do acidente, o Autor estava equipado com luvas, botas, intercomunicador e conjunto de protetores e transportava um telemóvel Huawei p30, este no valor de € 779,89;
h) as sequelas irão agravar-se com o decurso dos anos; 
i) a mãe do Autor está totalmente dependente de si;
j) não a consegue ajudar como ajudava antes do acidente, por não ter força, dependendo agora da boa vontade de vizinhos para auxiliar a mãe, o que o perturba;
l) o veículo de matrícula …JC era conduzido a uma velocidade “muito reduzida” e com “extrema cautela” e atenção ao trânsito existente na via da Rua ..., bem como aos peões que circulavam no passeio;
m) quando a traseira do veículo já (ou ainda) se encontrava no passeio e a entrar na via de trânsito da esquerda, atento o sentido de marcha ascendente;
n) apercebeu-se que circulava no sentido ascendente uma moto e imobilizou o veículo, de forma a dar-lhe passagem;
o) a traseira do veículo seguro, em momento algum, entrou na faixa de rodagem destinada ao sentido de trânsito onde circulava a mota conduzida pelo Autor;
p) encontrando-se o veículo seguro completamente imobilizado no passeio a com a traseira na via oposta à da circulação do veículo do Autor;
q) o ora Autor, imprimindo uma “velocidade excessiva” à mota que conduzia, quando se apercebeu da existência do veículo seguro, apesar de o mesmo se encontrar parado, assustou-se, travou e, devido à “velocidade excessiva” com que seguia, a roda traseira da mota começou a derrapar na via;
r) o que provocou a perda de controle do motociclo por parte do Autor;
s) tendo o embate ocorrido, totalmente, dentro da hemi-faixa de rodagem destinada ao sentido oposto ao que a mota conduzida pelo Autor tomava;
t) na qual o veículo seguro se encontrava completamente imobilizado.
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O demais alegado mostra-se repetitivo, instrumental ou conclusivo ou consubstancia matéria de direito.
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Fundamentação da decisão de facto 
A decisão do Tribunal quanto à matéria de facto provada teve por base a análise conjugada e crítica da prova produzida, nomeadamente:
- dos documentos juntos aos autos (fotos do local do acidente; cópia do título de propriedade do motociclo; auto de participação elaborado pela PSP, nomeadamente com a referência às características dos veículos e à data de nascimento do Autor - também constante dos elementos clínicos - e declaração manuscrita, na altura, pela testemunha M…; cópia dos recibos de remuneração do Autor e da declaração de IRS referente a 2019; prints sobre anúncios de venda de motociclos com características semelhantes à do Autor, variando o valor também em função do ano de fabrico e do modelo mas sendo seguro chegar a um valor mínimo de 3000 euros; faturas referentes aos vários “equipamentos”, ainda que emitidas ao “consumidor final” mas com datas anteriores à do acidente; condições particulares da apólice de seguro invocada; cópia de documento referente a uma oferta de compra dos salvados do motociclo; toda a documentação clínica junta aos autos e certificados de incapacidade temporária); - do relatório pericial nos termos do qual resultam descritas as “sequelas” relacionáveis com o evento e se apresentam as conclusões relativas aos danos temporários e permanentes e défices funcionais relativos;
- do depoimento das testemunhas ouvidas, a saber: - CM…, agente da PSP, que deu conta de ter elaborado o auto de acordo com o que lhe foi transmitido no local, esclarecendo que observou os vestígios de vidros junto ao eixo da via; - M…, testemunha ocular da colisão, esclareceu a posição em que estava (“a descer a rua”, no passeio do lado oposto ao da “garagem”) e descreveu o acidente como tendo ocorrido da seguinte forma: “o carro estava a sair em marcha atrás e a mota embateu-lhe”, esclarecendo que “o carro já tinha saído completamente da garagem” e pensou “a mota não vai conseguir passar”, afirmando que na altura pensou ainda que se a mota tivesse tentado passar pelo lado direito, atento o sentido de marcha da mesma, “vinha contra mim”; disse ainda que a visibilidade da rua é reduzida porque é uma descida (no sentido em que ela ia) e “foi tudo muito rápido”; - TG…, amigo do Autor, descreveu as condições em que vive a mãe do seu amigo e disse que no período em que ele esteve “com dificuldade em andar” ia às compras por ele e ajudava-o em casa, tendo chegado a levar-lhe comida feita; deu conta do seu amigo frequentar um ginásio, em Sacavém, ao qual deixou de ir; - AM…, vizinha da mãe do Autor, de uma forma muito sincera, deu conta desta ter sofrido um AVC, numa altura em que o filho era casado e não podia dar ajuda, sendo quem todos os dias a vai ajudar, nomeadamente na alimentação e na muda de fralda, embora tivesse dito que o Autor, depois de se ter separado, foi viver com a mãe e era ele quem lhe dava o pequeno almoço; esclareceu que depois do acidente passou também a dar apoio ao Autor; disse que o Autor, que conhece desde que nasceu, tinha um carro e a mota e que para o trabalho levava o carro e a mota era mais para os fins de semana, esclarecendo que depois do acidente nunca mais viu a mota; - JD…, amigo do condutor do veículo ligeiro, disse que estava a chegar ao local, a pé, tendo visto o carro a sair em marcha atrás e ouvido o embate, dizendo que “foi tudo muito rápido”; - LC…, perito averiguador da Ré, deu conta das diligências que fez, nomeadamente que falou com os dois condutores e foi às oficinas ver os danos nos veículos, transmitindo a impressão com que ficou da possível dinâmica do acidente;  - C…, condutor do veículo seguro na Ré, descreveu o local, esclarecendo que entre a rua e a “garagem” dos seus pais existe um “túnel”, não sendo possível “manobrar” nesse espaço de saída, que, por isso, obriga a sair de marcha atrás; disse que “ia a sair”, “devagarinho”, e olhou para o seu lado esquerdo, deixou passar uma carrinha e, depois, ouviu uma mota “a abrir” e ainda pensou voltar a entrar, “meteu a primeira” mas “não teve essa reação” e, entretanto, “ele despistou-se”; afirmou que a mota “vinha a meio” e que ficou atravessada, tendo tido a impressão que travou com a roda de trás e foi “de rojo”; disse ainda que com o embate o seu carro foi desviado e bateu com a lateral no pilar; afirmou ainda que a mota “vem de uma subida íngreme” e “deve ter-se assustado”; - das declarações de parte do Autor, relativamente à dinâmica do acidente, apenas foi possível concluir, com a certeza exigível, que travou com a roda traseira para evitar o embate frontal, colocando a mota “de rojo” após ter tido a perceção que não conseguia passar pela frente do carro; deu ainda conta de ter ficado sem o capacete e de toda a roupa que levava ter ido para o lixo. Refira-se que, com os elementos trazidos aos autos e considerando a “plausibilidade” de ambas as “perceções”, até pela rapidez com que os factos necessariamente ocorreram, não é possível concluir, com a necessária certeza, por qualquer uma das versões apresentadas. Nem a dada pela Ré, nomeadamente de que o veículo seguro nunca entrou na hemi-faixa destinada à circulação dos veículos no sentido em que vinha o motociclo, contrariada pelo depoimento, isento, de M… e até, como feito notar pelo agente da PSP que elaborou o auto de participação, pela localização dos vestígios (de vidros) deixados no eixo da via, nem a do Autor, no sentido da “saída brusca” do veículo ligeiro, cortando-lhe a trajetória, primeiro, pela direita e, depois, pela esquerda. 
Quanto à demais matéria de facto não provada, o Tribunal assim a considerou porquanto não foi feita prova suficiente ou foi feita prova em contrário. 
Relativamente ao “equipamento” que levava o Autor, para além do capacete, luvas, blusão/casaco e calças (que, de resto, declarou no IML), não foi feita prova minimamente suficiente do mais. Da 2ª foto junta com a contestação mostra-se até evidente que o Autor não calçava botas mas antes sapatos com atacadores.
No que respeita ao alegado agravamento futuro das sequelas, no relatório pericial é dito que “não é de perspetivar a existência de dano futuro”.
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IV. Apreciação
Nota prévia: - apesar das considerações feitas nas conclusões do recurso do autor sobre as provas, não consideramos que o recorrente autor haja impugnado a decisão sobre a matéria de facto, e se assim não for, a verdade é que não deu cumprimento aos ónus previstos no artigo 640º do CPC, não indicando que pontos de facto provados ou não provados devem ser objecto de diverso julgamento por esta Relação, e em que sentido. Como se sabe, não cabe despacho de aperfeiçoamento do recurso nessa parte, e o incumprimento tem como consequência inelutável a imediata rejeição da impugnação.
Assim, a questão da impugnação da decisão sobre a matéria de facto restringe-se ao recurso da ré, e trata-se de uma questão que tem de ser apreciada antes de qualquer outra. Metodologicamente iremos assim apreciar a impugnação da decisão sobre a matéria de facto, e seguidamente as restantes questões de cada recurso.
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Pretende a ré que sejam dados como provados os factos que alegou de 4º a 17º da contestação, ou seja, toda a sua versão, e que a ré, no recurso, sintetiza:
- 1) o veículo de matrícula …JC era conduzido a uma velocidade “muito reduzida” e com “extrema cautela” e atenção ao trânsito existente na via da Rua ..., bem como aos peões que circulavam no passeio;
2) quando o veículo ainda se encontrava parcialmente no passeio e na via de trânsito da esquerda, atento o sentido de marcha ascendente;
3) apercebeu-se que circulava no sentido ascendente uma moto e imobilizou o veículo, de forma a dar-lhe passagem;
4) a traseira do veículo seguro, em momento algum, entrou na faixa de rodagem destinada ao sentido de trânsito onde circulava a mota conduzida pelo Autor;
5) encontrando-se o veículo seguro imobilizado no passeio com a traseira na via oposta à da circulação do veículo do Autor;
6) o ora Autor, imprimindo uma “velocidade excessiva” à mota que conduzia, quando se apercebeu da existência do veículo seguro, apesar de o mesmo se encontrar parado, assustou-se, travou e, devido à “velocidade excessiva” com que seguia, a roda traseira da mota começou a derrapar na via;
7) o que provocou a perda de controle do motociclo por parte do Autor;
8) tendo o embate ocorrido, totalmente, dentro da hemi-faixa de rodagem destinada ao sentido oposto ao que a mota conduzida pelo Autor tomava”[2].
