Acórdão do Tribunal da Relação de Lisboa
Processo:
28808/09.4T2SNT-B.L1-2
Relator: LAURINDA GEMAS
Descritores: EMBARGOS DE TERCEIRO
EXECUÇÃO HIPOTECÁRIA
SUCESSOR HABILITADO
Nº do Documento: RL
Data do Acordão: 07/01/2021
Votação: UNANIMIDADE
Texto Integral: S
Texto Parcial: N
Meio Processual: APELAÇÃO
Decisão: PROVIMENTO PARCIAL
Sumário: I–Deduzida oposição mediante embargos de terceiro à penhora de prédio onerado com hipoteca a favor da Exequente, invocando o Embargante a sua qualidade de comproprietário do prédio, mas apenas se provando que é herdeiro testamentário (da quota disponível) de uma das titulares inscritas do prédio (cuja intervenção havia sido requerida na execução), nem sequer beneficiando, juntamente com a outra herdeira, já habilitada na posição dos titulares inscritos (e que foi citada nos termos do art. 119.º do Código do Registo Predial), de uma inscrição registal de aquisição em comum e sem determinação de parte ou direito (cf. art. 49.º do Código do Registo Predial), devem improceder tais embargos, mantendo-se a penhora.

II–Para tanto releva a circunstância de o Embargante apenas ainda não ser parte nos autos principais devido à falta de cooperação da sucessora já habilitada, cabeça de casal da herança, importando, mais do que levantar uma penhora sobre o prédio - que até se apresenta como uma inevitabilidade, face à hipoteca que o onera -, regularizar a falta de habilitação daquele, por força da qual deixará de ter a qualidade de terceiro (cf. artigos 54.º, 270.º, 276.º, n.º 1, al. a), e 752.º do CPC).

III–No presente recurso, impõe-se adotar uma solução de agilização processual que promova, sem atropelo pelo direito do Embargante à herança da falecida interveniente e titular inscrita do prédio penhorado, o normal e célere andamento do processo executivo, mantendo-se a penhora, com a suspensão da instância executiva, quanto àquele prédio, até que seja notificada a decisão que julgue habilitado o Embargante como sucessor daquela.

Decisão Texto Parcial:
Decisão Texto Integral: Acordam, na 2.ª Secção Cível do Tribunal da Relação de Lisboa, os Juízes Desembargadores abaixo identificados


I–RELATÓRIO


Caixa de Crédito Agrícola Mútuo de Loures, Sintra e Litoral, CRL interpôs o presente recurso de apelação da sentença que julgou procedente a oposição mediante embargos de terceiro deduzida por RC, por apenso à ação executiva para pagamento de quantia certa por aquela intentada contra Gama, Soares & Rodrigues, Lda. e PC e em que também foi requerida (em 29-07-2014) a intervenção, como associados dos Executados, de MF e DB, vindo a ser habilitada, face ao comprovado falecimento destes últimos, AMR.

No requerimento executivo, apresentado em 2009, contra a referida sociedade comercial e PC, a Exequente pediu o pagamento da quantia exequenda no valor de 202.963,61 €, alegando, em síntese, que:
- A Exequente Caixa de Crédito Agrícola Mútuo de Loures, Sintra e Litoral, CRL (Caixa) resultou da fusão, por incorporação, da Caixa de Crédito Agrícola Mútuo de Sintra e Litoral, CRL, com a Caixa de Crédito Agrícola Mútuo de Loures, CRL, tendo aquela sucedido em todos os direitos e obrigações das entidades fundidas, nos termos do art. 112.º do Código das Sociedades Comerciais ex vi do art. 9.º do Código Cooperativo (Doc. 1).
-A Executada Gama, Soares & Rodrigues, Lda. solicitou à Exequente Caixa um empréstimo que lhe foi concedido, pelo valor de 200.000,00 €, através de contrato de empréstimo celebrado por escritura pública celebrada em 28-08-2006 (Doc. 2).
- O empréstimo foi concedido para ser reembolsado em 180 prestações mensais, sucessivas e constantes, de capital e juros, vencendo-se a primeira um mês após a outorga do contrato e as restantes no mesmo dia dos meses seguintes.
- Para garantia do bom e integral pagamento do saldo em dívida e na mesma escritura, a Executada PC, constituiu a favor da Exequente Caixa, uma hipoteca sobre o prédio misto descrito na 1.ª Conservatória do Registo Predial de Sintra sob a ficha n.º …/…, a qual se acha registada (Doc. 3).
- Não foi efetuado o pagamento da prestação que se venceu 28-10-2008 nem das seguintes, até à atualidade, sendo que, no pagamento em prestações, a falta de pagamento de uma prestação, implica o vencimento das demais e o vencimento de juros de mora; está em dívida, o capital de 183.213,22 € e juros vencidos, à taxa de 10,78% ao ano (6,78% + 4% por mora), no valor de 19.750,39 €, no total de 202.963,61 €.

Foram citados os (primitivos) Executados, sendo a Executada PC por carta registada com a/r (em 03-05-2010).

Em 23-03-2011, foi efetuada a penhora do prédio hipotecado (conforme auto junto no processo executivo pelo Sr. AE, em 09-05-2011), tendo o respetivo registo sido efetuado mediante ap. …, de 2011-03-23, como provisório por natureza (nos termos do art. 92.º, n.º 2, al. b), do Código do Registo Predial), ante o anterior registo de ação com o pedido de declaração de nulidade por simulação da transmissão efetuada por doação entre DB e marido MF a favor de PC e consequente nulidade do registo de aquisição a favor desta (cf. informação do AE a 13-04-2011).

