Acórdão do Tribunal da Relação de Lisboa
Processo:
39/21.2PBLRS.L1-3
Relator: HERMENGARDA DO VALLE-FRIAS
Descritores: DIREITO AO SILÊNCIO
VIOLÊNCIA EM GRUPO
HOMICÍDIO QUALIFICADO
TENTATIVA
Nº do Documento: RL
Data do Acordão: 07/10/2025
Votação: UNANIMIDADE
Texto Integral: S
Texto Parcial: N
Meio Processual: RECURSOS PENAIS
Decisão: NÃO PROVIDOS
Sumário: Sumário:
I. Já por diversas vezes tivemos oportunidade de explicar em tantos diversos processos que o exercício do direito ao silêncio por parte dos arguidos em julgamento tem duas componentes fundamentais: primeira, positiva, dimensionando a liberdade de cada um de dizer, ou não, algo sobre alguma coisa, salvaguardando também o direito à não auto incriminação; outra, negativa, que se prende com a circunstância de, não falando, o arguido não transmitir a sua versão dos factos para que o Tribunal possa ponderá-la, como também não transmite ao Tribunal eventuais sinais de reavaliação valorativa da respectiva conduta, quando a tenha tido.
Quando se exerce o direito ao silêncio sabe-se que este é o seu conteúdo.
II. Na data dos factos, todos sabiam onde iam, os arguidos e os outros, bastando para isso ter presente que o próprio ofendido refere que foi com o amigo ao parque «(…) onde encontraram [outro] que lhe disse que ia haver confusão (…)», sendo que depois para ali se dirigiram muitas pessoas.
Já vimos acontecer, não é novidade, infelizmente estas sessões de pancadaria [para avaliar isto com alguma contenção] são anunciadas nas redes sociais e pelo espalha-palavra, conjugando sempre muitos interessados porque nos dias que correm alguns jovens, em vez de se motivarem por comportamentos socialmente enriquecedores, motivam-se por violência e disrupção, sobretudo quando isso implique níveis consideráveis de violência.
E este foi um desses momentos em que, tal como decorre dos depoimentos, aliás de pessoas que, dessa forma, acorreram para ver o que se disse que ia acontecer, foi combinada, agendada, uma agressão ao ofendido e convidadas as pessoas a assistir. E estas, por seu lado, numa manifestação de inqualificável falta de empatia social e humanismo, foram «em magote» assistir ao triste espectáculo.
III. A actuação que a prova permite imputar a estes arguidos é, do ponto de vista estritamente humano, inqualificável, ainda que criminalmente se reconduza às normas em que foi enquadrada. E este é o verdadeiro trabalho do direito penal, o de garantir que, por mais inqualificável que seja o acto do agente do ponto de vista humano, a sociedade pune com equilíbrio e robustez, não apenas impondo uma pena grave quanto tal se justifique, mas deixando claros os limites da tolerância, ou intolerância, da sociedade para com essa actuação.
Combinar com recurso a redes sociais uma sessão de pancadaria, com potencial agressor de tal forma elevado que para um dos agentes esteve em causa a intenção de acabar com a vida da vítima, o que não suscita qualquer dúvida, e comparecer num local levando atrás uma assistência acéfala, composta por gente também de inqualificáveis princípios, que se predispõem, não a ajudar a vítima, note-se, mas a adensar o aplauso da agressão e a filmar a mesma para futuro gaudio e exibição, é um comportamento que, conquanto humanamente inqualificável, como se disse, faz perspectivar quanto a todas essas pessoas, e a todos nós, de que elas são o futuro, um tempo sombrio, sem referenciais de humanismo e solidariedade.
Trata-se de esvaziar as sociedades futuras daquilo que lhes permitirá sobreviver entre todos: a empatia humana, a solidariedade e o afecto.
Não haja rebuço nesta afirmação: o que este processo deixa a descoberto é a falência de toda uma sociedade que se alheou da educação dos seus filhos, dos seus jovens, dos seus já adultos e que, sem referências adequadas de afecto e solidariedade social, revelam personalidades mal formadas e falta de carácter humano, aquele que se reputa como inteligente porque se exercita através de sinapses estimuladas por valores humanos estruturantes e fundamentais.
As sociedades actuais, a par de muitos outros fenómenos que evidenciam a falta notável de empatia pelo semelhante, e que hoje experimentamos e a que assistimos com frequência, mostram um grau de degradação em termos de valores de humanismo que é assustadora.
Os princípios que sustentam os direitos inalienáveis sobre que erguemos as sociedades modernas, mercê do desvario do consumismo exacerbado que faz agora coisificar os outros, atribuindo-lhes a importância residual do interesse próprio, e que permite contemporizar com o horror a passar-se à porta, é verdadeiramente um processo rápido de degradação social, de relativização do que deve ser absoluto, de cumplicidade silenciosa e por omissão para com o referido horror, a sua normalização ou, como dizia Hannah Arednt, guardando-se aqui as ainda necessárias distâncias, de banalização do mal.
A contemporização com este tipo de actos e comportamentos que se vão generalizando na malha adolescente dos nossos Países é, como tal, absolutamente inaceitável.
A violência grupal, longe de ser apenas um fenómeno social, é um retrato primário e cru do esvaziamento de valores de referência com que se deparam as nossas sociedades actuais. Deve, pois, ser tratado como tal.
Decisão Texto Parcial:
Decisão Texto Integral: Acordam os juízes da 3ª Sec. Criminal do Tribunal da Relação de Lisboa.