Mais pretende a ré que seja dado como não provado o facto provado 30, “Para adquirir um motociclo de características idênticas às do RX, sem garantia, a um particular, o Autor terá de despender, pelo menos, €3.000,00”.
Dizer de imediato que velocidade muito reduzida, extrema cautela e velocidade excessiva são conclusões que não podem ser levados à decisão sobre a matéria de facto.
Assim, os factos que podem ser reapreciados são:  
2) quando o veículo …JC ainda se encontrava parcialmente no passeio e na via de trânsito da esquerda, atento o sentido de marcha ascendente; 3) apercebeu-se que circulava no sentido ascendente uma moto e imobilizou o veículo, de forma a dar-lhe passagem; 4) a traseira do veículo seguro não entrou na faixa de rodagem destinada ao sentido de trânsito onde circulava a mota conduzida pelo Autor; 6) o Autor, quando se apercebeu da existência do veículo seguro, assustou-se, travou e, pela velocidade a que seguia, a roda traseira da mota começou a derrapar na via, 7) o que provocou a perda de controle do motociclo por parte do Autor, vindo a ocorrer o embate totalmente dentro da hemi-faixa de rodagem destinada ao sentido oposto ao que a mota conduzida pelo Autor tomava”.
Este tribunal de recurso procedeu à audição integral da audiência de julgamento e examinou os documentos juntos aos autos, nomeadamente o auto de participação e croquis respectivo, e as fotografias juntas com a contestação. Repare-se que as fotografias juntas com a petição inicial mostram o nº 113 da Rua ..., prédio ao qual se segue, no sentido Sul Norte, e do lado esquerdo, uma reentrância (isto é, os prédios, dali em diante, estão mais afastados da faixa de rodagem) na qual logo existe uma garagem, sendo que, conforme consta do auto de participação, o acidente se dá frente ao nº 103, cuja primeira característica é precisamente o túnel (de acesso ao logradouro) onde, segundo C…, condutor do veículo ligeiro, tinha existido a oficina de seus pais, e onde ele, C…, antes do acidente, tinha estado a tratar/reparar o referido veículo.
Foi ouvido o agente da PSP que elaborou o auto, a testemunha M…, peão, que se deslocava no sentido Norte Sul e que afirmou ter presenciado o acidente (sendo que foi indicada como testemunha no auto da PSP), as testemunhas T… e A…, sobre danos/consequências do acidente para o autor, a testemunha JF..., amigo do condutor do ligeiro, que se deslocava ao encontro deste e que afirmou ter presenciado o acidente, e RC…, perito averiguador, e finalmente o condutor do ligeiro (enquanto testemunha) e depois, e a pedido, o autor, em declarações de parte. Repara-se ao tribunal recorrido que a exibição de fotografias em écran e para as quais as testemunhas apontam nos seus depoimentos, não são de grande valia se não forem acompanhadas de uma descrição (que fique a constar da gravação) do lugar para onde estão a apontar.
Recordemos que o tribunal deu como provado, apenas, que:
 “1. No dia 24 de janeiro de 2021, pelas 17.00 horas, na Rua ..., junto ao n.º 113, em Lisboa, deu-se a colisão entre o veículo automóvel, ligeiro de passageiros, da marca Peugeot, modelo 106, com a matrícula …JC, e o motociclo, da marca Honda, modelo CBR600 FS, com a matrícula …RX, propriedade do Autor e conduzido por este; 2. A faixa de rodagem no local tem uma largura de 6 metros e é constituída por 1 via sem separador com 2 sentidos de trânsito; 3. O Autor circulava no sentido Sul-Norte, ascendente; 4. O veículo de matrícula 45-51-JC, conduzido por C…, encontrava-se a sair de um pátio/garagem que dá acesso à rua ..., existente do lado esquerdo da via, atendo o sentido de marcha do Autor, em marcha atrás; 5. O Autor, quando se apercebeu da existência do veículo seguro, travou com a roda traseira da mota, de forma a prosseguir de rojo, na diagonal, evitando o embate frontal; 6. Acabando por embater com a lateral direita da mota na lateral esquerda do veículo seguro”.
O juízo probatório do tribunal, descritas as provas, foi o de que: “Refira-se que, com os elementos trazidos aos autos e considerando a “plausibilidade” de ambas as “perceções”, até pela rapidez com que os factos necessariamente ocorreram, não é possível concluir, com a necessária certeza, por qualquer uma das versões apresentadas. Nem a dada pela Ré, nomeadamente de que o veículo seguro nunca entrou na hemi-faixa destinada à circulação dos veículos no sentido em que vinha o motociclo, contrariada pelo depoimento, isento, de M… e até, como feito notar pelo agente da PSP que elaborou o auto de participação, pela localização dos vestígios (de vidros) deixados no eixo da via, nem a do Autor, no sentido da “saída brusca” do veículo ligeiro, cortando-lhe a trajetória, primeiro, pela direita e, depois, pela esquerda”. 
Antes porém de entrarmos na pretendida alteração da decisão de facto, verificamos que no facto provado nº 1 há um lapso, proveniente do articulado inicial do autor, e que a ré não indicando expressamente na sua contestação, todavia impugna: - o acidente dá-se frente ao nº 103. Repare-se na diferença entre as imagens juntas pelo autor e as juntas pela Ré, e repare-se no auto de participação policial, no qual se refere expressamente o nº 103, e no croquis, no qual se vê que antes do prédio do pátio, do lado esquerdo do croquis (que representa a zona a sul do nº 103) não há construção, não há prédios, o que não é o caso nas fotografias juntas pelo autor (nas quais, a sul do 113, estão os prédios até ao 103).
Assim, altera-se oficiosamente o facto provado nº 1 de modo a que o nº de porta ali referido passe a ser o 103. A redacção final é pois: “1. No dia 24 de janeiro de 2021, pelas 17.00 horas, na Rua ..., junto ao n.º 103, em Lisboa, deu-se a colisão entre o veículo automóvel, ligeiro de passageiros, da marca Peugeot, modelo 106, com a matrícula …JC, e o motociclo, da marca Honda, modelo CBR600 FS, com a matrícula …RX, propriedade do Autor e conduzido por este”.
Prosseguindo:
O depoimento da testemunha M… não exorbitou da insistência das perguntas, quer isto dizer, como com RC…, perito averiguador que a contactou, a mesma não deu pormenores técnicos, o que, em resumo, significa: - viu o carro a sair do pátio ou garagem (a designação é indiferente para quem não está ainda de frente para o túnel) e foi tudo muito rápido, milésimos de segundo, veio a mota – que a testemunha não podia ver porque vinha duma subida (a testemunha não estava ainda a descer) e a testemunha pensou que não ia passar, pensou que se passasse vinha para cima dela, e pensou na sorte que teve em não ter sido atropelada. Como a testemunha vem do lado da (zona a Este do topo da Alameda Afonso Henriques) e se dirige para sul, (direcção Rua Morais Soares) a testemunha não tem visão da mota, senão muito pouco antes do embate. Se formos a RC…, que não presenciou e que nem convocando toda a sua experiência profissional se lhe conseguiu arrancar uma velocidade excessiva da mota, ficamos na mesma, e é RC… que diz que não costuma passar por ali. Quer isto dizer, não sabemos a que velocidade vinha a mota. A testemunha JF… viria também do lado norte, e portanto também não teria visão da mota. C…, condutor do veículo automóvel ligeiro, presta um depoimento emocional, no qual afirmou que tomou, como tomava sempre, todas as cautelas para sair do túnel, que olhou para a esquerda e para a direita, e que até deixou passar uma carrinha e até talvez uma mota que vinha do lado da Alameda, e de seguida hiperboliza as afirmações sobre a velocidade do autor, o que com o devido respeito, não ajuda um tribunal a decidir. Comenta ele que com o embate o carro foi deslocado muitos (olhe os metros!) metros quando isso, pelas fotografias, nem se revela correcto – o carro fica-se (queda-se) pelo primeiro pilarete a seguir ao túnel no sentido sul norte. Depois, se é verdade que o Peugeot 106 ficou amachucado – e a ilustre mandatária da Ré fala do efeito acordeão – o argumento só impressiona para o pilar da porta, porque o resto é chapa que se amolga com qualquer pancada. E voltamos a apelar a RC… e à sua experiência e ao não poder quantificar a velocidade.
Depois, não podemos invocar, em sede de julgamento de matéria de facto, o Código da Estrada e o seu conceito jurídico de velocidade excessiva quando se não consegue parar no espaço livre e visível à frente, para estabelecer o facto, concreto, da velocidade. Até porque o artigo 24º do Código da Estrada não considera como espaço livre e visível à frente do condutor todo e qualquer espaço, pois o condiciona à previsibilidade, quer dizer, o condutor não tem de conduzir sempre em estado de poder parar de imediato – numa imagem, a 1 km/h na auto-estrada – ele tem de conduzir em estado de poder parar para evitar embates em obstáculos previsíveis – o cão que se atravessa na auto-estrada, recorrendo ainda a mais um exemplo típico, não é um obstáculo previsível. Quer isto dizer que, mesmo para este conceito de velocidade excessiva precisamos ter factos concretos donde poder concluir essa velocidade. Sobre velocidade, em suma, em termos de facto, nada sabemos.