Com a procedência desta ação, veio a ser requalificada tal inscrição [cf. art. 92.º, n.º 2, al. a), do Código do Registo Predial – em consequência de ficarem como titulares inscritos os referidos MF e DB], facto de que o Sr. AE veio dar conta nos autos executivos em 19-07-2014, juntando cópia do despacho de qualificação da Conservadora do Registo Predial; mais informou o Sr. AE que, na sua ótica, não lhe parecia existir outra forma de contornar a situação que não fosse a de chamar também ao processo os titulares inscritos, na qualidade de executados.

No requerimento de 29-07-2014, a Exequente veio requerer a citação de MF e DB, alegando designadamente que:
1-A presente execução foi proposta contra a mutuária Gama Soares & Rodrigues, Ld.ª e contra PC, por esta ser a proprietária do imóvel dado em garantia de hipoteca do bom e integral pagamento da dívida constituída, conforme se alegou no requerimento de execução e constava da inscrição com a Ap. … de 2001-12-03.
2-O imóvel hipotecado é o que se mostra registado na 1.ª Conservatória do Registo Predial de Sintra sob o n.º … da Freguesia de Sintra (…).
3-Entretanto, o Sr. Agente de Execução procedeu à penhora do dito imóvel, tendo o registo respetivo sido realizado como provisório por natureza, com fundamento no art. 92.º, n.º 2, al. c), do C. Registo Predial (v. Ap … de 2011-03-23) por estar registada anteriormente ação judicial pedindo a declaração de nulidade da venda feita por MF e DB a favor de PC.
4-Havia que aguardar pelo trânsito em julgado da sentença da ação de nulidade da venda, que correu termos pela 9.ª Vara Cível de Lisboa sob o Proc. n.º …
5-Na referida ação veio a ser proferida sentença que transitou em julgado, e julgou a ação parcialmente procedente declarando a nulidade do negócio de compra designadamente do prédio misto descrito na 1.ª Conservatória do Registo Predial de Sintra sob o n.º … aqui em causa.
6-Contudo, nos termos da alínea c) da douta decisão, decidiu o Tribunal manter em vigor a inscrição Ap. … de 2006-10-31 – Hipoteca Voluntária – a favor da Caixa de Crédito Agrícola Mútuo de Loures, Sintra e Litoral, CRL respeitante ao referido prédio registado sob o n.º ….
7-A Exequente Caixa foi agora notificada pelo Senhor Agente de Execução de que a Conservadora da 1.ª Conservatória do Registo Predial de Sintra, na sequência da sentença, converteu a inscrição da ação de provisória em definitiva e requalificou a inscrição da penhora em provisória por natureza, nos termos da alínea a) do n.º 2 do art. 92.º do C. Registo Predial, em virtude do prédio estar agora – e de acordo com a sentença – inscrito a favor de MF e de DB e já não de PC.
8-Verifica-se assim que a Gama Soares & Rodrigues, Ld.ª e PC tinham legitimidade passiva na presente execução, a primeira por ser a mutuária da quantia exequenda e a segunda por ao tempo da propositura da execução o imóvel hipotecado à Exequente estar ainda inscrito em seu nome.
9-A partir do trânsito em julgado da sentença que julgou nulo o negócio de compra e venda e determinou o cancelamento da inscrição de aquisição por PC passaram a ser proprietários do imóvel hipotecado, MF e DB.
10-Assim, e embora, como realçamos, quer a Gama Soares & Rodrigues, Ld.ª quer PC fossem parte legítima na presente execução, a partir de agora passam a sê-lo também MF e DB que passaram ser reconhecidos como os atuais proprietários do imóvel sobre o qual recai a hipoteca que se mantém, também nos termos da sentença.
11-Não estamos assim perante um caso de modificação subjetiva da instância por ilegitimidade dos executados pois todos eram ou são partes legítimas, no devido tempo, mas sim perante uma situação em que, por força do n.º 2 do art. 54.º do CPC, a execução por dívida provida de garantia real sobre bens de terceiro deve seguir contra este sem prejuízo de na lide continuar a devedora mutuária.
12-Só que a proprietária do imóvel hipotecado era a PC, face ao negócio jurídico celebrado, e face aos dados registrais existentes em que esta figurava como adquirente.
13-Só depois do registo da conversão da ação de nulidade em definitiva é que passaram a sê-lo de novo MF e DB.
14-Termos em que, em cumprimento do n.º 2 do art. 54.º do C. P. Civil, se requer que sejam agora chamados à presente execução, também como executados, MF e DB enquanto proprietários do imóvel hipotecado a favor da Exequente e requerente Caixa e sem prejuízo de continuar como Executada Gama Soares & Rodrigues, Ld.ª, mutuária e também devedora.

Veio a ser anotada, em 21-01-2015, a caducidade da inscrição daquela penhora.

Foi proferido despacho em 04-12-2015 que determinou a citação dos referidos MF e DB, vindo o Sr. Agente de Execução, 27-01-2016, informar que as cartas registadas enviadas para o efeito tinham sido devolvidas com indicação de “falecido”.

Em 04-05-2016, AMR veio requerer a sua habilitação como sucessora de MF e DB, falecidos em 03-01-2009 e 20-07-2012, respetivamente, tendo sido proferida sentença em 26-04-2017, que a julgou habilitada (apenso A).

Foi então citada a referida AMR para os termos do processo de execução (cf. expediente junto pelo AE em 24-10-2017).