Relatório
Pelo Juízo Central Criminal de Loures – J5 – foi proferido Acórdão que decidiu do seguinte modo:
(…)
a) Absolver os arguidos AA e BB, da prática em coautoria de 1 (um) crime de homicídio qualificado, na forma tentada, previsto e punido pelos artigos 22.º, 23.º 73.º, 131º e 132.º, n.ºs 1 e 2, als. e), j) e h), todos do Código Penal, agravado nos termos do disposto no artigo 86.º, n.ºs 3 e 4 do RJAM, aprovado pela Lei n.º 5/2006, de 23 de fevereiro;
b) Absolver o arguido BB da prática em coautoria de um crime de detenção de arma proibida, p. e p. pelo artigo 86.º n.º 1 al d), todos da Lei n.º 5/2006, de 23 de fevereiro;
c) Condenar o arguido AA, pela prática em autoria material de 1 (um) crime de homicídio simples, na forma tentada, previsto e punido pelos artigos 22.º, 23.º 73.º, 131º todos do Código Penal, agravado nos termos do disposto no artigo 86.º, n.ºs 3 e 4 do RJAM, aprovado pela Lei n.º 5/2006, de 23 de fevereiro, na pena de 5 anos e 6 meses de prisão;
d) Condenar o arguido AA, pela prática em autoria material, e na forma consumada de um crime de detenção de arma proibida, p. e p. pelo artigo 86.º n.º 1 al d), todos da Lei n.º 5/2006, de 23 de fevereiro., na pena de 1 ano de prisão;
e) Condenar o arguido AA, pela prática em coautoria, e na forma consumada de dois crimes de ofensas à integridade física qualificada, p. e p. pelo art.º 143º, 145º n.º 1 al. a) ex vi do art.º 132º n.º 2 al. h) todos do CP, na pena de 1 ano e 3 meses de prisão por cada um dos crimes;
f) Condenar em cúmulo jurídico, das penas referidas nas alíneas c) a e), nos termos do disposto no artigo 77º, nº 1 e 2, do Código Penal, na pena única 7 anos e 6 meses de prisão;
g) Condenar o arguido BB, pela prática em coautoria, e na forma consumada de um crime de ofensas à integridade física qualificada, p. e p. pelo art.º 143º, 145º n.º 1 al. a) ex vi do art.º 132º n.º 2 al. h) todos do CP, na pena de 1 ano e 9 meses de prisão;
h) Condenar o arguido BB, pela prática em coautoria, e na forma consumada de dois crimes de ofensas à integridade física qualificada, p. e p. pelo art.º 143º, 145º n.º 1 al. a) ex vi do art.º 132º n.º 2 al. h) todos do CP, na pena de 1 ano de prisão por cada um dos crimes;
i) Condenar em cúmulo jurídico, das penas referidas nas alíneas g) e h), nos termos do disposto no artigo 77º, nº 1 e 2, do Código Penal, na pena única 2 anos e 6 meses de prisão;
(…)
Inconformados, os arguidos interpuseram recurso, formulando as seguintes conclusões, respectivamente:
• no recurso do arguido AA
(…)
1.ª Ora, o arguido/recorrente considera que nos pontos 3.º, 5.º, 6.º, 7.º, 8.º, 9.º, 10.º, 11.º, 16.º, 17.º, 18.º, 19.º, 20.º, 21.º, 22.º da matéria de facto considerada provada foram incorretamente dados como provados pelo douto acórdão recorrido, já que tais factos não ocorreram como descrito, o que determina erro notório de interpretação, que determina fundamentação e motivação deficientes que violam o disposto no art 374º nº 2 do CPP, conforme dispõe o artº 379º nº 1 do mesmo diploma legal.
2.ª Analisados os factos provados e a prova efetivamente produzida e julgamento constata-se existir uma manifesta incongruência, do que resulta violação do disposto no artº 127º do CPP.
3.ª O acórdão recorrido incorreu em erro na valoração da prova, ao basear a condenação de AA exclusivamente no depoimento do assistente, sem que este tenha sido corroborado por elementos objetivos, nomeadamente prova pericial, prova testemunhal independente ou qualquer outra evidência material que sustentasse, para além de qualquer dúvida razoável, a identificação inequívoca do arguido como autor dos factos.
4.ª Tal facto constitui violação dos artigos 127.º e 355.º do Código de Processo Penal (CPP), que exigem que a prova seja apreciada de forma crítica e conjugada com os demais meios probatórios, bem como do princípio in dubio pro reo, consagrado no artigo 32.º, n.º 2, da Constituição da República Portuguesa (CRP), que impõe que qualquer dúvida razoável seja resolvida a favor do arguido. A consequência legal desta violação é a anulação da condenação por ausência de prova suficiente.
5.ª Além disso, a prova produzida nos autos não permite, com o grau de certeza exigível em processo penal, afirmar que AA foi o autor dos golpes de faca que atingiram o assistente, ou que tenha atuado com a intenção de tirar-lhe a vida. A única testemunha que refere a presença de AA no local com uma faca na mão é a própria vítima, cujas declarações são contraditórias e inconsistentes ao longo do processo.
6.ª Esta situação viola o artigo 128.º do CPP, que impõe a valoração crítica e racional da prova, e o princípio da presunção de inocência, previsto no artigo 32.º, n.º 2, da CRP, uma vez que cabe ao tribunal demonstrar inequivocamente a culpa do arguido, e não ao arguido provar a sua inocência. Como consequência, a decisão condenatória deve ser revista, por falta de certeza na imputação dos factos.
7.ª O próprio acórdão reconhece que vários dos indivíduos que perseguiam e agrediam o assistente permanecem não identificados. Contudo, sem qualquer fundamentação objetiva, AA é individualizado como o autor dos golpes, sem que exista um critério lógico ou probatório que justifique tal imputação.
8.ª Tal incoerência infringe os artigos 374.º, n.º 2, e 379.º, n.º 1, alínea a), do CPP, que exigem que a sentença apresente uma fundamentação clara e coerente, especificando os motivos que levaram à decisão de condenação. A falta de fundamentação adequada implica a nulidade do acórdão e impõe a sua revisão.
9.ª A condenação do arguido ignora ainda a ausência de provas materiais diretas que o liguem ao crime, nomeadamente a inexistência da arma utilizada, impossibilitando qualquer exame pericial que pudesse comprovar a posse da faca pelo arguido. Adicionalmente, as roupas que o arguido trajava no dia dos factos também nunca foram apreendidas, inexistindo qualquer vestígio material que o colocasse inequivocamente no local do crime.
10.ª Além disso, não se encontra demonstrado que AA tenha atuado com dolo homicida. A decisão recorrida fundamenta-se na tese de que o arguido agiu com o propósito de tirar a vida do assistente, mas não apresenta qualquer prova concreta que demonstre essa intenção.
11.ª A análise médico-legal das lesões não comprova que os golpes foram dirigidos a regiões vitais de forma a garantir a morte da vítima, nem que houve frieza de ânimo na sua execução. Este enquadramento viola o artigo 14.º do Código Penal (CP), que distingue o dolo eventual do dolo direto, sendo que a intenção homicida deve ser claramente provada e não presumida. Como consequência, a condenação do arguido por tentativa de homicídio deve ser revista, ajustando-se a qualificação jurídica dos factos.
12.ª Afastou-se ainda, de forma ilegal e arbitrária, a aplicação do regime especial para jovens adultos, previsto no Decreto-Lei n.º 401/82, de 23 de setembro, com base no facto de os arguidos não terem prestado declarações em julgamento. Tal fundamentação configura uma violação do direito ao silêncio do arguido, protegido pelo artigo 32.º da CRP e pelo artigo 61.º, n.º 1, alínea d), do CPP, que impedem que o exercício desse direito seja utilizado em seu prejuízo.
13.ª Ademais, a decisão ignora o artigo 71.º do CP, que exige que a pena seja fixada atendendo às circunstâncias concretas do caso, sem punição adicional por exercício de direitos processuais. A consequência legal desta violação é a necessidade de aplicação do regime especial para jovens adultos e consequente revisão da pena.