Pretende a Ré recorrente que a manobra de marcha atrás que o condutor do carro fazia com todo o cuidado e na qual não tinha chegado a invadir a hemi-faixa sul norte, ao aperceber-se da aproximação da mota, parou (menos ainda portanto se poderia dizer que tivesse invadido a hemi-faixa sul norte e portanto que tivesse funcionado como um obstáculo à passagem da mota) para dar passagem à mota, só que o condutor da mota se assustou, travou e se despistou. Como o tribunal bem indica, e apesar da testemunha M… não ser um monumento de segurança em pormenores técnicos como disse (ou a responder a perguntas técnicas), esta versão da ré não é compatível com o medo (e alívio, sincero, no depoimento) de ser (e de não ter sido) atropelada. Neste sentido, não é possível dar relevância ao depoimento de C… (que aliás nem foi seguro sobre ainda ter a frente sobre o passeio – sendo que um Peugeot 106 mede mais de três metros e meio de comprimento e que naturalmente iria, na progressão da manobra, invadir a hemi-faixa sul norte, mesmo que começasse logo a descrever curva para se aprestar/apontar mais facilmente ao suposto sentido norte para onde iria seguir), sobre o seu carro não ter invadido a hemi-faixa sul norte, e é possível corroborar a versão de que alguma parte da traseira do automóvel já tinha invadido essa hemi-faixa, quer por M…, quer pelos vestígios de vidros ao meio da via. Depois, tendo a via seis metros de largura, saindo o carro do túnel, de marcha atrás (ou seja, a traseira do carro necessariamente avança primeiro para a via até que o condutor consiga ver o trânsito), e considerando que o túnel em questão, o prédio em questão, não se situa na subida de quem vem de Morais Soares mas já depois de concluída tal subida e começando então a via a descer para a zona Alameda, o que sucede é também que a distância desde o fim da subida até ao túnel é curta, donde, tanto as testemunhas têm uma percepção de que a mota vem muito rápida, porque mal a veem (M…) dá-se o embate, como o próprio condutor da mota quando vê o carro (tal como o condutor do carro quando tem a ideia de que deve ir para a frente mas já não consegue) o percebe necessariamente como em processo de se lhe atravessar à frente, como um obstáculo ao qual tem de reagir. Com efeito, é absolutamente evidente que numa via com 6 metros de largura, o carro que saía de marcha-atrás do túnel, não pode continuar a circular em marcha-atrás e tem de ir, no caso concreto, para a esquerda ou para a direita, e “tem de ir” significa que tem de posicionar a frente do carro de modo a poder seguir em frente, quer este em frente esteja para a esquerda quer para a direita do túnel. Isto é igual a dizer que para concluir com sucesso a manobra de sair do túnel e “ir à sua vida”, o carro tinha mesmo que invadir a hemi-faixa sul norte para conseguir completar a manobra. Se o carro tivesse saído de frente e se dirigisse para Morais Soares, não precisava invadir a hemi-faixa sul norte, mas tendo saído de marcha-atrás, qualquer que fosse o seu destino, tinha de invadir a hemi-faixa sul norte, o que significa que ao condutor da mota, o primeiro pensamento no avistamento do carro em marcha-atrás, é o de que o carro se vai atravessar à sua frente. Note-se aliás que o acidente se dá em 24 de Janeiro às 17h o que significa também que estava a começar a anoitecer.
Não há assim, a nosso ver, prova da velocidade nem prova dum susto do condutor da mota e em decorrência dele duma travagem e em consequência desta dum despiste involuntário: - as testemunhas presenciais vêm do lado oposto, o autor não o admite e pelo contrário afirma que trava deliberadamente com a roda de trás para embater de lado e não de frente, para se defender.
Finalmente, pelo que já dissemos sobre o depoimento de M… e sobre os vestígios, entendemos que o local onde se encontra o carro, depois do embate, não é necessariamente revelador do local onde ocorreu o embate, não relevando, portanto, para afirmar que o condutor do carro se imobilizou para deixar passar a mota.
Em suma, sobre a dinâmica do acidente e a pretensão de dar como provada a versão da Ré, estamos convencidos que o tribunal recorrido não cometeu erro na apreciação das provas e consequentemente mantemos a decisão. 
Em matéria de facto, a recorrente Ré pretende ainda que, e citamos a partir do corpo da alegação: “Devendo ser retirado dos fatos provados o ponto 30 por total ausência de prova sobre a questão do valor do veículo à data do acidente. Com efeito, nem sede de julgamento, em de sede prova documental se fez qualquer prova sobre esse facto o outro relativo a quantificação dos danos sofrendo pelo motociclo propriedade do autos. Pelo exposto, no que ao dano patrimonial emergente da perda total do motociclo diz respeito deve a douta sentença ser revogada, devendo ser dado como não provado qualquer dano referente a quantificação do motociclo do autor”.
O facto provado 30 refere: “Para adquirir um motociclo de características idênticas às do RX, sem garantia, o Autor terá de despender, pelo menos, €3.000,00”.  
O autor alegou na petição inicial: “50º Do acidente o RX ficou danificado, essencialmente na frente mas também nas laterais e traseira com a queda, cfr. Docs. 11 e 12; 51º Pelo que ficou impossibilitada de circular e foi rebocada para a oficina da moto+ (…); 52º Ali foi efetuado orçamento de reparação dos danos que ultrapassava o valor comercial do RX; 53º A R. não reparou o RX nem colocou à disposição do A. a quantia por equivalente; 54º  O RX encontrava-se em bom estado de conservação e bom funcionamento mecânico, elétrico e eletrónico; 55º Para adquirir um motociclo de características idênticas às do RX, uma Honda CBR600 de 2001, sem garantia, a um particular, o A. terá de despender 3.900,00€, cfr. Docs. 13 a 15; 56º Pelo que pela perda do RX o A. reclama 3.900,00€”;
Na contestação a Ré defendeu-se: “24.º No que se refere aos danos peticionados pelos danos no veículo motociclo do A, a ora contestante aceita que o mesmo tenha ficado numa situação de perda total a qual foi avaliada no montante de 2.325,00€. Com efeito, 25.ºO valor de mercado do veículo à data o acidente era de 3.000,00€, conforme doc. 5 que ora se junta e cujo teor se dá por integralmente reproduzido para os devidos e legais efeitos. 26.º Sendo que, após a ocorrência do acidente, o salvado foi avaliado por uma empresa A2B em 625,00€ que se propunha a comprar o veículo ao A., por esse montante, conforme doc. 6 que ora se junta e cujo teor se dá por integralmente reproduzido para os devidos e legais efeitos. 27.º Encontrando-se o veículo da posse do A., o valor de 625,00€ terá que ser deduzido ao valor de mercado de 3.000,00€, apurando-se o valor de 2.325,00€ pela perda total”.
Na fundamentação jurídica da sentença o tribunal considerou, a partir do facto provado 30 e do facto provado 39, sobre a avaliação do salvado, que “(…) resultou demonstrado que o motociclo foi considerado “perda total”, tendo um valor comercial de, pelo menos, €3.000,00. Considerando o valor apurado dos salvados (€625,00), temos como indemnizável o valor de €2.235,00”. 
Quer isto dizer que, quanto ao facto provado 30, a Ré não tem legitimidade para pedir a sua impugnação, porque não é prejudicada pela solução jurídica dada a partir desse facto, que é precisamente aquela que aceitou, como o valor de €3.000 foi por ela expressamente alegado (em contrário ao valor de €3.900 invocado pelo autor).             Não se altera o facto provado nº 30.
Fica assim concluída a impugnação da decisão sobre a matéria de facto.
*
Do recurso do Autor e do recurso da Ré, nas conclusões 18ª do recurso do Autor e 14ª do recurso da Ré:
- na conclusão 14ª a Ré é claríssima a considerar que a sua absolvição total depende da alteração da decisão sobre a matéria de facto que impugnou, e é portanto claro que essa pretensão – de atribuição da responsabilidade do acidente exclusivamente ao autor, condutor do motociclo – não pode proceder.
Já na conclusão 18ª do recurso do Autor, o mesmo refere que não obstante o tribunal ter “elencado a prova produzida convenientemente” fez errada interpretação do direito aos factos, já que, face ao que destacou, e considerou provado, será inevitável concluir pela culpa do condutor do veículo automóvel”, com base na violação dos artigos 3º nº 2, 35º nº1, 46º nº 1 e 47º, todos do Código da Estrada. 
Sob a epígrafe “Liberdade de trânsito”, o Código da Estrada prevê no seu artigo 3º nº 2 que “2 - As pessoas devem abster-se de atos que impeçam ou embaracem o trânsito ou comprometam a segurança, a visibilidade ou a comodidade dos utilizadores das vias, tendo em especial atenção os utilizadores vulneráveis”.
No artigo 35º do mesmo diploma prevê-se: “1 - O condutor só pode efetuar as manobras de ultrapassagem, mudança de direção ou de via de trânsito, inversão do sentido de marcha e marcha atrás em local e por forma que da sua realização não resulte perigo ou embaraço para o trânsito. (…)”.
