Acórdão do Tribunal da Relação de Lisboa | |||
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| Relator: | CARLOS CASTELO BRANCO | ||
| Descritores: | NULIDADES DE SENTENÇA CASO JULGADO AUTORIDADE DE CASO JULGADO USUCAPIÃO | ||
| Nº do Documento: | -RL- | ||
| Data do Acordão: | 10/12/2023 | ||
| Votação: | UNANIMIDADE | ||
| Texto Integral: | S | ||
| Texto Parcial: | N | ||
| Meio Processual: | APELAÇÃO | ||
| Decisão: | IMPROCEDENTE | ||
| Sumário: | I) Encontrando-se na decisão recorrida os fundamentos de facto e efetuada a análise e ponderação sobre as posições expressas pelas partes nos articulados, a fundamentação em que assentou o decidido encontra-se presente, pelo que não se verifica - sob qualquer perspetiva de acordo com o invocado pelo recorrente - o vício de nulidade assente na alínea b) do n.º 1 do artigo 615.º do CPC. II) A nulidade a que alude o artigo 615.º, n.º 1, al. d) do CPC, não ocorre por referência à consideração ou não dos argumentos apresentados pelas partes, mas sim, ao concreto rol de questões que, perante as posições das partes, incumba ao Tribunal decidir. III) Só existirá contradição ou oposição entre os fundamentos de facto e de direito e a decisão judicial, relevante nos termos e para os efeitos do disposto no artigo 615.º, n.º 1, al. c) do CPC, quando aqueles conduzirem, de acordo com um raciocínio lógico, a um resultado oposto ao que foi decidido, ou seja, quando os fundamentos justificam uma decisão oposta à tomada. IV) Conforme decorre do artigo 628.º do CPC, ocorre o trânsito em julgado, quando uma decisão é já insuscetível de impugnação por meio de reclamação ou através de recurso ordinário. Verificada tal insuscetibilidade, forma-se caso julgado, que se traduz na impossibilidade de a decisão proferida ser substituída ou modificada por qualquer tribunal, incluindo aquele que a proferiu. V) A exceção dilatória de caso julgado, regulada em especial nos artigos 577.º, al. i), segunda parte, 580.º e 581.º do CPC, expressa legalmente o efeito negativo do caso julgado, cujo fundamento constitucional assenta no princípio da segurança jurídica, ínsito ao Estado de Direito, derivando do artigo 2.º da Constituição Portuguesa, à semelhança do que sucede com o trânsito em julgado. VI) A ocorrência da exceção de caso julgado supõe a “repetição de uma causa”, repetição que ocorre quando se propõe uma ação idêntica a outra quanto aos sujeitos, ao pedido e à causa de pedir (cfr. artigos 580.º e 581.º do CPC). VII) A figura da autoridade do caso julgado - que é distinta da exceção do caso julgado e que não supõe a tríplice identidade por esta exigida - visa garantir a coerência e a dignidade das decisões judiciais, expressando o efeito positivo do caso julgado, tratando-se da vinculação de um tribunal de uma ação posterior ao decidido numa ação anterior. VIII) O efeito positivo do caso julgado tem por objeto os enunciados decisórios contidos na parte dispositiva de um despacho ou de uma sentença (cf. artigo 607.º, n.º 3, in fine, do CPC). O caso julgado não tem, em regra, por objeto os fundamentos, de facto ou de direito, do despacho ou sentença; para o ter, a parte terá de o pedir, em conformidade com o disposto no artigo 91.º, n.º 2, do CPC. IX) E tem de existir uma relação entre os objetos processuais de dois processos: Uma relação de prejudicialidade ou de concurso material entre objetos processuais ou, pelo prisma da decisão, uma relação entre os efeitos do caso julgado prévio e os efeitos da causa posterior, seja quanto a um mesmo bem jurídico, seja quanto a bens jurídicos conexos. X) A autoridade de caso julgado apenas pode ser oposta a quem seja tido como parte do ponto de vista da sua qualidade jurídica como definido pelo artigo 581.º, n.º 2, do CPC. XI) Aquilatando os efeitos do caso julgado prévio, ocorrido entre as partes dos presentes autos (que, no processo antecedente e nos presentes autos, respetivamente, figuravam e figuram, na mesma posição processual de autor e ré) e tendo em conta a aplicação dos normativos que devem ser considerados para contabilização do prazo da usucapião, por referência à existência e autoridade do caso julgado precedente – daí decorrendo que, em face da dedução da reconvenção efetuada no mencionado processo prévio e pelo pedido e causa de pedir correspondentes (relacionados com a pretensão de exercício do reconhecimento do direito de propriedade pela aí ré), se produziu efeito interruptivo na contagem do prazo de usucapião (cfr. artigo 323.º, n.ºs. 1 e 4, do CC, aplicável, ex vi, do artigo 1292.º do mesmo Código) - levando à conclusão de que não merece censura o reconhecimento de tal autoridade, com a consequente improcedência da ação (assente na verificação de que não se encontra completo, por força do reinício de contabilização – após o trânsito em julgado da decisão proferida no processo antecedente - decorrente da interrupção, o prazo para aquisição do direito de propriedade pelo autor, por usucapião). | ||
| Decisão Texto Parcial: | |||
| Decisão Texto Integral: | Acordam na 2.ª Secção do Tribunal da Relação de Lisboa: * 1. Relatório: * 1. JN, identificado nos autos, propôs a presente ação declarativa, com processo comum contra IMPRENSA NACIONAL-CASA DA MOEDA, S.A., também com a identificação nos autos, pedindo fosse declarada a existência do direito de propriedade do Autor sobre a parcela, com a área de 537,62 metros quadrados, que se situa a Norte da Rua …, do prédio rústico com o artigo matricial ….º, Secção U, da freguesia de S. Pedro de Penaferrim a que respeita a Ficha n.º … da mesma freguesia, da 1.ª Conservatória do Registo Predial de Sintra, o qual se compõe de mato, cultura arvense e leito de curso de água, com a área de 100.280 metros quadrados, e condenada a Ré a reconhecer esse direito de propriedade e a abster-se da prática que qualquer acto que possa prejudicar esse direito, sendo cancelado o registo predial que consta da Ficha n.º … da freguesia de S. Pedro de Penaferrim, na 1.ª Conservatória do Registo Predial de Sintra, relativamente à parte correspondente à mesma parcela, devendo dar lugar a novo registo de propriedade dessa parcela a favor do Autor. Alegou, em suma, que: - Relativamente ao prédio registado a favor da ré, existe uma parcela do mesmo que foi inicialmente ocupada, desde data anterior a 1993 – finais da década de 1970, início da década de 1980 – por PS, que ali construiu uma barraca e passou a residir, à vista de todos, sem oposição e sem consciência de lesar direito de outrem, tendo o autor ali passado a residir entre 02-07-1993 e o final de 1998, tendo o autor ali construído um imóvel, de génese ilegal, destinado a sua habitação e da sua família, encontrando-se inscrito na 1.ª repartição do Serviço de Finanças de Sintra a favor do autor sob o artigo U- ….º; - Para além de outra ação que correu termos no Tribunal Administrativo e Fiscal de Sintra, correu na Comarca da Grande Lisboa - Noroeste, Sintra, Juízo de Grande Instância Cível, 1.ª Secção, Juiz 1, uma acção declarativa com processo comum ordinário com o n.º …/… intentada pelo Autor contra a ora Ré, onde o autor pediu que fosse declarado proprietário da parcela em causa e condenada a Ré a reconhecer tal direito e a abster-se de quaisquer actos turbadores do seu exercício, vindo a mesma a ser decidida desfavoravelmente à pretensão do Autor por considerar que, sendo apenas certo que o Autor reside ininterruptamente na indicada parcela desde 1998, ainda não havia decorrido o prazo de 20 anos para a aquisição por usucapião, decisão que foi confirmada por acórdão de 7 de Maio de 2013 proferido pelo Tribunal da Relação de Lisboa, determinando ainda que o Autor demolisse a construção e restituísse a parcela à Ré; - Independentemente de a posse do Autor se contar desde 1998 ou desde finais da década de 1970, início da década de 1980, a mesma já conta mais de 21 anos e consubstancia-se na prática de actos materiais, à vista de todos, sem oposição de ninguém, sem consciência de lesar o direito de ninguém e de forma parcialmente titulada, pois, o Autor é o titular inscrito na matriz predial urbana da parcela em causa e das construções nela existentes, suporta o pagamento do correspondente Imposto Municipal sobre Imóveis; e - A posse correspondente ao exercício do direito da propriedade que o Autor vem exercendo sobre a aludida parcela, por ter durado mais de 20 anos e revestir as aludidas características, confere-lhe o direito à aquisição originária do direito de propriedade por usucapião. * 2. Citada, a ré contestou, por exceção – invocando a exceção de caso julgado - e por impugnação, concluindo pela procedência da exceção, com a sua absolvição da instância e pela improcedência da ação, com a sua absolvição do pedido, pedindo ainda a condenação do autor como litigante de má fé. * 3. Na sequência, o autor pronunciou-se pela improcedência da exceção invocada, bem como da litigância de má fé deduzida, para além de impugnar o documento n.º 1 junto com a contestação. * 4. A ré veio, entretanto, juntar certidão do documento n.º 1 junto com a contestação. * 5. Em 29-10-2022 foi proferido despacho do seguinte teor: “Os presentes autos, que se encontram a correr termos como ação declarativa, com processo comum, mostram-se instaurados ao abrigo do Código de Processo Civil na versão da Lei nº 41/2013, de 26 de junho. Por assim ser, a réplica deixou de ser admissível para resposta à matéria de exceção alegada na contestação (cfr. art.º 584º, nº 1, do C.P.Civil). Porém, evidentemente, não fica postergado o contraditório quanto a tal matéria (cfr. art.º 3º, nº 4, do C.P.Civil). Entendemos, por outro lado, defensável que o juiz convide a parte a apresentar um terceiro articulado, ao abrigo do princípio da adequação formal (art.º 547º, do C.P.Civil) com o ónus de impugnação inerente, como, aliás, defende Paulo Ramos de Faria in “Regime Processual Civil Experimental Comentado”, Coimbra, Almedina, 2010, pg. 121; e, bem assim, in “Primeiras Notas ao Novo Código de Processo Civil”, Almedina, vol. I., p. 462/463. No caso dos autos, vista a contestação, constata-se que a Ré se defende por exceção, também, quando alega a interrupção do prazo de usucapião; alegação de facto tendente a extinguir o efeito jurídico pretendido pelo Autor; ou seja, a invocação de matéria de facto integrante de exceção perentória - cfr. art.º 571º, nº 2, do Código de Processo Civil. Vistos os autos, sabe-se que o Autor de modo espontâneo veio pronunciar-se quanto a certos aspetos da contestação. Contudo, não se pronunciou quanto a esta matéria de exceção. Nestes termos, com vista a não inviabilizar o contraditório quanto a essa matéria de exceção; com base no sobredito entendimento acima exposto e ao abrigo do aludido princípio da adequação formal (art.º 547º, do C.P.Civil) convida-se o Autor a responder, querendo, em dez dias, à sobredita matéria de exceção invocada na contestação. Notifique.”. * 6. Na sequência, o autor, em 14-11-2022, pronunciou-se pela improcedência da exceção de interrupção do prazo de usucapião. * 7. Por despacho de 14-01-2023 foi assinalada às partes a possibilidade de decisão da causa, com base na figura da “autoridade do caso julgado”, notificando-se as partes para, em 10 (dez) dias, se pronunciarem por escrito, sem prejuízo de, se assim o entenderem, requererem a realização de audiência prévia, tendo ambas as partes se pronunciado, sem oposição à prolação de decisão sem audiência prévia. * 8. Após, em 10-04-2023, foi proferida saneador-sentença nos seguintes termos: “(…) Uma vez que as partes exerceram já o devido contraditório, passa a proferir-se despacho saneador com conhecimento do mérito da causa na presente fase processual. (…) Do valor da causa: O valor indicado pelo Autor (…) Da exceção de caso julgado/autoridade do caso julgado Invoca, a Ré, na sua contestação, a exceção do caso julgado. Alega, para tanto, em suma, que o objeto da presente ação já foi decidido por sentença transitada em julgado, proferida noutro processo deste Juízo Central Cível; tendo sido julgada improcedente; e que, nessa mesma ação, também, a aqui e aí Ré, deduziu pedido reconvencional em que (tal como o Autor) formulou pedido de reconhecimento do seu direito de propriedade sobre o mesmo imóvel, o que foi julgado procedente pela mesma sentença; mais tendo, o ora e aí Autor/Reconvindo sido condenado a reconhecer esse d[i]reito de propriedade e a demolir a construção que erigira no dito prédio. E mais vem a alegar, sobre a matéria, já em sede de impugnação da ação, que ocorreu facto interruptivo da posse do imóvel invocada pelo Autor, por via da sentença proferida naquele outro processo. O Autor pronunciou-se opondo-se à procedência da exceção. Decidindo. É consabido que a exceção do caso julgado pressupõe a repetição de uma causa. E que, se a causa se repete depois de a primeira causa ter sido decidida por sentença que já não admite recurso ordinário, há lugar a caso julgado - art.º 580º, do Código de Processo Civil. Mais se sabendo que, a causa se repete quando se propõe uma acção idêntica a outra quanto aos sujeitos, ao pedido e à causa de pedir - art.º 581º, do Código de Processo Civil. Assim, constitui requisito formal básico da exceção a chamada tríplice identidade entre as causas, quanto aos sujeitos, ao efeito jurídico visado (pedido) e ao facto jurídico-fundamento (causa de pedir), nos moldes que se acham definidos nos quatro números do art.º 581º do Código de Processo Civil. Com relevância para a situação ora em apreço, a título de exemplo, anote-se o teor do Acórdão da Relação de Lisboa, de 12-5-2011, disponível em http://www.dgsi.pt/jtrl: “A excepção do caso julgado visa evitar que o órgão jurisdicional, duplicando as decisões com idêntico objecto processual, contrarie na decisão posterior o sentido da decisão anterior: a excepção do caso julgado garante não apenas a impossibilidade de o tribunal decidir sobre o mesmo objecto duas vezes de maneira diferente (Zweierlei), mas também da inviabilidade do tribunal decidir sobre o mesmo objecto duas vezes de maneira idêntica (Zweimal). O que a lei quer significar é que uma sentença pode servir de fundamento da excepção do caso julgado quando o objecto da nova acção coincidindo no todo ou em parte com o do anterior, já está total ou parcialmente definida pela mesma sentença.” Assim, como se decidiu, também, por Acórdão do Tribunal da Relação de Guimarães, de 22-5-2014, acessível no mesmo lugar: “O efeito preclusivo do caso julgado determina a inadmissibilidade de qualquer ulterior indagação sobre a relação material controvertida definida em anterior decisão definitiva.”. Nesta sequência, veja-se, ainda, com relevância para o caso, o Acórdão da Relação do Porto, de 09 07 2014, disponível em http://www.dgsi.pt/jtrp com o seguinte teor: “Para efeito da verificação da excepção do caso julgado, se os factos aditados aos factos alegados na outra acção são apenas complementares ou concretizadores de uma causa de pedir que estava suficientemente individualizada, a causa de pedir é idêntica. Isto é, “a alegação, numa das acções, de factos que completem a causa de pedir, sem atentar contra a sua individualidade, não impede a repetição da causa de pedir.”. A causa de pedir corresponde ao conjunto dos factos constitutivos da situação jurídica que o autor quer fazer valer, mas só alguns destes factos – os essenciais – é que servem a função de individualização da causa de pedir, sendo esta que interessa à verificação da excepção de caso julgado.”. E noutro douto aresto da Relação de Coimbra, de 12-12-2017, Relator: Isaías Pádua, disponível no mesmo sítio, pode ler-se: “A expressão “caso julgado” é uma forma sincopada de dizer “caso que foi julgado”, ou seja, caso que foi objeto de um pronunciamento judicativo, pelo que, em sentido jurídico, tanto é caso julgado a sentença que reconheça um direito, como a que o nega, tanto constitui caso julgado a sentença que condena como aquela que absolve. O instituto do caso julgado exerce duas funções: uma função positiva e uma função negativa. A primeira manifesta-se através de autoridade do caso julgado, visando impor os efeitos de uma primeira decisão, já transitada (fazendo valer a sua força e autoridade), enquanto que a segunda de manifesta-se através de exceção de caso julgado, visando impedir que uma causa já julgada, e transitada, seja novamente apreciada por outro tribunal, por forma a evitar a contradição ou a repetição de decisões, assumindo-se, assim, ambos como efeitos diversos da mesma realidade jurídica. Enquanto na exceção de caso julgado se exige a identidade dos sujeitos, do pedido e da causa de pedir em ambas as ações em confronto, já na autoridade do caso julgado a coexistência dessa tríade de identidades não constitui pressuposto necessário da sua atuação. Há identidade de sujeitos quando as partes são as mesmas sob o ponto de vista da sua qualidade jurídica; há identidade do pedido quando numa e noutra causa se pretende obter o mesmo efeito jurídico e há identidade da causa de pedir quando a pretensão deduzida nas duas ações procede do mesmo facto jurídico. Para que haja identidade de sujeitos as partes não têm que coincidir do ponto de vista físico, sendo mesmo indiferente a posição que elas assumam em ambos os processos, podendo ser autores numa ação e réus na outra. A identidade de pedidos pressupõe que em ambas as ações se pretende obter o reconhecimento do mesmo direito subjetivo, independentemente da sua expressão quantitativa e da forma de processo utilizada, não sendo de exigir, porém, uma rigorosa identidade formal entre os pedidos. Sendo a causa de pedir um facto jurídico concreto, simples ou complexo, do qual emerge a pretensão deduzida, haverá procurá-la na questão fundamental levantada nas duas ações.”. Ademais, como pode ler-se no Ac. RE, de 13-01-2022, Relatora: EMÍLIA RAMOS COSTA: “O caso julgado constitui, assim, uma exceção dilatória que leva à absolvição do Réu da instância. Já a autoridade de caso julgado, para além de não impor tal tripla identidade, acarreta uma efetiva apreciação do mérito da ação, levando à apreciação concreta das causas de pedir e dos pedidos em ambas as ações, pelo que a constatação de que estamos perante uma situação de autoridade de caso julgado implica a improcedência da ação e a consequente absolvição do Réu do pedido.” No caso dos nossos autos, o Autor, JN, vem interpor a presente ação, em janeiro de 2022, pedindo que se reconheça a existência do seu direito de propriedade sobre a parcela com a área de 537,62 metros, do prédio que identifica (prédio rústico com o artigo matricial ….º, Secção U, da freguesia de S. Pedro de Penaferrim a que respeita a Ficha n.º … da mesma freguesia, da 1.ª Conservatória do Registo Predial de Sintra) e que a Ré seja condenada a reconhecer esse seu direito de propriedade e a abster-se da prática que qualquer acto que possa prejudicar esse mesmo direito. Alega, para tanto, em suma, que adquiriu a propriedade dessa parcela de terreno por usucapião, por exercer a posse sobre a dita parcela há mais de 20 anos. Conforme é, desde logo, avançado pelo Autor, na sua petição inicial, correu termos, neste Juízo, acção declarativa com processo comum ordinário com o n.º …/… intentada pelo Autor contra a ora Ré; ação em que o, também aqui, Autor pediu que fosse declarado proprietário da parcela em causa e condenada a Ré a reconhecer tal direito e a abster-se de quaisquer actos turbadores do seu exercício. Como alega, o Autor, que essa ação veio a ser decidida desfavoravelmente à sua pretensão, por se considerar que ainda não havia decorrido o prazo de 20 anos para a aquisição por usucapião; sendo certo (alega o Autor) que continuou, após a prolação dessa sentença desfavorável à sua pretensão, a ocupar a dita parcela; termos em que volta, agora, a formular o mesmo pedido. E, efetivamente, como se mostra certificado nos autos, naquela outra ação, já o Autor havia pedido que se declarasse que o prédio rústico em apreço era sua propriedade; aí invocando fundamentalmente a sua posse sobre o dito imóvel; e, assim, a sua aquisição por usucapião (para além de, em sede de direito, ainda ter avançado com a acessão industrial imobiliária). Como se mostra certificado nos autos que, por sentença transitada em julgado, confirmada por Acórdão da Relação de Lisboa, de 7 de maio de 2013, o pedido formulado nessa ação, pelo aí e aqui Autor (em ambos, os casos, contra a ora Ré) foi julgado improcedente, com o argumento de que não havia decorrido o prazo necessário para a aquisição da propriedade por usucapião. Mais se mostra certificado nos nossos autos que, nessa outra ação, a aqui Ré deduziu pedido reconvencional pedindo que se lhe reconhecesse o seu direito de propriedade sobre o mesmo prédio e que se condenasse o aí Autor/Reconvindo a demolir a construção ilegal nele implantada, restituindo-lhe a parcela ocupada. Ora, por sua vez, este pedido reconvencional foi julgado procedente, reconhecendo-se a aí Ré/Reconvinte e aqui Ré como proprietária da totalidade do prédio rústico em apreço e tendo sido condenando o aí Autor/Reconvindo e aqui Autor a demolir a construção que aí efetuara e a restituir a parcela de terreno que ocupava à, aí e aqui Ré, livre de pessoas e bens. Esta sentença transitou em julgado por via do Acórdão da Relação de Lisboa de 7 de maio de 2013, que a confirmou. Assim, o que o Autor vem, na verdade, alegar nesta nossa ação, é que, o prazo da posse necessário para a aquisição da propriedade por usucapião, que não se mostrava decorrido conforme decidido por sentença proferida noutra ação judicial, transitada em julgado por via de Acórdão datado de 7 de maio de 2013; entretanto, com o passar dos anos, já decorreu. E, por isso, agora, alega o Autor, já está em condições de obter o reconhecimento do seu direito de propriedade, por o ter adquirido por usucapião. Claro que o Autor faz esta alegação, omitindo o facto de que, nessa mesma ação judicial, a ali e aqui Ré também deduziu pretensão de reconhecimento do direito de propriedade sobre o mesmo imóvel; pretensão, essa, que foi julgada procedente, pelo mesmo Acórdão atrás citado, tendo resultado no reconhecimento do direito de propriedade da ora Ré e na condenação do ora Autor (ambos, com essa qualidade na outra ação) a restituir a dita parcela e a demolir a construção que aí erigira. Ora, julgamos poder admitir que, nesta nossa ação, o Autor não apresenta exatamente a mesma causa de pedir, ou seja, não alega exatamente, a mesma factualidade que alicerça a sua pretensão; pois que, nesta ação, o Autor invoca uma posse sobre o dito imóvel que decorrerá até janeiro de 2022, data da interposição da ação; sendo que a posse que invocara naquela outra ação judicial, decorria até à data de interposição dessa mesma ação, o ano de 2010. E, nessa perspetiva, para efeitos de verificação da exceção do caso julgado, admite-se que não estejamos perante a mesma exata causa de pedir, a impedir o preenchimento daquela tríplice condição: partes/pedido/causa de pedir. Outro tanto, já não cremos poder afirmar relativamente à chamada autoridade do caso julgado. Na verdade, cremos ser inultrapassável, nestes autos, o facto de que, em ação judicial que correu termos entre as mesmas partes, o pedido de reconhecimento da propriedade sobre o imóvel em causa, aí deduzido pela ora Ré, em sede de reconvenção, contra o ali Autor/Reconvindo e aqui Autor, foi julgado procedente; tendo, o nosso Autor, sido condenado, com trânsito em julgado, a reconhecer a ora Ré como proprietária do prédio; prédio que o Autor agora volta a reivindicar, nestes autos, como seu; por ter sido adquirido por usucapião; depois de ter sido, ainda, condenado, naqueles autos, a restituir a parcela de terreno que ocupava e a demolir a construção que aí erigira. Ora, a verdade é que, à semelhança do que é defendido pela ora Ré, também, nós entendemos que, para contagem do prazo necessário para aquisição da propriedade por usucapião, o ora Autor não pode fazer de conta que nada de relevante ocorreu nessa ação judicial, a não ser o facto de esse prazo ainda não ter, então, decorrido, mostrando-se, agora, cumprido na sua totalidade, como pretende. Efetivamente, importa anotar que, nessa ação, cuja sentença transitou em julgado em 2013, a também, aqui, Ré foi declarada como proprietária desse imóvel, o que releva para efeitos de interrupção do prazo necessário, de posse, para aquisição da propriedade, pelo Autor, por usucapião. Diga-se, não nos faria, sequer, sentido, que o ora Autor visse, naquela outra ação, a sua pretensão julgada improcedente; e que a aqui Ré fosse (como foi) declarada, por sentença, como proprietária do imóvel em causa; e o ora Autor (como foi) condenado a restituir-lhe a parcela de terreno que ocupava e a demolir a construção que aí erigira. E que, perante esse facto com relevo jurídico, o prazo para aquisição da propriedade desse mesmo imóvel, por usucapião, pelo ali e aqui Autor, continuasse, sem mais, a decorrer, com vista à aquisição da propriedade, baseada no mesmo ato de posse iniciada anos antes da interposição dessa ação judicial. O aqui Autor é condenado em ação judicial, a reconhecer que a propriedade do prédio que reclama para si é do réu; e é condenado a restitui-lhe essa propriedade e a demolir a construção que aí erigiu. E o que faz o Autor? Decide não cumprir a sentença judicial transitada, espera uns anos e volta a colocar a mesma questão da sua propriedade sobre o imóvel, em desrespeito da sentença judicial que reconhecera expressamente a propriedade da ora Ré e condenara o aqui Autor em conformidade. Veja-se, a propósito e com relevo para o nosso caso, o sumário do Ac. R.C, de 21-04-2015, Relator: TELES PEREIRA, acessível no site da DGSI, em que se explicita o seguinte: “Ao decurso de um prazo de usucapião aplicam-se, por expressa remissão do artigo 1292º do CC, as regras respeitantes à suspensão e interrupção da prescrição. Assim, a citação dos RR. numa acção visando a afirmação da existência de uma servidão de vistas, constituída por usucapião, originada em duas janelas existentes no prédio dos AA. e onerando o prédio dos RR., a citação destes em tal acção, dizíamos, interrompe o prazo de usucapião aí em curso, nos termos do artigo 323º, nº 1 do CC. Essa interrupção, por força do disposto no artigo 326º, nº 1 do CC, inutiliza todo o prazo de usucapião decorrido até essa citação, originando a contagem de um novo prazo, após o trânsito em julgado da decisão que, nessa acção, considere não constituída a servidão de vistas por não ter decorrido o prazo de usucapião considerado aplicável. É o que resulta do disposto no nº 1 do artigo 327º do CC. Se nessa acção for considerado que o prazo de usucapião, em vista da constituição dessa servidão de vistas (prazo não transcorrido até à citação nessa acção), era de 20 anos, nos termos do artigo 1296º do CC, adquire essa asserção a força de caso julgado material, projectando-se em ulteriores acções nas quais a existência dessa servidão de vistas volte a ser discutida. Assim, em posterior acção na qual, entre as mesmas partes, mas em posições trocadas (os AA. na anterior acção são os RR. na segunda e vice-versa), se discuta a existência das janelas que na primeira acção foram afirmadas como não tendo originado uma servidão de vistas, a citação ocorrida na anterior acção vale como facto interruptivo da prescrição aquisitiva e neutraliza qualquer consideração (soma) do tempo decorrido anteriormente a essa citação, no quadro da afirmação da existência de uma servidão de vistas constituída por usucapião.”