Em 02-10-2017, foi realizada a (nova) penhora do prédio (hipotecado), denominado por “Casal da Torre”, descrito na 1.ª Conservatória do Registo Predial de Sintra, sob o n.º … da freguesia de Sintra (…), tendo a penhora sido registada (conversão em definitiva) mediante ap. …, de 2018-02-06, com referência à ap. …, de 2017-10-02, no seguimento da qual foi cumprido o disposto no art. 119.º do Código do Registo Predial, com a citação da sucessora habilitada AMR, na qualidade de representante dos titulares inscritos MF e DB (cf. edital datado de 27-…-2017 junto aos autos executivos em 01-…-2017). As partes foram também notificadas da efetivação da penhora (cf. cartas registadas de 23-02-2018).

Foi pelo Sr. AE proferida decisão de venda do prédio penhorado, mediante leilão eletrónico, cujo término ficou agendado para o dia 13-…-2019.

Na véspera desse dia, deu entrada a Petição Inicial da presente oposição mediante embargos de terceiro, vindo o Embargante pedir a suspensão da execução quanto ao referido prédio e o “cancelamento” da penhora.

Alegou, para tanto e em síntese, que por testamento público datado de 25-…-2012, a referida DB o instituiu a si como herdeiro da sua quota disponível, de que faz parte aquele imóvel, sendo, em consequência, comproprietário do mesmo, na proporção de 1/3, tendo sido informado da penhora quando se deslocou à Conservatória do Registo Predial a fim de proceder ao registo de aquisição a seu favor da quota da sua (com)propriedade.

Liminarmente admitidos os embargos, foram notificadas as partes primitivas para os contestarem.

Apenas a Exequente o fez, pugnando pela improcedência dos embargos deduzidos, alegando, em síntese, que o Embargante não é proprietário nem titular de qualquer direito concreta e individualmente considerado sobre o imóvel penhorado que seja incompatível com a penhora, sendo titular, apenas, de uma quota sobre a herança onde se integra o imóvel; ainda que assim não fosse, sobre o prédio mostra-se registada hipoteca a favor da Exequente, inscrita antes da realização do testamento, pelo que o alegado direito do Embargante nunca lhe seria oponível.

Foi realizada audiência prévia, no decurso da qual se procedeu a discussão de facto e de direito tendo em vista a prolação de decisão de mérito, sem necessidade de produção de prova.

De seguida, os autos foram conclusos, tendo sido proferido o saneador-sentença recorrido, cujo segmento decisório tem o seguinte teor:
Termos em que, face ao exposto, julgo procedentes, por provados, os presentes embargos de terceiro e, em consequência, ordeno o levantamento da penhora efetuada em 02…..2017 sobre o prédio misto, sito em Sintra, denominado por “Casal da Torre”, descrito na 1.ª Conservatória do Registo Predial de Sintra, sob o n.º …./….., da freguesia de Sintra (... ), ordenando o cancelamento do respetivo registo.
Custas pela exequente, fixando-se o valor da causa em conformidade com o indicado na petição de embargos (arts. 302.º, n.º 1, 304.º, n.º 1, e 527.º, n.ºs 1 e 2, do Código de Processo Civil).
Registe e notifique, devendo o agente de execução proceder ao levantamento da penhora logo que a presente sentença se mostre transitada em julgado.