O artigo 46º do mesmo Código estabelece que: “1 - A marcha atrás só é permitida como manobra auxiliar ou de recurso e deve efetuar-se lentamente e no menor trajeto possível”, e o artigo 47º do mesmo Código determina:
1 - Sem prejuízo do disposto no n.º 2 do artigo 33.º para o cruzamento de veículos, a marcha atrás é proibida: a) Nas lombas; b) Nas curvas, rotundas e cruzamentos ou entroncamentos de visibilidade reduzida; c) Nas pontes, passagens de nível e túneis; d) Onde quer que a visibilidade seja insuficiente ou que a via, pela sua largura ou outras características, seja inapropriada à realização da manobra; e) Sempre que se verifique grande intensidade de trânsito”.
Conseguimos, como pretende o recorrente autor, subsumir os factos que o tribunal considerou provados às previsões destes preceitos?
Temos que “1. No dia 24 de janeiro de 2021, pelas 17.00 horas, na Rua ..., junto ao n.º 103, em Lisboa, deu-se a colisão entre o veículo automóvel, ligeiro de passageiros, da marca Peugeot, modelo 106, com a matrícula …JC, e o motociclo, da marca Honda, modelo CBR600 FS, com a matrícula …RX (…)”. Sabemos que o motociclo vinha no sentido sul norte, ascendente, e que o automóvel encontrava-se a sair de um pátio/garagem, existente do lado esquerdo da via, atendo o sentido de marcha do Autor, e que saía desse pátio em marcha atrás. “O Autor, quando se apercebeu da existência do veículo seguro, travou com a roda traseira da mota, de forma a prosseguir de rojo, na diagonal, evitando o embate frontal”.
Foi expressamente dado como não provado que o veículo automóvel “de forma repentina e sem que nada o fizesse prever, o JC sai bruscamente da garagem em marcha atrás; b) ficando a ocupar parcialmente ambas as vias de trânsito, colocando-se na frente do Autor”. Não podemos pois concluir que entre quem executa uma manobra marcha-atrás e quem vai no seu sentido de marcha na sua via, a colisão é de imputar ao condutor que executa a manobra que, apresentando-se em contrário do movimento, digamos, da circulação normal dos veículos, importa, por isso mesmo, um grau de perigo maior. Com os factos provados não conseguimos integrar a marcha atrás em nenhuma das situações previstas no artigo 47º do Código da Estrada, e nem conseguimos chegar à parte final do nº 1 do artigo 35º do mesmo Código.
Só temos que secundar – e o autor recorrente, para além da invocação das normas do Código da Estrada referidas, não produz outro esforço explicativo para demonstrar porque é que, mesmo só com os factos provados, se teria de chegar à culpa do condutor do veículo automóvel ligeiro de passageiros – quanto a sentença recorrida discorreu sobre o assunto, e citamos:
 “Já no que concerne à sua ilicitude, sendo certo que nos termos do art. 35º, do Cód. Estrada, o condutor só pode efetuar a manobra de marcha-atrás “em local e por forma que da sua realização não resulte perigo ou embaraço para o trânsito”, a verdade é que - perante os factos que resultaram provados (e não provados) - não se consegue afirmar que o condutor do veículo seguro na Ré não tivesse adotado as precauções necessárias para efetuar a manobra em causa. Por sua vez, atentando no que dispõe o art. 13º, nº 1, do Cód. da Estrada, no sentido em que “O trânsito de veículos deve fazer-se pelo lado direito da faixa de rodagem e o mais próximo possível das bermas e passeios, conservando destes uma distância que permita evitar acidentes”, também não se mostra possível dizer - perante os mesmos factos provados e não provados - que a colisão poderia ter sido evitada caso o Autor circulasse mais encostado à berma do seu lado direito. De facto, não sendo possível aferir da velocidade a que eram conduzidos os veículos e considerando as características do local (vindo o motociclo num sentido ascendente, ou seja, tendo a visibilidade do local onde se deu a colisão a uma distância mais “curta” do que se estivesse em plano, assim como o condutor do ligeiro relativamente à aproximação do motociclo), estando a reação de cada condutor dependente de um conjunto de fatores psicossomáticos, em frações de segundos, que nem sempre se traduz na opção que se revela mais “acertada”, não é possível dizer, com a certeza exigível, que algum dos condutores agiu com “culpa”, nomeadamente no sentido de se concluir que a atuação (só) de um ou de outro pode ser considerada (isoladamente) como causal do acidente.  Assim, conclui-se que o acidente se deveu ao risco inerente à circulação rodoviária” (fim de citação).
Passemos então a examinar as demais questões, agora do recurso do autor, e depois do recurso da ré.
Do recurso do autor – da proporção do risco nos termos do artigo 506º do Código Civil:
Pretende o autor que a proporção de risco não seja fixada em 50% para cada veículo, mas sim, dadas as diferenças entre eles, em 80% para o automóvel e 20% para a mota. Cita o recorrente o acórdão da Relação de Coimbra, proferido no proc. nº 1685/15.9T8CBR.C1, de 21.02.2018, (Rel. Moreira do Carmo), no qual se aprecia amiudadamente a questão. E a questão é que, na falta de qualquer outro aporte factual, isto é, nada se sabendo de riscos concretos, entre um automóvel ligeiro e um velocípede (no caso daquele processo) ou uma mota (no nosso caso) é tamanho e peso (digamos massa) e em função desta, o potencial de lesão a terceiros, assim podendo afirmar-se que dada a massa de um automóvel e a de uma mota, a do automóvel está em condições de produzir maiores danos a quem for por ela embatido. Evidentemente, a lesão corresponde à produção de um risco, e o risco é assim analisável de um modo concreto e apenas se não se conseguir apurar nenhum facto concreto é que podemos apelar ao conceito de massa. No referido acórdão salienta-se, e bem, que o risco do velocípede para o ciclista não pode ser considerado. Assim, e aplicando ao caso dos autos, não podemos partir das lesões no corpo do autor para atribuir um risco maior ao motociclo (de produção de danos maiores ao seu próprio condutor). Mas, também é certo que mesmo que se entenda que o facto do automóvel estar a fazer marcha atrás significa que está em andamento, em todo o caso esse andamento não envolve a massa do carro a embater na mota, pelo contrário, a mota embateu no carro, e lado com lado. Então, em rigor não estamos perante um daqueles casos em que nada se sabe e em que comparamos em abstracto a massa dum carro com a massa duma mota, ambas em circulação, para concluir que a do primeiro, porque maior, é potencialmente capaz de produzir maior dano, aqui o caso é que apesar de podermos dizer que a mota tem menos potencial lesivo, foi ela que embateu, uma massa em movimento, numa massa maior, é certo, mas inerte. E se não erramos, neste caso, não há então que considerar que a proporção do risco é diversa entre os veículos.
Mantém-se, pois, a proporção atribuída na sentença recorrida.
Pretende ainda o autor, no seu recurso, que o valor de €9.001,40 fixado a título de perdas salariais durante o período comprovado de incapacidade para o trabalho deve ser substituído pelo de €10.116,27, pois que este é o obtido, ele se contém no valor do pedido total e além de que o tribunal, “na demonstração aritmética respetiva, nem sequer considerou os proporcionais respetivos, quer dos subsídios de férias, quer de Natal”.
Já quanto a esta matéria, e muito pelo contrário, no recurso da ré vemos que esta considera que nem os €9.001,40 devem ser arbitrados ao autor, pois que “22. Da prova produzida em julgamento, mormente do depoimento do amigo do A. TG…, resultou claramente que durante o período de incapacidade para o trabalho o autor recebeu baixa paga pela segurança social. 23. Sobre esta questão em concreto, da perda de rendimento durante o período de incapacidade, nenhuma outra prova foi feita nos autos. Não fui junto pelo autor qualquer documento que comprovasse que durante o período de incapacidade não recebeu qualquer rendimento, não foi oficiada a segurança social para vir informar os autos se havia liquidado ou não qualquer quantia a título de baixa correspondente ao período de incapacidade temporária sofrido pelo autor. 24. Esta prova incumbia única e exclusivamente ao autor ou qual tinha o ónus da prova sobre os danos por si sofridos com os quais não podem ser presumidos pelo douto tribunal nem quantificados sem que tenha sido feita prova sobre os mesmos. 25. Pelo que, conjugando a ausência de prova documental e o depoimento da testemunha TG… decorre que o autor não logrou provar que durante o período de incapacidade temporária não recebeu qualquer quantia monetária ou teve dano patrimonial decorrente da mesma”.
Consta dos factos provados:
 “18. Esteve com incapacidade temporária geral total entre 24/01/2021 e 09/02/2021 e entre 02/05/2021 e 04/05/2021.
 (…)
20. O Autor é trabalhador dependente da “M… – Transportes Lda.” com a categoria profissional de Motorista.
21. Aufere uma retribuição mensal base de €701,00, acrescida de diuturnidades, complemento salarial, prestação pecuniária, trabalho noturno e ajudas de custo.
22. Em 2019, o Autor declarou ter auferido €15.949,09.
23. O Autor esteve com incapacidade temporária geral parcial entre 10/02/2021 e 01/05/2021 e entre 05/05/2021 e 13/10/2021.
24. Esteve com incapacidade temporária total para a sua atividade profissional entre 24/01/2021 e 13/10/2021 (263 dias)”.
Sobre a questão levantada pela ré há que dizer que não está provado, e a ré não impugnou a decisão sobre a matéria de facto quanto a esta matéria, que o autor tenha estado de baixa paga pela Segurança Social. E se esteve, é a Segurança Social que está prejudicada, já que nenhuma responsabilidade tem, nem mesmo a título de risco, por acidentes sofridos por pessoas que estão abrangidas pelo sistema de Segurança Social. Não precisamos de ter mais factos provados do que aqueles que temos, nos quais se consagrou que o autor era trabalhador dependente duma determinada empresa: - se alguém trabalha, enquanto trabalhador dependente, com contrato de trabalho quer isso dizer, e se recebe um ordenado, e se fica impedido de trabalhar por causa das lesões que sofreu num acidente, esse alguém não trabalha e esse alguém não tem direito à contrapartida do seu trabalho, paga pela entidade patronal (sua credora de trabalho), por aplicação directa da lei laboral – artigo 296º nº 1 e 3 do Código do Trabalho – o que constitui o dano. A pessoa a quem a indemnização é devida – se ao trabalhador acidentado, se à Segurança Social, é coisa diversa daquela que preocupa a Ré recorrente e que não a isenta da responsabilidade de indemnização. 