. No mesmo sentido, veja-se o Ac. R.L. de 22-10-2020, Relatora: ANABELA CALAFATE, acessível no mesmo lugar, com o seguinte teor: “A citação interrompe o prazo de usucapião, inutilizando todo o tempo decorrido anteriormente, não começando a correr novo prazo de usucapião enquanto não passar em julgado a decisão que puser termo ao processo (art.º564º do CPC e art.º323º nº 1, 326º nº 1 ex vi do art.º1292º do CC) (neste sentido Ac. do STJ de 22/05/2012 - CJ, 2º, pág. 80).”. Queremos, com isto afirmar que, concreta e designadamente, com a notificação, ao ora Autor, na ação judicial nº 21533/10.5 T2SNT para contestar o pedido reconvencional aí deduzido contra si (sabendo-se que apresentou a respetiva réplica, conforme se mostra certificado nestes nossos autos), em face do que se mostra prevenido pelos art.ºs 323º, nº 1, 326º, nº 1 e 327º, nº 1, todos, por remissão expressa do art.º1292º, todos, estes preceitos, do Código Civil, se interrompeu o prazo que estaria a correr para efeitos aquisitivos da propriedade do imóvel em apreço, por usucapião; prazo, esse, que apenas recomeçou a correr, após o trânsito em julgado da sentença aí proferida, sentença, essa confirmada pelo Acórdão da Relação de Lisboa, de 7 de maio de 2013. Sendo manifesto que, após essa data e até ao momento da interposição da presente ação, não decorreu seguramente prazo útil com vista à aquisição da propriedade por usucapião; no caso, de 20 anos, como alega o próprio Autor na sua petição inicial. Assim, a presente ação não pode deixar de improceder; dado que, nos termos sobreditos, ainda que se provassem todos os factos alegados pelo Autor, sempre teria de improceder o pedido formulado; por força da verificação da exposta autoridade do caso julgado proveniente da sentença transitada em julgado proferida na citada ação judicial nº …/…. (…) Do pedido da Ré de condenação do Autor como litigante de má fé Alega, para tanto, em suma, a Ré, que o Autor intenta a presente ação servindo-se de meios processuais (a ação), com o propósito evidente de obter da R. um direito que sabe não ser devido, violando, assim, e de forma grosseira, os deveres de cooperação e boa fé processual a que está obrigado; praticando atos processuais dilatórios, que apenas visam protelar uma decisão transitada em julgado, que determinou a demolição da construção que o A. ilegalmente efetuou e a restituição da parcela de terreno que ocupou à R., livre de pessoas e bens. Entende-se por litigante de má-fé, na linguagem do art.º 542º, nº 2, do Código de Processo Civil, quem, com dolo ou negligência grave: a) Tiver deduzido pretensão ou oposição cuja falta de fundamento não devia ignorar; b) Tiver alterado a verdade dos factos ou omitido factos relevantes para a decisão da causa; c) Tiver praticado omissão grave do dever de cooperação; d) Tiver feito do processo ou dos meios processuais um uso manifestamente reprovável, com o fim de conseguir um objetivo ilegal, impedir a descoberta da verdade, entorpecer a ação da justiça ou protelar, sem fundamento sério, o trânsito em julgado da decisão. Pressuposto essencial para que de litigância de má-fé possa falar-se é o dolo ou a negligência grave. No caso dos autos, com a interposição da presente ação, não logramos obter uma base segura que nos permita concluir pela consciência do Autor de que, no caso, não tem razão, cfr. Ac. RC, de 11-1-83 in C.J., I, p. 28; ou seja, pela consciência de que, de forma deliberada, está a faltar à verdade nos autos; ou, ainda, que o tenha feito com grave negligência, não tendo averiguado devidamente e com culpa, da viabilidade da sua pretensão. E isto porque, nesta matéria de litigância de má fé, cremos que se mostra manifestamente insuficiente a simples improcedência da ação, como sucedeu nos autos. Cremos que devemos considerar que o Autor está na convicção de que juridicamente pode fazer valer deste modo, em juízo, os seus direitos. Consequentemente, julgar-se-á improcedente a invocada litigância de má fé. Decisão Nestes termos, decide-se julgar improcedente a presente ação e absolver, a Ré, do pedido; mais se decidindo julgar improcedente a litigância de má fé invocada pela Ré contra o Autor, desse pedido, absolvendo, o Autor. Custas pelo Autor. Registe e notifique.”. * 9. Não se conformando com esta decisão, dela apela o autor, pugnando pela sua revogação e substituição por outra que julgue improcedente as exceções que a terão fundamentado, ordenando o prosseguimento dos autos, tendo formulado as seguintes conclusões: “1.ª O Tribunal recorrido não teve em atenção que o Autor/Recorrente reside no prédio com a sua família, a qual inclui uma filha deficiente profunda, e que a decisão tomada – caso viesse a transitar, o que não se espera – implicaria o desalojamento dessa família da sua habitação permanente de muitos e muitos anos, colocando, deste modo, em causa o direito à habitação, constitucionalmente consagrado e reafirmado no n.º 1 do artigo 2.º e no n.º 1 do artigo 7.º da Lei de Bases da Habitação, bem como, entre outros, a protecção à casa de morada da família consagrada no artigo 10.º da mesma Lei. Sem conceder, 2.ª A douta sentença recorrida não cumpriu o dever que recai sobre o juiz de discriminar e declarar os factos que julga provados e os que julga não provados, que lhe é imposto pelos n.ºs 3 e 4 do artigo 607.º do Código de Processo Civil, sendo nula, nos termos da primeira parte da alínea b) do n.º 1 do artigo 615.º do Código de Processo Civil. Sem conceder, 3.ª A douta sentença recorrida incorreu ainda em nulidade, por excesso de pronúncia, pois não foi cumprido o dever consagrado no n.º 3 do artigo 3.º do Código de Processo Civil, que recai sobre o juiz, de observar e fazer cumprir, ao longo de todo o processo, o princípio do contraditório. 4.ª O princípio do contraditório encerra uma dimensão formal e uma dimensão substancial, impondo esta que a pronúncia das partes seja ponderada pelo julgador e que, na fundamentação da decisão, se perceba que ocorreu essa ponderação e as razões pelas quais a pronúncia é, ou não, desatendida, o que não sucedeu no caso vertente, pois a douta sentença recorrida não gastou uma linha para explicar porque improcede esse entendimento. 5.ª Porque, verdadeiramente, o Tribunal não ouviu as partes, sendo que a análise e ponderação dos argumentos das partes integra inequivocamente o silogismo judiciário e a fundamentação da sentença, terá de concluir-se que a douta sentença recorrida conheceu de questão cujo conhecimento lhe estava vedado, incorrendo em nulidade de sentença, por excesso de pronúncia, nos termos da segunda parte da alínea d) do n.º 1 do artigo 615.º do Código de Processo Civil, por violação do n.º 3 do artigo 3.º do mesmo Código. 6.ª Saliente-se que esta é uma questão distinta do erro de julgamento, pois o Tribunal recorrido poderia ter promovido a pronúncia das partes, ter ponderado a bondade – ou a falta dela – dos seus argumentos e, ainda assim, ter decidido erradamente. Não foi isso que sucedeu no caso vertente, pois a dimensão substancial do princípio do contraditório não foi sequer – mal ou bem – equacionada. Sem conceder, 7.ª A douta sentença é ainda nula por contradição entre os fundamentos e a decisão, ou, pelo menos, padece de ambiguidade, na medida em que começa por dar a entender – na sequência do despacho Ref.ª 141785921, de 14 de Janeiro de 2023 – que irá conhecer da excepção peremptória da autoridade do caso julgado, mas acaba por considerar que se verificou a interrupção do prazo necessário para a aquisição da propriedade por usucapião, não sendo inteligível se o Tribunal recorrido decidiu como decidiu, por considerar procedente a excepção da autoridade do caso julgado ou por considerar interrompido o prazo para a aquisição da propriedade por usucapião. 8.ª Ao decidir como decidiu sem ser clara quanto aos fundamentos em que se baseia, a douta sentença recorrida padece de oposição entre os fundamentos e a decisão, ou de, pelo menos, ambiguidade, incorrendo em nulidade de sentença, nos termos da alínea c) do n.º 1 do artigo 615.º do Código de Processo Civil, por violação do n.º 3 do artigo 3.º do mesmo Código. Ainda sem conceder, 9.ª O Tribunal recorrido ignorou a distinção entre aquisição originária da propriedade e aquisição derivada da propriedade, fundando-se aquela na posse e, atento o seu carácter originário, prevalecendo sobre a segunda, sendo que a aquisição fundada na posse só cede perante quem tiver melhor posse (n.ºs 2 e 3 do artigo 1278.º do Código Civil). 10.ª A aquisição da propriedade com base numa escritura pública de compra e venda cede perante a aquisição originária da propriedade por usucapião fundada na posse que perdure durante determinado número de anos. 11.ª No caso dos autos – e na acção anterior – a Ré/Recorrida não demonstrou ter melhor posse do que o Autor/Recorrente, nem o tribunal que se pronunciou nesses autos lha reconheceu por sentença, sendo que a Ré/Recorrida, em ambas as acções apenas alegou a aquisição derivada da propriedade e a presunção de posse fundada no registo predial. 12.ª É por estes motivos que nenhum dos ambíguos argumentos em que se estriba a sentença recorrida procedem na hipótese dos autos, pois o Tribunal recorrido não teve em devida conta esta diferença, apesar de o Autor/Recorrente ter, mais de uma vez, alertado para ela. 13.ª No caso vertente, a Ré/Recorrida não alegou os factos essenciais em que se baseia a excepção da interrupção do prazo de usucapião por si invocada, apesar de, nos termos do n.º 1 do artigo 5.º do Código de Processo Civil, lhe caber esse ónus. 14.ª Esses factos essenciais seriam, no caso vertente, aqueles que demonstrassem ter a Ré/Recorrida praticado qualquer facto que a lei considere interruptivo do prazo de usucapião, pois, nos termos do n.º 1 do artigo 323.º do Código Civil, “A prescrição interrompe-se pela citação ou notificação judicial de qualquer acto que exprima, directa ou indirectamente, a intenção de exercer o direito, seja qual for o processo a que o acto pertence e ainda que o tribunal seja incompetente”. 15.ª Por isso, a Ré/Recorrida teria de ter alegado o facto de o aqui Autor/Recorrente ter sido notificado para um acto que exprimisse, directa ou indirectamente, a sua (da Ré/Recorrida) intenção de exercer o direito incompatível com o direito deste último, o que não fez. 16.ª A Ré/Recorrida limitou-se a aludir na sua douta Contestação ao “trânsito em julgado da acção que visava a afirmação da existência de um direito de propriedade constituído por usucapião” (cfr. artigo 53.º da Contestação), pelo que não se encontram minimamente alegados pela Ré/Recorrida os factos essenciais em que poderia basear-se a pretensa excepção. 17.ª Por este motivo, atenta a não alegação dos factos essenciais a ela conducentes, a pretensa excepção invocada pela Ré/Recorrida deveria ter sido julgada improcedente, como consequência processual do não cumprimento pela Ré/Recorrida do ónus de alegação (e prova) que lhe compete. 18.ª O Tribunal recorrido, fez tábua rasa destas regras processuais básicas, com evidente prejuízo para o Direito e para o Recorrente 19.ª Sob o ponto de vista substantivo, igualmente não assiste razão ao Tribunal recorrido, que secundou a pretensão da Ré/Recorrida, pois o pedido reconvencional formulado pela Ré no Proc. n.º …/… e da notificação do Autor para lhe responder, para efeitos de interrupção do prazo de usucapião. 20.ª O pedido reconvencional formulado pela ora Ré/Recorrida no Proc. n.º …/… e a notificação ao Autor/Recorrente desse pedido nesse processo – mesmo que tivessem sido alegados nestes autos e não o foram – nunca poderiam ter o efeito interruptivo do prazo de usucapião, ao contrário do pretendido pela Ré e do defendido na douta sentença recorrida, pois a Ré/Recorrida limitou-se naquela Contestação a invocar a aquisição derivada da propriedade, por escritura pública de compra e venda, e a presunção de propriedade fundada no respectivo registo predial. 21.ª A Ré não invocou nesses autos a aquisição originária da propriedade do imóvel por usucapião, fundada na posse durante determinado período de tempo, sendo que a mera aquisição derivada da propriedade não é susceptível de prejudicar a aquisição originária da propriedade fundada na usucapião. 22.ª Este é o entendimento expresso, entre vários outros, no Acórdão do Tribunal da Relação de Guimarães de 6 de Novembro de 2014, proferido no Proc. n.º 1593/12.5TBFAF.G1, que o Tribunal recorrido ignorou. 23.ª Conforme resulta do citado n.º 1 do artigo 323.º do Código Civil, o “acto que exprima, directa ou indirectamente, a intenção de exercer o direito”, terá de ser um acto apto a prejudicar – ou incompatível com – a aquisição originária da propriedade por usucapião, o que não sucede com o pedido reconvencional para o qual foi notificado o Autor/Recorrente no Proc. n.º …/…, pelo facto de esse pedido se fundar em mera aquisição derivada da propriedade e, assim, não constituir expressão da intenção da Ré/Recorrida de exercer um direito prejudicial ou incompatível com a manutenção da posse do Autor e com o decurso do prazo de usucapião e subsequente aquisição originária da propriedade. 24.ª Não se verificou, por conseguinte, qualquer facto interruptivo do prazo de usucapião, no Proc. n.º 21533/10.5T2SNT ou em qualquer outro. 25.ª Acrescente-se ainda que o trânsito em julgado da decisão proferida no Proc. n.º …/… não constitui por si só um facto interruptivo da prescrição ou – por via da remissão do artigo 1292.º do Código Civil – do prazo de usucapião, pois o que a lei diz é que, verificando-se o facto interruptivo – que neste caso não se verificou, recorde-se –, a interrupção perdura até ao trânsito em julgado da decisão a proferir no processo onde aquele facto se tenha verificado (n.º 1 do artigo 327.º do Código Civil). 26.ª Não tendo havido facto interruptivo, como não houve neste caso, nada há para perdurar até ao trânsito em julgado, pelo que este não interrompe o indicado prazo. 27.ª Acresce que a remissão operada pelo artigo 1292.º do Código Civil fica subordinada às “necessárias adaptações”, as quais não poderão deixar de acomodar as especificidades próprias do regime jurídico da posse, na qual se fundamenta a aquisição por usucapião. 28.ª Sucede que, nos termos do n.º 1 do artigo 1257.º do Código Civil, “A posse mantém-se enquanto durar a actuação correspondente ao exercício do direito ou a possibilidade de a confirmar” e que, nos termos do n.º 1 do artigo 1267.º do Código Civil, o possuidor apenas perde a posse nos casos ali expressamente previstos, que não se verificam no caso vertente, e nos termos da alínea a) do artigo 564.º do Código de Processo Civil, “Além de outros, especialmente previstos na lei, a citação produz os seguintes efeitos (…) Faz cessar a boa-fé do possuidor”. 29.ª Dos citados preceitos decorre que a citação ou a notificação do “acto que exprima, directa ou indirectamente, a intenção de exercer o direito”, nos termos do n.º 1 do artigo 323.º do Código Civil, por si sós, são actos processuais insuficientes para fazer cessar a posse ou para conduzir à sua perda, pois o único efeito possível e inequívoco desses actos é fazer cessar a boa-fé do possuidor. 30.ª Todavia, para fazer cessar ou para perder a posse, o possuidor terá de ser demandado em acção em que se invoque posse incompatível ou melhor posse que a sua, o que não sucedeu no Processo n.º 21533/10.5T2SNT, como não sucede nestes autos. 31.ª A interrupção do prazo de usucapião tem de considerar as citadas especificidades próprias da posse, pelo que apenas a citação ou a notificação para uma acção em que seja exercido direito incompatível com a posse (e a aquisição por usucapião por parte do Autor/Recorrente nela fundada) é susceptível de interromper o decurso do prazo de usucapião, o que só teria sucedido se a Ré/Recorrida tivesse deduzido pedido reconvencional também assente na aquisição originária da propriedade por usucapião, o que a mesma não fez. 32.ª Por todos estes motivos, não houve qualquer facto interruptivo do prazo de aquisição da propriedade por usucapião, por parte do Autor/Recorrente, pelo que, ao decidir diferentemente, o Tribunal recorrido violou, entre outros, os artigos 5.º, n.º 1, 323.º, n.º 1 e 564.º, a), do Código de Processo Civil, e 326.º, n.º 1, 327.º, n.º 1, 1257.º, n.º 1, 1267.º, n.º 1, e 1292.º do Código Civil. 33.ª Também não procede no caso a alegada excepção peremptória da autoridade do caso julgado em que se estriba a douta sentença recorrida, como se demonstrará de seguida. 34.ª A doutrina defende um efeito positivo (autoridade do caso julgado) e um efeito negativo do caso julgado (excepção do caso julgado). 35.ª Como a própria sentença recorrida reconhece, não procede no caso a excepção do caso julgado, pois, embora as partes sejam as mesmas e o pedido seja similar, a verdade é que não há repetição da causa, pois a causa de pedir não é a mesma, na medida em que a invocada nestes autos só parcialmente coincide com a causa de pedir da acção anterior. 36.ª Saliente-se que a parte em que a causa de pedir não coincide é extremamente relevante para a decisão da presente causa e para a sua distinção relativamente à acção anterior, pois esta assentava no não completamento do prazo de usucapião, enquanto na causa de pedir formulada na presente acção, invocam-se factos conducentes à acessão na posse – não alegados na acção anterior –, bem como o período de posse posterior à propositura e decisão da acção anterior, pelo que se mostra em muito ultrapassado o prazo legal para a aquisição da propriedade por usucapião – que foi o fundamento do indeferimento da anterior pretensão de aquisição por usucapião, pelo que improcede a excepção do caso julgado, nos termos dos n.ºs 1 e 4 do artigo 581.º do Código de Processo Civil. 37.ª Importa, ainda referir que, no caso de – como se espera – a presente acção vir a ser decidida no sentido da procedência do pedido, o Tribunal não será colocado na contingência de decidir em termos opostos ao anteriormente decidido, na medida em que decidirá com base em factos – causa de pedir – diferentes dos anteriormente apreciados, sendo que a decisão anterior de indeferimento do pedido formulado pelo Autor fundou-se no facto de não se ter provado o número de anos suficiente para a aquisição da propriedade por usucapião. 38.ª Na presente acção, através do mecanismo da acessão na posse e da (simultânea ou, até, autónoma) contagem de anos de posse da parcela de terreno em causa, por parte do Autor/Recorrente, alega-se – e, se necessário, provar-se-á – que se mostra completado o número de anos de posse legalmente exigido. 39.ª A este propósito, JOSÉ LEBRE DE FREITAS (op. cit., p. 697) refere que «… quando a primeira ação improceda por não estar verificado um pressuposto da norma de direito material aplicável (condição, termo ou outro), tendo, porém, o tribunal verificado que estavam reunidos os seus restantes pressupostos, é razoável entender que a decisão a proferir na segunda ação, admissível nos termos do art.º621.º, CPC, se deve limitar à verificação superveniente do pressuposto em falta, respeitando a decisão anterior sobre os pressupostos já dados como verificados, desde que sobre eles tenha havido contraditório efetivo. Neste caso, tal como acontece no art.º 619.º-2, CPC (a ação modificativa do caso julgado, por superveniência de circunstâncias que afetem o juízo de prognose na base da condenação, deixa em tudo o mais incólume a sentença proferida), a segunda decisão vem completar a primeira, que por ela é absorvida na parte relativa a esses pressupostos(23)». É o que sucede no caso vertente. 40.ª Importa ainda referir que a autoridade do caso julgado não abrange a matéria de facto, pois, como refere JOSÉ LEBRE DE FREITAS (op. cit., pp. 706-707), «a matéria de facto e a sua decisão têm, ao longo do Código, sempre tratamento diferenciado (art.ºs 411.º, 412.º, 607.º-4 e 611.º entre outros). A decisão de facto pode apenas constituir caso julgado formal(38). (…) Isso explica a norma do art.º 421.º, CPC, sobre o valor extraprocessual das provas: as provas constituendas podem ser invocadas noutro processo contra a mesma parte, nele passando pelo crivo duma nova apreciação judicial(39), sem que o resultado da sua apreciação de algum modo se imponha neste outro processo». E não há dúvida de que, essencialmente, é a matéria de facto carreada para os presentes autos que, a provar-se, poderá conduzir a uma decisão distinta – mas complementar – da decisão anterior. Uma decisão judicial que julgou incapaz um menor de 17 anos não preclude a possibilidade de uma decisão posterior que o julgue capaz, após o mesmo completar 18 anos». 41.ª Por maioria de razão no caso da aquisição originária da propriedade por usucapião: uma decisão que julgue improcedente a aquisição originária por usucapião de A – e consequentemente reconheça a propriedade de B – só constituirá questão prejudicial se o reconhecimento da propriedade de B assentar também na aquisição originária da propriedade fundada na usucapião. É que, nesse caso, existirão duas posses incompatíveis entre si: a posse de B que motivou o reconhecimento da aquisição da propriedade é incompatível com a posse de A, pelo que se entende que quem possuiu o prédio foi B e não A. 42.ª Todavia, não é isso que se passa no caso vertente, pois na acção anterior não foi provada nem reconhecida uma posse da Ré/Recorrida sobre a parcela de terreno em causa nestes autos incompatível com a posse invocada pelo Autor/Recorrente. É que o direito da Ré/Recorrida foi apenas reconhecido com base na aquisição derivada da posse, mediante escritura pública e não simultaneamente por usucapião. 43.ª Por este motivo, a decisão proferida nos autos anteriores não prejudica a decisão a tomar nos presentes autos, ao contrário do que decidiu o Tribunal recorrido. 44.ª De resto, no caso particular da usucapião, a decisão proferida nos autos anteriores – mesmo que reconhecesse a aquisição originária da propriedade pela Ré/Recorrida (o que, repete-se, não sucedeu) nunca impediria que daqui a 20 ou 25 anos houvesse novo pleito em que o Autor/Recorrente invocasse a aquisição por usucapião da parcela, alegada e demonstrada que fosse a sua posse sobre a mesma durante o período legalmente exigido, resultando evidente que a questão da autoridade do caso julgado não se coloca, pela própria natureza do direito, nos mesmos termos em que se coloca na generalidade dos pleitos. 45.ª No caso vertente, é o próprio direito substantivo e os contornos que o mesmo define para a aquisição originária da propriedade por usucapião que claramente afastam a figura de direito adjectivo da autoridade do caso julgado. 46.ª Também não colhe uma alegada autoridade do caso julgado que considerou procedente o pedido reconvencional da acção anterior, pois, como se alegou supra, o pedido reconvencional formulado pela Ré/Recorrida no Proc. n.º 21533/10.5T2SNT, funda-se apenas na aquisição derivada da propriedade, por escritura pública de compra e venda, e na presunção de propriedade fundada no respectivo registo predial. 47.ª A Ré/Recorrida não invocou nesses autos – e o Tribunal não declarou – a aquisição originária da propriedade do imóvel por usucapião, fundada na posse durante determinado período de tempo, sendo que a mera aquisição derivada da propriedade não é susceptível de prejudicar a aquisição originária da propriedade fundada na usucapião, conforme entendimento expresso, entre vários outros, no citado Acórdão do Tribunal da Relação de Guimarães de 6 de Novembro de 2014, proferido no Proc. n.º 1593/12.5TBFAF.G1. 48.ª A notificação da apresentação do pedido reconvencional não teve, sequer, por efeito, interromper a posse que o Autor/Recorrente vem ininterruptamente exercendo sobre a parcela em causa, conforme resulta do citado n.º 1 do artigo 323.º do Código Civil, o “acto que exprima, directa ou indirectamente, a intenção de exercer o direito”, terá de ser um acto apto a prejudicar – ou incompatível com – a aquisição originária da propriedade por usucapião, o que não sucedeu com o pedido reconvencional para o qual foi notificado o Autor/Recorrente no Proc. n.º 21533/10.5T2SNT, fundado na mera aquisição derivada da propriedade, o qual não constitui expressão da intenção da Ré/Recorrida de exercer um direito prejudicial ou incompatível com a manutenção da posse daquele e com o decurso do prazo de usucapião e subsequente aquisição originária da propriedade. 49.ª E a decisão que declarou procedente o pedido reconvencional fundado nessa mera aquisição derivada da propriedade não tem autoridade de caso julgado que impeça ou prejudique a declaração de procedência de um pedido, como o formulado nestes autos, de aquisição originária da propriedade, por usucapião, fundada na posse. 