14.ª A pena aplicada também se revela desproporcional à gravidade concreta dos factos e desconsidera princípios fundamentais da individualização da pena, violando o artigo 40.º do CP, que determina que a pena deve ser adequada à culpabilidade do arguido e ao seu potencial de reinserção, bem como o artigo 71.º do CP, que exige uma ponderação detalhada de todas as circunstâncias relevantes. Como consequência, impõe-se a revisão da pena, ajustando-a ao caso concreto.
15.ª O pedido de indemnização civil também não se encontra devidamente fundamentado, pois não foram demonstrados, com a certeza exigida, os danos psicológicos alegados pelo assistente, não existindo qualquer relatório médico ou pericial que os comprove.
16.ª Além disso, o comportamento público do assistente nas suas redes sociais contradiz a alegação de que se encontra em estado de sobressalto, angústia e receio permanente, o que levanta dúvidas legítimas sobre a credibilidade dos prejuízos emocionais invocados. Tal facto configura uma violação do artigo 483.º do Código Civil (CC), que exige prova clara do dano e do nexo de causalidade entre o facto e o prejuízo. Como consequência, o pedido de indemnização civil deve ser julgado improcedente.
17.ª Por fim, o afastamento do regime especial para jovens adultos e a determinação da pena foram excessivamente influenciados por um juízo de prevenção geral desproporcionado, que não teve em conta a real capacidade de ressocialização do arguido.
18.ª Tal enquadramento viola o princípio da proporcionalidade, consagrado no artigo 18.º da CRP, que impõe que as penas sejam adequadas e necessárias à reabilitação do arguido. Como consequência, a pena deve ser reduzida e ajustada ao caso concreto.
(…)
• no recurso do arguido BB
(…)
I. O presente recurso vem interposto da decisão recorrida que condenou o recorrente a “(…), pela prática em coautoria, e na forma consumada de um crime de ofensas à integridade física qualificada, p. e p. pelo art.º 143º, 145º n.º 1 al. a) ex vi do art.º 132º n.º 2 al. h) todos do CP, na pena de 1 ano e 9 meses de prisão;” (…), pela prática em coautoria, e na forma consumada de dois crimes de ofensas à integridade física qualificada, p. e p. pelo art.º 143º, 145º n.º 1 al. a) ex vi do art.º 132º n.º 2 al. h) todos do CP, na pena de 1 ano de prisão por cada um dos crimes;” “(…) em cúmulo jurídico, das penas referidas nas alíneas g) e h), nos termos do disposto no artigo 77º, nº 1 e 2, do Código Penal, na pena única 2 anos e 6 meses de prisão;”
II. As provas produzidas impunham decisão diversa da que sufragou a decisão recorrida, na medida em que existe insuficiência para a decisão da matéria de facto dada como provada e erro na apreciação desta, mostrando-se em consequência violado o disposto nas al.) a) e c) do nº 2 do artigo 410º do Código do Processo Penal.
III. Visa-se, com o presente recurso, a reapreciação da prova em matéria de facto e de direito e as provas e meios de prova de que se serviu o tribunal "a quo", para formar a sua convicção que conduziu à condenação do recorrente.
IV. Contestando-se a não consideração do princípio “in dúbio pro reo” e o uso indevido e erróneo do princípio da livre apreciação da prova.
V. Quanto à motivação dos factos dados como provados e com o devido respeito, o recorrente entende que não se produziu prova suficiente e necessária para a sua condenação, na valoração dos factos dados como provados.
VI. A prova carreada para os autos e a produzida em sede de audiência de discussão e julgamento não permite aferir sobre a participação do recorrente nos factos ocorridos e pelos quais foi condenado.
Desde logo,
VII. A prova produzida e a carreada para os autos não permite concluir que o recorrente tivesse acordado, com quem quer que fosse, para agredir o assistente CC e os ofendidos DD e EE, nem permite concluir do conhecimento de qualquer objectivo que visasse essa intenção de agressão, bem como o conhecimento do recorrente sobre a existência de facas.
VIII. E nesse sentido o Tribunal “a quo” considerou não ter sido apurado que o recorrente tivesse esse conhecimento da existência de faca. (folhas 18, parágrafo 7º do Acordão recorrido)
IX. O facto de CC frequentar o parque com assiduidade, não foi possível apurar como, e quem o agrediu, soube que estaria no local, naquele dia e hora.
(ex. vi gravação ficheiro de depoimento do assistente CC, prestado entre as 10h00m e as 11h02m do dia 02/12/2024, início 3m58s, fim 4m07s);
X. Podendo-se, sim, concluir que o visado de alguma situação fosse a testemunha FF, já que foi quem lhe transmitiu que iria haver uma confusão, que ele, FF iria ter uma confusão com alguém e que íam subir pessoas, não tendo o assistente CC nada a ver com a situação. (ex. vi gravação ficheiro de depoimento do assistente CC, prestado entre as 10h00m e as 11h02m do dia 02/12/2024, início 4m40s, fim 4m52s; início 4m57s, fim 5m08s, início 5m35s, fim 5m57s);
XI. Da prova produzida também não é possível concluir que o recorrente acompanhasse o grupo que se deslocou ao local da prática dos factos, ... e,
XII. Nesse sentido a testemunha GG menciona que para além de HH e outro de nome II, não reconheceu mais ninguém do grupo, grupo esse que ela seguiu de perto, sendo que conhecia bem o recorrente. (ex. vi gravação do depoimento da testemunha GG prestado no dia 20/01/2025 entre as 16h08m e as 16h47m, início 5m33s, fim 6m00s; início 6m49s, fim 6m56s; início 8m10s, fim 8m17s e auto de inquirição da Polícia Judiciária a fls 350 e ss, linhas 27, 36, e fls 351, linha 44 lido em sede de audiência de discussão e julgamento);
XIII. Em momento algum se retira da prova carreada para os autos, bem como da prova produzida em sede de discussão e julgamento, que o recorrente tivesse tido participação nos factos ocorridos a .../.../2021.
XIV. O próprio Tribunal “a quo”, na sua fundamentação refere que ao visualizar o video constante na pasta video do esfaqueamento junto aos autos, não é possível identificar especificamente ninguém, com excepção do arguido AA. (folhas 12, parágrafo 5º do Acordão recorrido).
XV. Contradizendo-se que “no que respeita ao video ainda referir que o mesmo foi retirado da página de Instagram do arguido BB, identificado pelas testemunhas como sendo o mesmo, e que ainda tem mais duas publicações (…)” (folhas 12, parágrafo 8º do Acordão recorrido)
XVI. Não se compreende como o Tribunal “a quo” diz inicialmente que visualizando o video, não se consegue identificar especificamente ninguém, por ser escuro, estando no mesmo muitas pessoas e, depois aquilo que o Tribunal não conseguiu fazer, as testemunhas conseguiram.