Improcede esta questão do recurso da Ré, e já não voltaremos a referi-la quando apreciarmos as restantes questões desse recurso.
Voltemos então ao autor, para dizer que não está provado o valor da retribuição mensal para efeitos de cálculo de subsídio de férias. Temos como provado que o autor auferia retribuição mensal base de €701,00, acrescida de diuturnidades, complemento salarial, prestação pecuniária, trabalho noturno e ajudas de custo. Ora, para determinação do subsídio de Natal até poderíamos ficar com €701,00, para os efeitos do artigo 263º nº 1 do Código do Trabalho, mas já para o cálculo do subsídio de férias, segundo o artigo 264º nº 1 e 2 do mesmo Código, não temos o valor das diuturnidades, não sabemos o que é o complemento salarial nem a prestação pecuniária, não sabemos do carácter retributivo ou não do trabalho nocturno nem das ajudas de custo. Por isto não há que considerar que a sentença lavrou em algum erro ao não referir os subsídios de férias e de Natal na demonstração aritmética que fez, na qual, aliás, não partiu da retribuição mensal, mas sim do rendimento anual global declarado, e porque anual, o dividiu por 12, sem desacerto.
Considerou o tribunal de primeiro grau que “Assim, com base no rendimento anual global de €15.949,09 (correspondente à sua atividade profissional e declarada no ano de 2019), e no período de incapacidade temporária total (263 dias, ou seja, praticamente, 12 meses), temos como remuneração mensal ilíquida €1.139,22 (€15.949,09 : 14). Multiplicando esse valor pelos 12 meses chegamos ao valor de €13.670,64. Sendo tal valor ilíquido, considera-se a taxa de IRS aplicável ao rendimento bruto anual no ano de 2021 (26%), obtendo-se o valor “líquido” de €10.116,27 (74% de €13.670,64)”. 
A este específico raciocínio nada é oposto. A discordância do autor centra-se no facto de a condenação não ter reflectido o valor líquido assim obtido, e antes se ter atido ao valor que o autor havia peticionado a esse título.
O princípio dispositivo impõe que o julgador não possa decidir o conflito de interesses sem que a decisão lhe seja pedida por alguém e que aquele contra quem é pedida a decisão seja chamado a defender-se – artigo 3º nº 1 do CPC.
Esta é a moldura máxima do processo civil em sentido estrito, isto é, sem tempero das suas soluções por imperativos de interesse público. No caso presente não estamos perante nenhum conflito ou interesse em que o tribunal tenha de intervir oficiosamente, cada um sendo livre de reclamar ou não os direitos indemnizatórios derivados de um acidente de viação. Se o autor pediu – indicação obrigatória segundo o artigo 552º nº 1 al. e) do CPC – os referidos nove mil euros por perdas salariais derivadas da incapacidade que lhe sobreveio ao acidente, os artigos 556º e 557º do CPC não cabendo (ou não sendo invocados como cabendo) ao caso, o artigo 609º do CPC determina que a sentença não pode condenar em quantidade superior ao que se pedir.
Esta regra do artigo 609º do CPC é absoluta? Ou, no caso de se ter pedido mais, ainda que a outro título (e por este se não tiver conseguido e portanto tiver sobrado “saldo”, dizendo assim de modo simplificado) pode-se imputar a diferença ao saldo disponível? Voltamos à moldura máxima que já referimos: parte-se do que se pede e do que aquele contra quem se pede se defende, parte-se do prejuízo maior anunciado à contraparte e da garantia de que esta se conseguiu defender desse prejuízo maior. Este é limite inultrapassável. Por isso, a nulidade da sentença a que se refere o artigo 615º nº 1 al. e), primeira parte, do CPC, só intervém quando esse limite (de defesa, em última análise) tiver sido ultrapassado. Não é relevante, a nosso ver, ligar o pedido concretamente formulado (isto é, o valor pedido) ao seu fundamento, como se, tendo sido pedido x pelo dano y, não pudesse nunca haver condenação no valor z pelo dano y. Pedido x pelo dano y, a contraparte sabe que tem de defender-se da invocação de dano y, e sabe que se não conseguir defender-se eficazmente, haverá lugar à sua condenação em indemnização pelo dano y. Tem então, neste saber, revelado também o leque indemnizatório, no qual se lhe não apresenta como surpresa que o valor da indemnização possa até ser superior ao valor que o lesado tenha pedido. Não há assim nenhuma razão, nem mesmo relacionada com os diversos fundamentos, seja no caso, por indemnização por danos patrimoniais e não patrimoniais, que justifique a restrição. Sobrando valor do pedido total formulado, a imputação do excesso no saldo pode ser feita. Aliás, mesmo que restringíssemos a um determinado tipo de danos (no caso, patrimoniais), bastava ver que o autor tinha pedido €3.900,00 pelo valor da mota, e que lhe fora arbitrado €2.325,00, para aqui encontrarmos um saldo de €1.575,00, no qual podia ser imputada a diferença entre os dez mil e os nove mil euros, mais concretamente, a diferença de €1.147,87 que o recorrente reclama lhe devia ter sido arbitrada também.
No mesmo sentido, veja-se na dgsi o sumário do acórdão desta Relação de 22.2.2022, no processo 275/20.9T8TVD.L1-7: “1 – O limite da condenação, tanto quantitativa, como qualitativamente, deve ser reportado ao pedido global, nada obstando, por isso, a que, se esse pedido representar a soma de várias parcelas, que não correspondam a pedidos autónomos, como acontece, regra geral, nas ações de indemnização por acidente de viação, se possa valorar cada uma dessas parcelas, em quantia superior à referida pelo autor, desde que o cômputo global fixado na sentença não exceda o valor total do pedido (…)”.
Procede assim esta questão do recurso, devendo somar-se ao valor da condenação, o valor da diferença referida.
Por último, no recurso do A., cumpre apreciar do valor da indemnização arbitrado pela perda da capacidade de ganho, que o A. sustenta não dever limitar-se a €14.000,00, antes dever ser fixado no mínimo em €22.000,00.
A sentença recorrida considerou: “No que aos “lucros cessantes” respeita, resultou demonstrado que o Autor ficou a padecer de uma IPP de 4%, tendo, no entanto, retomado a sua atividade laboral. Ou seja, ainda que as sequelas de que ficou a padecer sejam compatíveis como exercício da sua profissão, a verdade é que passaram a exigir-lhe um esforço suplementar. A jurisprudência vem desde sempre pondo em destaque que “na incapacidade parcial permanente há que distinguir, por um lado, a incapacidade para o trabalho ou incapacidade laboral e, por outro, a incapacidade fisiológica ou funcional (vulgarmente chamada de “deficiência” ou handicap)”, sendo que, “nesta sua vertente, a repercussão negativa da respetiva IPP centra-se na diminuição da condição física, resistência e capacidade de esforços por parte do lesado, o que se traduzirá numa deficiente ou imperfeita capacidade de utilização do corpo no desenvolvimento das atividades pessoais em geral e numa consequente e previsível penosidade, dispêndio e desgaste físico na execução de tarefas que antes eram desempenhadas com regularidade”, para concluir que também nestas situações, “a IPP, mesmo que não impeça o lesado de continuar a trabalhar, constitui um dano patrimonial, pois obriga-o a um maior esforço para manter a produtividade e nível de rendimentos auferidos anteriormente à lesão”. “Ferida a integridade psicossomática plena, as sequelas permanentes que integram o dano corporal importam, naturalmente, diminuição, pelo menos da capacidade geral de ganho do lesado, e mesmo que tal não aconteça ou não se perspective de imediato, sempre tal dano (corporal ou biológico) será de per si indemnizável (arts. 564.º, n.º 2, e 566.º, n.º 3, do CC)” Pelo que, “a indemnização pelo dano futuro da frustração de ganhos deve representar um capital produtor de um rendimento que se extinga no fim do previsível período de vida activa da vítima e que garanta as prestações periódicas correspondentes à respectiva perda de salário, sendo de acentuar, contudo, que não deverá ficcionar-se, no apuramento do referido montante, que a vida física do lesado coincide com a sua vida activa” (Ac. do STJ de 17/04/2007).  De facto, a incapacidade permanente é suscetível de afetar e diminuir a potencialidade de ganho, quer implique perda ou diminuição da remuneração, quer implique um esforço acrescido para manter os mesmos níveis de produtividade e de ganho. Tratando-se de uma incapacidade permanente, ela irá subsistir no futuro e prejudicará o lesado no emprego que tinha ou noutro qualquer. Assim, como acima se referiu, faz sentido utilizar tabelas financeiras ou cálculos matemáticos em situações como a dos autos em que a IPP se repercute ainda negativamente na capacidade de ganho do lesado.  Nesta conformidade, lançando mão da fórmula muito simples de que deu notícia já há largos anos Sousa Dinis, no seu estudo “Dano corporal em acidentes de viação – Cálculo da Indemnização - Situações de agravamento - Cálculo da indemnização em situações de morte, incapacidade total e incapacidade parcial - Perspectivas futuras”, partindo-se do rendimento anual do lesado, determina-se através de uma regra de três simples o capital necessário para à taxa de juro que se tenha por financeiramente mais adequada, e que se tem ainda como sendo a de 3%, sobretudo porque está em causa um elevado número futuro de anos, se obter aquele rendimento anual de que o lesado se viu desapossado. Assim, e na situação dos autos: Considerando o rendimento anual do Autor (declarado) - € 15.949,09 -, determinando-se o capital necessário para ao referido juro de 3% obter aquele rendimento anual, obtém-se o valor de € 478.472,70.  A este valor deverá abater-se ¼ para evitar o seu enriquecimento, visto que vai receber o capital desde já na totalidade, e não ao longo dos vários anos de vida, com o que se obtém € 358.854,53. Como a IPP do Autor é a de 4%, aquele capital de € 358.854,53 tem de ser reduzido na mesma medida, com o que se obtém € 14.354,18. A partir do valor assim encontrado, há que fazer intervir a equidade, tendo em vista o tipo de pessoa, o tipo de trabalho, e, sobretudo, a idade à data do sinistro, sendo que, quanto mais baixa a idade do lesado, mais nos devemos aproximar do valor encontrado. In casu, tendo em consideração a idade do Autor à data do acidente (39 anos), a sua previsível vida ativa até aos 65 anos e o seu vencimento calculado de acordo com os valores declarados, entende-se como equitativa uma indemnização de € 14.000,00”[3].