50.ª O trânsito em julgado da decisão proferida no Proc. n.º 21533/10.5T2SNT, assente na mera aquisição derivada da propriedade não é susceptível de impedir ou prejudicar a procedência do pedido formulado na presente acção, pois a aquisição originária da propriedade por usucapião sobrepõe-se, sob o ponto de vista do direito substantivo, a tal decisão anterior. 51.ª A autoridade do caso julgado – figura de direito meramente adjectivo – não pode deixar de acomodar as especificidades próprias do regime jurídico substantivo da posse, na qual se fundamenta a aqui invocada aquisição por usucapião, sendo certo que, nos termos do n.º 1 do artigo 1257.º do Código Civil, “A posse mantém-se enquanto durar a actuação correspondente ao exercício do direito ou a possibilidade de a confirmar” e que não se verifica qualquer dos casos de perda da posse previstos no n.º 1 do artigo 1267.º do Código Civil. 52.ª Acresce que, nos termos da alínea a) do artigo 564.º do Código de Processo Civil, “Além de outros, especialmente previstos na lei, a citação produz os seguintes efeitos (…) Faz cessar a boa-fé do possuidor”. 53.ª Dos citados preceitos decorre que a citação ou a notificação do “acto que exprima, directa ou indirectamente, a intenção de exercer o direito”, nos termos do n.º 1 do artigo 323.º do Código Civil, por si sós, são actos processuais insuficientes para fazer cessar a posse ou para conduzir à sua perda, limitando-se a fazer cessar a boa-fé do possuidor. 54.ª Todavia, para fazer cessar ou para perder a posse, o possuidor terá de ser demandado e condenado em acção em que se invoque posse incompatível ou melhor posse com a sua, o que, reitera-se, não sucedeu no Processo n.º …/…, como não sucede, sequer, nestes autos. 55.ª A autoridade do caso julgado não pode deixar de ter em consideração as especificidades próprias da posse decorrentes dos preceitos legais citados, sendo que a posse do Autor/Recorrente sobre a parcela em causa nestes autos nunca cessou nem este alguma vez a perdeu, pelo que o seu decurso por mais de 20 anos – verificados os requisitos de publicidade, pacificidade e boa ou má-fé (este requisito apenas influi na duração exigida) – conduz inelutavelmente à aquisição originária do direito de propriedade sobre a parcela em causa. 56.ª Como se sumariou no Acórdão do Supremo Tribunal de Justiça de 9 de Fevereiro de 20217, proferido no Processo n.º 460/11.4TVLSB.L1.S2, «III. A usucapião constitui um modo de aquisição originária, ou seja, é uma forma de constituição de direitos reais e não uma forma de transmissão e, por isso, a propriedade conferida com base na usucapião não está dependente de qualquer outro circunstancialismo juridicamente relevante que surja ao lado do seu processo aquisitivo e que, só aparentemente poderá interferir neste procedimento de consignação de direitos; porque se trata de uma aquisição originária, o decurso do tempo necessário à sua conformação faz com que desapareçam todas as incidências que neste processo eventualmente possam ter surgido». 57.ª O Tribunal recorrido ignorou que, nos autos anteriores, o tribunal se limitou a declarar o direito de propriedade da Ré/Recorrida assente numa mera presunção de posse fundada no registo predial. 58.ª O Tribunal recorrido invocou jurisprudência dos nossos Tribunais superiores que, com o devido respeito, não é transponível para o caso dos autos, pois é muito distinta a questão de uma servidão de vistas quando comparada com as especificidades próprias da aquisição originária ou derivada da propriedade e com as respectivas implicações. 59.ª O Tribunal recorrido deveria ter julgado improcedentes as excepções em que, contraditória ou ambiguamente, se terá estribado para decidir como decidiu e deveria ter proferido despacho saneador, para prosseguimento dos autos, pelo que, ao decidir como decidiu, violou, nomeadamente, o disposto nos artigos 564.º, a), e 581.º, n.ºs 1 e 4, do Código de Processo Civil, e nos artigos 323.º, n.º 1, 1257.º, n.º 1, 1267.º, n.º 1, e 1278.º, n.ºs 2 e 3.”. * 10. A ré/recorrida contra-alegou, concluindo pela improcedência do recurso e confirmação da sentença recorrida. * 11. O requerimento recursório foi admitido por despacho de 19-06-2023. * 12. Foram colhidos os vistos legais. * 2. Questões a decidir: O objeto do recurso é delimitado pelas conclusões da alegação do recorrente (cfr. artigos 635.º, n.º 4 e 639.º, n.ºs 1 e 2, do CPC), não podendo este Tribunal conhecer de matérias nelas não incluídas, a não ser que as mesmas sejam de conhecimento oficioso (cfr. artigo 608.º, n.º 2, in fine, aplicável ex vi do artigo 663.º, n.º 2, in fine, ambos do CPC). Não pode igualmente este Tribunal conhecer de questões novas (que não tenham sido objeto de apreciação na decisão recorrida), uma vez que os recursos são meros meios de impugnação de prévias decisões judiciais (destinando-se, por natureza, à sua reapreciação e consequente alteração e/ou revogação). Em face do exposto, identificam-se as seguintes questões a decidir: * I) Nulidades: A) Se a sentença recorrida é nula, nos termos do disposto no artigo 615.º, n.º 1, alínea b), do CPC, por falta de especificação dos fundamentos de facto ou por falta de fundamentação? B) Se a sentença recorrida é nula, nos termos do disposto no artigo 615.º, n.º 1, alínea d), do CPC, por excesso de pronúncia? C) Se a sentença recorrida é nula, nos termos do disposto no artigo 615.º, n.º 1, alínea c), do CPC, por oposição entre os fundamentos e a decisão ou por ambiguidade? * II) Mérito do recurso: D) Se a decisão recorrida violou o disposto nos artigos 5.º, n.º 1, do CPC e 323.º, n.º 1, do CC? E) Se a exceção referente à autoridade do caso julgado deveria ter sido julgada improcedente, violando a decisão recorrida o disposto nos artigos 564.º, al. a), 581.º, n.ºs. 1 e 4, do CPC e 326.º, n.º 1, 327.º, n.º 1, 1257.º, n.º 1, 1267.º, n.º 1, 1278.º, n.ºs. 2 e 3 e 1292.º do CC? F) Se a decisão recorrida coloca em causa o direito à habitação e a proteção da casa de morada de família? * 3. Fundamentação de facto: São elementos processuais relevantes para a apreciação do recurso, os elementos factuais constantes do relatório. * 4. Fundamentação de Direito: * I) Nulidades: * A) Se a sentença recorrida é nula, nos termos do disposto no artigo 615.º, n.º 1, alínea b), do CPC, por falta de especificação dos fundamentos de facto ou por falta de fundamentação? O apelante invoca que a sentença proferida é nula, nos termos do disposto no artigo 615.º, n.º 1, al. b), do CPC, por – na sua perspetiva – não ter sido cumprido, “o dever que recaí sobre o juiz de discriminar e declarar os factos que julga provados e os que julga não provados, que lhe é imposto pelos n.ºs. 3 e 4 do artigo 607.º do Código de Processo Civil”, invocando ainda, noutro momento (a propósito da questão do alegado excesso de pronúncia), que a falta de análise e ponderação dos argumentos das partes integra o silogismo judiciário e a fundamentação da sentença, pelo que, “a sua falta equivale também à falta de fundamentação, cominada com a nulidade pela alínea b) do n.º 1 do mesmo artigo 615.º”. Vejamos: A obrigação de especificação dos fundamentos de facto e de direito que justificam a decisão, constante do artigo 615.º, n.º 1, al. b) do CPC é reflexo do dever de fundamentação das decisões imposto pelo n.º 1 do artigo 205.º da Constituição da República Portuguesa (CRP, nos termos do qual “as decisões dos tribunais que não sejam de mero expediente são fundamentadas na forma prevista na lei”) e ínsito no comando vertido no artigo 6.º da Convenção Europeia dos Direitos do Homem, e também, regulamentado, na lei ordinária, pelo artigo 154.º do CPC. Como referem Jorge Miranda e Rui Medeiros (Constituição da República Portuguesa Anotada, Tomo III, Coimbra, 2007, p. 70) a fundamentação tem uma dupla função de “carácter subjectivo”, de garantia do direito ao recurso e controlo da correção material e formal das decisões pelos seus destinatários, e uma função de “carácter objectivo”, de pacificação social, legitimidade e auto-controlo das decisões. Esta exigência de fundamentação das decisões judiciais bem se compreende, na medida em que, as decisões dos juízes têm que ter na sua base um raciocínio lógico e argumentativo que possa ser entendido pelos destinatários da decisão, sob pena de não se fazer justiça. Resultava já do CPC de 1961 (cfr. artigos 659º, n.º 3 e 655º) e resulta, ainda mais vincadamente, no CPC em vigor (cfr. artigo 607º, n.º 4), que a fundamentação de facto da sentença não deve limitar-se à mera indicação dos meios de prova em que assentou o juízo probatório sobre cada facto, devendo revelar o itinerário cognoscitivo e valorativo seguido pelo juiz ao decidir como decidiu sobre todos os pontos da matéria de facto de modo a conhecer as razões por que se decidiu no sentido decidido e não noutro. O exame da prova deve ser (e só pode ser) um exame crítico, no qual o julgador procede à análise ponderada de todos os meios de prova realizados, da sua credibilidade, estabelece as ligações possíveis destes meios entre si, submete-os à luz dos princípios lógicos e das regras da experiência para poder formar, e expressar, a sua convicção e, em face disso, decidir. Na realidade, embora o julgador aprecie livremente as provas produzidas segundo a sua prudente convicção (princípio que não abrange os factos para cuja prova a lei exija formalidade especial, nem aqueles que só possam ser provados por documentos, ou que estejam plenamente provados – cfr. artigo 607.º, n.º 5 do CPC), não está desonerado de fundamentar as razões pelas quais se convenceu da veracidade de determinados factos, ou da desconsideração de outra factualidade, de modo a permitir o controlo, quer pelas partes quer pelos tribunais superiores, do acerto da respetiva fundamentação, bem como, possibilitando às partes a arguição de eventuais nulidades resultantes da eventual oposição entre os fundamentos e a decisão ou de omissão da especificação desses fundamentos. Assim, todas as decisões judiciais, quer sejam sentenças quer sejam despachos, têm que ser sempre fundamentadas, de facto e de direito. No entanto, e em princípio, os despachos não exigem o mesmo grau de fundamentação que é exigido para uma sentença. Defendem Jorge Miranda e Rui Medeiros (ob. cit., p. 72 e 73) que a fundamentação das decisões judiciais, além de ser expressa, clara, coerente e suficiente, deve também ser adequada à importância e circunstância da decisão. Quer isto dizer que as decisões judiciais, ainda que tenham que ser sempre fundamentadas, podem sê-lo de forma mais ou menos exigente (de acordo com critérios de razoabilidade) consoante a função dessa mesma decisão. Se o julgador o não fizer, a sentença será nula por falta de fundamentação. De todo o modo, a falta de fundamentação só acarreta a nulidade da sentença quando se apresente total. Ou seja: O vício do artigo 615.º, n.º 1, al. b), do CPC só ocorrerá quando houver falta absoluta, ou total, de fundamentos ou de motivação (de facto ou de direito em que assenta a decisão) e, não já, quando essa fundamentação ou motivação for deficiente, insuficiente, medíocre ou até errada. Se a decisão for apenas insuficiente ou medíocre ou errada, isso poderá afetar o valor doutrinal da mesma, sujeitando-a ao risco de ser revogada em recurso, verificando o erro ou desacerto do julgamento, mas tal situação não produz a nulidade da decisão (vd., neste sentido, Lebre de Freitas e Isabel Alexandre, Código de Processo Civil, Vol. 2.º, 3.ª. Ed., Almedina, 2017, pp. 735-736 e a generalidade da jurisprudência, entre outros: os Acórdãos do Supremo Tribunal de Justiça de 02-06-2016, processo 781/11.6TBMTJ.L1.S1, rel. FERNANDA ISABEL PEREIRA, e de 15-05-2019, processo 835/15.0T8LRA.C3.S1, rel. RIBEIRO CARDOSO; do Tribunal da Relação de Lisboa de 08-03-2018, processo 908/17.4T8FNC-B.L1.8, rel. TERESA PRAZERES PAIS; os Acórdãos do Tribunal da Relação de Coimbra de 14-11-2017, Processo 3309/16.8T8VIS-A.C1, rel. ISAÍAS PÁDUA; de 05-06-2018, Processo 4084/14.6T8CBR-D.C1, rel. ISAÍAS PÁDUA; os Acórdãos do Tribunal da Relação do Porto de 14-03-2016, Processo 171/15.1T8AVR.P1, rel. PAULA MARIA ROBERTO, e de 11-01-2018, Processo 2685/15.4T8MTS.P1, rel. FILIPE CAROÇO). Ocorre falta de fundamentação, geradora de nulidade, se a mesma é inexistente, mas também, se a mesma, pela sua formulação não permite apreender qual o processo lógico seguido pelo julgador na formação da sua convicção, não sendo possível aferir as razões que levaram a decidir de um determinado modo, colocando em crise a construção do silogismo judiciário e, não, o erro de julgamento. Importa salientar que o CPC permite o conhecimento do mérito na fase do saneador: “O despacho saneador destina-se a: (…) b) Conhecer imediatamente do mérito da causa, sempre que o estado do processo permitir, sem necessidade de mais provas, a apreciação, total ou parcial, do ou dos pedidos deduzidos ou de alguma exceção perentória” (cfr. artigo 595.º, n.º 1, al. b) do CPC). Assim, o juiz conhecerá – total ou parcialmente – do mérito da causa no despacho saneador quando não houver necessidade de provas adicionais, para além das já processualmente adquiridas nos autos, encontrando-se, por tal, já habilitado, de forma cabal, a decidir conscienciosamente. Francisco Ferreira de Almeida (Direito Processual Civil, Vol. II, Almedina, 2015, p. 204) enuncia diversos casos em que é admissível ao juiz conhecer do mérito da causa no despacho saneador. Tal sucederá quando: “a) os factos alegados pelo autor em qualquer dos articulados legalmente admitidos forem inábeis ou insuficientes para extrair o efeito jurídico pretendido (inconcludência), caso em que o réu será absolvido do pedido; b) todos os factos integradores de uma exceção perentória se encontrem já provados, com força probatória plena (ou pleníssima), por confissão, admissão ou documento, do que resultará a absolvição do réu do pedido; c) se deverem ter por provados todos os factos integradores da causa de pedir por não existirem exceções perentórias, serem os factos em que se fundariam inconcludentes ou plenamente provada a inocorrência de alguns desses factos, v.g., por prova dos factos contrários (procedência do pedido); d) se se evidenciar a inconcludência dos factos em que se funda a exceção perentória ou prova, com força probatória plena, dos factos contrários (do que resulta ter a ação que prosseguir para apuramento dos factos que integram a causa de pedir)”. Também Lebre de Freitas e Isabel Alexandre (Código de Processo Civil Anotado, Volume 2.º, 3.ª ed., Almedina, p. 659), discorrendo sobre os casos em que é passível o conhecimento do mérito da causa no saneador, referem que: “O juiz conhece do mérito da causa no despacho saneador, total ou parcialmente, quando para tal, isto é, para dar resposta ao pedido ou à parte do pedido correspondente, não haja necessidade de mais provas do que aquelas que já estão adquiridas no processo. Tal pode acontecer por inconcludência do pedido (…), procedência ou improcedência de exceção perentória (…) e procedência ou improcedência do pedido. Este conhecimento só deve ter lugar quando o processo contenha todos os elementos necessários para uma decisão conscienciosa, segundo as várias soluções plausíveis de direito e não apenas tendo em vista a partilhada pelo juiz da causa”. Noutro local (Código de Processo Civil Anotado, Volume 1.º, 4.ª ed., Almedina, p. 376) os mesmos Autores - embora reconhecendo que a fronteira entre a inconcludência e a ineptidão da petição inicial é difícil de traçar - explicam que a “inconcludência jurídica” traduz a “situação em que é alegada uma causa de pedir da qual não se pode tirar, por não preenchimento da previsão normativa, o efeito jurídico pretendido, constituindo causa de improcedência da ação”. Apenas considerando os factos que sejam alegados pelo demandante, é bom de ver que, muito embora ambas as situações viabilizem o imediato conhecimento do mérito da causa no saneador, não é idêntico o caso em que todos os factos integradores da causa de pedir se encontram já plenamente provados e, aquele caso, em que os factos alegados pelo autor são inábeis para deles se extrair o efeito jurídico pretendido. De todo o modo, o juiz, se verificar insuficiências ou imprecisões na exposição ou na concretização da matéria de facto alegada, deve convidar as partes a supri-las, formulando então o comummente designado despacho de aperfeiçoamento (cfr. artigo 590.º, n.º 4, do CPC). Ora, em sede de prolação de despacho saneador, não sendo caso de prolação de despacho de aperfeiçoamento e considerando que os factos alegados pelo autor são inábeis a deles extrair o efeito jurídico por ele pretendido, o juiz deverá, ainda assim, em princípio, elencar os factos que considere provados. Na mesma sede, ou seja, na prolação do despacho saneador, quanto aos factos não provados, não sendo o seu elenco efetuado, a sua determinação resultará, por ilação ou inferência, a partir do círculo de factos já considerados como assentes. Nesta linha, entendeu-se no Acórdão do Tribunal da Relação de Lisboa de 06-06-2019 (Pº 21172/16.7T8LSB.L1-2, rel. LAURINDA GEMAS) que: “No saneador-sentença, o juiz deve, quando seja caso disso, declarar quais os factos que julga (plenamente) provados, mas não já os factos que julga não provados, muito menos devendo/podendo especificar os fundamentos que foram decisivos para a sua convicção (isto é, apreciar livremente as provas segundo a sua prudente convicção acerca de cada facto), nos termos do art.º607.º, n.ºs 4 e 5, do CPC”. Nesta medida, “não podem confundir-se as causas de nulidade da sentença, tout court, previstas taxativamente no art.º 615º do CPC, com os vícios privativos da decisão sobre a matéria de facto, as quais acarretam a sua anulação, modificação ou o reenvio do processo à 1ª instância - nº 1 e nº 2 als. c) e d) do art.º 662º do CPC. Se o juiz diz que certos factos não se provaram por inexistir prova, tal não implica a nulidade da decisão factual, por infundamentada, ou a remessa dos autos para fundamentação, antes competindo ao insurgente, em sede de impugnação desta, convencer, perante a prova produzida, da ilegalidade do decidido” (assim, o Acórdão do Tribunal da Relação de Coimbra de 20-02-2019, Pº 4603/16.3TBCBR.C1, rel. CARLOS MOREIRA). Ora, no caso, o juiz do Tribunal recorrido considerou estar em condições de conhecer, de imediato, do mérito da causa, nos termos em que o fez no saneador-sentença recorrido e, para o efeito, elencou em sede de fundamentação que a genérica alegação factual do autor, nos moldes que concretizou na decisão recorrida, mesmo que se viesse a provar, não conduziria à procedência da pretensão do autor: “(…) a presente ação não pode deixar de improceder, dado que, nos termos sobreditos, ainda que se provassem todos os factos alegados pelo Autor, sempre teria de improceder o pedido formulado, por força da verificação da exposta autoridade do caso julgado (…)”. Para tanto, procedeu a um elenco de alegação com base na petição inicial, o qual é efetuado, independentemente da sua prova, mas apenas relevou para apreciação da viabilidade dos pedidos formulados. Com tal enunciação, o Tribunal recorrido precisou os termos da fundamentação decisória em que se louvou, concretizando que, mesmo considerando o elenco factual que mencionava fosse apurado nos moldes alegados pelo autor, a pretensão do autor não era viável. E, nessa medida, encontra-se arrimo factual para a decisão de direito proferida, o que resulta, de forma expressa, desde logo, do seguinte trecho da decisão recorrida: “No caso dos nossos autos, o Autor, JN, vem interpor a presente ação, em janeiro de 2022, pedindo que se reconheça a existência do seu direito de propriedade sobre a parcela com a área de 537,62 metros, do prédio que identifica (prédio rústico com o artigo matricial ….º, Secção …, da freguesia de S. Pedro de Penaferrim a que respeita a Ficha n.º … da mesma freguesia, da 1.ª Conservatória do Registo Predial de Sintra) e que a Ré seja condenada a reconhecer esse seu direito de propriedade e a abster-se da prática que qualquer acto que possa prejudicar esse mesmo direito. Alega, para tanto, em suma, que adquiriu a propriedade dessa parcela de terreno por usucapião, por exercer a posse sobre a dita parcela há mais de 20 anos. Conforme é, desde logo, avançado pelo Autor, na sua petição inicial, correu termos, neste Juízo, acção declarativa com processo comum ordinário com o n.º …/… intentada pelo Autor contra a ora Ré; ação em que o, também aqui, Autor pediu que fosse declarado proprietário da parcela em causa e condenada a Ré a reconhecer tal direito e a abster-se de quaisquer actos turbadores do seu exercício. Como alega, o Autor, que essa ação veio a ser decidida desfavoravelmente à sua pretensão, por se considerar que ainda não havia decorrido o prazo de 20 anos para a aquisição por usucapião; sendo certo (alega o Autor) que continuou, após a prolação dessa sentença desfavorável à sua pretensão, a ocupar a dita parcela; termos em que volta, agora, a formular o mesmo pedido. E, efetivamente, como se mostra certificado nos autos, naquela outra ação, já o Autor havia pedido que se declarasse que o prédio rústico em apreço era sua propriedade; aí invocando fundamentalmente a sua posse sobre o dito imóvel; e, assim, a sua aquisição por usucapião (para além de, em sede de direito, ainda ter avançado com a acessão industrial imobiliária). Como se mostra certificado nos autos que, por sentença transitada em julgado, confirmada por Acórdão da Relação de Lisboa, de 7 de maio de 2013, o pedido formulado nessa ação, pelo aí e aqui Autor (em ambos, os casos, contra a ora Ré) foi julgado improcedente, com o argumento de que não havia decorrido o prazo necessário para a aquisição da propriedade por usucapião. Mais se mostra certificado nos nossos autos que, nessa outra ação, a aqui Ré deduziu pedido reconvencional pedindo que se lhe reconhecesse o seu direito de propriedade sobre o mesmo prédio e que se condenasse o aí Autor/Reconvindo a demolir a construção ilegal nele implantada, restituindo-lhe a parcela ocupada. Ora, por sua vez, este pedido reconvencional foi julgado procedente, reconhecendo-se a aí Ré/Reconvinte e aqui Ré como proprietária da totalidade do prédio rústico em apreço e tendo sido condenando o aí Autor/Reconvindo e aqui Autor a demolir a construção que aí efetuara e a restituir a parcela de terreno que ocupava à, aí e aqui Ré, livre de pessoas e bens. Esta sentença transitou em julgado por via do Acórdão da Relação de Lisboa de 7 de maio de 2013, que a confirmou. Assim, o que o Autor vem, na verdade, alegar nesta nossa ação, é que, o prazo da posse necessário para a aquisição da propriedade por usucapião, que não se mostrava decorrido conforme decidido por sentença proferida noutra ação judicial, transitada em julgado por via de Acórdão datado de 7 de maio de 2013; entretanto, com o passar dos anos, já decorreu. E, por isso, agora, alega o Autor, já está em condições de obter o reconhecimento do seu direito de propriedade, por o ter adquirido por usucapião. Claro que o Autor faz esta alegação, omitindo o facto de que, nessa mesma ação judicial, a ali e aqui Ré também deduziu pretensão de reconhecimento do direito de propriedade sobre o mesmo imóvel; pretensão, essa, que foi julgada procedente, pelo mesmo Acórdão atrás citado, tendo resultado no reconhecimento do direito de propriedade da ora Ré e na condenação do ora Autor (ambos, com essa qualidade na outra ação) a restituir a dita parcela e a demolir a construção que aí erigira (…)”. O ora recorrente pode não concordar com a fundamentação exarada, mas a mesma encontra-se presente, percebendo o destinatário do saneador-sentença proferido, sem dúvida, que a enunciação factual provinha da mera alegação factual do autor e que a mesma se destinava a aferir se a pretensão era viável, independentemente de qualquer produção probatória (sendo que, o momento processual específico para a produção das provas constituendas não se encontrava alcançado). Assim, independentemente de qualquer outra apreciação, como decorre das considerações supra expendidas e encontrando-se na decisão recorrida os fundamentos de facto e efetuada a análise e ponderação sobre as posições expressas pelas partes nos articulados, a fundamentação em que assentou o decidido encontra-se presente, pelo que não se verifica - sob qualquer perspetiva de acordo com o invocado pelo recorrente - o vício de nulidade assente na alínea b) do n.º 1 do artigo 615.º do CPC. As nulidades arguidas com fundamento neste preceito são, pois, improcedentes. * B) Se a sentença recorrida é nula, nos termos do disposto no artigo 615.º, n.º 1, alínea d), do CPC, por excesso de pronúncia? Invoca, ainda, o recorrente que a sentença recorrida é nula, por excesso de pronúncia, tendo alegado, para tanto, o seguinte: “A douta sentença recorrida incorreu ainda em nulidade, por excesso de pronúncia. Com efeito, o n.º 3 do artigo 3.º do Código de Processo Civil obriga o juiz a observar e fazer cumprir, ao longo de todo o processo, o princípio do contraditório, não lhe sendo lícito, salvo caso de manifesta desnecessidade, decidir questões de direito ou de facto, mesmo que de conhecimento oficioso, sem que as partes tenham tido a possibilidade de sobre elas se pronunciarem. Trata-se do princípio do contraditório, que, por sua vez, reflecte o princípio da participação dos interessados na tomada de decisões pelos poderes públicos, aflorado no n.º 5 do artigo 267.