XVII. Obviamente que a identificação do aqui recorrente surgiu de uma possibilidade de o mesmo ser coautor na prática do crime, por mera presunção assumida por partilha de vídeos e prints nas suas redes sociais e grupos que levou a que pensassem que teria sido o recorrente (ex vi declarações prestadas na Polícia Judiciária pela testemunha EE, lidas em sede de audiência de discussão e julgamento a fls 168 e ss dos autos, linhas 54 a 58)
XVIII. E nesse sentido vem o Tribunal “a quo”, quando refere que “o arguido BB foi identificado (…), por ter sido quem publicou os vídeos dos factos e as publicações sobre a ida para o Hospital do ofendido CC”. (folhas 11, parágrafo 4º do Acordão recorrido)
XIX. Diz-nos as regras da experiência comum que, hoje em dia, os jovens publicam e partilham nas suas redes sociais e grupos muita matéria devida e indevida e, que o conhecimento que têm em como fazer essas publicações é muito mais avançado do que os jovens de antigamente, podendo fazer como sua a partilha.
XX. Mas a considerar que o video que o Tribunal “a quo”, sobre o qual menciona “(…) não identificando especificamente ninguém (…), tenha sido originalmente publicado pelo recorrente, já que teria de ser o mesmo a filmar e, como se pode constatar no mesmo, há que considerar que quem filmou não teve qualquer outra intervenção nos factos a não ser esse acto de filmar.
XXI. No entanto, cumpre também referir que a própria testemunha GG admite ter partilhado um video a que teve acesso, significando isto que o vídeo circulou entre os grupos e as partilhas foram mais que uma e logo, mais pessoas o partilharam. (uma vez na internet, para sempre na internet) (ex. vi gravação do depoimento da testemunha GG prestado no dia 20/01/2025 entre as 16h08m e as 16h47m, início 15m15s, fim 15m36s);
XXII. Na sua fundamentação, o Tribunal “a quo” quis forçosamente concluir que houve um grupo que se juntou para agredir o assistente CC e quem se colocasse no caminho, como aconteceu com EE e DD. (folhas 11, parágrafo 4º do Acordão recorrido)
XXIII. Sem atender, sequer, ao facto de CC afirmar nas suas declarações que DD levou a facada num momento em que a arma era dirigida ao CC e, DD ao empurrar o mesmo colocou-se no caminho. (ex. vi gravação ficheiro de depoimento do assistente CC, prestado entre as 10h00m e as 11h02m do dia 02/12/2024, início 8m41s, fim 10m37s);
XXIV. Nem atendendo às declarações da testemunha EE, prestadas perante a Polícia Judiciária e lidas em sede de audiência de discussão e julgamento, a fls 157 e ss dos autos, linhas 50 a 53, em que o mesmo refere que acredita que o grupo que se dirigiu ao seu grupo de amigos não tinha intenção de o agredir, mas sim o CC porque perguntaram por ele. Assim,
XXV. Nem das declarações do assistente CC se pode concluir ter sido EE agredido pelo recorrente, nem afirmar que este tinha qualquer arma ou objecto na sua posse para ser utilizado com essa finalidade.
XXVI. Podendo-se aferir que o Tribunal “a quo”, usando da sua livre apreciação, formou a errónea convicção de que o recorrente tinha atingido o assistente com uma pancada na cabeça, com um objecto que trazia.
XXVII. Quando nem sequer deu como provado a existência de qualquer bastão, que teria sido, segundo a acusação, o objecto utilizado para agressão, conforme o artigo 9º da acusação e alíneas d), e) e f) da matéria dada como não provada.
XXVIII. Nem dos relatórios médicos e Auto de exame directo realizado no dia .../.../2021, se consegue vislumbrar qualquer referência a danos diferentes dos provocados por objecto contundente.
Por fim,
XXIX. Entendeu o Tribunal “a quo” que ao recorrente não era de apor o regime penal aplicado a jovens delinquentes, previsto no Decreto Lei 401/82, de ..., apesar de poder ser utilizado em virtude de o recorrente, à data dos factos, ter 16 anos e sem antecedentes criminais, conforme certificado de registo criminal junto aos autos.
XXX. Como fundamento para a sua não aplicação justifica que os arguidos não prestaram declarações em audiência de julgamento, não demonstraram qualquer empatia para com as vítimas, pedindo desculpa ou mesmo demonstrando arrependimento. (folhas 35, parágrafo 2º e 3º do Acordão recorrido)
Ora,
XXXI. O recorrente à data dos factos tinha acabado de completar 16 anos, tendo completado 20 anos a .../.../2025, encontrando-se inserido na sociedade, frequentando um curso profissional, estando a tirar a carta de condução, pretendendo posteriormente trabalhar no estrangeiro. ex. vi relatório social junto aos autos
XXXII. Tal como mencionado na fundamentação da decisão constante no Acordão recorrido, “o direito penal dos jovens imputáveis deve, tanto quanto possível, aproximar-se dos princípios e regras do direito reeducador de menores”
XXXIII. Dispõe o artigo 4º do mencionado diploma que “Se for aplicável pena de prisão, deve o juiz atenuar especialmente a pena nos termos dos artigos 73.º e 74.º do Código Penal, quando tiver sérias razões para crer que da atenuação resultem vantagens para a reinserção social do jovem condenado”.
XXXIV. É entendimento da Jurisprudência que “Está hoje perfeitamente adquirida na jurisprudência a ideia de que o poder de atenuar especialmente a pena aos jovens delinquentes é um verdadeiro poder-dever, isto é, perante a idade entre 16 e 21 anos do arguido, o tribunal não pode deixar de investigar se se verificam as sérias razões a que se refere o DL nº 401/82 de 23/09 e se tal acontecer não pode deixar de atenuar especialmente a pena. Os factos, considerados no seu conjunto, fazem, ainda assim e apesar da sua gravidade, sobressair a prevalência das finalidades politico-criminais que estão no fundamento do regime penal para jovens. Deste modo, impõe-se concluir, in casu, pela aplicação do regime estabelecido do Decreto-Lei nº 401/82, de ..., com a atenuação prevista no artº 4º, porquanto as condições e a idade do arguido fazem crer que da atenuação resultarão vantagens para a sua reinserção.” Ex vi Acordão do Tribunal da Relação de Guimarães, processo 97/14.7JABRG.G1, relator Fernando Chaves in site www.dgsi.pt
XXXV. Desde a ocorrência dos factos que levaram à condenação do recorrente até ao Acordão proferido decorreram cerca de 4 anos, período de tempo que, e segundo as regras da experiência comum, num jovem pode fazer diferença a nível de pensamento, comportamento, actos e atitudes.
XXXVI. Não tendo o recorrente qualquer averbamento no seu registo criminal, seja ele à data dos factos, seja posterior a esta e, encontrando-se inserido socialmente e numa família equilibrada, estudando, tirando a sua carta de condução, seguindo as regras que se impõem à vida em sociedade, não decorre desta postura motivo para a não aplicação do regime penal aplicado a jovens delinquentes.