O recorrente autor defende ao invés que tal valor “fica aquém do valor justo e equitativo do caso em apreço”, e estriba-se no acórdão desta Relação de 27.1.2022, processo 21292/15.5T8SNT.L1, e na citação que neste se faz do acórdão do Supremo Tribunal de Justiça de 19.10.2021, processo n.º 7098/16.8T8PRT.P1.S1, na qual se descola, por assim dizer, duma excessiva ponderação das implicações profissionais e se pondera uma incidência alargada da diminuição da capacidade biológica na execução das mais variadas actividades duma vida humana autónoma.
Alega o recorrente que “tendo em conta a idade (…), a sua vida profissional como motorista de pesados, profissão com reconhecido desgaste, a dificuldade do atual mercado de trabalho, inclusive de reconversão e alternativas profissionais, e tendo em ainda em consideração decisões já proferidas com coeficientes de incapacidade equivalentes (…)”, o valor fixado é exíguo.
Apreciando:
A sentença, como se viu, apelou, e de um modo essencial, à repercussão do dano sobre a vida profissional do autor, e quando a final apelou à equidade, não ponderou decisões em casos semelhantes.
De muita utilidade para a elucidação dos caminhos do raciocínio jurídico perfilhado mais recorrentemente pela jurisprudência nesta matéria, citamos (em parte) o sumário do acórdão do Supremo Tribunal de Justiça, proferido no processo 268/17.3T9VCD.P1.S1 em 24-03-2021 (Rel. Cons. Paulo Ferreira da Cunha):
 “(…)
II - O critério decisivo para o Tribunal da Relação reduzir a indemnização inicialmente decidida de 35.000€ para 8.000€ foi a utilização dos valores da Portaria 377/2008 de 26 de Maio. Reduziu, assim, em cerca de 77% a indemnização arbitrada pela 1.ª Instância.
III - Porém, os valores da referida Portaria não são em todas as situações vinculativos; antes, de algum modo, se podem entender como mínimos e vocacionados fundamentalmente para base de discussão de acordos extrajudiciais (Ac. STJ, de 14-02-2013, Proc. n.º 6374/05.0TDLSB.L1.S1; Ac. STJ, 07-05-2020, Revista n.º 952/06.7TBMTA.L1.S1, Ac. STJ, de 01-06-2011, Proc. n.º 198/00.8GBCLD.L1.S1; Ac. STJ, de 25-03-2010, Proc. n.º 344/07.0TACVD.P1.S1 Ac. STJ, de 09-02-2011, Proc. n.º 21/04.4GCGRD.C3.S1, Ac. STJ, de 7-03-2017, 4754/11.0TBVFR-A.P1, inter alia).
IV - A equidade “é a expressão da justiça no caso concreto” (v.g. Ac. STJ, de 10-04-2019, Proc. n.º 73/15.1PTBRG.G1.S1 - 3.ª Secção). Porém, a intervenção do STJ quando está em causa a equidade não pode ser ilimitada. A equidade assenta nas particularidades da situação atual do caso em concreto, pelo que se tratando de uma verdadeira questão de direito (cf. o Ac. deste STJ de 17.12.2019, Proc.º n.º 669/16.4T8BGC.S1) deve, em princípio, esse juízo ser mantido, a menos que, nomeadamente fiquem em causa a segurança jurídica e / ou o princípio da igualdade, atendendo já a uma interpretação atualista (cf. Ac. STJ, de 04-06-2020, Proc. n.º 43/16.2GTBJA.E1.S1; Ac. STJ, de 30-06-2020, Revista n.º 313/12.9TBMAI.P1.S1).
V - Quando a decisão se desvia dos elementos da equidade, é admissível a intervenção do STJ (Ac. STJ, de 16-01-2014, Proc. n.º 93/08.2GCMBR.P1.S1), não sendo excecional “que os tribunais usando os critérios previstos no CC, fixem valores superiores” (Ac. STJ, de 01-06-2011, Proc. n.º 198/00.8GBCLD.L1.S1).
VI - Há mais de uma década que a referida Portaria não é atualizada, pelo que a inflação é um fator a considerar. Além de que devem atender-se todas as circunstâncias do caso concreto (nomeadamente, os concretos maiores esforços para o exercício atividade profissional por parte da vítima, os específicos danos, o grau de culpa, e as decisões jurisprudenciais em casos similares, em consequência, desde logo, do princípio da igualdade).
VII - O dano biológico é “autonomizável, devendo ser contabilizado, um prejuízo futuro (…) enquadrado como dano biológico, e que contemple, para além do resto, a maior penosidade e esforço no exercício da actividade corrente e profissional do lesado” e que a “indemnização a arbitrar pelo dano biológico sofrido pelo lesado - consubstanciado em relevante limitação funcional - deverá compensá-lo, apesar de não imediatamente reflectida no nível salarial auferido, quer da relevante e substancial restrição às possibilidades de mudança ou reconversão de emprego e do leque de oportunidades profissionais à sua disposição, enquanto fonte actual de possíveis e eventuais” (Ac. STJ, de 21-11-2018, Proc. n.º 1377/13.3JAPRT.P1.S1 - 3.ª Secção).
VIII - A indemnização pelo dano biológico é atribuída segundo a equidade, conforme o disposto no art. 566, n.º 3, do CC, de acordo com o circunstancialismo do caso concreto, as regras do bom senso e prudência, e decisões jurisprudenciais com as quais seja possível estabelecer um paralelismo. (Ac. STJ, de 14-12-2016, Proc. n.º 25/13.6PTFAR.E1.S1, Ac. STJ, de 29-10-2020, Revista n.º 111/17.3T8MAC.G1.S1, etc.). Em síntese, «a atribuição de indemnização por danos não patrimoniais ganha em ser feita com recurso a juízos hábeis, dúcteis e teleológicos, que tenham em conta todas as circunstâncias do caso concreto e não esqueçam que a finalidade principal da compensação é proporcionar ao lesado(a) meios de diminuição da sua dor. Não pode ser irrisória nem descomunal, mas adequada aos danos e à condição de quem deles irá usufruir». (Ac. STJ de 17-12-2019, Proc. n.º 480/12.1TBMMV.C1.S2).
IX - A avaliação do juízo de equidade deverá atender, na medida do possível, a indemnizações arbitradas em casos em que exista alguma similitude, ou que possam ser encarados como referência comparativa. Só assim se respeita o “princípio da igualdade dos cidadãos perante a lei – arts. 13.º, n.º 1, da CRP e 8.º, n.º 3, do CC. 27-11-2018” (Ac. STJ, Revista n.º 125/14.5TVLSB.L1.S1). No caso, por exemplo, o Ac. STJ, de 10-12-2019, Revista n.º 243/08.9TBSSB.E1.S1, o Ac. STJ, de 17-05-2018, Revista n.º 952/12.8TVPRT.P1.S1, o Ac.STJ, Relator: de 22-05-2018, Revista n.º 1032/11.9TVLSB.L1.S1, o Ac. STJ, de 27-11-2018, Revista n.º 125/14.5TVLSB.L1.S1.
X - Assim, a decisão do Tribunal da Relação do Porto, ao reduzir em cerca de 77% a indemnização pelo dano biológico (na vertente patrimonial), fixada pelo tribunal de 1.ª Instância não pode ser considerada equitativa, porque: a) A Portaria n.º 377/2008 foi no seu juízo decisiva; b) Partiu de valores que constam da Portaria não atualizados; c) Apenas se socorreu dos critérios da Portaria: idade e pontos da incapacidade, não sopesando as demais circunstâncias do caso em concreto; d) Os valores da Portaria atendem à vida ativa, ou seja, idade de reforma – como se depreende do art. 7.º, n.º 1, al. b) – “Para cálculo do tempo durante o qual a prestação se considera devida, presume -se que o lesado se reformaria aos 70 anos de idade;” - mas deve atender-se à esperança média de vida; e) as indemnizações da jurisprudência do STJ, para um défice decorrente da afetação da integridade físico-psíquica fixado entre 3 e 5 pontos, varia entre um mínimo de 14.000€ (para uma idade de 44 anos e 3 pontos), e o máximo de 30.000€ (para uma idade de 24 anos e 5 pontos)”. (fim de citação). 
Neste processo, para um sinistrado com 39 anos, com incapacidade de 4 pontos percentuais, que sofreu quantum doloris de grau 4 em 7, dano estético de grau 1 em 7, e repercussão permanente nas actividades de lazer de grau 1 em 7, a indemnização pelo dano biológico foi fixada em €25.000,00.