Inconformada com esta decisão, veio a Exequente-Apelante interpor recurso de apelação, formulando na sua alegação as seguintes conclusões:
1- Sobre o imóvel descrito na 1ª Conservatória do Registo Predial de Sintra sob a ficha nº …/… foi constituída uma hipoteca, a favor da exequente, registada sob a Ap … de 2006/10/31.
2- Nos termos do artº 686º do Código Civil, “A hipoteca confere ao credor o direito de ser pago pelo valor de certas coisas imóveis, ou equiparadas, pertencentes ao devedor ou a terceiro ...”
3- Este artigo estabelece o direito de sequela que permite ao exequente obter pagamento do seu crédito pelo produto da venda do imóvel, quer ele se encontre na titularidade do devedor, quer de terceiros que tenham adquirido propriedade ou qualquer outro direito sobre o imóvel, seja a que título for e registado esse direito em data posterior à data de registo da hipoteca, o que não se verifica no caso destes autos.
4- E para tanto, não tem o terceiro adquirente do bem que ser chamado a intervir na execução.
5- Ao admitir e julgar procedentes os presentes embargos de terceiro a sentença incorreu em erro de julgamento e violou o referido artº 686º do C. Civil.
6- O artº 819º do C.Civil, dispõe: “Sem prejuízo das regras do registo, são inoponíveis à execução os actos de disposição, oneração ou arrendamento dos bens penhorados”.
7- Resulta do artº 819º do CC que não obstante os atos ali mencionados (alienação/oneração/arrendamento) a execução prossegue como se os bens penhorados continuassem a pertencer ao devedor /executado, desde que a penhora tenha sido registada em data anterior aquela em que ocorreu o registo daqueles atos.
8- Da certidão de registo predial do imóvel junta aos autos, não consta registo de qualquer ato de alienação ou oneração do imóvel ou parte dele, a favor do embargante, anterior ao registo da penhora.
9-Nem sequer há registo de inscrição do imóvel sem determinação da parte ou direito no âmbito de herança indivisa embora o artº 49º do CR Predial o preveja.
10- Pelo que nenhuma daquelas situações, a verificarem-se, que não se verificam, poderiam fundamentar os embargos de terceiro contra penhora registada, pois não há registo de qualquer direito do embargante, anterior à data de registo da penhora.
11- Nesta medida sempre a sentença recorrida incorreu em erro de julgamento com violação do artº 819º do C. Civil.
12- Por outro lado, a embargante, por força do testamento, não adquiriu a titularidade, total ou parcial, do direito de propriedade ou qualquer outro direito, sobre o imóvel em causa, especificamente considerado, mas apenas um direito a uma quota ideal sobre a herança, pelo que não tem qualquer direito concreto, de propriedade ou outro, sobre o imóvel, que lhe permita opor embargos de terceiro nos termos do artº 342º do CPC.
13- Sem conceder, refira-se que, de qualquer forma, como dissemos anteriormente, mesmo que o aqui embargante tivesse adquirido algum direito sobre o imóvel, em data posterior ao registo da hipoteca (a hipoteca tem registo de 2006/10/31 e o testamento, data de 2012.05.25) constituída como garantia real do crédito da exequente, sempre estaria impedido de se opor embargos à penhora que foi efectuada sobre um imóvel anteriormente hipotecado, por força do direito de sequela desta garantia real.
14- A sentença incorreu em erro de julgamento e violação do artº 342º do CPC.
15- A sentença invoca o artº 743º para defender a procedência dos embargos.
16- Este artigo aplica-se apenas a penhoras não precedidas de hipoteca.
17- E refere-se apenas a penhoras de bens que estejam no regime de comunhão ou de compropriedade.
18- Ora, o embargante não é co-titular do direito de propriedade sobre o imóvel, nem em comunhão nem em compropriedade, contrariamente ao defendido por aquele e na douta sentença.
19- Aliás, contraditoriamente, a sentença, por um lado aplica o artº 743º como se estivéssemos numa situação de comunhão ou compropriedade, o que não é o caso, e, por outro, diz-se que o embargante apenas é titular de uma quota ideal sobre a herança (de que faz parte o imóvel) e não titular de qualquer direito concreto sobre o imóvel propriamente dito, o que sempre obstaria à aplicação do artº 743º.
20- Uma comunhão ou compropriedade pressupõem a existência de um concreto direito sobre um concreto bem, exercido por mais que uma pessoa.
21- Havendo uma quota ideal sobre a herança não existem direitos sobre qualquer bem individualizado mas apenas um direito sobre a herança, acervo de direitos e obrigações.
22 - Ao adotar o artº 743º do CPC como fundamento, a sentença incorreu em erro sobre os pressupostos de fato e de direito da aplicação daquela norma, que assim foi violada.
Termina a Apelante pugnando pela revogação da sentença recorrida e que no seu lugar seja proferida nova decisão que julgue os embargos de terceiro improcedentes e, como tal, a execução siga seus termos, mantendo-se o registo da penhora.

Não foi apresentada alegação de resposta.

Colhidos os vistos legais, cumpre decidir.

***

II–FUNDAMENTAÇÃO

Como é consabido, as conclusões da alegação do recorrente delimitam o objeto do recurso, ressalvadas as questões que sejam do conhecimento oficioso do tribunal (artigos 608.º, n.º 2, parte final, ex vi 663.º, n.º 2, 635.º, n.º 4, e 639.º, n.º 1, do CPC).

Assim, e face ao teor das conclusões da Apelantes, a única questão a decidir é a de saber se o Embargante é titular de direito incompatível com a realização da penhora do prédio hipotecado.

Factos provados

Na sentença recorrida considerou-se (em face do acordo parcial das partes, do teor dos documentos juntos e da análise da tramitação da execução a que estes autos se mostram apensos e do apenso A de habilitação de herdeiros) provados os seguintes factos (acrescentámos o que consta entre parenteses retos ao abrigo dos artigos 607.º, n.º 4, 662.º, n.º 1, e 663.º, n.º 2, todos do CPC):
1-Por sentença proferida em 26-…-2017, no âmbito do apenso A, AMR foi habilitada como única herdeira dos falecidos MF e DB, seus pais, para, no lugar deles, prosseguir na causa como sua representante.
2-Em 02-10-2017, no âmbito da execução a que estes autos se mostram apensos, foi penhorado pelo agente de execução o prédio misto, sito em Sintra, denominado por “Casal da Torre”, descrito na 1.ª Conservatória do Registo Predial de Sintra, sob o n.º …/…, da freguesia de Sintra (…).
3-Tal penhora foi inscrita no registo através da “AP. … de 2017-…-02 15:46:46 UTC – Penhora” e do “AVERB. - AP. … de 2018-…-06 16:15:07 UTC - Conversão em Definitiva”, mostrando-se em vigor [na conversão em definitiva faz-se constar no registo o seguinte “Comunicado pelo agente de execução que os titulares inscritos foram citados, nos termos e para os efeitos do nº 1 do artigo 119º do C.R.P., e que não fizeram nenhuma declaração”].
4-O direito de propriedade sobre esse prédio mostra-se inscrito na respetiva Conservatória a favor de MF e DB desde 04-03-1980 (AP. … de 1980-…-04 – Aquisição), por “Partilha” [no seguimento de procedência de ação (registada mediante ap. … de 2008-…-08) em que foi proferida decisão, registada mediante ap. … de 2013-…-14, que declarou a nulidade, por simulação, do negócio jurídico de doação celebrado por escritura pública de 5 de junho de …, no 26.º Cartório Notarial de Lisboa, entre os Réus MF, DB e PC, a favor da qual esteve antes inscrita a aquisição, por doação de MF e mulher, DB, do dito prédio, mediante ap. …, de 2001-…-03, tendo esta inscrição de aquisição sido cancelada, mediante averbamento, conforme a referida ap. …, de 2013-…-14 – cf. certidões constantes do processo principal, junta com o requerimento executivo e consultada pelo AE em 03-…-2017].
5-Sobre o mesmo prédio, foi inscrita hipoteca a favor da Exequente em 31-…-2006, através da “AP. … de 2006-…-31 - Hipoteca Voluntária”, para “Garantia de empréstimo concedido a Gama Soares & Rodrigues, Lda.”, com o montante máximo assegurado de 276.100,00 €, inscrição essa que se mostra em vigor.
6-Por escritura pública, lavrada em 25-…-2012, no Cartório Notarial sito na Rua ... ..., n.º ...-..., em ..., DB outorgou testamento, através do qual instituiu herdeiro da sua quota disponível o aqui embargante.
7-MF faleceu em 03-01-2009, no estado de casado com DB, tendo esta falecido em 20-07-2012, no estado de viúva.
8-Em 21-…-2018, no Cartório Notarial sito na Rua ... ..., n.º ...-..., em ..., foi efetuada escritura de “Habilitação” na qual AMR [na qualidade de cabeça da herança a que se faz referência] declarou que a sua mãe, DB, faleceu no estado de viúva de MF, deixando testamento público [datado de 25-05-2012] no qual instituiu herdeiro da sua quota disponível o aqui Embargante e que, por vocação legal e sem preferência ou concorrência de outrem, sucedeu-lhe como herdeira, ela própria, sua filha, não havendo outras pessoas que, segundo a lei e o testamento, prefiram aos referidos herdeiros ou com eles concorram à mencionada sucessão.
9-As heranças dos falecidos MF e DB ainda não foram partilhadas.