º da Constituição da República Portuguesa. Ora, o princípio do contraditório encerra, naturalmente, uma dimensão formal e uma dimensão substancial. Com efeito, para se cumprir este princípio não basta notificar a(s) parte(s) para se pronunciar(em) sobre determinada questão. É ainda necessário que a pronúncia das partes seja ponderada pelo julgador e que, na fundamentação da decisão, se perceba que ocorreu essa ponderação e as razões pelas quais a pronúncia é, ou não, desatendida. Sucede que, no caso vertente, apesar de o Autor ter justificado as razões pelas quais deverá entender-se que a excepção da autoridade do caso julgado não procede na hipótese dos autos, a douta sentença recorrida não gastou uma linha para explicar porque improcede esse entendimento. No fundo, o Tribunal recorrido deu às partes a oportunidade de se pronunciarem, mas verdadeiramente não as ouviu. O Tribunal recorrido antes fez ouvidos de mercador, encerrando-se naquela que considera ser a sua verdade, ignorando a verdade das partes e a verdade material. porque, verdadeiramente, o Tribunal não ouviu as partes, terá de concluir-se que a sentença proferida sem essa prévia audição é nula, por excesso de pronúncia, nos termos da parte final da alínea d) do n.º 1 do artigo 615.º do Código de Processo Civil, pois o tribunal conheceu de questão cujo conhecimento não precedido de audição das partes lhe está vedado. E não se diga que apenas haveria nulidade por excesso de pronúncia se o Tribunal recorrido não tivesse promovido a pronúncia formal das partes. É que a análise e ponderação dos argumentos das partes integra inequivocamente o silogismo judiciário e a fundamentação da sentença, pelo que a sua falta equivale também à falta de fundamentação, cominada com a nulidade pela alínea b) do n.º 1 do mesmo artigo 615.º. ao decidir como decidiu sem ter ouvido as partes e ponderado os seus argumentos, a douta sentença recorrida conheceu de questão cujo conhecimento lhe estava vedado, incorrendo em nulidade de sentença, por excesso de pronúncia, nos termos da segunda parte da alínea d) do n.º 1 do artigo 615.º do Código de Processo Civil, por violação do n.º 3 do artigo 3.º do mesmo Código. Saliente-se que esta é uma questão distinta do erro de julgamento. Na verdade, o Tribunal recorrido poderia ter promovido a pronúncia das partes, ter ponderado a bondade - ou a falta dela - dos seus argumentos e, ainda assim, ter decidido erradamente. Não foi isso que sucedeu no caso vertente, pois a dimensão substancial do princípio do contraditório não foi sequer - mal ou bem - equacionada.”. Vejamos: Conforme decorre da al. d) do n.º 1 do artigo 615.º do CPC, a sentença padecerá de nulidade quando: “(…) d) O juiz deixe de pronunciar-se sobre questões que devesse apreciar ou conheça de questões de que não podia tomar conhecimento; (…)”. Vejamos se o Tribunal incorreu em pronúncia indevida relativa a questão de que não devesse tomar conhecimento, sabendo-se que, é “frequente a enunciação nas alegações de recurso de nulidades da sentença, numa tendência que se instalou e que a racionalidade não consegue explicar, desviando-se do verdadeiro objecto do recurso que deve ser centrado nos aspectos de ordem substancial. Com não menos frequência a arguição de nulidades da sentença acaba por ser indeferida, e com toda a justeza, dado que é corrente confundir-se o inconformismo quanto ao teor da sentença com algum dos vícios que determinam tais nulidades” (assim, Abrantes Geraldes, Recursos no Novo Código de Processo Civil, Almedina, p. 132). Liminarmente, importa evidenciar que, contudo, apenas existirá nulidade da sentença por excesso (ou omissão) de pronúncia com referência às questões objeto do processo, não com atinência a todo e qualquer argumento esgrimido pela parte. A nulidade da sentença (por omissão ou excesso de pronúncia) há de, assim, resultar da violação do dever prescrito no n.º 2 do artigo 608.º do CPC, preceito do qual resulta que o juiz deve resolver todas as questões que as partes tenham submetido à sua apreciação, excetuadas aquelas, cuja decisão, esteja prejudicada pela solução dada a outras, e não pode ocupar-se senão das questões suscitadas pelas partes, salvo se a lei permitir ou impuser o conhecimento oficioso de outras. A “questão a decidir” pelo julgador estará diretamente ligada ao pedido e à respetiva causa de pedir, não estando o juiz obrigado a apreciar e a rebater cada um dos argumentos de facto ou de direito que as partes invocam com vista a obter a procedência da sua pretensão, ou a pronunciar-se sobre todas as considerações tecidas para esse efeito. O que o juiz deve fazer é pronunciar-se sobre a questão que se suscita, apreciando-a e decidindo-a, segundo a solução de direito que julga correta. De acordo com o n.º 2 do artigo 608.º do CPC, “o juiz resolve todas as questões que as partes tenham submetido à sua apreciação, excetuadas aquelas cuja decisão esteja prejudicada pela solução dada a outras” - pelo que, igualmente, não se verifica omissão de pronúncia quando o não conhecimento de questões fique prejudicado pela solução dada a outras - sendo certo que, o dever de pronúncia obrigatória é delimitado pelo pedido e causa de pedir e pela matéria de exceção. “O dever imposto no nº 2, do artigo 608º diz respeito ao conhecimento, na sentença, de todas as questões de fundo ou de mérito que a apreciação do pedido e da causa de pedir apresentadas pelo autor (ou, eventualmente, pelo réu reconvinte) suscitam. Só estas questões é que são essenciais à solução do pleito e já não os argumentos, razões, juízos de valor ou interpretação e aplicação da lei aos factos. Para que este dever seja cumprido, é preciso que haja identidade entre a causa petendi e a causa judicandi, entre a questão posta pelas partes e identificada pelos sujeitos, pedido e causa de pedir e a questão resolvida pelo juiz” (assim, o Acórdão do Tribunal da Relação de Guimarães de 15-03-2018, Processo nº 1453/17.3T8BRG.G1, relatora EUGÉNIA CUNHA). A causa de pedir traduz-se no facto concreto que serve de fundamento ao efeito jurídico pretendido (cfr. Antunes Varela; J. Miguel Bezerra e Sampaio e Nora; Manual de Processo Civil; 2.ª Ed., Coimbra Editora, p. 245), pelo que, sob pena de ineptidão, não bastará uma indicação vaga ou genérica dos factos com base nos quais a autora sustenta a sua pretensão. Ao autor ou demandante não bastará, assim, formular um pedido, devendo sempre indicar a causa de pedir, traduzida nos concretos factos jurídicos constitutivos da situação jurídica que quer fazer valer, o que passa pela narração de concretos acontecimentos da vida que são suscetíveis de redução a um núcleo fáctico essencial tipicamente previsto por uma ou mais normas materiais de direito substantivo (cfr., Lebre de Freitas; Introdução ao Processo Civil – Conceito e Princípios Gerais à luz do Código revisto; Coimbra Editora, 1996, pp. 54 a 57). O autor encontra-se, pois, obrigado a expôr os factos essenciais que constituem a causa de pedir e as razões de direito que servem de fundamento à ação (cfr. art.º 552.º, n.º 1, al. d), do CPC). A indicação da causa de pedir está perfeitamente conexionada com o princípio do dispositivo, consagrado no n.º 1 do artigo 5.º do CPC, onde se prescreve que, “às partes cabe alegar os factos essenciais que constituem a causa de pedir e aqueles em que se baseiam as exceções invocadas”. “Intimamente ligada ao princípio dispositivo, a causa de pedir exerce uma «função individualizadora do pedido e de conformação do objeto do processo»; ao apreciar o pedido, o tribunal não pode basear a sua decisão de mérito em causa de pedir não invocada pelo autor (art.ºs 608º e 609º), sob pena de nulidade da sentença por excesso de pronúncia (art.º615º, al. d) )” (assim, Francisco Manuel Lucas Ferreira de Almeida; Direito Processual Civil, vol. II, 2.ª Ed., Almedina, 2015, p. 71). Daí que se possa dizer, conforme se afirmou no Acórdão do Tribunal da Relação do Porto de 26-10-2017 (Pº 330/16.0T8PRT.P1, rel. FERNANDO SAMÕES), que “o princípio do dispositivo ou da controvérsia, consagrado no n.º 1 do art.º 5.º do CPC, impede que o juiz considere, na decisão, factos essenciais não alegados pelas partes nos articulados”. Haverá nulidade por excesso de pronúncia se, “não podendo o juiz conhecer de causas de pedir não invocadas, nem de exceções não deduzidas na exclusiva disponibilidade das partes (art.º 608-2)” a decisão que venha a conhecer das mesmas (assim, José Lebre de Freitas e Isabel Alexandre Código de Processo Civil Anotado, volume 2º, 3ª Edição Almedina, p. 737). A pronúncia do julgador deve, pois, conter-se no objeto do processo, não podendo a sentença condenar “em quantidade superior ou em objeto diverso do que se pedir” (cfr. artigo 609.º, n.º 1, do CPC). Ou seja: “Há excesso de pronúncia sempre que a causa do julgado não se identifique com a causa de pedir. O objeto da sentença deve, pois, coincidir com o objeto do processo, tal como ele foi configurado pelas partes nos articulados normais ou nos articulados supervenientes” (assim, o Acórdão do Tribunal da Relação de Lisboa de 05-11-2020, Pº 437/17.6T8LRS.L1-2, rel. NELSON BORGES CARNEIRO). No caso em apreço, a pretensão do autor, expressa na petição inicial, visa a declaração da existência do direito de propriedade do autor sobre a parcela do prédio rústico que identificou, a condenação da ré a reconhecer esse direito e a abster-se de praticar qualquer acto que o possa prejudicar, bem como, a determinação de cancelamento do registo predial existente quanto à referida parcela, com inscrição de novo registo de propriedade da parcela a favor do autor. A ré, em contestação, veio invocar no ponto “I” de tal articulado – artigos 1.º a 10.º - que ocorre a exceção dilatória de caso julgado material, tendo alegado o seguinte: “1.º O objeto da presente ação já foi decidido, no âmbito de uma ação declarativa instaurada pela ora A. contra o também aqui R., a qual correu termos no Comarca da Grande Lisboa - Noroeste Sintra- Juízo Grande Inst. Cível - 1ª Secção - Juiz 1 Proc.º …/…, em que a causa de pedir ali alegada corresponde exatamente ao da presente causa, cuja certidão se junta como Doc. 1. 2.º A ação intentada por JN, foi declarada totalmente improcedente por não provada, absolvendo a R., do pedido contra ela formulado naqueles autos. 3.º Foi ainda declarado procedente por provado, o pedido reconvencional formulado pela R. contra o A. reconhecendo a mesma como proprietária do prédio rústico registado na 1ª Conservatória do Registo Predial de Sintra, a seu favor, sito na Rua …, nº …, Abrunheira, com o artigo cadastral 106, secção U, da freguesia de S. Pedro de Penaferrim, Concelho de Sintra. 4.º Tendo sido condenado a demolir a construção que aí efetuou, e a restituir a parcela de terreno que ocupou à R. livre de pessoas e bens, o aliás, que nunca sucedeu. 5.º Tal decisão foi confirmada por Acórdão do Tribunal da Relação de Lisboa, de 7 de maio de 2013, no Proc. …/…, conforme certidão junta. 6.º O caso julgado material, segundo a noção dada pelo Professor Manuel de Andrade, «Consiste em a definição dada à relação controvertida se impor a todos os tribunais (e até a quaisquer outras autoridades) – quando lhes seja submetida a mesma relação, quer a título principal (repetição da causa em que foi proferida a decisão), quer a título prejudicial (ação destinada a fazer valer outro efeito dessa relação). Todos têm que acatá-la, julgando em conformidade, sem nova discussão.» 7.º Considera ainda que o instituto do caso julgado assenta em dois fundamentos: a) – o prestígio dos tribunais, que ficaria altamente comprometido “se a mesma situação concreta, uma vez definida por eles em dado sentido, pudesse depois ser validamente definida em sentido diferente”; b) – e, mais importante, uma razão de certeza ou segurança jurídica, já que sem a força do caso julgado se cairia “numa situação de instabilidade jurídica (…) fonte perene de injustiças e paralisadora de todas as iniciativas”. 8.º De acordo com o disposto no artigo 619.º do CPC, transitada em julgado a sentença ou o despacho saneador que decida do mérito da causa, a decisão sobre a relação material controvertida fica a ter força obrigatória dentro do processo e fora dele, nos limites fixados pelos artigos 580.º e 581.º do CPC. 9.º Acresce que estamos perante uma ação em que são coincidentes a identidade de sujeitos; a identidade de pedido e a identidade de causa de pedir. 10.º Como tal, verifica-se o efeito de autoridade de caso julgado material da decisão, o qual é substantivamente impeditivo do reconhecimento dos direitos peticionados na presente ação.”. Na sequência, por requerimento entrado em juízo em 04-03-2022, o autor pronunciou-se sobre a mencionada exceção dizendo o seguinte: “I - Quanto à alegada excepção dilatória do caso julgado material, 1. Invoca a Ré a excepção dilatória do caso julgado material. Todavia, sem razão. 2. Com efeito e ao contrário do que alega, no caso vertente, a causa de pedir é distinta da invocada na acção anterior, pois o facto jurídico que serve de fundamento à acção só parcialmente se sobrepõe. 3. Por este motivo, embora o pedido seja similar e as partes sejam as mesmas, a falta de identidade quanto à causa de pedir vota ao insucesso a invocada excepção. 4. Deve, por isso, a alegada excepção ser considerada improcedente (n.ºs 1 e 4 do artigo 581.º do Código de Processo Civil).”. Em 29-10-2022, o Tribunal recorrido proferiu despacho do seguinte teor: “Os presentes autos, que se encontram a correr termos como ação declarativa, com processo comum, mostram-se instaurados ao abrigo do Código de Processo Civil na versão da Lei nº 41/2013, de 26 de junho. Por assim ser, a réplica deixou de ser admissível para resposta à matéria de exceção alegada na contestação (cfr. art.º 584º, nº 1, do C.P.Civil). Porém, evidentemente, não fica postergado o contraditório quanto a tal matéria (cfr. art.º 3º, nº 4, do C.P.Civil). Entendemos, por outro lado, defensável que o juiz convide a parte a apresentar um terceiro articulado, ao abrigo do princípio da adequação formal (art.º 547º, do C.P.Civil) com o ónus de impugnação inerente, como, aliás, defende Paulo Ramos de Faria in “Regime Processual Civil Experimental Comentado”, Coimbra, Almedina, 2010, pg. 121; e, bem assim, in “Primeiras Notas ao Novo Código de Processo Civil”, Almedina, vol. I., p. 462/463. No caso dos autos, vista a contestação, constata-se que a Ré se defende por exceção, também, quando alega a interrupção do prazo de usucapião; alegação de facto tendente a extinguir o efeito jurídico pretendido pelo Autor; ou seja, a invocação de matéria de facto integrante de exceção perentória - cfr. art.º 571º, nº 2, do Código de Processo Civil. Vistos os autos, sabe-se que o Autor de modo espontâneo veio pronunciar-se quanto a certos aspetos da contestação. Contudo, não se pronunciou quanto a esta matéria de exceção. Nestes termos, com vista a não inviabilizar o contraditório quanto a essa matéria de exceção; com base no sobredito entendimento acima exposto e ao abrigo do aludido princípio da adequação formal (art.º 547º, do C.P.Civil) convida-se o Autor a responder, querendo, em dez dias, à sobredita matéria de exceção invocada na contestação. Notifique.”. O autor, pelo requerimento apresentado nos autos em 14-11-2022, veio pronunciar-se sobre a exceção da interrupção do prazo de usucapião, em consonância com o determinado no despacho de 29-10-2022. Assim, tal como o objeto da presente lide se apresentava ao julgador, aquando da prolação do despacho saneador, as questões a decidir atinavam com a existência da invocada exceção de caso julgado (quer na perspetiva da existência da exceção de caso julgado, proprio sensu, quer na da existência de obstáculo, fundado na autoridade do caso julgado, à procedência da pretensão esgrimida pelo autor e, bem assim, neste âmbito, relevando saber se, com a notificação ao autor da pretensão reconvencional no processo n.º 21533/10.5T2SNT, ocorreu, ou não, interrupção do prazo para aquisição da propriedade por usucapião). E, foi, precisamente, no âmbito do conhecimento destas questões que o Tribunal recorrido se moveu, ou seja, ainda dentro do objeto a que o Tribunal se encontrava vinculado a conhecer e a apreciar. Fê-lo, apreciando, logicamente, as posições das partes (conforme resulta, aliás, da ponderação que ao longo da decisão recorrida é feita sobre a alegação efetuada por aquelas), expressas nos articulados e nas pronúncias subsequentes, o que não deixou de ter em conta na decisão recorrida, como resulta, elucidativo, dos segmentos que se transcrevem: “Da exceção de caso julgado/autoridade do caso julgado Invoca, a Ré, na sua contestação, a exceção do caso julgado. Alega, para tanto, em suma, que o objeto da presente ação já foi decidido por sentença transitada em julgado, proferida noutro processo deste Juízo Central Cível; tendo sido julgada improcedente; e que, nessa mesma ação, também, a aqui e aí Ré, deduziu pedido reconvencional em que (tal como o Autor) formulou pedido de reconhecimento do seu direito de propriedade sobre o mesmo imóvel, o que foi julgado procedente pela mesma sentença; mais tendo, o ora e aí Autor/Reconvindo sido condenado a reconhecer esse direito de propriedade e a demolir a construção que erigira no dito prédio. E mais vem a alegar, sobre a matéria, já em sede de impugnação da ação, que ocorreu facto interruptivo da posse do imóvel invocada pelo Autor, por via da sentença proferida naquele outro processo. O Autor pronunciou-se opondo-se à procedência da exceção (…). Ora, julgamos poder admitir que, nesta nossa ação, o Autor não apresenta exatamente a mesma causa de pedir, ou seja, não alega exatamente, a mesma factualidade que alicerça a sua pretensão; pois que, nesta ação, o Autor invoca uma posse sobre o dito imóvel que decorrerá até janeiro de 2022, data da interposição da ação; sendo que a posse que invocara naquela outra ação judicial, decorria até à data de interposição dessa mesma ação, o ano de 2010. E, nessa perspetiva, para efeitos de verificação da exceção do caso julgado, admite-se que não estejamos perante a mesma exata causa de pedir, a impedir o preenchimento daquela tríplice condição: partes/pedido/causa de pedir. Outro tanto, já não cremos poder afirmar relativamente à chamada autoridade do caso julgado. Na verdade, cremos ser inultrapassável, nestes autos, o facto de que, em ação judicial que correu termos entre as mesmas partes, o pedido de reconhecimento da propriedade sobre o imóvel em causa, aí deduzido pela ora Ré, em sede de reconvenção, contra o ali Autor/Reconvindo e aqui Autor, foi julgado procedente; tendo, o nosso Autor, sido condenado, com trânsito em julgado, a reconhecer a ora Ré como proprietária do prédio; prédio que o Autor agora volta a reivindicar, nestes autos, como seu; por ter sido adquirido por usucapião; depois de ter sido, ainda, condenado, naqueles autos, a restituir a parcela de terreno que ocupava e a demolir a construção que aí erigira. Ora, a verdade é que, à semelhança do que é defendido pela ora Ré, também, nós entendemos que, para contagem do prazo necessário para aquisição da propriedade por usucapião, o ora Autor não pode fazer de conta que nada de relevante ocorreu nessa ação judicial, a não ser o facto de esse prazo ainda não ter, então, decorrido, mostrando-se, agora, cumprido na sua totalidade, como pretende. Efetivamente, importa anotar que, nessa ação, cuja sentença transitou em julgado em 2013, a também, aqui, Ré foi declarada como proprietária desse imóvel, o que releva para efeitos de interrupção do prazo necessário, de posse, para aquisição da propriedade, pelo Autor, por usucapião. Diga-se, não nos faria, sequer, sentido, que o ora Autor visse, naquela outra ação, a sua pretensão julgada improcedente; e que a aqui Ré fosse (como foi) declarada, por sentença, como proprietária do imóvel em causa; e o ora Autor (como foi) condenado a restituir-lhe a parcela de terreno que ocupava e a demolir a construção que aí erigira. E que, perante esse facto com relevo jurídico, o prazo para aquisição da propriedade desse mesmo imóvel, por usucapião, pelo ali e aqui Autor, continuasse, sem mais, a decorrer, com vista à aquisição da propriedade, baseada no mesmo ato de posse iniciada anos antes da interposição dessa ação judicial. O aqui Autor é condenado em ação judicial, a reconhecer que a propriedade do prédio que reclama para si é do réu; e é condenado a restitui-lhe essa propriedade e a demolir a construção que aí erigiu. E o que faz o Autor? Decide não cumprir a sentença judicial transitada, espera uns anos e volta a colocar a mesma questão da sua propriedade sobre o imóvel, em desrespeito da sentença judicial que reconhecera expressamente a propriedade da ora Ré e condenara o aqui Autor em conformidade (…). (…) com a notificação, ao ora Autor, na ação judicial nº 21533/10.5 T2SNT para contestar o pedido reconvencional aí deduzido contra si (sabendo-se que apresentou a respetiva réplica, conforme se mostra certificado nestes nossos autos), em face do que se mostra prevenido pelos art.ºs 323º, nº 1, 326º, nº 1 e 327º, nº 1, todos, por remissão expressa do art.º1292º, todos, estes preceitos, do Código Civil, se interrompeu o prazo que estaria a correr para efeitos aquisitivos da propriedade do imóvel em apreço, por usucapião; prazo, esse, que apenas recomeçou a correr, após o trânsito em julgado da sentença aí proferida, sentença, essa confirmada pelo Acórdão da Relação de Lisboa, de 7 de maio de 2013. Sendo manifesto que, após essa data e até ao momento da interposição da presente ação, não decorreu seguramente prazo útil com vista à aquisição da propriedade por usucapião; no caso, de 20 anos, como alega o próprio Autor na sua petição inicial. Assim, a presente ação não pode deixar de improceder; dado que, nos termos sobreditos, ainda que se provassem todos os factos alegados pelo Autor, sempre teria de improceder o pedido formulado; por força da verificação da exposta autoridade do caso julgado proveniente da sentença transitada em julgado proferida na citada ação judicial nº 21533/10.5T2SNT (…).”. Em face do exposto, conclui-se inexistir, na decisão recorrida, nulidade decorrente de excesso na pronúncia levada a efeito pelo Tribunal, que não apreciou questão que não devesse ter sido objeto de apreciação. Como se assinalou, a nulidade a que alude o artigo 615.º, n.º 1, al. d) do CPC, não ocorre por referência à consideração ou não dos argumentos apresentados pelas partes, mas sim, ao concreto rol de questões que, perante as posições das partes, incumba ao Tribunal decidir. Se tal vinculação não se mostra observada, conhecendo o Tribunal de questões de que não podia – porque não foram submetidas à sua apreciação – conhecer, existirá nulidade da sentença excesso de pronúncia. Noutra perspetiva e ao invés do invocado pelo recorrente, mostra-se intocado o princípio do contraditório. No vigente CPC, reconheceu-se como pilar fundamental do processo civil português, o princípio do contraditório, precipitado no artigo 3.º do CPC, preceito de onde consta o seguinte: “1 - O tribunal não pode resolver o conflito de interesses que a ação pressupõe sem que a resolução lhe seja pedida por uma das partes e a outra seja devidamente chamada para deduzir oposição. 2 - Só nos casos excecionais previstos na lei se podem tomar providências contra determinada pessoa sem que esta seja previamente ouvida. 3 - O juiz deve observar e fazer cumprir, ao longo de todo o processo, o princípio do contraditório, não lhe sendo lícito, salvo caso de manifesta desnecessidade, decidir questões de direito ou de facto, mesmo que de conhecimento oficioso, sem que as partes tenham tido a possibilidade de sobre elas se pronunciarem. 4 - Às exceções deduzidas no último articulado admissível pode a parte contrária responder na audiência prévia ou, não havendo lugar a ela, no início da audiência final.”. “O escopo principal do princípio do contraditório deixou de ser a defesa, no sentido negativo de oposição ou resistência à actuação alheia, para passar a ser a influência, no sentido positivo de direito de influir activamente no desenvolvimento e no êxito do processo” (assim, Lebre de Freitas; Código de Processo Civil Anotado, vol 1º, 1999, p. 8). Impondo a necessidade de que a discussão do litígio se faça com contradição entre as partes, o artigo 3.º, n.º 3, do CPC estatui, em termos imperativos, que o juiz se encontra adstrito a observar e a fazer cumprir, ao longo de todo o processo o princípio do contraditório, concretizando a lei que não poderá – salvo caso de manifesta desnecessidade – decidir questões de direito ou de facto (ainda que de conhecimento oficioso), sem que as partes tenham tido a possibilidade de sobre elas se pronunciarem, aqui se evidenciando o subprincípio da audiência prévia aplicado ao processo civil. “O princípio do contraditório é estruturante do direito processual civil, encontrando-se consagrado no artigo 3º do Código de Processo Civil como forma de evitar a denominada “decisão - surpresa”, constituindo corolário do direito fundamental de acesso aos tribunais e da tutela jurisdicional efetiva consagrado no artigo 20º da Constituição da República Portuguesa” (assim, o Acórdão do Tribunal da Relação do Porto de 11-04-2019, Pº 699/13.8GCOVR-B.P1, rel. JORGE LANGWEG). E conforme se assinalou no Acórdão do Tribunal da Relação de Guimarães de 19-04-2018 (Pº 533/04.0TMBRG-K.G1, rel. EUGÉNIA CUNHA), “existe, presentemente, uma conceção ampla do princípio do contraditório, a qual teve origem em garantia constitucional da República Federal Alemã, tendo a doutrina e jurisprudência começando a ligar ao princípio do contraditório ideias de participação efetiva das partes no desenvolvimento do litígio e de influência na decisão, passando o processo visto como um sistema, dinâmico, de comunicações entre as partes e o Tribunal. Cabe ao juiz respeitar e fazer observar o princípio do contraditório ao longo de todo o processo, não lhe sendo lícito conhecer de questões sem dar a oportunidade às partes de, previamente, sobre elas se pronunciarem. Com o aditamento do nº 3, do art.