Como se lê também no acórdão do Supremo Tribunal de Justiça proferido em 19.10.2021 no processo 7098/16.8T8PRT.P1.S1 (Rel. Cons. Manuel Capelo), citado aliás pelo autor recorrente:
 “Centrado o objecto do recurso na indemnização do dano biológico, o Supremo Tribunal de Justiça tem-se pronunciado com frequência e constância no sentido de afirmar esse dano, na sua vertente patrimonial, como abrangendo um espectro alargado de prejuízos incidentes na esfera patrimonial do lesado, desde a perda do rendimento total ou parcial auferido no exercício da sua actividade profissional habitual até à frustração de previsíveis possibilidades de desempenho de quaisquer outras actividades ou tarefas de cariz económico, passando ainda pelos custos limitações ou de maior onerosidade no exercício ou no incremento de quaisquer dessas actividades ou tarefas, com a consequente repercussão de maiores despesas daí advenientes ou o malogro do nível de rendimentos expectáveis – ver por todos os ac. STJ 2-6-2016 2603/10.6TVLSB.L1.S1, in dgsi.pt.
Em exposição e consulta jurisprudencial, o acórdão do STJ de 20 de Novembro de 2020 - proc. n.º 5572/05.0TVLSB.L1.1, in dgsi.pt – fazendo recensão do tema alude a que: “Como se disse já no acórdão deste Supremo Tribunal de 31 de Março de 2012 (1145/07.1TVLSB.L1.S), na linha dos acórdãos de 20 de Janeiro de 2010 (proc. nº 203/99.9TBVRL.P1.S1) ou de 20 de Maio de 2010 (proc. nº 103/2002.L1.S1), é sabido que a limitação funcional, ou dano biológico, em que se traduz esta incapacidade é apta a provocar no lesado danos de natureza patrimonial e de natureza não patrimonial. No que aos primeiros respeita, o Supremo Tribunal de Justiça já por diversas vezes frisou que «os danos futuros decorrentes de uma lesão física “não se reduzem à redução da sua capacidade de trabalho, já que, antes do mais, se traduzem numa lesão do direito fundamental do lesado à saúde e à integridade física; (…) por isso mesmo, não pode ser arbitrada uma indemnização que apenas tenha em conta aquela redução (…)” (cfr. também os acórdãos deste Supremo Tribunal de 28 de Outubro de 1999, proc. nº 99B717, e de 25 de Junho de 2002, proc. nº 02A1321, disponíveis em www.dgsi.pt).» – acórdão de 30 de Outubro de 2008 (www.dgsi.pt, proc. nº 07B2978); a perda de rendimento que resulte da redução, ou a necessidade de um acréscimo de esforço para a evitar (cfr. o acórdão de 20 de Outubro de 2011 proc. 428/07.5TBFAF.G1-S1). A lesão que a incapacidade revela pode, naturalmente, causar danos patrimoniais que se não traduzem em perda de ganho (…)”. Assim, cfr. ainda os acs. de 4 de Junho de 2015, proc. n.º 1166/ 10.7TBVCD.P1.S1, de 3 de Dezembro de 2015 3969/07.0TBBCL.G1.S1, ou de 19 de Setembro de 2019 2706/17.6T8BRG.G1.S1.”
Quer na vertente patrimonial, quer na não patrimonial, a indemnização pelo dano biológico deve ser calculada segundo a equidade: artigos 496 nº 3 e 566 nº 3 do Código Civil e, como advertência à aplicação da equidade, o ac. do STJ de 21/1/2021 - proc. 6705/14.1T8LRS.L1.S1 (rel. Maria dos Prazeres Beleza) – enumerando extensa jurisprudência nesse sentido (acs. STJ de de 7 de Outubro de 2010, proc. nº 839/07.6TBPFR.P1.S1; de 28 de Outubro de 2010 proc. nº272/06.7TBMTR.P1.S1, em parte por remissão para o acórdão de 5 de Novembro de 2009, proc. nº 381-2002.S1; de 6 de Dezembro de 2017, proc. n.º 559/10.4TBVCT.G1.S1; de 23 de Maio de 2019, proc. n.º 1046/15.0T8VNF.P1.S1; de 30 de Maio de 2019, proc., n.º 3710/12.6JVNF.G1.S1, ou de 19 de Setembro de 2019) escreve que “a aplicação de puros juízos de equidade não traduz, em bom rigor, a resolução de uma «questão de direito»; se o Supremo Tribunal de Justiça é chamado a pronunciar-se sobre “o cálculo da indemnização” que “haja assentado decisivamente em juízos de equidade”, não lhe “compete a determinação exacta do valor pecuniário a arbitrar (…), mas tão somente a verificação acerca dos limites e pressupostos dentro dos quais se situou o referido juízo equitativo, formulado pelas instâncias face à ponderação casuística da individualidade do caso concreto «sub iudicio».
A equidade, todavia, não dispensa a observância do princípio da igualdade; o que obriga ao confronto com indemnizações atribuídas em outras situações. “A prossecução desse princípio implica a procura de uma uniformização de critérios, naturalmente não incompatível com a devida atenção às circunstâncias do caso (acórdão de 22 de Janeiro de 2009, proc. 07B4242,). Nas palavras do acórdão deste Supremo Tribunal de 31 de Janeiro de 2012 no, proc. nº 875/05.7TBILH.C1.S1), “os tribunais não podem nem devem contribuir de nenhuma forma para alimentar a ideia de que neste campo as coisas são mais ou menos aleatórias, vogando ao sabor do acaso ou do arbítrio judicial. Se a justiça, como cremos, tem implícita a ideia de proporção, de medida, de adequação, de relativa previsibilidade, é no âmbito do direito privado e, mais precisamente, na área da responsabilidade civil que a afirmação desses vectores se torna mais premente e necessária, já que eles conduzem em linha recta à efectiva concretização do princípio da igualdade consagrado no art. 13 da Constituição” ( cfr. acórdão do Supremo Tribunal de Justiça de 21 de Fevereiro de 2013, proc. n.º 2044/06.0TJVNF.P1.S1)”
Sublinhamos para o caso em decisão, de acordo com as observações normativas expressas na jurisprudência citada, duas ideias essenciais:
- o juízo prudencial e casuístico firmado nas instâncias deve por regra ser mantido, salvo se o julgador não se tiver contido dentro da margem de discricionariedade consentida pela norma que legitima o recurso à equidade;
- a equidade praticada ou a praticar não pode afastar-se de modo substancial e injustificado, dos critérios ou padrões que se entende, generalizadamente, deverem ser adoptados numa jurisprudência evolutiva e actualística para não abalarem a segurança na aplicação do direito, decorrente da necessidade de adopção de critérios jurisprudenciais minimamente uniformizados e, em última análise, o princípio da igualdade, não incompatível com a devida atenção às circunstâncias do caso. (…)”. (fim de citação).
As lesões e sequelas do sinistrado considerado neste acórdão não são comparáveis ao caso dos autos. 
No processo 28188/19.0T8LSB.L1, relatado pelo ora relator e julgado em 11.5.2023, também consultável na dgsi, sumariou-se: “I - O dano biológico, enquanto afectação da saúde, é em si indemnizável, independentemente do seu rebate profissional, e independentemente do seu enquadramento conceptual como dano patrimonial ou não patrimonial ou outro.
II - O arbitramento de indemnização por equidade não apela a regras matemáticas nem aritméticas, não podendo seguir-se o valor de uma indemnização concretamente fixada em decisão judicial - que sirva de bitola no exercício de enquadramento no padrão jurisprudencial para casos semelhantes, em vista dum não afastamento que privilegie o princípio da igualdade e sirva a segurança do direito -  como medida fixa e de observância rigorosa, sob pena de estagnação e de frustração do objectivo compensatório e sancionatório que preside à indemnização por danos não patrimoniais. (…)”.
Neste processo, e para um sinistrado por acidente de mota, com 34 anos à data do acidente, e que ficou com uma afectação permanente da integridade físico-psíquica de 3 pontos e uma repercussão permanente nas actividades desportivas e de lazer fixada em três pontos, numa escala de 7 pontos, considerou-se ajustado o valor de €20.000,00.
No recurso, o autor não nos oferece casos comparáveis. Ainda assim, e socorrendo-nos do leque indicado pelo acórdão do STJ no processo nº 268/17.3T9VCD.P1.S1 acima citado, considerando por outro lado que no caso concreto o autor é motorista profissional e que a sede das lesões se situa no tronco e membro superior, ponderando portanto que “as sequelas são compatíveis com o exercício da sua actividade profissional, implicando esforços suplementares” e que estes bem se compreendem quando se pensa na necessária utilização dos membros superiores na condução de veículos automóveis, considerando a idade do autor (39 anos) e com ela a perspectiva de esforços suplementares profissionais por mais de vinte anos, considerando ainda que em termos de lazer, o autor deixou de frequentar o ginásio por via das dificuldades em movimentar o membro superior direito (factos provados 37 e 38) e considerando finalmente que o défice funcional do autor é de quatro pontos em cem, julgaríamos equitativo subir a indemnização pelo dano biológico. Porém, na medida em que o autor não impugna o enquadramento feito pelo tribunal de primeira instância, o aumento que o autor pretende iria compensar a perda da capacidade de ganho, deixando de lado a compensação do dano biológico em sede de dano não patrimonial, o que representaria um aumento não equitativo em função dos padrões de comparação com casos semelhantes, exorbitando dos cerca de cinquenta mil euros, entre danos morais em sentido estrito e dano biológico, para sessenta e um mil euros.
Por esta razão, entendemos que não pode proceder o pedido do autor recorrente nesta questão.