Enquadramento jurídico

No saneador-sentença recorrida teceram-se as seguintes considerações em sede de fundamentação de direito (sublinhado nosso):
Os embargos de terceiro são o meio processual conferido a um terceiro que não é parte na execução de reagir contra uma penhora ou qualquer ato judicialmente ordenado de apreensão ou entrega de bens que ofenda a sua posse ou qualquer direito incompatível sobre os bens penhorados (art. 342.º, n.º 1, do Código de Processo Civil, diploma a que respeitam todos os normativos legais infra citados sem menção de fonte diversa).
No caso, MF e DB foram chamados à execução para aí assumirem a posição de executados, por serem os proprietários inscritos do prédio misto, sito em Sintra, denominado por “Casal da Torre”, descrito na 1.ª Conservatória do Registo Predial de Sintra, sob o n.º …/…, da freguesia de Sintra (…), sobre o qual foi constituída hipoteca para garantia do crédito exequendo, derivando, assim, a sua legitimidade do disposto no art. 54.º, n.º 2.
Ocorre que, apurando-se que aqueles já haviam falecido em data anterior à do chamamento, foi habilitada como única e universal herdeira a filha AMR, para, no lugar deles, prosseguir na causa como sua representante.
Da escritura de “Habilitação” e do testamento juntos com o requerimento inicial de embargos decorre, contudo, que aquela, embora sendo a única herdeira legitimária dos falecidos, não é a sua única sucessora, porquanto a falecida DB Proc. nº …/…  constituiu o aqui embargante como herdeiro testamentário, a favor de quem deixou a sua quota disponível.
O aqui embargante é, assim, titular de uma quota ideal sobre a herança, onde se integra o prédio penhorado, pelo que deveria ter sido também habilitado como sucessor dos falecidos MF e DB.
Pertencendo o prédio penhorado aos falecidos MF e DB e verificando-se que por óbito dos mesmos ainda não foram feitas partilhas, estamos perante um bem indiviso.
E, assim sendo, aquele prédio só poderia ter sido penhorado se na execução estivesse também como executado o aqui embargante, uma vez que, em conformidade com o disposto no art. 743.º, n.º 1, “(..) na execução movida apenas contra algum ou alguns dos contitulares de (..) bem indiviso, não podem ser penhorados os bens compreendidos no património comum (...)”.
Importa por isso concluir que a penhora efetuada sobre a totalidade do imóvel ofendeu o direito do aqui embargante, enquanto titular que é de uma quota ideal sobre a herança, onde aquele imóvel se integra.
Não poderão por isso deixar de proceder os presentes embargos, com o consequentemente levantamento da penhora, que só poderá ser realizada depois do exequente promover, na execução, a habilitação do aqui embargante para nela intervir como herdeiro (testamentário) da falecida DB.

A Apelante discorda deste entendimento, argumentando, em síntese, que o referido artigo 743.º do CPC não é aplicável ao caso já que não se trata aqui de um prédio em situação de compropriedade, mas, tão só, de um prédio que faz parte de uma herança indivisa.

Vejamos.