º 3º, do CPC, e a proibição de decisões-surpresa, pretendeu-se uma maior eficácia do sistema, colocando, com maior ênfase e utilidade prática, a contraditoriedade ao serviço da boa administração da justiça, reforçando-se, assim, a colaboração e o contributo das partes com vista à melhor satisfação dos seus próprios interesses e à justa composição dos litígios. Contudo, o dever de audição prévia só existe quando estiverem em causa factos ou questões de direito suscetíveis de virem a integrar a base de decisão. A inobservância do contraditório constitui uma omissão grave, representando uma nulidade processual sempre que tal omissão seja suscetível de influir no exame ou na decisão da causa, sendo nula a decisão (surpresa) quando à parte não foi dada possibilidade de se pronunciar sobre os factos e respetivo enquadramento jurídico”. De facto, “o princípio do contraditório, ínsito no direito fundamental de acesso aos tribunais, proíbe a prolação de decisões surpresa, mesmo que de conhecimento oficioso, e garante a participação efectiva das partes no desenvolvimento de todo o litígio, em termos de, em plena igualdade, poderem influenciar todos os elementos que se encontrem em ligação, directa ou indirecta, com o objecto da causa e que, em qualquer fase do processo, apareçam como potencialmente relevantes para a decisão” (cfr. Acórdão do Tribunal da Relação do Porto de 30-05-2017, Pº 28354/16.0YIPRT.P1, rel. FERNANDO SAMÕES). Porém, não obstante o contraditório constituir um princípio fundamental do processo civil – integrado, desde logo, no Título I (denominado “Das disposições dos princípios fundamentais”) do Livro I do CPC, “importa notar que este princípio, tal como todos os outros, não é de perspetivação e aplicação inelutável e absoluta. Podendo congeminar-se casos em que ele pode ser mitigado ou mesmo postergado, vg. em situações de atendível urgência ou, no próprio dizer da lei, de manifesta desnecessidade. O cumprimento do princípio do contraditório não se reporta, pelo menos essencial ou determinantemente, às normas que o juiz entende aplicar, nem à interpretação que delas venha a fazer, mas antes aos factos invocados e às posições assumidas pelas partes” (assim, o Acórdão do Tribunal da Relação de Coimbra de 13-11-2012, Pº 572/11.4TBCND.C1, rel. JOSÉ AVELINO GONÇALVES). Evidenciando a estreita correlação entre o princípio do contraditório e a necessidade de celeridade do processo, determinante do “direito de obter, em prazo razoável, uma decisão judicial que aprecie, com força de caso julgado, a pretensão regularmente deduzida em juízo” (cfr. artigo 2.º, n.º 1, do CPC), expressão do direito ao processo equitativo (cfr. artigo 20.º, n.º 4, da CRP), sublinham Abrantes Geraldes, Paulo Pimenta e Luís Filipe Pires de Sousa (Código de Processo Civil Anotado, Vol. I, 3.ª ed., Almedina, 2022, p. 22) que: “Tal como o princípio do contraditório não deve obscurecer o objetivo da celeridade processual, também esta não pode conduzir a uma dispensa do contraditório sob o pretexto da sua desnecessidade. Tal dispensa é prevista a título excecional, de modo que apenas se justificará quando a questão já tenha sido suficientemente discutida ou quando a falta de audição das partes não prejudique de modo algum o resultado final”. Conforme dá nota Miguel Teixeira de Sousa (Estudos sobre o Novo Processo Civil; Lex, Lisboa, 1996, p. 46), “o direito ao contraditório (…) possui um conteúdo multifacetado: ele atribui à parte não só o direito ao conhecimento de que contra ela foi proposta uma acção e, portanto, um direito à audição prévia antes de contra ela ser tomada qualquer decisão ou providência, mas também um direito a conhecer todas as condutas assumidas pela contraparte e a poder tomar posição sobre elas, ou seja, um direito de resposta (…). O contraditório não pode ser exercido e o direito de resposta não pode ser efectivado se a parte não tiver conhecimento da conduta processual da contraparte no processo. Quanto a esse aspecto vale a regra de que cumpre à secretaria notificar oficiosamente as partes quando, por virtude de disposição legal, possam responder a requerimentos, oferecer provas ou, de um modo geral, exercer algum direito processual que não dependa de prazo a fixar pelo juiz, nem de prévia citação”. Ora, no caso, não se afere, manifestamente, da tramitação operada nos autos - onde foi dada a possibilidade de o autor se pronunciar sobre o âmbito das questões que foram suscitadas no processo, faculdade que, aliás, o recorrente exercitou - qualquer preterição do contraditório exigível, sob qualquer uma das facetas sob as quais este princípio fundamental do processo civil deve ser encarado, não advindo, de tal circunstância – ou do conhecimento levado a efeito pelo Tribunal a tal respeito – alguma pronúncia indevida. Questão diversa da nulidade por excesso de pronúncia é, como se viu, a da conformidade da pretensão do recorrente com o juízo levado a efeito pelo Tribunal recorrido. Contudo, isso não comporta qualquer excesso de pronúncia, mas determinará, quando muito, erro de julgamento. Conforme se referiu no Acórdão do Supremo Tribunal de Justiça de 09-03-2021 (Pº 850/14.0YRLSB.S3, rel. JOSÉ RAINHO), traduzindo consolidada orientação jurisprudencial, “Não há que confundir entre nulidades de decisão e erros de julgamento”. Nesta medida, atento o exposto, não ocorre o invocado excesso de pronúncia na sentença recorrida, não se mostrando verificada a causa de nulidade a que alude o artigo 615.º, n.º 1, al. d) do CPC. * C) Se a sentença recorrida é nula, nos termos do disposto no artigo 615.º, n.º 1, alínea c), do CPC, por oposição entre os fundamentos e a decisão ou por ambiguidade? Suscita ainda o recorrente a ocorrência, na decisão recorrida, da nulidade a que se reporta o artigo 615.º, n.º 1, al. c) do CPC, o que faz com os seguintes fundamentos: “A (…) sentença é ainda nula por contradição entre os fundamentos e a decisão, ou, pelo menos, padece de ambiguidade, na medida em que começa por dar a entender - na sequência do despacho Ref.ª 141785921, de 14 de Janeiro de 2023 - que irá conhecer da excepção peremptória da autoridade do caso julgado, mas acaba por considerar que o que se verificou foi a interrupção do prazo necessário para a aquisição da propriedade por usucapião. Deste modo, não é sequer inteligível se o Tribunal recorrido decidiu como decidiu, por considerar procedente a excepção da autoridade do caso julgado ou por considerar interrompido o prazo para a aquisição da propriedade por usucapião. Ao decidir como decidiu sem ser clara quanto aos fundamentos em que se baseia, a douta sentença recorrida padece de oposição entre os fundamentos e a decisão, ou de, pelo menos, ambiguidade, incorrendo em nulidade de sentença, nos termos da alínea c) do n.º 1 do artigo 615.º do CPC, por violação do n.º 3 do artigo 3.º do mesmo Código”. Apreciando: Nos termos da alínea c) do n.º 1 do artigo 615.º do Código de Processo Civil, relativo às causas de nulidade da sentença, a mesma será nula se os fundamentos estejam em oposição com a decisão ou ocorra alguma ambiguidade ou obscuridade que torne a decisão ininteligível. “A nulidade da sentença a que se refere a 1.ª parte da alínea c), do n.º 1, do art.º 615.º do C. P. Civil, remete-nos para o princípio da coerência lógica da sentença, pois que entre os fundamentos e a decisão não pode haver contradição lógica. Não está em causa o erro de julgamento, quer quanto aos factos, quer quanto ao direito aplicável, mas antes a estrutura lógica da sentença, ou seja, quando a decisão proferida seguiu um caminho diverso daquele que apontava os fundamentos. A ambiguidade da sentença exprime a existência de uma plurissignificação ou de uma polissemia de sentidos (dois ou mais) de algum trecho, e a obscuridade traduz os casos de ininteligibilidade. A estes vícios se refere a 2.ª parte [da alínea c)] do n.º 1, do art.º 615.º do C. P. Civil” (assim, o Acórdão do Tribunal da Relação de Évora de 03-11-2016, Pº 1774/13.4TBLLE.E1, rel. TOMÉ RAMIÃO). Ou seja: Entre os fundamentos e a decisão não pode haver contradição lógica pelo que se, na fundamentação da sentença, o julgador segue determinada linha de raciocínio apontando para determinada conclusão e, em vez de a tirar, decide em sentido divergente, ocorre tal oposição (assim, o Acórdão do Tribunal da Relação de Coimbra de 11-01-94, rel. CARDOSO ALBUQUERQUE, in BMJ nº 433, p. 633, o Acórdão do STJ de 13-02-97, rel. NASCIMENTO COSTA, in BMJ nº 464, p. 524 e o Acórdão do STJ de 22-06-99, rel. FERREIRA RAMOS, in CJ 1999, t. II, p. 160). Trata-se de um erro lógico-discursivo na medida em que, ocorrendo tal vício, a decisão segue uma determinada fundamentação e linha de raciocínio, mas vem, a final, a decidir em conflito com tal fundamentação. Esta nulidade verificar-se-á, assim, quando a fundamentação aponta num certo sentido que é contraditório com o que vem a decidir-se, constituindo um vício de natureza processual. Relativamente ao segmento atinente à ocorrência de alguma ambiguidade ou obscuridade que torne a decisão ininteligível, tem entendido a doutrina que “a sentença é obscura quando contém um passo cujo sentido é ininteligível; é ambígua quando alguma passagem se preste a interpretações diferentes. Num caso não se sabe o que o juiz quis dizer; no outro hesita-se entre dois sentidos diferentes e porventura opostos” (cfr. Pais do Amaral, Direito Processual Civil, 11ª ed., 2013, Almedina, p. 400). “Diz-se que a sentença padece de obscuridade quando algum dos seus passos enferma de ambiguidade, equivocidade ou de falta de inteligibilidade: de ambiguidade quando algumas das suas passagens se presta a diferentes interpretações ou pode comportar mais do que um sentido, quer na fundamentação, quer na decisão; de equivocidade quando o seu sentido decisório se perfile como duvidoso para um qualquer destinatário normal. Mas só ocorre esta causa de nulidade constante do 2º segmento da al. c) do nº. 1 do art.º 615º, se tais vícios tornarem a “decisão ininteligível” ou incompreensível” (assim, Francisco Ferreira de Almeida; Direito Processual Civil, Vol. II, 2015, Almedina, p. 371). Ora, na decisão recorrida, enuncia, claramente, o julgador que – para além das demais questões aí apreciadas (cumprimento do contraditório e possibilidade de conhecimento imediato do mérito da causa e fixação do valor da causa) vai conhecer da exceção do caso julgado/autoridade do caso julgado, para o que elenca, o correspondente título assim epigrafado: “Da exceção de caso julgado/autoridade do caso julgado”. E, no âmbito desse conhecimento, o julgador passa em revista os termos em que se distinguem as duas facetas da questão referente ao caso julgado: A exceção de caso julgado; a exceção de autoridade do caso julgado. É ainda nesse âmbito que o Tribunal recorrido se pronuncia sobre os efeitos decorrentes do trânsito em julgado da decisão proferida no processo n.º …/…, designadamente, para a substantiva e invocada pretensão do autor, ora recorrente de aquisição do direito de propriedade sobre a parcela do prédio identificado nos autos, por usucapião e, bem assim, ainda neste mesmo âmbito, de saber se daí, ou seja, do trânsito em julgado da mencionada decisão, decorreu a interrupção do prazo necessário para que a aquisição do direito de propriedade, pelo autor, com tal fundamento, se operasse, vindo o Tribunal recorrido a considerar em sentido afirmativo que tal interrupção de contagem do prazo teve lugar e concluindo que, após a data do trânsito em julgado do decidido no mencionado processo n.º …/…, “e até ao momento da interposição da presente ação, não decorreu seguramente prazo útil com vista à aquisição da propriedade por usucapião; no caso, de 20 anos, como alega o próprio Autor na sua petição inicial”. Em face dessas considerações, concluiu o Tribunal recorrido que: “Assim, a presente ação não pode deixar de improceder; dado que, nos termos sobreditos, ainda que se provassem todos os factos alegados pelo Autor, sempre teria de improceder o pedido formulado; por força da verificação da exposta autoridade do caso julgado proveniente da sentença transitada em julgado proferida na citada ação judicial nº …/….” O dispositivo da decisão recorrida veio, em conformidade e para além do mais, a decidir por julgar improcedente a ação, absolvendo a ré do pedido. Como resulta do exposto, existe perfeita congruência – e, nessa medida, inteira inteligibilidade – entre a fundamentação exarada e o decisório alcançado pelo Tribunal, sendo este plenamente compatível com aquela. Para além de inteligível, existe como se viu, compatibilidade entre o decidido – a aludida improcedência da pretensão do autor - e os fundamentos em que se balizou – assentes na procedência da exceção de autoridade do caso julgado. Ora, como decorre do exposto, só existirá contradição ou oposição entre os fundamentos de facto e de direito e a decisão judicial, relevante nos termos e para os efeitos do disposto no artigo 615.º, n.º 1, al. c) do CPC, quando aqueles conduzirem, de acordo com um raciocínio lógico, a um resultado oposto ao que foi decidido, ou seja, quando os fundamentos justificam uma decisão oposta à tomada, o que, no caso não sucede, pois, como se viu, as premissas de facto e de direito em que assentou o decidido, estão conformes com a decisão que veio a ser proferida, sem ocorrência de alguma ambiguidade, sendo que, inviolado se mostra, também aqui, o preceituado no artigo 3.º, n.º 3, do CPC, considerado que seja sob qualquer perspetiva, atenta a pronúncia que o autor efetuou, nos autos, sob as diversas questões que o conhecimento decisório implicou. Assim, conclui-se não se vislumbrar qualquer ambiguidade ou contradição entre a decisão e os fundamentos, pelo que, não padece a decisão recorrida da invocada nulidade. * II) Mérito do recurso: * D) Se a decisão recorrida violou o disposto nos artigos 5.º, n.º 1, do CPC e 323.º, n.º 1, do CC? Invoca o recorrente que a interrupção do prazo para aquisição do direito de propriedade pelo autor, nem sequer foi devidamente alegada pela ré, violando a decisão recorrida o disposto nos artigos 5.º, n.º 1, do CPC e 323.º, n.º 1, do CPC, dizendo: “(…) 2. Nos artigos 51.º e seguintes da Contestação, a Ré, sem individualizar expressamente como matéria de excepção, alega, em resumo, que: - Não corresponde à verdade a alegação do Autor de que nunca ocorreu facto interruptivo da posse; - Ao prazo de usucapião aplicam-se, por remissão do artigo 1292.º do Código Civil, as regras da suspensão e da interrupção da prescrição; - O trânsito em julgado da acção que visava a afirmação de um direito de propriedade constituído por usucapião interrompe o prazo de usucapião (n.ºs 1 e 4 do artigo 323.º do Código Civil); - Por isso, ficaria inutilizado todo o prazo de usucapião decorrido e teria de iniciar-se novo prazo de usucapião após o trânsito em julgado da decisão proferida no Proc. n.º 21533/10.5T2SNT, que apenas terá ocorrido em 17/06/2013, por força do n.º 1 do artigo 326.º e do n.º 1 do artigo 327.º do Código Civil; - Por esse motivo, entende a Ré que, à data da propositura da presente acção ainda não teriam decorrido os 20 anos legalmente exigidos para a aquisição por usucapião. 3. Salvo o devido respeito, não assiste qualquer razão à Ré/Recorrida, por duas ordens de razões: a) Da não alegação dos factos essenciais em que se baseia a excepção invocada 4. Nos termos do n.º 1 do artigo 5.º do Código de Processo Civil, “Às partes cabe alegar os factos essenciais que constituem a causa de pedir e aqueles em que se baseiam as excepções invocadas”. No caso vertente, a Ré/Recorrida não alegou os factos essenciais em que se baseia a excepção invocada. 5. Esses factos essenciais seriam, no caso vertente, aqueles que demonstrassem ter a Ré/Recorrida praticado qualquer facto que a lei considere interruptivo do prazo de usucapião. 6. Nos termos do n.º 1 do artigo 323.º do Código Civil, “A prescrição interrompe-se pela citação ou notificação judicial de qualquer acto que exprima, directa ou indirectamente, a intenção de exercer o direito, seja qual for o processo a que o acto pertence e ainda que o tribunal seja incompetente”. 7. Admitindo – sem conceder (lá iremos) – que o n.º 1 do artigo 323.º do Código Civil fosse aplicável, sem mais, ao caso vertente, a Ré/Recorrida teria de ter alegado o facto de o aqui Autor/Recorrente ter sido notificado para um acto que exprimisse, directa ou indirectamente, a sua (da Ré/Recorrida) intenção de exercer o direito. Todavia, a Ré não alegou esse possível facto interruptivo. 8. A limitou-se a aludir na sua douta Contestação ao “trânsito em julgado da acção que visava a afirmação da existência de um direito de propriedade constituído por usucapião” (cfr. artigo 53.º da Contestação). Por este motivo, não se encontram minimamente alegados pela Ré/Recorrida os factos essenciais em que poderia basear-se a pretensa excepção. 9. Por este motivo, atenta a não alegação dos factos essenciais a ela conducentes, a pretensa excepção invocada pela Ré/Recorrida deveria ter sido julgada improcedente. Esta é a consequência processual do não cumprimento pela Ré/Recorrida do ónus de alegação (e prova) que lhe compete. 10. O Tribunal recorrido, fez tábua rasa destas regras processuais básicas, com evidente prejuízo para o Direito e para o Recorrente”. Vejamos: No regime processual civil vigente, os factos principais essenciais têm se ser alegados na petição inicial (cfr. artigo 552.º do CPC). Por seu turno, o réu deve tomar posição sobre os factos que constituem a causa de pedir invocada pelo autor (n.º 1 do art.º 574.º do CPC). “Os factos essenciais são os que apresentam, perante o quadro jurídico em que se fundamenta a acção ou a defesa, natureza constitutiva, impeditiva, modificativa ou extintiva do direito” (assim, o Acórdão do Supremo Tribunal de Justiça de 30-04-2019, Pº 3755/15.4T8LRA.C2.S1, rel. HENRIQUE ARAÚJO). Alterações posteriores apenas serão admitidas nos estritos condicionalismos que o Código estabelece. Os factos não principais dividem-se, na terminologia do Código, em factos instrumentais (“os que interessam indirectamente à solução do pleito, por servirem para demonstrar a verdade ou falsidade dos factos pertinentes; não pertencem à norma fundamentadora do direito e são-lhe, em si, indiferentes, servindo apenas para, da sua existência, se concluir pela existência dos próprios factos fundamentadores do direito ou da excepção” – assim, o Acórdão do Supremo Tribunal de Justiça de 23-09-2003, Pº 03B1987, rel. SANTOS BERNARDINO), complementares (cobrindo “as situações em que a pretensão do autor assenta em causa de pedir complexa, relativamente à qual se tenham alegado determinados factos, omitindo-se outros cuja prova se mostre necessária para a procedência da acção”- assim, Abrantes Geraldes; Temas da Reforma do Processo Civil, I Volume, 2.ª edição, p. 65) e concretizadores (“os factos que melhor traduzam certas afirmações de cariz conclusivo, desde que tenham algum conteúdo fáctico, e também aqueles que sirvam para clarificar determinadas imprecisas ou dubitativas”, assim, Abrantes Geraldes; Temas da Reforma do Processo Civil, I Volume, 2.ª edição, p. 65). Nos termos do art.º 5.º, n.º 2, alíneas a) e b), do CPC, os factos instrumentais e os factos complementares e concretizadores podem ser adquiridos para o processo (quer através de alegação das partes, quer através de iniciativa oficiosa do juiz) até ao encerramento da discussão, na medida em que é este o momento que encerra a instrução do processo. Assim, como sintetiza Mariana França Gouveia (“O princípio dispositivo e a alegação de factos em processo civil: A incessante procura da flexibilidade processual”, in R.O.A., ano 73.º, vol. II/III, p. 611): “Em resumo, temos o seguinte quadro: factos principais alegados nos articulados, fixação neste momento do objeto do processo (dada a regra da inadmissibilidade posterior de alteração), factos instrumentais, complementares ou concretizadores alegados ou adquiridos para o processo até ao encerramento da discussão. Mantém-se, portanto, o efeito preclusivo quanto aos factos principais — a sua não alegação inicial impede a alegação posterior; mantém-se a não preclusão em relação aos outros factos, reforçando-se esta não preclusão relativamente aos factos instrumentais já que o efeito probatório da não impugnação é meramente provisório, podendo ser afastada por contraprova. Assim, os factos principais têm de ser alegados na fase inicial, nos articulados, enquanto os factos instrumentais podem ser alegados ou adquiridos oficiosamente até ao fim do julgamento. Também os factos complementares e concretizadores podem ser adquiridos até ao fim do julgamento.”. Conforme decorre do n.º 1 do artigo 5.º do CPC, às partes cabe alegar os factos essenciais que constituem a causa de pedir e aqueles em que se baseiam as exceções invocadas. Tal alegação resultará efetuada nos articulados apresentados pelas partes (conforme resulta do n.º 1 do artigo 147.º do CPC, “os articulados são as peças em que as partes expõem os fundamentos da ação e da defesa e formulam os correspondentes pedidos”) ou, se for o caso, em sede de articulado superveniente para tal efeito (cfr. artigo 588.º do CPC). Conforme salientam Abrantes Geraldes, Paulo Pimenta e Luís Filipe Pires de Sousa (Código de Processo Civil Anotado, Vol. I, 3.ª ed., Almedina, 2022, p. 31), “[o]s factos essenciais que constituem a causa de pedir e aqueles em que se baseiam as exceções (isto é, todos os factos de que depende o reconhecimento das pretensões deduzidas) devem ser vertidos nos articulados das partes, a isso respeitando o ónus de alegação imposto pelo n.º 1”. De facto, conforme bem se assinalou no Acórdão do Tribunal da Relação de Guimarães de 14-03-2019 (Pº 415/11.9TBAVV.G1, rel. ANA CRISTINA DUARTE) “em processo civil mantém-se o princípio dispositivo no que toca à alegação dos factos que constituem a causa de pedir. Cabe às partes alegar os factos essenciais que constituem a causa de pedir. Os factos complementares a que se refere o artigo 5.º, n.º 2 b) do CPC, são factos essenciais à procedência das pretensões formuladas ou das exceções deduzidas que sejam complemento ou concretização de outros oportunamente alegados pelas partes. A mera junção de documentos não supre a falta de alegação, pois os documentos são meios de prova que devem acompanhar o articulado onde é feita a alegação dos factos”. No caso, tendo o autor, na petição inicial, invocado os factos em que assentou a sua pretensão de aquisição da parcela do prédio por usucapião (cfr. artigos 1.º a 66.º), alegou, entre o mais, que “[n]unca ocorreu nenhum facto interruptivo da posse (n.º 1 do artigo 1257.º e artigo 1267.º do Código Civil”. A ré, em sede da impugnação deduzida na contestação veio, para além do mais, alegar o seguinte: “(…) 51.º Acresce que, não corresponde à verdade o alegado no art.º 53.º da P.I. quando refere que nunca ocorreu nenhum facto interruptivo da posse. Porquanto, 52.º Ao decurso de um prazo de usucapião aplicam-se, por expressa remissão do artigo 1292º do Código Civil (CC), as regras respeitantes à suspensão e interrupção da prescrição. 53.º Assim, o trânsito em julgado da ação que visava a afirmação da existência de um direito de propriedade constituído por usucapião, interrompe o prazo de usucapião nos termos do artigo 323º, nºs 1 e 4 do CC. 54.º Essa interrupção, por força do disposto no artigo 326º, nº 1 do CC, inutiliza todo o prazo de usucapião decorrido, originando a contagem de um novo prazo, após o trânsito em julgado da decisão que, nessa ação, considerou não constituído o direito de propriedade, por não ter decorrido o prazo de usucapião considerado aplicável. 55.º É o que resulta do disposto no nº 1 do artigo 327º do CC. 56.º Ora, o trânsito em julgado da sentença proferida no âmbito do Proc. 21533/10.5T2SNT, apenas ocorreu em 17.06.2013. 57.º Ora, na data da propositura da presente ação, o prazo de 20 anos legalmente exigido para aquisição por usucapião, não se encontra verificado. 58.º Porquanto, não se poderá considerar que o A. tenha adquirido a propriedade por usucapião.” Conforme decorre deste segmento da contestação, verifica-se que, efetivamente, a ré, em tal articulado, veio invocar que o direito substantivo pretendido exercer pelo autor – a aquisição do direito de propriedade por usucapião (com o decurso/completamento do respetivo prazo necessário para o efeito) - não ocorreu, designadamente, porque, com a definição do direito que teve lugar no âmbito do processo n.º …/…, ficou interrompido o decurso do prazo de prescrição aquisitiva por usucapião e se contabilizaria novo prazo prescricional, não aproveitando ao autor, o prazo por este invocado. Trata-se, sem dúvida, da invocação de matéria de exceção, pois, com tal alegação, visa a ré extinguir, impedir ou modificar o direito invocado pelo autor, quanto ao decurso do prazo necessário para aquisição por usucapião sobre bem imóvel. E a existência de uma tal alegação na contestação levou o Tribunal recorrido a, no despacho proferido em 29-10-2022, referir que: “No caso dos autos, vista a contestação, constata-se que a Ré se defende por exceção, também, quando alega a interrupção do prazo de usucapião; alegação de facto tendente a extinguir o efeito jurídico pretendido pelo Autor; ou seja, a invocação de matéria de facto integrante de exceção perentória - cfr. art.º 571º, nº 2, do Código de Processo Civil”. Assim, formulado tal entendimento e dada a oportunidade ao autor de se pronunciar sobre uma tal exceção, não se afigura que tenha sido violado o dispositivo do n.º 1 do artigo 5.º do CPC, pela decisão recorrida, pois, na realidade, esta pronunciou-se, ainda e apenas, sobre os factos essenciais que constituam a causa de pedir e sobre os que integraram as exceções deduzidas. Contudo, invoca o recorrente que, admitindo que o n.º 1 do artigo 323.º do CC fosse aplicável, “a Ré teria de ter alegado o facto de o Autor ter sido notificado para um acto que exprimisse, directa ou indirectamente, a sua (da Ré/Recorrida) intenção de exercer o direito. Todavia, a Ré não alegou esse possível facto interruptivo”. Vejamos: Os n.ºs. 1 e 4 do artigo 323.º do CC – com a epígrafe “Interrupção promovida pelo titular” – prescrevem que: “1. A prescrição interrompe-se pela citação ou notificação judicial de qualquer acto que exprima, directa ou indirectamente, a intenção de exercer o direito, seja qual for o processo a que o acto pertence e ainda que o tribunal seja incompetente. (…) 4. É equiparado à citação ou notificação, para efeitos deste artigo, qualquer outro meio judicial pelo qual se dê conhecimento do acto àquele contra quem o direito pode ser exercido.”