Aliás,
XXXVII. O próprio STJ, no seu Acordão com número de processo 07P3214, relator Henrique Gaspar, visto no site www.dgsi.pt, vem dizer que “A aplicação do regime penal relativo a jovens entre os 16 e os 21 anos não constitui, pois, uma faculdade do juiz, mas antes um poder-dever vinculado que o juiz deve (tem de) usar sempre que se verifiquem os respectivos pressupostos; a aplicação é, em tais circunstâncias, tanto obrigatória, como oficiosa.”
XXXVIII. Acrescentando ainda que “a «gravidade do ilícito» não pode constituir, por si, fundamento para um juízo negativo, pois o que releva para este efeito será um juízo de prognose sobre a personalidade e o desempenho futuro da personalidade do jovem, sem qualquer consideração autónoma dos factos, que apenas deverão contribuir para aquele juízo no ponto em que revelam ou neles se manifeste uma projecção de personalidade especialmente desvaliosa.”
E,
XXXIX.Entende o STJ, mencionando neste Acordão, que “(…) depende, pois, do juízo que possa (deva) ser formulado relativamente às condições do jovem arguido, e que deve ser positivo quando as diversas variáveis a considerar (idade, situação familiar, educacional, vivências pregressas, antecedentes de formação pessoal, traços essenciais de personalidade em formação) permitam uma prognose favorável (ou, com maior rigor, não impeçam uma prognose favorável) sobre o futuro desempenho da personalidade, mesmo, ou sobretudo, com o acompanhamento das instituições de reinserção.”
XL. Pelo que, considera o recorrente ter sido erroneamente negado pelo Tribunal “a quo” a aplicação do regime penal para jovens delinquentes.
XLI. Dispõe ainda o artigo 50º nº 1 do Código Penal que “O tribunal suspende a execução da pena de prisão aplicada em medida não superior a cinco anos se, atendendo à personalidade do agente, às condições da sua vida, à sua conduta anterior e posterior ao crime e às circunstâncias deste, concluir que a simples censura do facto e a ameaça da prisão realizam de forma adequada e suficiente as finalidades da punição.”
XLII. Como já mencionado, o recorrente tinha 16 anos à data dos factos, 20 à data do Acordão recorrido e encontra-se socialmente integrado, em família estável e estruturada, que lhe dá apoio, estudando, tendo objectivos de vida, tirando a sua carta de condução e sem averbamento de prática de crime no seu registo criminal.
XLIII. O Acordão do SJT já mencionado refere que para a suspensão da execução de pena de prisão “Não são, (…), considerações de culpa que devem ser tomadas em conta, mas juízos prognósticos sobre o desempenho da personalidade do agente perante as condições da sua vida, o seu comportamento e as circunstâncias do facto, que permitam fazer supor que as expectativas de confiança na prevenção da reincidência são fundadas.”
E que,
XLIV. “A suspensão da execução da pena de prisão aplicada em medida não superior a 5 anos (art. 50.º, n.º 1, do CP, na redacção da Lei 59/2007, de 04-09) deve ter lugar sempre que, atendendo à personalidade do agente, às condições da sua vida, à sua conduta anterior e posterior ao crime e às circunstâncias deste, for de concluir que a simples censura do facto e a ameaça da prisão realizam de forma adequada e suficiente as finalidades da punição”.
XLV. O recorrente não teve qualquer condenação anterior para que daí se possa concluir que a simples censura do facto e ameaça de prisão não realizem de forma adequada e suficiente as finalidades da punição.
XLVI. O Tribunal “a quo” na sua fundamentação sobre o tema “Da suspensão da execução da pena de prisão” a página 40 do Acordão recorrido, vem dizer que “No caso concreto, sendo certo que o arguido não tem antecedentes criminais e até é bastante novo, e por isso as exigências de prevenção especial não são elevadas, o mesmo não se poderá dizer das exigências de prevenção geral, que neste caso são elevadíssimas.”
XLVII. Mesmo com conhecimento, admitido no próprio Acordão recorrido, que o recorrente tem pautado a sua vida com respeito pelas regras de conduta, nomeadamente com respeito por si e pelos outros, estudando e com objectivos de vida, entendeu, e na nossa humilde opinião de forma errada, não ser de aplicar a suspensão da execução da pena de prisão a que o condenou.
XLVIII.O Tribunal" a quo" ao proferir a decisão constante no Acordão recorrido, violou o art.º 4 do DL 401/82 de ..., e em consequência, o disposto nos artigos 73° e 74° do Código Penal.
XLIX. Não considerando as vantagens para a reinserção social do jovem condenado, resultantes dessa atenuação especial. L. Entendendo, equivocadamente, que para a reinserção do jovem recorrente, a solução adequada é a aplicação da pena de prisão efectiva.
LI. No entanto, certamente é do conhecimento do Tribunal “a quo” que não existem vantagens, nem benefícios em colocar jovens adultos num ambiente de natureza criminógenea como o da prisão, já que os efeitos produzidos nesse ambiente são contrários ao efeito integrador que se pretende obter, aferindose pela possibilidade de serem efeitos dessocializantes, podendo até contribuir para potenciar comportamentos desviantes.
LII. Com o Acordão proferido, o Tribunal “a quo” mais não fez do que, contrariamente à finalidade reeducadora da pena a aplicar a jovens delinquentes, coarctou a possibilidade do recorrente poder beneficiar desse regime legal, aplicando-lhe uma pena desproporcional e desajustada, provocando uma ruptura na sua vida pró-social, familiar, educacional, com respeito pelas regras de conduta que a sociedade exige.
Nestes termos, nos mais de direito e sempre com o mui douto suprimento de V/Ex.as, Venerandos Juízes Desembargadores, deve conceder-se inteiro provimento ao presente recurso, com a consequente revogação da sentença recorrida, absolvendo-se o recorrente dos crimes pelos quais vem condenado, ou, caso V. Exas. assim o não entendam, seja aplicado o regime previsto no artigo 4º do DL 401/82 de ..., com a suspensão da execução da pena de prisão aplicada ou a aplicar.
(…)
O Ministério Público na primeira instância respondeu aos recursos, concluindo do seguinte modo:
• quanto ao recurso do arguido AA
(…)
1 - Insurge-se o recorrente contra a factualidade dada como provada no Acórdão recorrido, a qual, em seu entender, foi erradamente julgado e valorado pelo Tribunal a quo, atenta a prova produzida em julgamento, a qual impunha a sua absolvição.
2 – Mais entende o arguido recorrente que, a ser condenado, se impunha que ao mesmo viesse a ser aplicada a atenuação do regime especial penal aplicável a jovens delinquentes, e que se mostra previsto no Decreto Lei nº 401/82, de 23.09, sendo que as penas parciais e ínicas aplicadas se mostram excessivas.