Preceitua o art. 342.º, n.º 1, do CPC, com a epígrafe, “Fundamento dos embargos de terceiro”, que “(S)e a penhora, ou qualquer ato judicialmente ordenado de apreensão ou entrega de bens, ofender a posse ou qualquer direito incompatível com a realização ou o âmbito da diligência, de que seja titular quem não é parte na causa, pode o lesado fazê-lo valer, deduzindo embargos de terceiro.”
Nas palavras de Salvador da Costa, in “Os Incidentes da Instância”, 11.ª edição, Almedina, págs. 160 e ss., “O conceito de direito incompatível apura-se por via da ponderação da finalidade da diligência judicial em causa, por exemplo, a penhora, que visa a venda da coisa penhorada na ação executiva para pagamento de quantia certa. (…) é direito com ela incompatível o da titularidade de terceiro que impeça ou inviabilize aquela venda.
Nesta perspetiva são direitos de terceiro incompatíveis com a penhora, por exemplo, o direito de propriedade plena sobre os bens penhorados e os direitos menores de gozo que se extinguiriam com a venda executiva, nos termos do nº 2 do artigo 824º do Código Civil.
(…) O primeiro fundamento de embargos de terceiro previsto neste normativo é a ofensa da posse (…) Há posse no que concerne aos direitos reais de gozo e relativamente a alguns direitos reais de garantia, como é o caso do penhor e do direito de retenção, em que os seus titulares são possuidores em nome próprio em relação a esses direitos, e em nome alheio no que concerne ao direito de propriedade sobre as coisas.
(…) Para além do direito de propriedade plena, pode o terceiro defender através de embargos de terceiro, direitos reais menores de gozo, por exemplo o de usufruto indevidamente atingido pelo ato de penhora, como acontece se o executado só era titular da nua propriedade em relação à coisa penhorada a título de propriedade plena.” Este autor continua explicando que “os embargos de terceiro, tal como estão configurados no Código de Processo civil, sua sede adjetiva própria, não comportam a defesa da posse em nome alheio, mas apenas a defesa da posse em nome próprio. (…)
A posição de terceiro prevista neste normativo é determinada em função da sua posição processual em relação á causa, ou seja, é terceiro quem não deva ser considerado parte na ação ou no procedimento em que foi ordenada a diligência judicial ofensiva da posse ou de direito substantivo incompatível”.
Também Marco Carvalho Gonçalves explica que: “Para além da tutela possessória, os embargos de terceiro podem igualmente ser utilizados para permitir a proteção de um direito de um terceiro que seja incompatível com a penhora.
Ora, partindo do fim a que a penhora se destina – qual seja a venda executiva do bem penhorado para que, através do produto da venda, seja satisfeito o crédito exequendo -, um direito de um terceiro será incompatível com a penhora se esse direito for suscetível de impedir a realização da venda executiva ou se não se extinguir com essa venda.” - in “Lições de Processo Civil Executivo”, 2.ª edição, Almedina, págs. 386 e ss. (não incluímos na citação as notas de rodapé). Este autor alude, de seguida, aos direitos reais de gozo registados antes de qualquer arresto, penhora ou garantia (por contraponto aos direitos reais de gozo que não tenham registo anterior ao de qualquer arresto, penhora ou garantia), aos direitos reais de garantia que incidam sobre os bens penhorados (esclarecendo que não são incompatíveis com a penhora), aos direitos reais de aquisição e aos direitos pessoais de gozo (que, em regra, não podem deduzir embargos de terceiro com fundamento na posse, por serem havidos como meros detentores ou possuidores precários, sem prejuízo dos casos expressamente previstos na lei em que lhes é facultado o recurso aos meios de tutela possessória).
Ainda na doutrina, ensina Lebre de Freitas que: “Para bem compreender o âmbito de previsão do preceito, há que partir do conceito de direito incompatível. Sabido que a penhora se destina a possibilitar a ulterior venda executiva, é com ele incompatível todo o direito de terceiro, ainda que derivado do executado, cuja existência, tido em conta o âmbito com que é feita, impediria a realização desta função, com a transmissão forçada do objeto apreendido (cf. art. 840-1).
(…) Assim a incompatibilidade entre a penhora e o direito de terceiro, verifica-se no plano funcional, com apelo ao âmbito e aos efeitos da futura venda executiva, ao passo que a incompatibilidade entre ela e a posse de terceiro, sem que deixe de ter o plano funcional como ultima ratio, verifica-se em face dos efeitos imediatos da penhora, só assim se explicando a atribuição da legitimidade para os embargos de terceiro, a qualquer possuidor em nome alheio afetado pela diligência. Mantendo a legitimidade para embargar dos possuidores que já a tinham antes da revisão do Código, a norma proveniente da revisão veio, pois, estender não apenas aos titulares de direitos reais não possuidores, mas também a possuidores em nome alheio a quem a lei civil não a atribuía, a legitimidade para embargar de terceiro.” - in “A Ação Executiva à luz do Código de Processo Civil de 2013”, 6.ª edição, Coimbra Editora, págs. 329-333.
Volvendo ao caso dos autos, importa salientar que o Embargante se arrogou a qualidade de comproprietário, com uma quota de 1/3, mas, é evidente que não lhe assiste um tal direito de compropriedade, nos termos e para os efeitos do disposto, além do mais, nos artigos 1403.º a 1413.º do CC.
Importa, pois, qualificar juridicamente, ante os factos provados, a sua posição, em ordem a decidir se a mesma corresponde a um “qualquer direito incompatível com a realização ou o âmbito da diligência”.
O Embargante não invocou para fundamentar a sua pretensão a posse do prédio hipotecado/penhorado, limitando-se a invocar um direito que, como vimos, não lhe assiste.
O Tribunal recorrido considerou – e bem – que o embargante é titular de uma quota ideal sobre a herança, onde se integra o prédio penhorado.
Na verdade, o Embargante, tem apenas a qualidade de herdeiro testamentário (da quota disponível), nem sequer beneficiando, juntamente com a outra herdeira, já habilitada, de uma inscrição registal de aquisição em comum e sem determinação de parte ou direito, ao abrigo do disposto no art. 49.º do Código do Registo Predial. Aliás, tanto a hipoteca como a penhora estão registadas em data anterior à da escritura de habilitação do Embargante, o qual não tem a seu favor uma inscrição de aquisição em comum e sem determinação de parte ou direito, isto é, como sucessor.
Porém, no contexto fáctico apurado, contrariamente ao que se refere na sentença recorrida, não se poderá afirmar, que, como por óbito dos falecidos MF e DB ainda não foram feitas partilhas, estamos perante um bem (neste caso, o prédio) indiviso. Em bom rigor, estamos perante patrimónios autónomos: as heranças indivisas abertas por óbito daqueles. Sobre esta destrinça, veja-se o acórdão da Relação de Lisboa de 21-03-2019, no processo n.º 5863/10.9TBCSC-A.L1-2 (disponível em www.dgsi.pt), relatado pelo ora 1.º Adjunto e em que também interveio o ora 2.º Adjunto, conforme se alcança das seguintes passagens do respetivo sumário:
“- sendo princípio geral serem os bens do devedor a responder pela dívida exequenda e, como tal, sujeitos à penhora, nos termos do nº. 2 do artº. 735º, do Cód. de Processo Civil, permite-se a penhora de bens de terceiro, desde que figure como executado, na situação em que sobre aqueles incida bens incida direito real constituído para garantia do crédito exequendo, bem como nas situações em que tenha sido julgada procedente impugnação pauliana de que resulte para o terceiro a obrigação de restituição dos bens ao credor;
- a herança ilíquida e indivisa, como aquela a que pertence o imóvel em ponderação nos presentes embargos de terceiro, constitui um património autónomo, sendo que com o acto de aceitação os herdeiros apenas assumem uma quota ideal e abstracta do todo hereditário, pois só com a partilha, ainda que com efeitos retractivos à abertura da herança, é que cada um dos herdeiros fica a conhecer e obtém a qualidade de sucessor dos concretos bens que lhe foram atribuídos;
 - pelo que, aceite a herança, como universalidade de direito que é, o património hereditário, apesar de devidamente titulado, continua indiviso até ser feita a partilha. Donde, até á realização desta, cada um dos herdeiros apenas tem, na sua esfera jurídica individual, no seu património próprio, o direito a uma quota ou fracção ideal do conjunto e não o direito a uma parte específica ou concretizada dos bens que constituem o acervo hereditário;”.