. Por seu turno, o n.º 1 do artigo 326.º do CC estatui que: “A interrupção inutiliza para a prescrição todo o tempo decorrido anteriormente, começando a correr novo prazo a partir do acto interruptivo, em prejuízo do disposto nos n.ºs. 1 e 3 do artigo seguinte”. E, no n.º 1 do artigo 327.º do CC prescreve-se que: “Se a interrupção resultar de citação, notificação ou acto equiparado, ou de compromisso arbitral, o novo prazo de prescrição não começa a correr enquanto não passar em julgado a decisão que puser termo ao processo.”. Ora, tendo em conta a alegação constante dos artigos 53.º a 55.º da contestação e a invocação da procedência da pretensão reconvencional da ré no processo n.º …/… – cfr. artigos 3.º e ss. da contestação – afigura-se que a ré invocou, suficientemente, os elementos essenciais em que se baseia a exceção fundada na interrupção do prazo da prescrição aquisitiva, aludindo expressamente às normas acima identificadas, constantes dos artigos 323.º, n.ºs. 1 e 4, 326.º, n.º 1 e 327.º do CC e, bem assim, a circunstância de expressamente invocar que o trânsito em julgado da ação que visava a afirmação de um direito de propriedade constituído por usucapião, interromper o prazo de usucapião, determinava a viabilidade do Tribunal recorrido apreciar, se e em que termos, ocorria a interrupção da contagem do prazo para aquisição por usucapião, pelo que se tem como perfeitamente legítimo, em face de tal alegação, o conhecimento da correspondente questão efetuada no âmbito da decisão recorrida. Assim, não se afigura ter ocorrido violação, por banda da decisão recorrida, dos preceitos legais a que se referem os artigos 5.º, n.º 1, do CPC e 323.º, n.º 1, do CC. * E) Se a exceção referente à autoridade do caso julgado deveria ter sido julgada improcedente, violando a decisão recorrida o disposto nos artigos 564.º, al. a), 581.º, n.ºs. 1 e 4, do CPC e 326.º, n.º 1, 327.º, n.º 1, 1257.º, n.º 1, 1267.º, n.º 1, 1278.º, n.ºs. 2 e 3 e 1292.º do CC? Concluiu o recorrente, nas alegações de apelação, a respeito desta questão, em síntese, que: - A autoridade do caso julgado - figura de direito meramente adjetivo – não pode deixar de acomodar as especificidades próprias do regime jurídico substantivo da posse, na qual se fundamenta a aqui invocada aquisição por usucapião, sendo que, nos termos do n.º 1 do artigo 1257.º do CC, “A posse mantém-se enquanto durar a actuação correspondente ao exercício do direito ou a possibilidade de a confirmar” e que não se verifica qualquer dos casos de perda da posse previstos no n.º 1 do artigo 1267.º do CC e para fazer cessar ou para perder a posse, o possuidor terá de ser demandado e condenado em ação em que se invoque posse incompatível ou melhor posse com a sua, o que não sucedeu no Processo n.º …/…, nem nestes autos; - A decisão proferida nos autos anteriores não prejudica a decisão a tomar nos presentes autos, porque na ação anterior não foi provada nem reconhecida uma posse da ré (com base em aquisição derivada – escritura de compra e venda e presunção de propriedade fundada no respetivo registo predial) incompatível com a posse invocada pelo autor (com base em aquisição originária – usucapião), nem tal decisão impediria que daqui a 20 ou 25 anos houvesse novo pleito em que o autor invocasse a aquisição por usucapião, não sendo a aquisição derivada suscetível de prejudicar a aquisição originária fundada na usucapião; - O pedido reconvencional para o qual foi notificado o autor no processo n.º …/…, por se fundar em mera aquisição derivada de propriedade, não constitui expressão da intenção da ré de exercer um direito prejudicial ou incompatível com a manutenção da posse do autor e com o decurso do prazo de usucapião e subsequente aquisição originária da propriedade; - Dos artigos 1292.º, 1257.º, n.º 1, 1267.º, n.º 1, do CC e 564.º, al. a) do CPC, decorre que a citação ou notificação do “acto que exprima, directa ou indirectamente, a intenção de exercer o direito”, nos termos do artigo 323.º, n.º 1, do CC, por si sós, são actos insuficientes para fazer cessar a posse ou para conduzir à sua perda, tendo, para tal, o possuidor de ser demandado em ação em que se invoque posse incompatível ou melhor posse que a sua, o que não sucedeu no processo n.º …/… e não sucede nos presentes autos; - Apenas teria ocorrido interrupção do decurso do prazo de usucapião se a ré tivesse deduzido reconvenção também assente na aquisição originária por usucapião; e - O autor invocou – artigos 4.º a 12.º e 55.º a 57.º da p.i. – a acessão na posse anteriormente iniciada por PS e, considerando esta acessão, em 2010 – ano a que remonta o processo n.º …/… – já a posse em causa contava 30 anos, pelo que, o prazo legal de 15 ou 20 anos, necessário para a aquisição originária pelo autor da propriedade sobre a parcela dos autos já se havia completado, quando foi notificado do pedido reconvencional no processo n.º …/…. Vejamos: De acordo com o disposto no artigo 1316.º do CC, o direito de propriedade pode ser adquirido por contrato, por sucessão por morte, por usucapião, por ocupação, por acessão e pelos demais modos previstos na lei. Uma das vias de aquisição da propriedade é a usucapião (ou prescrição aquisitiva). A posse do direito de propriedade ou de outros direitos reais de gozo, mantida por certo lapso de tempo, faculta ao possuidor, salvo disposição em contrário, a aquisição do direito a cujo exercício corresponde a sua atuação: é o que se chama usucapião – cfr. artigo 1287.º do CC. “Vários são os elementos da definição normativa, constituindo pressupostos da usucapião: a) a posse; b) o gozo, ou seja, o uso da coisa e fruição das suas utilidades; c) o decurso de certo prazo; d) a ausência de previsão normativa que exclua a faculdade de aquisição (são, desde logo, excluídos da usucapião as servidões prediais não aparentes e os direitos de uso e de habitação – artigo 1293.º). A norma não esgota, porém, os pressupostos, dependendo, em especial, da remissão operada pelo artigo 1292.º para as regras da prescrição e, claro, das disposições gerais sobre a posse, designadamente, das classificações possessórias” (assim, Henrique Sousa Antunes; Direitos Reais; Universidade Católica Editora, Lisboa, 2017, p. 241). A posse é o poder que se manifesta quando alguém atua por forma correspondente ao exercício do direito de propriedade ou de outro direito real (cfr. artigo 1251.º do CC), sendo que, entre os efeitos da posse está o de fazer presumir a titularidade do direito a que corresponde (cfr. artigo 1268.º, n.º 1, do CC). A posse distingue-se da mera detenção, o que releva para diversos efeitos, sendo que, nomeadamente, o possuidor pode usucapir, mas o mero detentor não (cfr. artigos 1287.º e 1290.º do CC). Nos termos do artigo 1257.º, n.º 1, do CC, a posse mantém-se enquanto durar a atuação correspondente ao exercício do direito ou a possibilidade de a continuar. A posse é perdida pelo abandono, pela perda ou destruição material da coisa ou por esta ser posta fora do comércio, pela cedência ou pela posse de outrem, mesmo contra a vontade do antigo possuidor, se a nova posse houver durado por mais de um ano (cfr. artigo 1267.º, n.º 1, do CC). A posse confere meios especiais de defesa do seu poder ao possuidor, conforme deriva dos artigos 1276.º e ss. do CC. De acordo com o disposto no artigo 1278.º do CC: “1. No caso de recorrer ao tribunal, o possuidor perturbado ou esbulhado será mantido ou restituído enquanto não for convencido na questão da titularidade do direito. 2. Se a posse não tiver mais de um ano, o possuidor só pode ser mantido ou restituído contra quem não tiver melhor posse. 3. É melhor posse a que for titulada; na falta de título, a mais antiga; e, se tiverem igual antiguidade, a posse actual”. “A maior parte das vezes, a posse (correspondente ao direito de propriedade) é uma situação exclusiva: implica que não haja nenhuma outra situação análoga simultânea. No entanto, a própria lei refere a possibilidade de existência de concurso de posses. É o que sucede nos já citados n.ºs. 2 e 3 do artigo 1278 – que, ao regularem as ações de manutenção e restituição de posse, admitem a sobreposição de situações possessórias, estabelecendo os critérios (…) para a resolução do problema daí resultante” (assim, Rui Pinto Duarte; Curso de Direitos Reais; Principia, 2020, p. 487). “O n.º 3 esclarece o que devemos entender por «melhor posse», fixando três testes que serão aplicáveis pela seguinte ordem: (i) título, (ii) antiguidade, na falta de título, a menos que a posse mais recente seja pelo menos de ano e dia, (iii) atualidade, perante igual antiguidade. A aprovação num deles dispensa a aferição dos restantes” (assim, Maria dos Prazeres Beleza, Rita Lynce de Faria e Pedro da Palma Gonçalves, em anotação ao artigo 1278.º do CC, no Comentário ao Código Civil – Direito das Coisas; Universidade Católica Editora, 2021, p. 79). Conforme refere Rui Pinto Duarte (Curso de Direitos Reais; Principia, 2020, p. 479), “[p]ode chegar-se à situação de possuidor ou pela constituição de uma nova situação de posse ou pela aquisição a terceiro de uma situação de posse já existente. À primeira forma de aquisição chama-se «aquisição originária» e à segunda «aquisição derivada»”. Neste âmbito, “se o autor invoca como título do seu direito uma forma de aquisição originária da propriedade, como a ocupação, a usucapião, ou a acessão, apenas precisa provar o facto de que emerge o seu direito. Mas, se a aquisição é derivada, não basta provar, por ex., que comprou a coisa, ou que esta lhe foi doada. Nem a compra e venda, nem a doação são constitutivas do direito de propriedade, mas, apenas, translativas desse direito. É preciso, pois, provar que tal direito já existia no transmitente” (cfr., Pires de Lima e Antunes Varela, Código Civil Anotado, Vol. III, Coimbra Editora, 2.ª ed., 1987, p. 115). De acordo com o disposto no artigo 1292.º do CC, são aplicáveis à usucapião, com as necessárias adaptações, as disposições relativas à suspensão e interrupção da prescrição (bem como o preceituado nos artigos 300.º, 302.º, 303.º e 305.º do CC). Conforme decorre do disposto no n.º 1 do artigo 298.º do CC, a prescrição traduz-se no “não exercício durante o lapso de tempo estabelecido na lei” de direitos que a lei não qualifique como indisponíveis ou declare dela isentos. A prescrição visa salvaguardar a segurança e a estabilidade das relações jurídicas, garantindo ao beneficiário da mesma a possibilidade de, transcorrido que seja, um determinado tempo fixado na lei, recusar o cumprimento que lhe venha a ser exigido, conforme decorre do artigo 304.º do CC que determina que, “uma vez completada a prescrição, tem o beneficiário a faculdade de recusar o cumprimento da prestação ou de se opor, por qualquer modo, ao exercício do direito prescrito.“ Como refere Pais de Vasconcelos (Teoria Geral do Direito Civil, 5.ª Edição, Almedina, p. 380), “a prescrição é um efeito jurídico da inércia prolongada do titular do direito no seu exercício, e traduz-se em o direito prescrito sofrer na sua eficácia um enfraquecimento consistente em a pessoa vinculada poder recusar o cumprimento ou a conduta a que esteja adstrita. Se o credor, ou o titular do direito, deixar de o exercer durante certo tempo, fixado na lei, o devedor, ou a pessoa vinculada, pode recusar o cumprimento, invocando a prescrição”. Uma vez invocada, a prescrição constitui um facto impeditivo do direito invocado pelo credor daquele que a invoca. A prescrição não configura um facto extintivo, na medida em que não extingue a obrigação prescrita, a qual subsiste, embora convertida em obrigação natural e, daí que, o n.º 2 do art.º 304º do CC estabeleça que, cumprida a obrigação prescrita, não há lugar à repetição do indevido. A prescrição constitui uma exceção perentória que permite ao devedor impedir o exercício do direito de crédito pelo credor (cfr., Menezes Leitão, Direito das Obrigações, Volume II, Almedina, Fev. 2002, p. 107). O prazo ordinário de prescrição é de vinte anos (artigo 309.º do CC), daí resultando que se não houver disposição legal que sujeite especificamente o crédito a um prazo de prescrição diferente, a prescrição do mesmo só ocorre uma vez ultrapassado aquele prazo. O prazo de prescrição pode ser objeto de suspensão ou de interrupção. A suspensão do prazo de prescrição ocorre quando a sua contagem é paralisada durante a verificação de certos factos ou situação a que a lei atribui efeito suspensivo, contando-se após a sua cessação o lapso de tempo entretanto decorrido (cfr. artigo 318.º e ss. do CC). Já a interrupção da prescrição ocorre “quando não apenas a sua contagem é paralisada em virtude de certos factos ou situações que a lei atribui esse efeito, mas também se inutiliza o prazo anteriormente decorrido (cfr. art.º323.º e ss.)” (cfr., Menezes Leitão, Direito das Obrigações, Volume II, Almedina, Fev. 2002, p. 110). Entre as causas interruptivas da prescrição conta-se a citação ou notificação judicial de qualquer ato que exprima, direta ou indiretamente, a intenção de exercer o direito, seja qual for o processo a que o ato pertence e ainda que o tribunal seja incompetência, sendo equiparada à citação ou notificação, qualquer outro meio judicial pelo qual se dê conhecimento do ato àquele contra quem o direito pode ser exercido (cfr. artigo 323.º, n.ºs. 1 e 4 do CC), sendo que, no caso de a interrupção da prescrição resultar de citação, notificação ou compromisso arbitral, o novo prazo de prescrição só se inicia após o trânsito em julgado da decisão que ponha termo ao processo (cfr. artigo 327.º do CC). Conforme salientam Pedro Eiró e Miguel do Carmo Mota (anotação ao artigo 1292.º do CC, no Comentário ao Código Civil – Direito das Coisas; Universidade Católica Editora, 2021, p. 103), “[s]endo o prazo interrompido por citação judicial, como é estipulado pelo artigo 323.º, aplicável à usucapião por força do presente artigo, a posse passa automaticamente a posse de má fé, como estatuído pelo artigo 564.º, a), do CPC. Compreende-se esta opção: assumindo que o possuidor foi regularmente citado, torna-se impossível qualquer boa-fé relativamente à posse que exerce (…)”. Interessa, ainda, ter presente o disposto no artigo 1296.º do CC, onde se estabelece que, não havendo registo do título, nem da mera posse, a usucapião de imóveis só pode dar-se no termo do prazo de 15 anos, se a posse for de boa-fé, e de 20 anos, se for de má-fé. Para além destas considerações, importa, ainda que em breves termos, efetuar uma caraterização das figuras do caso julgado/autoridade do caso julgado. Preliminarmente, cumpre referir que, conforme decorre do artigo 628.º do CPC, ocorre o trânsito em julgado, quando uma decisão é já insuscetível de impugnação por meio de reclamação ou através de recurso ordinário. Verificada tal insuscetibilidade, forma-se caso julgado, que se traduz, portanto, na impossibilidade de a decisão proferida ser substituída ou modificada por qualquer tribunal, incluindo aquele que a proferiu. De acordo com o critério da eficácia, distingue-se entre o caso julgado formal, que só é vinculativo no processo em que foi proferida a decisão (cf. art.º 620.º, n.º 1, do CPC) e o caso julgado material, que vincula no processo em que a decisão foi proferida e também fora dele, consoante estabelece o art.º 619.º do CPC. “Do caso julgado decorrem dois efeitos essenciais, a saber: a impossibilidade de qualquer tribunal, incluindo o que proferiu a decisão, voltar a emitir pronúncia sobre a questão decidida - efeito negativo - e a vinculação do mesmo tribunal e eventualmente de outros, estando em causa o caso julgado material, à decisão proferida - efeito positivo do caso julgado. Todavia, ocorrendo casos julgados contraditórios, a lei resolve apelando ao critério da anterioridade: vale a decisão contraditória sobre o mesmo objecto que tenha transitado em primeiro lugar (art.º 625.º n.º 1 do CPC), critério operativo ainda quando estejam em causa decisões que, dentro do mesmo processo, versem sobre a mesma questão concreta (vide n.º 2 do preceito) (…). Nos termos do art.º 613.º agora em vigor (que reproduziu o artigo 666.º do diploma cessante), proferida a sentença fica imediatamente esgotado o poder jurisdicional do juiz quanto à matéria da causa, ressalvando-se os casos de rectificação de erros materiais, que era lícito suprir (vide n.ºs 1 e 2 dos preceitos). Tal regime é aplicável aos despachos por força do n.º 3 do preceito” (assim, o Acórdão do Tribunal da Relação de Coimbra de 20-10-2015, P.º 231514/11.3YIPRT.C1, rel. MARIA DOMINGAS SIMÕES). A força obrigatória das decisões que gozam de caso julgado formal é absoluta: mantém-se mesmo que o juiz seja substituído por outro ou o processo seja remetido para outro tribunal ou não pode ser afastada com a mera invocação do princípio da adequação formal (assim, o Acórdão do Tribunal da Relação de Coimbra de 20-12-2011, Pº 545/09.7T2OVR-B.C1, rel. CARLOS QUERIDO). O n.º 2 do artigo 620.º do CPC determina que se excluem da regra do caso julgado formal “os despachos previstos no artigo 630.º”, exclusão que não significa que esses despachos não tenham força obrigatória dentro do processo, mas sim, que o juiz não estará vinculado a eles de modo absoluto, podendo alterá-los (assim, Rui Pinto; “Exceção e autoridade de caso julgado – algumas notas provisórias”, in Julgar, online, novembro 2018, p. 5, consultado em: http://julgar.pt/excecao-e-autoridade-de-caso-julgado-algumas-notas-provisorias/). A exceção dilatória de caso julgado, regulada em especial nos artigos 577.º, al. i), segunda parte, 580.º e 581.º do CPC, expressa legalmente o efeito negativo do caso julgado, cujo fundamento constitucional assenta no princípio da segurança jurídica, ínsito ao Estado de Direito, derivando do artigo 2.º da Constituição Portuguesa, à semelhança do que sucede com o trânsito em julgado. A ocorrência da exceção de caso julgado supõe uma particular relação entre ações judiciais: uma relação de identidade entre os sujeitos e os objetos de duas causas. Em termos lógicos, pressupõe-se, então, a “repetição de uma causa”, conforme enuncia o artigo 580.º, n.º 1, do CPC. A repetição de uma causa ocorre “quando se propõe uma ação idêntica a outra quanto aos sujeitos, ao pedido e à causa de pedir” (cfr. n.º 1 do artigo 581.º do CPC). Tal situação pode ocorrer em termos intraprocessuais, quando se verifique que já foi proferida decisão entre as partes, relativamente a causas de pedir e a pretensões idênticas. Assim, por exemplo: “O despacho proferido a indeferir liminarmente o incidente de habilitação, entendendo que o mesmo, tendo sido requerido depois de ter sido proferido o acórdão pelo qual se julgou definitivamente a ação, altura em que estavam já findos os termos desta, era manifestamente intempestivo, uma vez transitado em julgado, faz caso julgado formal, impedindo que posteriormente venha o tribunal a proferir novo despacho de sentido contrário” (cfr. o Acórdão do Tribunal da Relação de Évora de 21-01-2016, Pº 2450/10.5TVLSB.E1, rel. MATA RIBEIRO). Rui Pinto (“Exceção e autoridade de caso julgado – algumas notas provisórias”, in Julgar, online, novembro 2018, p. 13 e ss.) ensaia uma linha de atuação para a aferição, na prática, da relação de identidade entre causas, concluindo que, primeiro, “apura-se a consideração dos efeitos que uma eventual segunda decisão de mérito terá sobre a primeira decisão de mérito”, importando que, a primeira decisão haja transitado em julgado, nos termos do artigo 628.º CPC; “Depois, para efeitos da exceção de caso julgado há que comparar o teor da parte dispositiva da decisão já transitada com o perímetro potencial da decisão a proferir no segundo processo, segundo as soluções plausíveis da questão de direito, para o que relevam o objeto e os sujeitos determinados pelo autor na petição. Em suma: comparar uma decisão passada com uma potencial decisão futura”. Conforme explica Lebre de Freitas (“Um polvo chamado autoridade do caso julgado”, in ROA, Ano 79.º, Jul.-Dez. 2019, pp. 694-695) “[a] definição dos conceitos de identidade de parte, de pedido e de causa de pedir tem sido objeto do estudo de extensa doutrina jurídica que, ao longo de mais de um século, os foi consolidando, sem que algumas inevitáveis divergências tenham impedido a formação de um núcleo central de convergência que tem permanecido estável. (…) Na definição da identidade das partes há que atender, como diz o n.º 2 do art.º 581.º, CPC, à qualidade jurídica em que autor e réu atuam. Daí deriva que, havendo representação, a parte é o representado e não o representante. Daí deriva também que, transmitida a terceiro a situação substantiva da parte, depois de transitada a sentença de mérito, se deva considerar que o adquirente tem a mesma qualidade jurídica do transmitente (cf. art.º54.º-1, CPC), pelo que há identidade de parte na nova ação em que o primeiro apareça no lugar que o segundo ocupou na primeira ação. Igualmente há que atender, na definição de identidade das partes, à extensão subjetiva da eficácia da sentença, pois a identidade de sujeitos estende-se, além das partes: aos terceiros juridicamente indiferentes (o credor comum, ou outro titular de direito relativo, perante a sentença que declare que o seu devedor, ou outra contraparte, não é titular de certo direito absoluto, cuja titularidade é de quem com ele litigou — sem prejuízo do recurso de revisão fundado na simulação do litígio); aos titulares de situação jurídica concorrente com a que a sentença reconheceu (credor ou devedor solidário; credor de obrigação indivisível; contraente beneficiário da nulidade de cláusula contratual geral; comproprietário, co-herdeiro na fase da comunhão hereditária ou contitular de outro património comum (…); aos titulares de situação jurídica cuja conservação (subcontrato) ou constituição (direito de preferência; contrato a favor de terceiro) dependa do exercício da vontade negocial duma das partes no processo; ao sócio que não impugne a deliberação social; ao chamado a intervir como parte principal ou acessória que não intervenha; ao adquirente do direito litigioso ou do direito já reconhecido ou constituído pela sentença e aos outros substituídos processuais(…). Todos os casos de extensão a terceiros da eficácia da sentença são equiparados aos da estrita identidade de partes, para o efeito dos art.ºs 577.º-e e 581.º do CPC.”. Não poderá olvidar-se que o efeito negativo do caso implica, que transitada em julgado uma decisão judicial, o mesmo tribunal (caso julgado formal, do artigo 620.º do CPC) ou todos os tribunais (caso julgado material, do artigo 619.º do CPC) ficarão sujeitos tanto a uma “proibição de contradição da decisão transitada”, como a “uma proibição de repetição daquela decisão” (cfr. Teixeira de Sousa; Estudos sobre o novo processo civil, Lex, Lisboa, 1997, p. 574). Tal proibição constrói um sistema de estabilização das decisões judiciais que se resume ao enunciado seguinte: um tribunal não pode afastar ou confirmar uma anterior decisão já proferida (cf. artigo 580.º, n.º 2, do CPC) independentemente de ser alheia ou ser sua (cf. artigo 613.º, n.º 1, do CPC), o que apenas poderá ter lugar em sede de recurso. Finalmente, cumpre referir que o próprio ordenamento jurídico tem uma salvaguarda para a possibilidade de ocorrência de casos julgados contraditórios, valendo (na expressão legal: “cumprindo-se”) a decisão primeiramente transitada – cfr. artigo 625.º, n.º 1, do CPC. Este princípio é aplicável à contradição que exista entre duas decisões que, “dentro do mesmo processo, versem sobre a mesma questão concreta da relação processual” (cfr. n.º 2 do artigo 625.º do CPC). Em síntese, conforme se referiu no Acórdão do Tribunal da Relação de Coimbra de 11-06-2019 (Pº 355/16.5T8PMS.C1, rel. MARIA CATARINA GONÇALVES): “1.- O caso julgado material produz os seus efeitos por duas vias: pode impor-se, na sua vertente negativa, por via da excepção de caso julgado no sentido de impedir a reapreciação da relação ou situação jurídica material que já foi definida por sentença transitada e pode impor-se, na sua vertente positiva, por via da autoridade do caso julgado, vinculando o tribunal e as partes a acatar o que aí ficou definido em quaisquer outras decisões que venham a ser proferidas. 2. Quando o objecto da segunda acção é idêntico e coincide com o objecto da decisão proferida na primeira acção, o caso julgado opera por via de excepção (a excepção de caso julgado), impedindo o Tribunal de proferir nova decisão sobre a matéria (nesse caso, o Tribunal limitar-se-á a julgar procedente a excepção, abstendo-se de apreciar o mérito da causa que já foi definido por anterior decisão). 3.- O caso julgado impor-se-á por via da sua autoridade quando a concreta relação ou situação jurídica que foi definida na primeira decisão não coincide com o objecto da segunda acção mas constitui pressuposto ou condição da definição da relação ou situação jurídica que nesta é necessário regular e definir (neste caso, o Tribunal apreciará e definirá a concreta relação ou situação jurídica que corresponde ao objecto da acção, respeitando, contudo, nessa definição ou regulação, sem nova apreciação ou discussão, os termos em que foi definida a relação ou situação que foi objecto da primeira decisão). 4.