3 - O recurso em matéria de facto não pode constituir uma reapreciação total pelo Tribunal de recurso do complexo de elementos de prova produzidos e que serviram de fundamento à decisão recorrida. Diversamente, apenas poderá ter como objecto uma reapreciação autónoma do Tribunal de recurso sobre a razoabilidade da decisão tomada pelo Tribunal a quo quanto aos pontos de facto que o Recorrente considere incorrectamente julgados, tendo por base a avaliação das provas que, na indicação do Recorrente, imponham decisão diversa da recorrida ou determinado a renovação das provas nos pontos em que entenda que deve haver renovação da prova.
4 – O arguido descurou o ónus de impugnação especifica a que estava obrigado.
5 - No caso em apreço, o arguido, limita-se a discordar da convicção do Tribunal a quo no que concerne à valoração da prova produzida em sede de audiência de julgamento, querendo apenas impor aquilo que seria a sua própria convicção sobre os factos.
6 - A este propósito, constitui entendimento pacífico há muito estabelecido na jurisprudência dos nossos Tribunais superiores que não há erro na apreciação da prova quando o que o recorrente invoca não é mais do que uma discordância sua quanto ao enquadramento da matéria de facto provada.
7 – Efectivamente, desde que a convicção do Tribunal seja devidamente fundamentada, e alicerçada nas normais regras da experiencia, e assentem num raciocínio lógico, não pode a livre convicção do julgador, de quem decide, ser substituída por aquela que é a razão dos demais intervenientes processuais.
8 - Neste sentido, concorda-se na integra com a fundamentação do Tribunal a quo, vertida no Acórdão recorrido, na qual conclui de forma irrepreensível pelos factos que deu como provados, bem como na sua subsunção no Direito aplicado.
0 - Não nos merece qualquer censura o raciocínio feito pelo Tribunal a quo, que o conduziu a concluir nos termos em que o decidiu, com inteira ponderação, objectividade e justiça.
10 – Mais, perante a prova que o Tribunal a quo atendeu e valorou, e da análise critica que dela fez, não decorre do texto do Acórdão recorrido que as Mmas Juiz de Direito tivessem quaisquer dúvidas como os factos sucederam, e de que o arguido foi o seu autor, daí que não lhes suscitou quaisquer duvida razoável que justificasse a aplicabilidade do principio do in dubio pro reu.
11 - O Tribunal, como decorre do texto do Acórdão recorrido, decidiu com firme convicção e fundamentação e, concluiu pela condenação do arguido, de forma indubitável.
12 – Quanto a dosimetria das penas aplicadas, as mesmas foram determinadas com a correcta aplicação da Lei, nomeadamente decorrente dos artºs 40º, 70º e 71º do Código Penal, não nos merecendo aquelas qualquer censura.
13 – Bem andou o Tribunal a quo ao não aplicar ao arguido o regime penal aplicável a jovens delinquentes, previsto no Decreto-Lei nº 401/82, de 23.09, por um lado porque a elevada gravidade dos factos o desaconselha, em nosso entender, porque a personalidade do arguido na sua execução é de evidente frieza e de evidente desconsideração pela vida humana, o que igualmente afasta a possibilidade de fazer um juízo favorável para a sua aplicação, porque o arguido apos a prática destes factos voltou a praticar crime igualmente grave, e porque o arguido ao não prestar declarações não pode ficar informado do sentimento que aquele manifesta perante a conduta mantida, bem como do seu arrependimento, o que igualmente inviabiliza qualquer fundamento para a aplicação da atenuação decorrente desta lei especial
14 – A pena de prisão que se fixou em 7 anos e 6 meses é justa, e a adequada as necessidades de prevenção geral e especial que se exigem, bem como proporcional e adequada à salvaguarda dos fins punitivos que se exige.
15 – Em suma, entende-se ser de manter, na íntegra, o acórdão recorrido por nenhuma censura nos merecer.
(…)
• quanto ao recurso do arguido BB
(…)
1 - Insurge-se o recorrente contra a factualidade dada como provada no Acórdão recorrido, a qual, em seu entender, foi erradamente julgado e valorado pelo Tribunal a quo, atenta a prova produzida em julgamento, a qual impunha a sua absolvição.
2 – Mais entende o arguido recorrente que, a ser condenado, se impunha que ao mesmo viesse a ser aplicada a atenuação do regime especial penal aplicável a jovens delinquentes, e que se mostra previsto no Decreto Lei nº 401/82, de 23.09, sendo que as penas parciais e única aplicadas se mostram excessivas.
3 - O recurso em matéria de facto não pode constituir uma reapreciação total pelo Tribunal de recurso do complexo de elementos de prova produzidos e que serviram de fundamento à decisão recorrida. Diversamente, apenas poderá ter como objecto uma reapreciação autónoma do Tribunal de recurso sobre a razoabilidade da decisão tomada pelo Tribunal a quo quanto aos pontos de facto que o Recorrente considere incorrectamente julgados, tendo por base a avaliação das provas que, na indicação do Recorrente, imponham decisão diversa da recorrida ou determinado a renovação das provas nos pontos em que entenda que deve haver renovação da prova.
4 – O arguido descurou o ónus de impugnação especifica a que estava obrigado.
5 - No caso em apreço, o arguido, limita-se a discordar da convicção do Tribunal a quo no que concerne à valoração da prova produzida em sede de audiência de julgamento, querendo apenas impor aquilo que seria a sua própria convicção sobre os factos.
6 - A este propósito, constitui entendimento pacífico há muito estabelecido na jurisprudência dos nossos Tribunais superiores que não há erro na apreciação da prova quando o que o recorrente invoca não é mais do que uma discordância sua quanto ao enquadramento da matéria de facto provada.
7 – Efectivamente, desde que a convicção do Tribunal seja devidamente fundamentada, e alicerçada nas normais regras da experiencia, e assentem num raciocínio lógico, não pode a livre convicção do julgador, de quem decide, ser substituída por aquela que é a razão dos demais intervenientes processuais.
8 - Neste sentido, concorda-se na integra com a fundamentação do Tribunal a quo, vertida no Acórdão recorrido, na qual conclui de forma irrepreensível pelos factos que deu como provados, bem como na sua subsunção no Direito aplicado.
9 - Não nos merece qualquer censura o raciocínio feito pelo Tribunal a quo, que o conduziu a concluir nos termos em que o decidiu, com inteira ponderação, objectividade e justiça.
10 – Mais, perante a prova que o Tribunal a quo atendeu e valorou, e da análise critica que dela fez, não decorre do texto do Acórdão recorrido que as Mmas Juiz de Direito tivessem quaisquer dúvidas como os factos sucederam, e de que o arguido foi o seu co-autor.
11 - O Tribunal, como decorre do texto do Acórdão recorrido, decidiu com firme convicção e fundamentação e, concluiu pela condenação do arguido, de forma indubitável.