É bem certo que o art. 54.º do CPC regula os desvios à regra geral da determinação da legitimidade, tendo havido sucessão no direito ou na obrigação e também nos casos de execução por dívida provida de garantia real sobre bens de terceiro.

E que o n.º 1 do art. 743.º do CPC, com a epígrafe, “Penhora em caso de comunhão ou compropriedade”, preceitua que: “(S)em prejuízo do disposto no n.º 4 do artigo 781.º [relativo à penhora de direito a bens indivisos], na execução movida apenas contra algum ou alguns dos contitulares de património autónomo ou bem indiviso, não podem ser penhorados os bens compreendidos no património comum ou uma fração de qualquer deles, nem uma parte especificada do bem indiviso.”

Também é sabido que o art. 840.º do CPC manda observar algumas cautelas no caso de, antes de efetuada a venda, algum terceiro tiver protestado pela reivindicação da coisa, invocando direito próprio incompatível com a transmissão. Determinando o art. 1404.º do CC a aplicabilidade das regras da compropriedade, com as necessárias adaptações, a outras formas de comunhão. Mais se tem presente que o art. 2075.º do CC (que regula a denominada ação de petição da herança) possibilita ao herdeiro pedir judicialmente o reconhecimento da sua qualidade sucessória e a restituição de todos os bens da herança contra quem os possua como herdeiro, ou por outro título, ou mesmo sem título.

Nesta senda, o STJ, no acórdão de 29-10-2002, proferido no processo n.º 02A3263 (disponível em www.dgsi.pt), decidiu mesmo, conforme consta do respetivo sumário, que:
I - O direito de propriedade sobre determinado imóvel que faça parte de herança deixada pode ser legitimamente defendido, mediante embargos de terceiro, por parte do co-herdeiro desse bem, "ex-vi" do artº. 1404º do C.Civil.
II - Podendo o proprietário reivindicar sozinho o bem de que só detém uma quota indivisa, designadamente no caso a que se refere o artº. 910º do CPC, impõe-se interpretar extensivamente o artº. 1405º do CC por forma a abranger a dedução de embargos de terceiro em antecipação àquela reivindicação.

Assim, numa primeira abordagem do caso, concede-se que a penhora em apreço, porque incidente sobre bem que faz parte de herança indivisa e efetuada em ação executiva na qual o Embargante não é parte, não poderia subsistir.

Parece-nos, contudo, que uma tal solução do caso, numa execução hipotecária, intentada em 2009, em que a penhora tardou quase 10 anos a realizar-se, para tanto contribuindo, de forma inequívoca, o comportamento da Executada PC e dos, também demandados, falecidos MF e DB, afrontaria o dever de gestão processual e relevantes princípios de processo civil, mormente da economia processual (consagrado designadamente nos artigos 6.º, n.º 1, e 130.º do CPC), do máximo aproveitamento dos atos processuais (este aflorado, entre outros, nos artigos 6.º, n.º 2, 191.º, 192.º e 195.º, n.º 2, do CPC) e da prevalência da substância sobre a forma, que não podem deixar de ser aqui convocados, justificando-se, mesmo que por via da adequação formal do processado (cf. artigos 6.º e 547.º do CPC), uma solução de equilíbrio dos interesses em presença, com a improcedência dos embargos, sem prejuízo do direito à herança (à quota disponível da herança da falecida DB) que o Embargante poderá fazer valer, uma vez habilitado na sede própria, continuando até lá os termos do processo executivo suspensos no tocante ao prédio penhorado.