- Ao contrário do que acontece com a excepção de caso julgado (cujo funcionamento pressupõe a identidade de sujeitos, de pedido e de causa de pedir), a invocação e o funcionamento da autoridade do caso julgado dispensam a identidade de pedido e de causa de pedir”. Questiona-se se os fundamentos da precedente decisão devem ser considerados para efeito de aferição da contradição ou repetição de julgados. “A resposta é a seguinte: uma vez que a parte dispositiva é interpretada e vincula enquanto conclusão de certos fundamentos de direito, então a qualidade jurídica dos efeitos decretados apenas pode ser entendida à luz dos mesmos. Mas eles só por si não ditam se a decisão quanto a uma pretensão processual é contraditória ou se é repetida; têm de ser conjugados com a parte dispositiva. Em consequência, há contradição de julgados não apenas quando a parte dispositiva da segunda decisão é essencialmente diferente da primeira, independentemente de os fundamentos serem ou não os mesmos, mas também quando a parte dispositiva da segunda decisão é idêntica (ou não é essencialmente diferente) à da primeira, mas a sua fundamentação é essencialmente diferente. Por ex., na primeira sentença o réu foi condenado a pagar a dívida como devedor solidário e na segunda sentença o réu foi condenado a pagar a dívida como devedor parciário. Há repetição (ou conformidade) de julgados se a parte dispositiva da segunda decisão é idêntica (ou não é essencialmente diferente) à da primeira e a sua fundamentação não é essencialmente diferente. Por ex., na primeira sentença o réu foi absolvido do pedido de condenação no pagamento de certo montante por o facto não ter sido julgado ilícito e na segunda sentença o réu foi absolvido do pedido de condenação no pagamento de certo montante por não ter sido provado o nexo causal” (assim, Rui Pinto; “Exceção e autoridade de caso julgado – algumas notas provisórias”, in Julgar, online, novembro 2018, pp. 16-17). Importa recordar que, o demandante deduz, na petição inicial, uma determinada pretensão de tutela jurisdicional, com a menção do direito a tutelar e dos fundamentos respectivos. O pedido é a pretensão do autor (art.º 552º, n.º 1, alínea e) do CPC); o direito para que ele solicita ou requer a tutela judicial/e o modo por que intenta obter essa tutela; o efeito jurídico pretendido pelo autor (art.º 581º, n.º 3 do CPC). Conforme refere Lebre de Freitas (“Um polvo chamado autoridade do caso julgado”, in ROA, Ano 79.º, Jul.-Dez. 2019, pp. 696-697): “Para chegar à definição da identidade do pedido, há que interpretar a sentença, atendendo ao seu objeto e às relações de implicação que a partir dele se estabelecem. Em primeiro lugar, a liberdade de, em nova ação, pedir aquilo que não se pediu na primeira não se verifica quando o tipo da ação tenha função de carácter limitativo, nem quando o pedido se reporte a uma parte não individualizada do objeto do direito e a sentença seja absolutória ou condene em quantidade menor do que o pedido(…). Em segundo lugar, a decisão exclui as situações contraditórias com a que por ela é definida, não sendo admissível ação que pudesse levar a solução incompatível com a decisão, nomeadamente por com ela constituir alternativa (…), ou que quantitativa ou qualitativamente nela se inclua. Em terceiro lugar, com o caso julgado precludem, em caso de condenação no pedido, as exceções, invocadas ou invocáveis, contra o pedido deduzido, bem como, quando proceda uma exceção perentória, as contraexceções contra ele invocadas ou invocáveis. Em quarto lugar, o caso julgado terá de se estender à decisão das questões prejudiciais quando, caso contrário, se possa gerar contradição entre os fundamentos de duas decisões que seja suscetível de inutilizar praticamente o direito que a primeira decisão haja salvaguardado(…), de impor praticamente um duplo dever onde apenas um existe ou de romper a reciprocidade entre o direito e o dever abrangidos pelo sinalagma(…). Para o efeito, entende-se por questão prejudicial toda aquela cuja solução constitua pressuposto necessário da decisão de mérito, quer se trate de questão fundamental, relativa à causa de pedir ou a uma exceção perentória, quer respeite ao objeto de incidentes que estejam em correlação lógica com o objeto do processo(…)”. A causa de pedir traduz o ato ou facto jurídico concreto donde emerge o direito que o autor invoca e pretende fazer valer, direito que não pode ter existência (e por vezes nem pode identificar-se) sem um ato ou facto jurídico que seja legalmente idóneo para o condicionar ou produzir - o ato ou facto jurídico concreto em que o autor se baseia para formular o seu pedido, de que emerge o direito que se propõe fazer declarar, identificando-se com os concretos factos da vida a que se virá a reconhecer, ou não, a força jurídica bastante e adequada para desencadear os efeitos pretendidos pelo autor, ou seja, a causa de pedir traduz-se nos acontecimentos da vida em que o A. apoia a sua pretensão (cfr. Alberto dos Reis, Comentário ao CPC, Vol. 2º, Coimbra Editora, 1945, p. 369 e 374; Manuel de Andrade, Noções Elementares de Processo Civil, Coimbra Editora, 1979, p. 110 e ss.; Antunes Varela et al.; Manual de Processo Civil, Coimbra Editora, 1985, pp. 232 e ss; Lebre de Freitas, CPC Anotado, Vol. 1º, Coimbra Editora, 1999, pp. 321 e ss. e Acórdão do STJ de 01-04-2008, Pº 08A035, rel. PAULO SÁ). A respeito da eficácia do caso julgado material e da figura da autoridade do caso julgado, expenderam-se no Acórdão do Tribunal da Relação de Coimbra de 26-02-2019 (Pº 238/17.1T8VLF.C1, rel. FONTE RAMOS) as seguintes considerações que se têm por pertinentes para a decisão da questão em apreço: “A eficácia do caso julgado material - relevante para a situação em análise - varia, porém, em função da relação entre o âmbito subjectivo e o objecto da decisão transitada e o âmbito subjectivo e o objecto do processo posterior. Se o âmbito subjectivo e o objecto da decisão transitada for idêntico ao processo posterior, i. é, se ambas as acções possuem o mesmo âmbito subjectivo e a mesma causa de pedir e nelas for formulado o mesmo pedido, o caso julgado vale, no processo subsequente, como excepção do caso julgado - que tem por finalidade evitar que o tribunal da acção posterior seja colocado na alternativa de reproduzir ou de contradizer a decisão transitada (art.ºs 580 n.º 1, in fine, e 581º do CPC). O caso julgado acarreta para o tribunal do processo subsequente a dupla proibição de contradição ou de repetição da decisão transitada, o que explica que se resolva num pressuposto processual negativo e, portanto, numa excepção dilatória (art.º 577º, alínea i) do CPC). Mas se a relação entre o objecto da decisão transitada e o da acção subsequente, não for de identidade, mas de prejudicialidade, nem por isso, o caso julgado deixa de ser relevante: a decisão proferida sobre o objecto prejudicial (i. é, que constitui pressuposto ou condição de julgamento de outro objecto) vale como autoridade de caso julgado na acção em que se discuta o objecto dependente. Quando isso suceda, o tribunal da acção posterior – acção dependente – está vinculado à decisão proferida na causa anterior – acção prejudicial. A figura da autoridade do caso julgado - que é distinta da excepção do caso julgado e que não supõe a tríplice identidade por esta exigida - visa garantia a coerência e a dignidade das decisões judiciais. Assim, nesta matéria, há que fazer uma distinção entre a excepção do caso julgado e a autoridade do caso julgado, de extraordinária relevância, dado que, não se tratando da excepção do caso julgado mas da autoridade do caso julgado, não é exigível a apontada relação de identidade, i. é, a tríplice identidade de sujeitos, pedido e causa de pedir; só no tocante à excepção do caso julgado - dado que assenta na ideia de repetição de causas - deve reclamar-se uma identidade quanto aos elementos subjectivos (partes) e objectivos (pedido e causa de pedir) da instância (art.º 580º, n.º 1 do CPC). (…). O instituto do caso julgado encerra assim duas vertentes, que, embora distintas, se complementam: uma, de natureza positiva, quando faz valer a sua força e autoridade, que se traduz na exequibilidade das decisões; a outra, de natureza negativa, quando impede que a mesma causa seja novamente apreciada pelo mesmo ou por outro tribunal. A autoridade do caso julgado justifica-se/impõe-se pela necessidade da certeza e da segurança nas relações jurídicas. E essa autoridade não é retirada, nem posta em causa mesmo que a decisão transitada em julgado não tenha apreciado correctamente os factos ou haja interpretado e aplicado erradamente a lei: no mundo do Direito tudo se passa como se a sentença fosse a expressão fiel da verdade e da justiça. (…) 8. O caso julgado está, porém, sujeito a limites, designadamente objectivos, subjectivos e temporais. No tocante aos limites objectivos - i. é, ao quantum da matéria que foi apreciada pelo tribunal que recebe o valor da indiscutibilidade do caso julgado - este abrange, decerto, a parte decisória do despacho, da sentença ou do acórdão, ou seja, a conclusão extraída dos seus fundamentos (art.º 607º, n.º 3 do CPC). O problema está, porém, em saber se, de harmonia com uma concepção restritiva, apenas cobre a parte decisória da sentença ou antes se estende - de acordo com uma concepção ampla - a toda a matéria apreciada, incluindo os fundamentos da decisão, tendo-se por preferível uma concepção intermédia, para o qual se orienta, maioritariamente, a jurisprudência: o caso julgado abrange todas as questões apreciadas que constituam antecedente lógico indispensável da parte dispositiva da sentença. Assim, reconhecer que a decisão está abrangida pelo caso julgado, não significa que ela valha, com esse valor, por si mesma e independente dos respectivos fundamentos. E não é a decisão, enquanto conclusão do silogismo judiciário, que adquire o valor de caso julgado, mas o próprio silogismo considerado no seu todo: o caso julgado incide sobre a decisão como conclusão de certos fundamentos e atinge estes fundamentos enquanto pressupostos daquela decisão; os pressupostos da decisão são cobertos pelo caso julgado, ficando fora do caso julgado tudo o que esteja contido na sentença, mas que não seja essencial ao iter iudicandi. (…) É entendimento pacífico na doutrina e jurisprudência que a autoridade de caso julgado importa a aceitação de uma decisão proferida em acção anterior, que se insere, quanto ao seu objecto, no objecto da segunda, visando obstar a que a relação ou situação jurídica material definida por uma sentença possa ser validamente definida de modo diverso por outra sentença, não sendo exigível a coexistência da tríplice identidade, prevista no art.º 581 do CPC. Trata-se da vinculação de um tribunal de uma acção posterior ao decidido numa acção anterior: é isso precisamente que constitui a autoridade de caso julgado; a autoridade do caso julgado impede a apreciação e conhecimento dos factos inerentes às pretensões formuladas (…)” (cfr., na mesma linha e entre outra jurisprudência, os Acs. do STJ de 29-04-2021, Pº 25365/19.7T8LSB.S1, rel. FERNANDO BAPTISTA; de 16-11-2021, Pº 155/07.3TBTVR.E1.S1, rel. JORGE DIAS; e de 26-04-2023, Pº 1798/22.0T8STB.E1.S1, rel. JORGE DIAS; o Ac. do TRC de 11-06-2019, Pº 355/16.5T8PMS.C1, rel. MARIA CATARINA GONÇALVES). Apreciando as questões que não se encontram cobertas pela força do caso julgado, defendem Antunes Varela, J. Miguel Bezerra e Sampaio e Nora (Manual de Processo Civil; Coimbra Editora, 2.ª ed., 1985, pp. 714-717) que a eficácia do caso julgado apenas cobre a decisão contida na parte final da sentença, não se estendendo aos fundamentos, pelo que, “os factos considerados como provados nos fundamentos da sentença não podem considerar-se isoladamente cobertos pela eficácia do caso julgado, para o efeito de extrair deles outras consequências, além das contidas na decisão final”. A respeito da autoridade do caso julgado, Rui Pinto (“Exceção e autoridade de caso julgado – algumas notas provisórias”, in Julgar, online, novembro 2018, pp. 17-18) distingue entre “efeito positivo interno” e “efeito positivo externo”. O primeiro tem lugar quando a vinculação das partes e do tribunal a uma decisão anterior se refere ao objeto processual e aos sujeitos da decisão. O segundo ocorre quando se refere a objetos processuais que estejam em relação conexa com o objeto da decisão. O referido Autor (loc. cit., pp. 18-24) desenvolve esta distinção referindo a respeito do “efeito positivo interno”, em suma, o seguinte: “O efeito positivo interno do caso julgado tem por objeto os enunciados decisórios contidos na parte dispositiva de um despacho ou de uma sentença (cf. artigo 607.º, n.º 3, in fine). Dito de outro modo, a força obrigatória é a do enunciado em que o tribunal julga procedente ou não procedente o pedido ou, mais genericamente, impõe ou nega certo efeito jurídico a certo sujeito da ordem jurídica – por regra, as partes. Numa decisão de procedência, estamos a falar, por ex., nos enunciados de condenação na entrega ou no pagamento, de divisão da coisa comum ou de anulação do contrato. Numa decisão de improcedência, trata-se desse mesmo enunciado de improcedência do pedido, qualquer que ele seja. É a parte dispositiva que vincula tanto os destinatários, como o tribunal. É ela que pode ser objeto de imposição forçada, por meio de execução da sentença (cf. artigo 703.º, n.º 1, al. a)). Por seu lado, os fundamentos da parte dispositiva, tomados por si mesmos, não vinculam, seja os destinatários, seja o tribunal. Portanto, o caso julgado não tem por objeto os fundamentos, de facto ou de direito, do despacho ou sentença; para o ter, a parte terá de o pedir: justamente, o artigo 91.º, n.º 2, determina que a “decisão das questões e incidentes suscitados não constitui, porém, caso julgado fora do processo respetivo, exceto se alguma das partes requerer o julgamento com essa amplitude e o tribunal for competente do ponto de vista internacional e em razão da matéria e da hierarquia (…). O efeito positivo do caso julgado tem por sujeitos os destinatários da decisão: as partes da relação processual, nas decisões proferidas mediante pedido; os sujeitos referidos na decisão, nas decisões proferidas oficiosamente – por ex., a parte ou a testemunha condenada ao pagamento de multa por comportamento processual de má fé. Em suma: o caso julgado abrange os sujeitos que puderam exercer o contraditório sobre o objeto da decisão; dito de outro modo, os limites subjetivos do caso julgado coincidem com os limites subjetivos do próprio objeto da decisão. (…). Mas também à semelhança do que sucede com o efeito negativo, também o efeito positivo interno abrange não apenas as pessoas que sejam as mesmas do ponto de vista da sua qualidade física (i.e., as que efetivamente estiveram no processo), mas também aqueles que sejam os mesmos sujeitos do ponto de vista da sua qualidade jurídica (cf. artigo 581.º, n.º 2) (…)”. Quanto ao “efeito positivo externo”, refere Rui Pinto (loc. cit., pp. 25-30) que: “A possibilidade de um efeito positivo externo do caso julgado apresenta duas condições objetivas, negativa e positiva. Assim, como condição objetiva negativa, a autoridade de caso julgado opera em simetria com a exceção de caso julgado: opera em qualquer configuração de uma causa que não seja a de identidade com causa anterior; ou seja, supõe uma não repetição de causas. Se houvesse uma repetição de causas, haveria, ipso facto, exceção de caso julgado (…). Para tanto, basta que não ocorra um dos requisitos exigidos pelo artigo 581.º: assim, não há repetição de causa se (i) uma das partes não é a mesma da primeira causa ou se a parte ativa pretende (ii) obter o mesmo efeito jurídico de outros fundamentos, (iii) retirar diferente efeito jurídico dos mesmos fundamentos ou (iv) obter diferente efeito jurídico de outros fundamentos. Nessa configuração, não se verificam as previsões dos artigos 577.º, al. i), 580.º e 581.º, pelo que o tribunal pode conhecer do mérito, pois não está impedido pelo obstáculo da exceção de caso julgado, sem prejuízo de a instância padecer, eventualmente, de outra exceção dilatória insuprível ou não suprida. (…) Dir-se-ia, porventura, que, assim sendo, desapareceria qualquer fundamento legal para a decisão anterior vincular uma decisão posterior. Aliás, a lei é expressa quando determina que a sentença ou despacho que decidam do mérito têm efeitos fora do próprio processo “nos limites fixados pelos artigos 580.º e 581.º”. No entanto, tem sido defendido que fora desses limites se respeita uma autoridade de caso julgado, verificada uma condição objetiva positiva: uma relação de prejudicialidade (Ac. do TRP de 21-11-2016/Proc. 1677/15.8T8VNG.P1 (JORGE SEABRA)) ou uma relação de concurso material entre objetos processuais ou, pelo prisma da decisão, uma relação entre os efeitos do caso julgado prévio e os efeitos da causa posterior, seja quanto a um mesmo bem jurídico, seja quanto a bens jurídicos conexos (…). Generalizando, e apresentando-a por outra perspetiva, a condição objetiva positiva consiste na existência de uma relação entre os objetos processuais de dois processos de tal ordem que a desconsideração do teor da primeira decisão redundaria na prolação de efeitos que seriam lógica ou juridicamente incompatíveis com esse teor (…). Em termos de construção lógica da decisão, na autoridade de caso julgado a decisão anterior determina os fundamentos da segunda decisão; na exceção de caso julgado a decisão anterior obsta à segunda decisão (…). Chegados aqui, devemos acrescentar uma condição subjetiva para que haja uma tal força vinculativa do caso julgado fora do seu objeto processual: a autoridade de caso julgado apenas pode ser oposta a quem seja tido como parte do ponto de vista da sua qualidade jurídica como definido pelo artigo 581.º, n.º 2. Seria absolutamente inconstitucional, por contrário à proibição de indefesa, prevista no artigo 20.º, n.º 4, da Constituição e no artigo 3.º do Código de Processo Civil, que uma decisão vinculasse quem foi terceiro à causa (…). Daqui decorre que a autoridade de caso julgado (i) pode ser oposta pelas concretas partes entre si e (ii) não pode ser oposta a quem é terceiro. Em termos práticos, serão julgadas improcedentes (em maior ou menor grau) as pretensões processuais das partes entre si que sejam lógica ou juridicamente incompatíveis com o teor da primeira decisão; mas já idêntica pretensão deduzida por terceiro será apreciada sem consideração pelo sentido decisório alheio (…). Mas importa notar que, também para este efeito, “terceiro” é o que decorre a contrario da referida definição legal do artigo 581.º, n.º 2: aquele que não é parte do ponto de vista da sua qualidade jurídica no processo em que a decisão foi proferida. Trata-se, assim, de um conceito material de terceiro e não de um conceito formal de terceiro (…)”. Revertendo estas considerações e aplicando-as ao caso dos autos, vemos que o Tribunal recorrido (depois de afirmar a não verificação da exceção de caso julgado), julgou que se verificava a autoridade do caso julgado no processo n.º …/…, relativamente à decisão a proferir nos presentes autos, tendo expendido as seguintes considerações fundamentadoras: “(…) Na verdade, cremos ser inultrapassável, nestes autos, o facto de que, em ação judicial que correu termos entre as mesmas partes, o pedido de reconhecimento da propriedade sobre o imóvel em causa, aí deduzido pela ora Ré, em sede de reconvenção, contra o ali Autor/Reconvindo e aqui Autor, foi julgado procedente; tendo, o nosso Autor, sido condenado, com trânsito em julgado, a reconhecer a ora Ré como proprietária do prédio; prédio que o Autor agora volta a reivindicar, nestes autos, como seu; por ter sido adquirido por usucapião; depois de ter sido, ainda, condenado, naqueles autos, a restituir a parcela de terreno que ocupava e a demolir a construção que aí erigira. Ora, a verdade é que, à semelhança do que é defendido pela ora Ré, também, nós entendemos que, para contagem do prazo necessário para aquisição da propriedade por usucapião, o ora Autor não pode fazer de conta que nada de relevante ocorreu nessa ação judicial, a não ser o facto de esse prazo ainda não ter, então, decorrido, mostrando-se, agora, cumprido na sua totalidade, como pretende. Efetivamente, importa anotar que, nessa ação, cuja sentença transitou em julgado em 2013, a também, aqui, Ré foi declarada como proprietária desse imóvel, o que releva para efeitos de interrupção do prazo necessário, de posse, para aquisição da propriedade, pelo Autor, por usucapião. Diga-se, não nos faria, sequer, sentido, que o ora Autor visse, naquela outra ação, a sua pretensão julgada improcedente; e que a aqui Ré fosse (como foi) declarada, por sentença, como proprietária do imóvel em causa; e o ora Autor (como foi) condenado a restituir-lhe a parcela de terreno que ocupava e a demolir a construção que aí erigira. E que, perante esse facto com relevo jurídico, o prazo para aquisição da propriedade desse mesmo imóvel, por usucapião, pelo ali e aqui Autor, continuasse, sem mais, a decorrer, com vista à aquisição da propriedade, baseada no mesmo ato de posse iniciada anos antes da interposição dessa ação judicial. O aqui Autor é condenado em ação judicial, a reconhecer que a propriedade do prédio que reclama para si é do réu; e é condenado a restitui-lhe essa propriedade e a demolir a construção que aí erigiu. E o que faz o Autor? Decide não cumprir a sentença judicial transitada, espera uns anos e volta a colocar a mesma questão da sua propriedade sobre o imóvel, em desrespeito da sentença judicial que reconhecera expressamente a propriedade da ora Ré e condenara o aqui Autor em conformidade. Veja-se, a propósito e com relevo para o nosso caso, o sumário do Ac. R.C, de 21-04-2015, Relator: TELES PEREIRA, acessível no site da DGSI, em que se explicita o seguinte: “Ao decurso de um prazo de usucapião aplicam-se, por expressa remissão do artigo 1292º do CC, as regras respeitantes à suspensão e interrupção da prescrição. Assim, a citação dos RR. numa acção visando a afirmação da existência de uma servidão de vistas, constituída por usucapião, originada em duas janelas existentes no prédio dos AA. e onerando o prédio dos RR., a citação destes em tal acção, dizíamos, interrompe o prazo de usucapião aí em curso, nos termos do artigo 323º, nº 1 do CC. Essa interrupção, por força do disposto no artigo 326º, nº 1 do CC, inutiliza todo o prazo de usucapião decorrido até essa citação, originando a contagem de um novo prazo, após o trânsito em julgado da decisão que, nessa acção, considere não constituída a servidão de vistas por não ter decorrido o prazo de usucapião considerado aplicável. É o que resulta do disposto no nº 1 do artigo 327º do CC. Se nessa acção for considerado que o prazo de usucapião, em vista da constituição dessa servidão de vistas (prazo não transcorrido até à citação nessa acção), era de 20 anos, nos termos do artigo 1296º do CC, adquire essa asserção a força de caso julgado material, projectando-se em ulteriores acções nas quais a existência dessa servidão de vistas volte a ser discutida. Assim, em posterior acção na qual, entre as mesmas partes, mas em posições trocadas (os AA. na anterior acção são os RR. na segunda e vice-versa), se discuta a existência das janelas que na primeira acção foram afirmadas como não tendo originado uma servidão de vistas, a citação ocorrida na anterior acção vale como facto interruptivo da prescrição aquisitiva e neutraliza qualquer consideração (soma) do tempo decorrido anteriormente a essa citação, no quadro da afirmação da existência de uma servidão de vistas constituída por usucapião.”. No mesmo sentido, veja-se o Ac. R.L. de 22-10-2020, Relatora: ANABELA CALAFATE, acessível no mesmo lugar, com o seguinte teor: “A citação interrompe o prazo de usucapião, inutilizando todo o tempo decorrido anteriormente, não começando a correr novo prazo de usucapião enquanto não passar em julgado a decisão que puser termo ao processo (art.º564º do CPC e art.º323º nº 1, 326º nº 1 ex vi do art.º1292º do CC) (neste sentido Ac do STJ de 22/05/2012 - CJ, 2º, pág. 80).”. Queremos, com isto afirmar que, concreta e designadamente, com a notificação, ao ora Autor, na ação judicial nº 21533/10.5 T2SNT para contestar o pedido reconvencional aí deduzido contra si (sabendo-se que apresentou a respetiva réplica, conforme se mostra certificado nestes nossos autos), em face do que se mostra prevenido pelos arts. 323º, nº 1, 326º, nº 1 e 327º, nº 1, todos, por remissão expressa do art.º1292º, todos, estes preceitos, do Código Civil, se interrompeu o prazo que estaria a correr para efeitos aquisitivos da propriedade do imóvel em apreço, por usucapião; prazo, esse, que apenas recomeçou a correr, após o trânsito em julgado da sentença aí proferida, sentença, essa confirmada pelo Acórdão da Relação de Lisboa, de 7 de maio de 2013. Sendo manifesto que, após essa data e até ao momento da interposição da presente ação, não decorreu seguramente prazo útil com vista à aquisição da propriedade por usucapião; no caso, de 20 anos, como alega o próprio Autor na sua petição inicial. Assim, a presente ação não pode deixar de improceder; dado que, nos termos sobreditos, ainda que se provassem todos os factos alegados pelo Autor, sempre teria de improceder o pedido formulado; por força da verificação da exposta autoridade do caso julgado proveniente da sentença transitada em julgado proferida na citada ação judicial nº 21533/10.5T2SNT.”. Ora, como se adianta desde já, verifica-se que, aquilatando os efeitos do caso julgado prévio, ocorrido entre as partes dos presentes autos (que, no processo antecedente e nos presentes autos, figuravam e figuram na mesma posição processual de autor e ré) e tendo em conta a aplicação dos normativos que devem ser considerados para contabilização do prazo da usucapião, por referência à existência e autoridade do caso julgado precedente – daí decorrendo que, em face da dedução da reconvenção efetuada no mencionado processo prévio e pelo pedido e causa de pedir correspondentes (relacionados com a pretensão de exercício do reconhecimento do direito de propriedade pela aí ré), se produziu efeito interruptivo na contagem do prazo de usucapião (cfr. artigo 323.º, n.ºs. 1 e 4, do CC, aplicável, ex vi, do artigo 1292.