12 – Quanto a dosimetria das penas aplicadas, as mesmas foram determinadas com a correcta aplicação da Lei, nomeadamente decorrente dos artºs 40º, 70º e 71º do Código Penal, não nos merecendo aquelas qualquer censura.
13 – Bem andou o Tribunal a quo ao não aplicar ao arguido o regime penal aplicável a jovens delinquentes, previsto no Decreto-Lei nº 401/82, de 23.09, por um lado porque a elevada gravidade dos factos o desaconselha, em nosso entender, porque a personalidade do arguido na sua execução é de evidente frieza e de evidente desconsideração pela vida e pelo bem estar físico de terceiros, o que igualmente afasta a possibilidade de fazer um juízo favorável para a sua aplicação, porque o arguido após a prática destes factos veio a fazer publicações nas redes sociais vangloriando-se do “seu feito”, bem como da circunstância de o assistente estar hospitalizado, o que é evidente da falta de empatia e de arrependimento que nutre, o que igualmente inviabiliza qualquer fundamento e juízo favorável para a aplicação da atenuação decorrente desta lei especial.
14 – Igual raciocínio se faz relativamente à aplicação da suspensão da execução da pena de prisão, por entendermos que atentos os fundamentos supra, também não se nos mostra possível fazer um juízo de prognose favorável que justifique a sua aplicação.
15 – A pena de prisão que se fixou em 2 anos e 6 meses é justa, e a adequada as necessidades de prevenção geral e especial que se exigem, bem como proporcional e adequada à salvaguarda dos fins punitivos que se exige.
15 – Em suma, entende-se ser de manter, na íntegra, o acórdão recorrido por nenhuma censura nos merecer.
(…)
***
Os recursos foram admitidos, com subida imediata, nos próprios autos e efeito suspensivo.
Uma vez remetido a este Tribunal, a Exma. Senhora Procuradora-Geral Adjunta emitiu parecer no sentido da improcedência dos recursos, secundando as motivações das respostas de primeira instância.
Formalidades subsequentes asseguradas.
Proferido despacho liminar e colhidos os Vistos, teve lugar a Conferência.
***
Objecto do recurso
Resulta do disposto conjugadamente nos arts. 402º, 403º e 412º nº 1 do Cód. Proc. Penal que o poder de cognição do Tribunal de recurso é delimitado pelas conclusões do recorrente, já que é nelas que sintetiza as razões da sua discordância com a decisão recorrida, expostas na motivação.
Além destas, o Tribunal está ainda obrigado a decidir todas as questões que sejam de conhecimento oficioso, como é o caso das nulidades insanáveis que afectem a decisão, nos termos dos arts. 379º nº 2 e 410º nº 3 daquele diploma, e dos vícios previstos no artº 410º nº 2 do mesmo Cód. Proc. Penal, que obstam à apreciação do mérito do recurso, mesmo que este se encontre limitado à matéria de direito, tal como se assentou no Acórdão do Plenário das Secções do STJ nº 7/95 de 19.10.1995 [DR, Iª Série - A de 28.12.1995] e no Acórdão para Uniformização de Jurisprudência nº 10/2005, de 20.10.2005 [DR, Iª Série - A de 07.12.2005].
Das disposições conjugadas dos arts. 368º e 369º, por remissão do artº 424º, nº 2, ambos do mesmo Cód. Proc. Penal, resulta ainda que o Tribunal da Relação deve conhecer das questões que constituem objecto do recurso pela seguinte ordem preferencial:
Em primeiro lugar, das que obstem ao conhecimento do mérito da decisão (artº 379º do citado diploma legal);
Em segundo lugar, das questões referentes ao mérito da decisão, desde logo, as que se referem à matéria de facto, começando pela chamada impugnação alargada, se deduzida [artº 412º], a que se segue o conhecimento dos vícios enumerados no artº 410º nº 2 sempre do mesmo diploma legal.
Finalmente, as questões relativas à matéria de direito.
Os arguidos, nas conclusões do recurso, fixam o objecto de apreciação requerida nas seguintes questões:
O arguido BB:
- insuficiência para a decisão da matéria de facto dada como provada e erro na apreciação desta, mostrando-se em consequência violado o disposto nas al.) a) e c) do nº 2 do artigo 410º Cód. Proc. Penal;
- violação do princípio in dubio pro reo;
- erro na apreciação da prova;
- violação das normas relativas à determinação da pena e aplicação do regime especial para jovens;
- falta de fundamentação quanto à procedência do pedido de indemnização.
O arguido AA:
- erro notório na apreciação da prova quanto aos factos 3.º, 5.º, 6.º, 7.º, 8.º, 9.º, 10.º, 11.º, 16.º, 17.º, 18.º, 19.º, 20.º, 21.º, 22.º da matéria de facto considerada provada e que foram incorretamente dados como provados;
- violação do princípio in dubio pro reo;
- falta de fundamentação de facto e contradição;
- errada qualificação jurídica dos factos;
- violação das normas relativas à determinação da pena e aplicação do regime especial para jovens;
- falta de fundamentação quanto à procedência do pedido de indemnização.
***
Fundamentação
O Tribunal recorrido fixou a matéria de facto do seguinte modo:
(…)
Factos provados
1. Em data não apurada, mas pelo menos no dia .../.../2021, entre outros, os arguidos AA e BB e dois indivíduos acordaram entre si agredir o ofendido CC (doravante, CC), utilizando para o efeito armas brancas, decidindo, igualmente, golpear e desferir pancadas em indivíduos que o acompanhassem e/ou o tentassem defender;
Assim, na execução do plano:
2. No dia .../.../2021, pelas 18h00, tendo tido conhecimento que o ofendido CC se encontrava a confraternizar com outros jovens no ..., na ..., em ..., um grupo de pelo menos 10 (dez) pessoas, do qual faziam parte os arguidos AA e BB e outros dois indivíduos dirigiu-se para aquele local, munido de, pelo menos, uma faca de cozinha com cerca de 20 (vinte) cm de lâmina, uma faca com 8 (oito) cm de lâmina.