Com efeito, estamos perante uma execução hipotecária, em que a penhora se terá de iniciar por este prédio, porquanto onerado com garantia real, só podendo recair noutros se e quando se reconhecer a insuficiência daquele para conseguir o fim de execução – cf. art. 752.º do CPC.

A penhora foi registada e a sucessora habilitada dos (falecidos) titulares inscritos no registo, que é também, sublinhe-se, cabeça de casal, foi citada nos termos do art. 119.º do Código do Registo Predial e, apesar das funções e poderes que a lei lhe reconhece (cf. designadamente artigos 2079.º e 2088.º do CC), nada disse.

A habilitação destina-se a chamar as pessoas que, por lei, testamento ou contrato, devam suceder ao de cujus na titularidade dos direitos e obrigações que não devam extinguir-se por morte do respetivo titular (no caso a falecida DB), cabendo essa determinação às normas de direito substantivo (sucessório), conforme resulta dos artigos 270.º, 276.º e 351.º a 357.º do CPC e é jurisprudência pacífica (cf. exemplificativamente, acórdão da Relação do Porto de 29-09-2014, no processo n.º 2086/07.8TBPVZ.P1, disponível em www.dgsi.pt).

Apesar do óbito da referida DB ter ocorrido em 2012, a própria cabeça de casal veio requerer, em 2016, a sua habilitação, arrogando-se única sucessora daquela, não deixando de ser estranho que, nessa qualidade, desconhecesse a existência de testamento (datado de 25-05-2012). Tivesse dado conta do mesmo nesse incidente (apenso A), e o Embargante já não teria a qualidade de terceiro e estaria igualmente habilitado como sucessor daquela titular do prédio penhorado.

Ademais, quando, em junho de 2018, a cabeça de casal e sucessora habilitada veio outorgar escritura de habilitação na qual já figura o ora Embargante como herdeiro testamentário, “esqueceu-se” de vir aos autos informar em conformidade dessa alteração, numa flagrante ofensa ao princípio da cooperação. Tivesse tido o cuidado de informar nos autos essa circunstância e ter-se-ia por certo evitado que a venda agendada para fevereiro de 2019 ficasse sem efeito, com prejuízo para a célere e eficaz tramitação dos autos. Lembramos que foi nas vésperas da venda que o Embargante veio apresentar requerimento em que informou da sua qualidade de herdeiro, alegando que apenas se tinha apercebido da penhora do prédio pouco tempo antes, quando se preparava para registar a aquisição do seu direito, isto, sublinhe-se, volvidos cerca de 7 anos após a morte da referida DB.
Portanto, o ora Embargante apenas ainda não é parte nos autos principais devido à falta de cooperação da sucessora já habilitada, cabeça de casal da herança, importando, mais do que levantar uma penhora sobre o prédio - que até se apresenta como uma inevitabilidade, face à hipoteca que o onera -, regularizar a falta de habilitação daquele, por força da qual deixará de ter a qualidade de terceiro. Ou seja, o estatuto processual que o Embargante deve ter é de sucessor habilitado da falecida proprietária do prédio hipotecado e não de terceiro.

Por tudo isto, consideramos que se impõe adotar aqui uma solução de agilização processual que promova, sem atropelo do direito do Embargante à quota disponível da herança da falecida DB, o normal e célere andamento do processo executivo, mantendo-se a penhora, com a suspensão da instância executiva, quanto ao prédio penhorado, até que seja notificada a decisão que julgue habilitado o ora Embargante como sucessor daquela, nos termos dos artigos 54.º, 270.º e 276.º, n.º 1, al. a), do CPC.

Uma vez habilitado, o Embargante será admitido a exercer o contraditório em relação aos atos subsequentes à penhora relativamente aos quais fosse admissível o exercício do contraditório pela falecida DB..

Destarte, procedem globalmente as conclusões da alegação de recurso, embora sem todas as consequências pretendidas pela Exequente-Apelante, pois a execução não pode prosseguir os seus termos sem a habilitação em falta, incidente que, aliás, podia já ter requerido assim que tomou conhecimento da qualidade de herdeiro testamentário do Embargante.

Vencidos Embargante e Exequente-Embargada, são responsáveis pelo pagamento das custas processuais, em ambas as instâncias, afigurando-se adequado fixar a proporção da respetiva responsabilidade em 75% e 25% (artigos 527.º e 529.º, ambos do CPC).

***

III–DECISÃO

Pelo exposto, decide-se conceder parcial provimento ao recurso e, em consequência, revogar a sentença recorrida e, em substituição, julgar improcedentes os presentes embargos de terceiro, mantendo a penhora (incluindo o respetivo registo) efetuada em 02-10-2017 sobre o prédio (hipotecado) denominado por “Casal da Torre”, descrito na 1.ª Conservatória do Registo Predial de Sintra, sob o n.º …/…, da freguesia de Sintra (…), ficando a ação executiva suspensa, quanto ao aludido prédio, até habilitação do ora Embargante e Apelado, nos termos supra referidos.
Mais se decide condenar o Embargante e a Exequente-Embargada no pagamento das custas dos embargos e do recurso, na proporção de 75% e 25%, respetivamente.

D.N.



Lisboa, 01-07-2021



Laurinda Gemas
Arlindo Crua
António Moreira


(Acórdão assinado eletronicamente)