*
Passando ao recurso da Ré, sobra-nos apreciar:
- se os €1304,38 arbitrados como indemnização por danos “em roupa e outros objetos transportados pelo autor quando da ocorrência do acidente” se encontram “em total contradição com os factos dados como provados nos pontos 32, 33 e 34 da matéria de facto provada”.
- se é excessiva a indemnização de €39.000,00 por danos morais, que ao invés deve ser fixada em valor inferior a €20.000.
1ª questão:
Assiste razão à recorrente – foi dado como provado que o autor, na ocasião do acidente, estava equipado com capacete, blusão e calças, foram dados como provados os valores relativos a capacete, blusão e calças, e ainda luvas e outro tipo de equipamento usado normalmente por motociclistas, e na condenação foi somado o valor do capacete, blusão, calças e luvas, sendo que se não estava provado que o autor estava equipado com luvas (e que estas ficaram danificadas) então nada há que indemnizar a título de luvas. Assim, o valor da indemnização dos bens danificados corresponde à soma de €749,00 com €150,00 com €279,99, no total de €1178,99 (50% deste valor, dada a proporção de risco – isto é €589,50).
Procede esta questão do recurso.
2ª questão: a indemnização por danos morais foi fixada em €39.000,00 considerando a sentença recorrida quanto já referimos em nota de rodapé a propósito do recurso do autor.
No corpo da alegação afirma a Ré recorrente:
 “Com efeito, com relevo para apreciação e quantificação dos danos Morais resultou provado que o autor em consequência do acidente sofreu um quantum doloris de grau 4 numa escala de 7, sofreu dano estético de grau 3 numa escala de 7 e ficou com um défice funcional permanente de 4 pontos em 100.
A fixação em 39.000 EUR dos danos morais sofridos pelo autor é extremamente exorbitante e violadora do princípio da igualdade para situações de facto similares às dos autos.
A atribuição de qualquer quantia que supere os 20000 EUR para compensação dos danos morais sofridos pelo autor irá contra os demais acórdãos dos tribunais superiores ao enriquecimento sem causa do autor mediante o consequente empobrecimento da ora recorrente”.
Estas afirmações foram levadas às conclusões 27 a 29, exactamente com o mesmo teor, do que tanto podemos concluir que não há corpo de alegação como que não há conclusões, mas independentemente disso, e como que em paralelo com o que entendemos ser a possibilidade de recurso – em função da conjugação do artigo 627º com o artigo 639º ambos do CPC – o tribunal de recurso não faz um segundo julgamento em bloco, antes pondera os argumentos que as partes discordantes oferecem contra os argumentos que o tribunal recorrido usou. Assim sendo, o dever de argumentar que gera a necessidade responsiva do tribunal de recurso obrigaria a uma identificação das “demais decisões dos tribunais superiores” onde se decidem “situações de facto similares às dos autos” com valores bem menores do que os que a sentença arbitrou.
Mesmo que assim não se entenda, e como já se disse, o valor arbitrado inclui a reparação do dano biológico na sua vertente não patrimonial, enquanto próprio dano à saúde. Ora, a recorrente ré não suscita qualquer questão quanto ao enquadramento jurídico do dano biológico feito pelo tribunal de primeira instância, pelo que não estamos simplesmente em presença da indemnização das dores e do dano estético nem mesmo dos incómodos pela hospitalização e intervenções cirúrgicas, fisioterapia, incapacidade de tratar de si mesmo e de tratar da mãe, que antes ajudava, e de um largo período de incapacidade de quase um ano, pelo que, e se somarmos €14.000 com €39.000 os €53.000 se podem conceber sensivelmente divididos em dois, em cerca de €25.000 euros para o dano biológico se considerado autonomamente, e de €25.000 para os danos morais em sentido estrito, o que, ambos os valores, se mostram em coerência com os valores normalmente praticados para casos semelhantes, não divergindo essencialmente (nem mesmo se considerarmos €53.000 em vez de €50.000 e se considerarmos €22.000 para dano biológico e €31.000 para dano moral, ou €25.000 para dano biológico e €28.000 para dano moral) dos valores habituais e actualizados.
Assim, mantém-se a fixação da indemnização por danos não patrimoniais feita pelo tribunal recorrido em €39.000,00, improcedendo esta questão do recurso da ré.
*
Em conclusão:
Procede parcialmente o recurso do Autor, somando-se ao valor arbitrado a título de indemnização por perdas salariais a diferença de €1.147,87, o qual é devido ao Autor segundo a proporção de 50% de risco.
Procede parcialmente o recurso da Ré, no que diz respeito ao valor das luvas €125,99, a retirar aos €1.304,98 de equipamentos danificados, dando €1.178,99.     
Assim, a condenação final deve reflectir €26.631,30 + €1.147,87 - €125,99 = €27.653,18 : 2 (50%) = €13.826,59, aos quais se somarão €19.500,00 (metade de €39.000,00) e se alcançará então a quantia global de €33.326,59.
No mais, improcedem os recursos.
Custas de cada recurso, por ambas as partes, na proporção do decaimento – artigo 527º nº 1 e 2 do CPC.

V. Decisão
Nos termos supra expostos, acordam conceder parcial provimento a ambos os recursos e em consequência alteram a sentença recorrida no valor da condenação e no valor da quantia sobre a qual incidem juros desde a citação, substituindo-a nessa parte pelo presente acórdão que julga a presente ação parcialmente procedente e, consequentemente, decide condenar a Ré a pagar ao Autor a quantia de €33.326,59 (trinta e três mil e trezentos e vinte e seis euros e cinquenta e nove cêntimos) (€13.826,59 + €19.500,00), a título de indemnização por danos patrimoniais e não patrimoniais, acrescida dos respetivos juros de mora, à taxa legal, vencidos e vincendos, devidos, sobre a quantia de €13.826,59 (treze mil e oitocentos e vinte e seis euros e cinquenta e nove cêntimos), desde a citação e, sobre a quantia de €19.500,00 (dezanove mil e quinhentos euros), desde a presente data, até integral pagamento, absolvendo-a do mais peticionado.
Custas de cada recurso, por ambas as partes, na proporção do decaimento.
Registe e notifique.

Lisboa, 14 de Setembro de 2023
Eduardo Petersen Silva
Adeodato Brotas
Gabriela de Fátima Marques
_______________________________________________________
[1] Transcrevemos do original.
[2] Corresponde este articulado ao elenco dos factos não provados considerados na decisão recorrida: “l) o veículo de matrícula …JC era conduzido a uma velocidade “muito reduzida” e com “extrema cautela” e atenção ao trânsito existente na via da Rua Barão de Sabrosa, bem como aos peões que circulavam no passeio; m) quando a traseira do veículo já (ou ainda) se encontrava no passeio e a entrar na via de trânsito da esquerda, atento o sentido de marcha ascendente; n) apercebeu-se que circulava no sentido ascendente uma moto e imobilizou o veículo, de forma a dar-lhe passagem; o) a traseira do veículo seguro, em momento algum, entrou na faixa de rodagem destinada ao sentido de trânsito onde circulava a mota conduzida pelo Autor; p) encontrando-se o veículo seguro completamente imobilizado no passeio a com a traseira na via oposta à da circulação do veículo do Autor; q) o ora Autor, imprimindo uma “velocidade excessiva” à mota que conduzia, quando se apercebeu da existência do veículo seguro, apesar de o mesmo se encontrar parado, assustou-se, travou e, devido à “velocidade excessiva” com que seguia, a roda traseira da mota começou a derrapar na via; r) o que provocou a perda de controle do motociclo por parte do Autor; s) tendo o embate ocorrido, totalmente, dentro da hemi-faixa de rodagem destinada ao sentido oposto ao que a mota conduzida pelo Autor tomava; t) na qual o veículo seguro se encontrava completamente imobilizado.
[3] Como se verá adiante, a sentença enquadrou o dano biológico por dois modos diversos, a saber, enquanto perda da capacidade de ganho, e enquanto dano não patrimonial. Com efeito, nesta vertente, e mais adiante na sentença, lê-se: “Os danos não patrimoniais sofridos pelo Autor assumem duas vertentes distintas. Por um lado, há que ponderar as dores físicas e o sofrimento psicológico vivenciado pelo Autor logo após o acidente e durante o período de tempo em que esteve em fisioterapia e submetido a intervenções cirúrgicas, exames e consultas, e, por outro lado, as sequelas do acidente. Tais sequelas reportam-se à afetação da integridade anatómica e fisiológica, consistindo num dano biológico e estético sofrido pelo Autor sobretudo face à incapacidade parcial permanente de 4% que o ficou a afetar, sendo certo que à data do acidente tinha 39 anos de idade e que tais sequelas lhe acarretam limitações funcionais importantes com repercussões ao nível da sua vida pessoal consideráveis. Acresce que o Autor sofreu dores crónicas de grau bastante elevado. Todos estes danos são, sem margem para dúvida, suficientemente graves por forma a merecerem tutela jurídica. Com efeito, sendo a integridade moral e física um direito fundamental constitucionalmente garantido (art. 25º da CRP), não pode deixar de se considerar que a sua violação se reveste de dignidade bastante para que os danos não patrimoniais dela decorrentes mereçam a qualificação de graves. Ponderando em especial, por um lado, a duração e a intensidade dos aludidos danos, a perda da qualidade de vida que implicam e a idade do Autor e considerando que a jurisprudência tem vindo a reconhecer progressivamente a necessidade de atribuir indemnizações significativas por danos não patrimoniais, julgo equitativamente ajustado fixar o montante da indemnização devida em €39.000,00 (à razão de € 1.000,00 anuais, considerando a idade do Autor à data do acidente (39) e a esperança média de vida nos homens (78))”.