º do mesmo Código) - levando à conclusão de que não merece censura o reconhecimento de tal autoridade, com a consequente improcedência da ação (assente na verificação de que não se encontra completo, por força do reinicio de contabilização – após o trânsito em julgado da decisão proferida no processo antecedente - , decorrente da interrupção, o prazo para aquisição do direito de propriedade pelo autor, por usucapião). Com efeito, afigura-se que a decisão precedente, que se mostra transitada em julgado, que julgou procedente a pretensão reconvencional da ré, no sentido de lhe reconhecer a titularidade do direito de propriedade que solicitou, condenando o autor a tal reconhecimento, constitui um título jurídico (ou fonte) de efeitos jurídicos recognitivos ou constitutivos finais nas esferas das partes, com plena autoridade e suficiência para ser invocada na nova ação interposta entre as mesmas partes e com as mesmas posições jurídicas, funcionando a autoridade do caso precedentemente julgado (assim, o Ac. do TRC de 14-03-2023, Pº 394/19.4T8CTB.C1, rel. LUÍS CRAVO), obstando a segurança e a certeza jurídica decorrentes do trânsito em julgado da decisão a que, em posterior ação, se questione o direito de propriedade e as obrigações de restituição e de demolição reconhecidas naquele primeiro processo. Vejamos os argumentos deduzidos em contrário pelo apelante. No que respeita ao argumento do apelante de que a ré se limitou a invocar a aquisição derivada da propriedade (cfr. artigos 1.º a 8.º e 88.º a 90.º da contestação apresentada pela ré no processo n.º …/…) - fundada na escritura pública de compra e venda e a presunção de propriedade do respetivo registo predial- , não tendo invocado a aquisição originária da propriedade por usucapião - fundada na posse durante determinado período de tempo – e à conclusão de que, por isso, a aquisição derivada não é – na perspetiva do recorrente - suscetível de prejudicar a aquisição originária fundada na usucapião, importa referir que, embora laboriosa, esta construção jurídica, soçobra, porque, de facto, não tem respaldo no nosso ordenamento jurídico. De facto, conforme deriva do mencionado artigo 1316.º do CC, são diversos os meios de aquisição do direito de propriedade, encontrando-se, todos eles, a par entre si, admitindo a lei, claramente, como se viu, a existência de situações de concurso de posses e, logicamente, prevendo também os critérios para resolução dos conflitos que daí possam derivar (cfr., apreciando diversas situações de conflitos entre posses, v.g., o Acórdão do Tribunal da Relação de Coimbra de 29-05-2007, Pº 298/2001.C1 , rel. VIRGÍLIO MATEUS; o Acórdão do Tribunal da Relação do Porto de 27-09-2017, Pº 9392/15.6T8VNG.P1, rel. FILIPE CAROÇO). Ou seja: Ocorrendo um conflito de posses - sempre que, havendo um concurso de posses sobre a mesma coisa corpórea, as mesmas estejam em situação de litígio - existe a aquisição da posse por um novo possuidor, mas a posse do anterior não se extingue imediatamente, sendo que, nos termos do disposto no artigo 1267.º, n.º 1, al. d), do CC, o possuidor esbulhado apenas perde a posse ao fim de um ano. Todavia, o conflito de posses cessa pela atribuição da posse a um dos litigantes, ou, ao final de um ano, através da perda da posse, ou ainda, de acordo com o que vier a ser decidido em ação judicial de tutela da posse. Ora, olvida a construção do recorrente que, no mencionado processo n.º …/… se negou, precisamente, a aquisição do direito de propriedade por si invocada, com base em usucapião, afirmando-se, ao invés, por decisão passada em julgado (transitada) a titularidade, pela ré, do direito de propriedade invocado sobre o prédio dos autos, assim se definindo os direitos em contenda e o objeto da referida ação judicial. Assim, não tem sentido invocar algum conflito – ou uma suposta prevalência - entre modos de aquisição originária e derivada da propriedade, quando, precisamente, tal conflito (já) não ocorre e se encontra dirimido, pela singela circunstância de, efetiva e definitivamente, não se ter reconhecido ao autor, naquele processo, a titularidade do direito de aquisição do imóvel que peticionou, relacionado com a aquisição (originária) do imóvel e se ter definido a titularidade do direito de propriedade sobre a coisa, a favor da aí – e também aqui - ré. Para além disso, invoca o recorrente – congregando em abono da sua posição o trecho que cita do Acórdão do TRG de 05-11-2014 (Pº 1593/12.5TBFAF.G1) - que o pedido reconvencional para o qual foi notificado o autor no processo n.º …/…, por se fundar em mera aquisição derivada de propriedade, não constitui expressão da intenção da ré de exercer um direito prejudicial ou incompatível com a manutenção da posse do autor e com o decurso do prazo de usucapião e subsequente aquisição originária da propriedade. Não é - também aqui -, de todo, assim. A pretensão reconvencional deduzida no mencionado processo viabilizou a declaração judicial, tomada, após julgamento contraditório entre as partes, na decisão – que transitou em julgado – proferida no citado processo n.º …/…, no sentido de julgar a ação intentada pelo aí – e ora – autor improcedente e de julgar o pedido reconvencional aí formulado pela ora ré contra o autor procedente, reconhecendo-se a ré como proprietária do prédio rústico registado a seu favor, bem como, a condenação do réu a demolir a construção que aí efetuou, restituindo a parcela de terreno que ocupou à ré livre de pessoas e bens. De facto, tem sido, uniformemente, admitida a possibilidade de, em reconvenção, o réu invocar uma contra-pretensão, onde pretenda atuar um correspondente direito de propriedade que invoque (“exceptio dominii”), com fundamento na previsão da alínea d), do n.º 2, do artigo 266.º do CPC, ficando acauteladas, nos termos desta previsão, “as situações em que o réu aproveita a ação para conseguir o mesmo efeito jurídico que o autor pretende, como ocorre (…) em ações de reivindicação, em que, além de impugnar o direito de propriedade invocado pelo autor, pede que esse direito seja reconhecido a si próprio” (assim, Abrantes Geraldes, Paulo Pimenta e Luís Filipe Pires de Sousa; Código de Processo Civil Anotado, Vol. I, 3.ª ed., Almedina, 2022, p. 339). Conforme salienta José Alberto Vieira (Direitos Reais; 3.ª ed., Almedina, 2020, pp. 576-577), “[c]om a exceptio dominii (…), a discussão no processo deixa de se confinar à questão possessória, passando a envolver o direito de fundo (…). No momento do conflito entre a posse e o direito real, a ordem jurídica corrige a desconformidade existente com a dissociação entre a titularidade do direito real e a posse, fazendo com que esta coincida com aquela. O preço é o sacrifício da posse formal, o detrimento desta em favor da atribuição definitiva da posição que o direito real não possessório representa. É este o significado profundo do art.º 1278.º, n.º 1. Dispõe este preceito que o possuidor perturbado é mantido ou restituído “enquanto não for convencido na questão da titularidade do direito”. Quer dizer, se o autor e réu apenas esgrimem a posse, sem entrarem na discussão da titularidade do direito real de gozo, o conflito é decidido em termos puramente possessórios, prevalecendo a melhor posse (art.º 1278.º, n.º 2). Porém, se a questão da titularidade de um direito real é trazida pelo réu, sob a forma de invocação de que é proprietário (exceptio dominii) (…), e a prova do direito é feita no processo, a acção possessória deve ser declarada improcedente e a coisa mantida com o réu, pois o direito real prevalece sobre a posse”. A invocação da “exceptio dominii” é deduzida no processo comum declarativo, segundo as regras gerais, ou seja, mediante a invocação de pretensão reconvencional. E em tais casos tem-se entendido mesmo que a reconvenção se mostra necessária (cfr. sobre o ponto, Rita Correia Nunes; O interesse em agir na reconvenção; FDUC, 2018, p. 27 e ss.). Conforme se refere, a este propósito, no Acórdão do STJ de 27-05-2021 (Pº 29/12.6TBPTL.G2.S1, rel. ROSA TCHING), “apesar da reconvenção ter, por regra, natureza facultativa, situação em que o não uso da faculdade de dedução de reconvenção não tem, em princípio, qualquer interferência negativa na consistência do direito material de que o réu seja titular, casos há em que a faculdade de reconvir transforma-se num ónus, na medida em que o réu necessita de reconvir para afastar o risco de futura preclusão do direito, por força do caso julgado que venha a constituir-se sobre a decisão favorável ao autor, estando-se, por isso, perante a chamada reconvenção necessária ou compulsiva. Neste último caso, uma vez apresentada a contestação, fica, em princípio, precludida, a partir desse momento, a invocação pelo réu, quer de outros meios de defesa, quer dos meios que ele não chegou a deduzir e até mesmo daqueles que ele poderia ter deduzido com base num direito seu. Tendo os autores peticionado em ação de reivindicação o reconhecimento do seu direito de propriedade sobre duas construções “de piso térreo” por fazerem parte do prédio rústico por eles adquirido por usucapião bem como a condenação dos réus na restituição daqueles anexos e na demolição das obras aí executadas, arrogando-se estes igualmente proprietários das mesmos, por via da acessão industrial imobiliária e com base em factualidade já deles conhecida no momento da contestação, sobre os réus impendia o ónus de deduzir, naquela ação, reconvenção para afastar o risco da futura preclusão, por força do caso julgado que viesse a constituir-se sobre a decisão favorável aos autores”. Ora, ao invés do invocado pelo recorrente, a dedução da pretensão reconvencional expressa na ação que correu termos precedentemente entre as partes, constituiu inequívoca forma de manifestação e meio adequado para o exercício do direito de propriedade de que a ré se arrogou, no exercício de tal meio processual (ainda que fundado em aquisição derivada de tal direito), claramente incompatível com a posse que o autor aí invocou, demanda reconvencional essa que colidia, frontalmente, com a situação possessória invocada pelo autor em tal processo, exprimindo um direto meio de a ré exercer – conforme exerceu – o seu direito de propriedade sobre o imóvel que se encontra registado a seu favor, o que fez, mediante contra-ação deduzida contra o réu. Não se mostra procedente, assim, a invocação de qualquer dos normativos convocados pelo recorrente para obviar à procedência da interrupção do decurso do prazo de usucapião na decorrência da dedução do pedido reconvencional formulado no processo n.º …/…, não se afigurando que a decisão recorrida tenha posto, de algum modo, em causa, os respetivos comandos normativos. Quanto ao mais, cumpre apenas referir que, não tem sentido a tese do recorrente de que seria necessário - para que fosse interrompido o decurso do prazo de usucapião - que a ré tivesse deduzido reconvenção também assente na aquisição originária por usucapião, pois, se assim se considerasse, seria completamente ignorado o decidido no mencionado processo n.º …/… e o reconhecimento do direito de propriedade reconhecido à ré. Repare-se que, mesmo no aresto invocado pelo recorrente – do TRG de 06-11-2014, proferido no processo n.º 1593/12.5TBFAF.G1, rel. JORGE TEIXEIRA - se assinala que, nas ações onde se contraponham a usucapião, como modo de aquisição originária, e o registo de uma aquisição derivada, “a conciliação ou articulação entre a exigência da prova a fazer pelo autor em acção de reivindicação e a força da presunção resultante da inscrição registral da aquisição por outro, faz-se no sentido de que tal inscrição dispensa o seu titular de provar a aquisição originária, bem como, a eventual cadeia de aquisições derivadas anteriores à aquisição que conseguiu fazer inscrever, já que deriva do registo a presunção de que o direito existe e pertence ao titular nele inscrito”, não se afirmando alguma prevalência, para efeito de produção dos efeitos decisórios, ou para obviar à produção do efeito interruptivo acima mencionado, entre a tutela do direito de propriedade conseguida mediante a invocação de uma aquisição originária ou mediante um modo de aquisição derivada de tal direito. Afigura-se-nos claro que o dissídio sobre a invocação de “posses” conflituantes sobre a parcela em questão nos autos foi decidido no mencionado processo precedente, onde foi reconhecido que a atuação correspondente ao exercício do direito de propriedade invocada pela ré, ainda que fundada num modo de aquisição derivada de propriedade, obteve procedência e prevalência concreta, sobre a aquisição originária do direito de propriedade que o autor, sem êxito, aí invocou. Importa referir que o efeito decorrente do normativo do artigo 323.º, n.º 1, do CC, no sentido de interrupção do curso do prazo prescricional – no caso, de contagem do prazo da usucapião invocada pelo autor – se interrompeu pela citação, ou melhor, pela notificação ao autor do processo n.º …/…, da pretensão reconvencional expressa na contestação de tal ação, onde clara e diretamente a ré veio pretender, como fez – e como foi reconhecida procedência pelo Tribunal que julgou a causa – exercer o direito de propriedade sobre o imóvel. E, por força da existência de tal processo, o novo prazo de usucapião só se começou a contar com o trânsito em julgado da decisão que pôs termo ao processo (cfr. artigos 326.º, n.º 1 e 327.º, n.º 1, do CC). Finalmente, quanto à alegação do autor de que invocou a acessão na posse anteriormente iniciada por PS e, considerando esta acessão, em 2010 – ano a que remonta o processo n.º …/… – já a posse em causa contava 30 anos, pelo que, o prazo legal de 15 ou 20 anos, necessário para a aquisição originária pelo autor da propriedade sobre a parcela dos autos já se havia completado, quando foi notificado do pedido reconvencional no processo n.º …/…, certo é que, uma tal factualidade não foi de qualquer modo, invocada no mencionado processo n.º …/…, apenas o tendo sido nos presentes autos, sem se atender, mais uma vez, a que entre as partes correu termos, nos moldes ocorridos, a aludida lide judicial do processo n.º …/…. Mas, mesmo aqui, importa referir que, a procedência da contagem do prazo de usucapião, nos moldes pretendidos pelo autor e a consideração da invocação do instituto da acessão na posse (cfr. artigo 1256.º do CC), suporia, logicamente, que devesse ser julgada improcedente a exceção atinente à autoridade do caso julgado e considerado que não se verificariam factos interruptivos na contabilização de tal prazo, o que, no caso, conforme decorre da apreciação da questão precedente, não ocorreu. Não se vislumbra, pois, que tenha a decisão recorrida violado os normativos legais invocados pelo recorrente. * F) Se a decisão recorrida coloca em causa o direito à habitação e a proteção da casa de morada de família? Invocou ainda o recorrente – o que fez sob o tema “Questão Prévia”, onde efetuou outras considerações inconsequentes (à margem do objeto deste recurso, tal como resulta das respetivas conclusões) sobre o julgamento da causa efetuado pelo Tribunal recorrido – que o “Tribunal recorrido não teve em atenção que o Autor/Recorrente reside no prédio com a sua família, a qual inclui uma filha deficiente profunda, e que a decisão tomada - caso viesse a transitar, o que não se espera - implicaria o desalojamento dessa família da sua habitação permanente de muitos e muitos anos, colocando, deste modo, em causa o direito à habitação, constitucionalmente consagrado e reafirmado no n.º 1 do artigo 2.º e no n.º 1 do artigo 7.º da Lei de Bases da Habitação, bem como, entre outros, a protecção à casa de morada da família consagrada no artigo 10.º da mesma Lei” (cfr. conclusão 1.ª das conclusões recursórias). A ré, em contra-alegações, pronunciou-se sobre esta temática nos seguintes moldes: “II- DA ALEGADA VIOLAÇÃO DOS DIREITOS FUNDAMENTAIS A UMA HABITAÇÃO CONDIGNA E À PROTEÇÃO DA FAMÍLIA 32.A alegada inconstitucionalidade invocada neste recurso é claramente infundada. Porquanto, 33. o direito à habitação, sendo exercido pelo Autor de forma ilegítima e ilegal, ofendendo interesses legalmente protegidos de terceiros, não pode corresponder ao exercício de um direito subjetivo suscetível de tutela. 34. O conteúdo da garantia constitucional da propriedade, enquanto direito fundamental compreende, o direito de não ser privado arbitrariamente dos direitos patrimoniais de que se é titular (Jorge Miranda e Rui Medeiros, Constituição Portuguesa Anotada, Tomo I, 2.ª Edição, pág. 1248). 35. Sendo que, o direito fundamental à habitação consagrado no artº 65º da Constituição da República Portuguesa, invocado pelo Recorrente, é dirigido ao Estado, enquanto entidade a quem incumbe intervir e solucionar situações de carência no domínio da habitação. 36. Não sendo, como tal, oponível à ora Recorrida, legítima proprietária do terreno. Neste sentido, “Ora, no plano desta vertente do direito a habitação não pode aceitar-se como constitucionalmente exigível que a realização daquele direito esteja dependente de limitações intoleráveis e desproporcionadas de direitos de terceiros (que não o Estado) direitos esses, porventura também constitucionalmente consagrados, como sucede, alias, com o direito de propriedade privada, elencado no título constitucional correspondente aos direitos económicos, sociais e culturais". (Ac. do TC, de 17-03-1992 in http://www.dgsi.pt.). 37. Acresce que, da consagração do direito à habitação não decorre que cada particular "possa construir a sua habitação onde quiser e da forma que lhe convenha (...) passando por cima do que a lei ordinária dispõe quanto às obras de construção civil, de reconstrução, ampliação, alteração ou reparação das edificações" (Ac. TC n.º 457/01)”. Antes de mais, cumpre referir que a singela alegação do recorrente não consubstancia a dedução de uma questão de constitucionalidade normativa. É que, conforme refere Lopes do Rego (Os Recursos de Fiscalização Concreta na Lei e na Jurisprudência do Tribunal Constitucional, Almedina, Coimbra, 2010, pp. 97-98) “A suscitação processualmente adequada da questão de constitucionalidade implica – no plano formal – o cumprimento pelo interessado de um ónus de clara, precisa e expressa delimitação e especificação do objecto do recurso, envolvendo ainda uma fundamentação, em termos minimamente concludentes, com indicação das razões porque se considera ser inconstitucional a “norma” que pretende submeter à apreciação do tribunal, indicando e deixando claro qual o preceito ou preceitos – “arco legal” ou “bloco normativo” – cuja legitimidade constitucional se pretende questionar. No caso de se pretender questionar apenas certa interpretação de uma dada norma, cabe ao recorrente especificar claramente qual o sentido ou dimensão normativa do preceito ou “arco normativo” que se tem por violador da Constituição” (trecho que, inclusive, era já conhecido das partes dos autos, conforme assinalado na página 23 do Acórdão deste Tribunal de 07-05-2013, proferido no processo n.º …/…, a respeito de semelhante invocação). No caso, nenhum dos preceitos legais invocados pelo recorrente foram aplicados na decisão recorrida, nem é indicado qual o preceito constitucional a que o recorrente pretende fazer referência. O recorrente alude, contudo, ao “direito à habitação” e aos artigos 2.º, n.º 1, 7.º, n.º 2 e 10.º da Lei de Bases da Habitação. Esta lei – n.º 83/2019, de 3 de setembro – estabelece nos preceitos referenciados pelo recorrente o seguinte: - Artigo 2.º, n.º 1: “Todos têm direito à habitação, para si e para a sua família, independentemente da ascendência ou origem étnica, sexo, língua, território de origem, nacionalidade, religião, crença, convicções políticas ou ideológicas, instrução, situação económica, género, orientação sexual, idade, deficiência ou condição de saúde”; - Artigo 7.º, n.º 2: “Incumbe ao Estado estabelecer a criação de um sistema de acesso à habitação com renda compatível com o rendimento familiar.”; - Artigo 10.º: “1 - A habitação permanente é a utilizada como residência habitual e permanente pelos indivíduos, famílias e unidades de convivência. 2 - Todos têm direito, nos termos da lei, à proteção da sua habitação permanente. 3 - A casa de morada de família é aquela onde, de forma permanente, estável e duradoura, se encontra sediado o centro da vida familiar dos cônjuges ou unidos de facto. 4 - A casa de morada de família goza de especial proteção legal.”. Estas previsões legais regulamentam a previsão constitucional a que se reporta o artigo 65.º da CRP, onde se estabelece – com a epígrafe “Habitação e urbanismo” – o seguinte: “1. Todos têm direito, para si e para a sua família, a uma habitação de dimensão adequada, em condições de higiene e conforto e que preserve a intimidade pessoal e a privacidade familiar. 2. Para assegurar o direito à habitação, incumbe ao Estado: a) Programar e executar uma política de habitação inserida em planos de ordenamento geral do território e apoiada em planos de urbanização que garantam a existência de uma rede adequada de transportes e de equipamento social; b) Promover, em colaboração com as regiões autónomas e com as autarquias locais, a construção de habitações económicas e sociais; c) Estimular a construção privada, com subordinação ao interesse geral, e o acesso à habitação própria ou arrendada; d) Incentivar e apoiar as iniciativas das comunidades locais e das populações, tendentes a resolver os respectivos problemas habitacionais e a fomentar a criação de cooperativas de habitação e a autoconstrução. 3. O Estado adoptará uma política tendente a estabelecer um sistema de renda compatível com o rendimento familiar e de acesso à habitação própria. 4. O Estado, as regiões autónomas e as autarquias locais definem as regras de ocupação, uso e transformação dos solos urbanos, designadamente através de instrumentos de planeamento, no quadro das leis respeitantes ao ordenamento do território e ao urbanismo, e procedem às expropriações dos solos que se revelem necessárias à satisfação de fins de utilidade pública urbanística. 5. É garantida a participação dos interessados na elaboração dos instrumentos de planeamento urbanístico e de quaisquer outros instrumentos de planeamento físico do território.”. De acordo com esta norma, todos têm direito a uma habitação adequada. Contudo, trata-se de uma norma programática, integrando duas vertentes fundamentais: uma vertente essencialmente dirigida ao Estado – em que se exige que promova políticas públicas de promoção de acesso à habitação e outra que impede que os cidadãos sejam arbitrariamente privados de habitação ou de conseguir uma (cfr. Gomes Canotilho e Vital Moreira; Constituição da República Portuguesa Anotada, Vol. I, 4.º ed., Coimbra Editora, 2007, p. 833; João Armindo Ferreira Rebelo; Direito à Habitação, FDUC, 2022, p. 26; Acórdão do TC n.º 649/99, Pº 155/99, rel. BRAVO SERRA). Sucede que, todavia, “[o] direito à habitação não compreende, no seu âmbito de protecção, diversas pretensões que, por vezes, lhe são associadas. Desde logo, da consagração do direito à habitação não decorre que cada particular “possa construir a sua habitação onde quiser e da forma que lhe convenha (…), passando por cima do que a lei ordinária dispõe quanto às obras de construção civil, de reconstrução, de ampliação, alteração ou reparação das edificações (Ac. n.º 457/01)” (assim, Jorge Miranda e Rui Medeiros em anotação ao artigo 65.º, na Constituição Portuguesa Anotada, Tomo I, 2.ª ed., 2010, p. 1326), sendo que, este direito não se confunde com o direito de propriedade: “Embora a política de habitação também deva promover o acesso à habitação própria (artigo 65.º, n.º 3) e, assim, não seja inócua para a dimensão positiva do direito de propriedade enquanto direito à aquisição de propriedade, o direito à habitação, por si só, “não esgota ou, ao menos, não aponta, ainda que de modo primordial ou a título principal, para o direito a ter uma habitação num imóvel da propriedade do cidadão (Ac. n.º 649/99)” (cfr. Autores citados, p. 1327). E daí que, conforme salientam Jorge Miranda e Rui Medeiros (ob. cit., p. 1331), “não pode retirar-se da consagração constitucional do direito à habitação “a oponibilidade ao legítimo proprietário de um imóvel, abusivamente ocupado e fruído, ao longo do tempo, sem qualquer título – e que acabou de ver o seu direito reconhecido - , de uma pretensão ao diferimento da desocupação, que seja susceptível de paralisar a imediata exequibilidade da sentença condenatória proferida”. É ao Estado que cabe, em face da iminência da desocupação, providenciar uma habitação alternativa”. Ora, no caso dos autos, a decisão recorrida, não definiu, de algum modo, o direito à habitação do recorrente, nem por alguma forma o comprimiu ou afetou. Recorde-se que, o objeto da ação não se prende com tal direito, mas sim, com o reconhecimento do direito de propriedade, que, inclusive, foi já objeto de apreciação no processo que precedentemente correu termos entre as partes. Assim, da improcedência da pretensão gizada pelo recorrente não se afere, sob qualquer perspetiva, que o direito à habitação invocado pelo recorrente tenha sido colocado em crise. Assim, não procede, igualmente, esta invocação do recorrente. * Em face do exposto, a apelação deverá ser julgada improcedente, com manutenção da decisão recorrida e do juízo de improcedência da ação nos termos aí constantes. * De acordo com o estatuído no n.º 2 do artigo 527.º do CPC, o critério de distribuição da responsabilidade pelas custas assenta no princípio da causalidade e, apenas subsidiariamente, no da vantagem ou proveito processual. Entende-se que dá causa às custas do processo a parte vencida, na proporção em que o for. “Vencidos” são todos os que não obtenham na causa satisfação total ou parcial dos seus interesses. Conforme se escreveu no Acórdão do STJ de 06-12-2017 (Pº 1509/13.1TVLSB.L1.S1, rel. TOMÉ GOMES), cujo entendimento se subscreve: “O juízo de procedência ou improcedência da pretensão recursória não é aferível em função do decaimento ou vencimento parcelar respeitante a cada um dos seus fundamentos, mas da respetiva repercussão na solução jurídica dada em sede do dispositivo final sobre essa pretensão”. Em conformidade com o exposto, a responsabilidade tributária incidirá, in totum, sobre o apelante (autor), que decaiu integralmente na presente instância recursória – cfr. artigo 527.º, n.ºs. 1 e 2, do CPC. * 5. Decisão: Em face do exposto, acordam os Juízes desta 2.ª Secção Cível, em julgar improcedente a apelação, mantendo-se a decisão recorrida. Custas pelo apelante. Notifique e registe. * Lisboa, 12 de outubro de 2023. Carlos Castelo Branco Pedro Martins Orlando Nascimento |