3. Lá chegados, após apurarem quem o ofendido CC era junto do grupo de jovens que ali se encontrava (questionando quem era o ...), de imediato àquele se dirigiram, tendo um dos indivíduos, lhe desferido um golpe com uma faca de características não apuradas na sua perna esquerda;
4. Em reação ao sucedido, o ofendido DD (doravante, DD) que também ali se encontrava, puxou o ofendido CC para o tentar tirar daquele local, fazendo com que este tropeçasse e caísse no solo;
5. Nesse momento, sem que o ofendido CC se pudesse defender, um individuo e outros não identificados, começaram a desferir diversos pontapés, em número não concretamente apurado e pancadas com pedras da calçada, no seu corpo, tendo o arguido BB lhe desferido, pelo menos, uma pancada na cabeça com o objeto que trazia;
6. Ao ter-se apercebido que alguns indivíduos se encontravam com facas empunhadas, o ofendido CC receando pela sua vida, logrou levantar-se e colocar-se novamente em fuga, atravessando a estrada, sendo perseguido por um pequeno grupo de indivíduos que compunha o grupo inicial;
7. Contudo, voltou a cair ao chão, momento em que o arguido AA lhe desferiu um golpe com uma faca com 20 cm de lâmina nas suas costas;
8. Ainda assim, o ofendido CC conseguiu levantar-se novamente e colocar-se em fuga, continuando a ser perseguido pelo arguido AA que logrou alcançá-lo e desferir mais um golpe de faca nas suas costas;
9. Receando pela sua vida, ao se aperceber que um transeunte não identificado vinha a descer a rua interior do local onde se encontrava, o ofendido CC dirigiu-se àquele para lhe pedir ajuda, fazendo com que o arguido AA cessasse a perseguição que lhe movia;
10. Como interveio para ajudar o ofendido CC, o ofendido DD também foi visado pelo grupo agressor, tendo um dos seus elementos não identificado desferido um golpe com uma faca de características não apuradas no seu braço direito;
11. Do mesmo modo, e porque se encontrava junto do ofendido CC, o ofendido EE (doravante, EE), foi igualmente visado pelo grupo agressor, tendo um individuo do grupo, desferido um golpe com uma faca de características não apuradas que o atingiu na região escapular esquerda;
12. Após atuarem do modo acima descrito, os elementos do grupo, colocaram-se em fuga;
13. Ao constatar que se encontrava a perder muito sangue e a ficar tonto, o ofendido CC colocou-se no meio da estrada para pedir ajuda aos condutores dos veículos que ali circulavam, tendo um deles parado e o transportado para o ...;
14. Como consequência direta e necessária da conduta dos arguidos:
- o ofendido CC sofreu dores nas regiões atingidas, bem como «feridas sangrantes na região escapular esquerda, região lombar esquerda e região anterior da coxa sangrante, com secção de ramo secundário da artéria femoral com uma grande hemorragia incontrolável e cicatriz da região escapular esquerda com vestígios de pontos 23/7 mm, cicatriz da região lombar esquerda a nível da L5 com 21/12mm e cicatriz na região anterior da coxa esquerda terço proximal com vestígios de pontos com 18/3 mm e complexo cicatricial da região interna terço médico coxa esquerda com 82/56mm», lesões essas que lhe determinaram 21 dias de doença, com 21 dias de incapacidade para a frequência escolar;
- o ofendido DD sofreu dores na região atingida, bem como «ferida incisa na região posterior terço distal do braço direito e uma hemorragia activa incontrolável, sem compromisso neurocirculatório e uma cicatriz de 22/7 mm», lesões essas que lhe determinaram um período de 21 dias de doença, com 21 dias de incapacidade para o trabalho;
- o ofendido EE sofreu dores na região atingida, bem como «ferida incisa sangrante na região escapular esquerda e uma cicatriz de 14/5 mm», lesões essas que lhe determinaram um período de 10 dias de doença, com 10 dias de incapacidade para a frequência escolar;
15. Em data não concretamente apurada posterior à data dos factos, o arguido BB publicou um vídeo no seu estado do Whatsapp, do qual constavam as palavras «...», «+1 xinado», «+2 marcas na perna», alusivo ao ataque que os arguidos praticaram contra o ofendido CC;
16. Com as condutas acima descritas, os arguidos AA e BB agiram, em conjugação de esforços e intentos com outros indivíduos, com o propósito concretizado de molestar o corpo e a saúde dos ofendidos CC, DD e EE o que representaram;
17. Agiu ainda o arguido AA com o propósito de tirar a vida ao ofendido CC, o que apenas não logrou concretizar por motivos alheios à sua vontade;
18. Os arguidos AA e BB agiram com reflexão sobre os meios empregados com o propósito de molestar o corpo e a saúde dos ofendidos e produzirem as lesões referidas, bem como para se poderem gabar do seu feito nas redes sociais, o que representaram;
19. Sabiam os arguidos AA e BB que se encontravam em superioridade numérica e que ao agirem num grupo constituído por pelo menos 10 (dez) pessoas lhes conferia especial vantagem sobre os ofendidos e fazia com que estes oferecessem menor resistência e tivessem menor capacidade de defesa;
20. Contudo, não obstante tal conhecimento, os arguidos AA e BB quiseram e agiram como se descreveu, a fim de melhor executarem o plano criminoso por si previamente elaborado;
21. O arguido AA tinha ainda conhecimento das características e da natureza da faca acima mencionada, bem sabendo que não lhe era permitido detê-la e usá-la nas circunstâncias acima descritas, contudo não se coibiu de o fazer porque era esse o seu propósito;
22. Os arguidos agiram de forma livre, voluntária e consciente, bem sabendo que as suas condutas eram proibidas e punidas por lei, como crime. Dos antecedentes criminais:
23. O arguido BB não tem antecedentes criminais;
24. O arguido AA tem antecedentes criminais, já tendo sido condenado:
- por decisão em processo tutelar educativo, transitada em julgado em 23.02.2021, pela prática em ........2019 de um crime de ofensas à integridade física simples, na imposição de obrigações pelo período de 18 meses;
- por acórdão transitado em julgado em 10.01.2022, pela prática em ........2021, de um crime de roubo na pena de 4 anos de prisão.
Das condições pessoais dos arguidos: BB:
25. O arguido tem 19 anos, vive com a mãe o padrasto e um irmão de 13 anos.
26. Não obstante a ausência física do progenitor, BB perceciona o padrasto como referencial paterno.
27. A dissolução da união marital dos pais biológicos de BB ocorreu quando este tinha três anos de idade, desfecho que o mesmo não destaca como impactante, face às suas escassas memórias daquele período. Refira-se que, até aos onze anos, o arguido não teve ligação com o pai.
28. Desde então, passou a experienciar uma proximidade gratificante junto pai e do padrasto, com referência ao afeto e apoio incondicional do pai, pese embora este se mantenha emigrado na ....
29. O arguido reside numa moradia arrendada, no endereço indicado nos autos, meio onde efetuou grande parte do seu percurso de socialização, sensivelmente desde 2014.
30. BB residiu na zona de ..., até aos nove anos de idade, altura em que mudou para a atual residência. Em ... de 2022 foi viver para a ... com o pai biológico, tendo regressado a Portugal em ... de 2023.
31. Encontrava-se a frequentar o curso profissional de ..., na ..., sita em ..., formação que lhe conferirá a equivalência ao 12.º ano de escolaridade.
32. Neste momento está a tirar a carta de condução e pretende trabalhar no estrangeiro.
33. Não tem ocupação laboral, trabalhou em regime de part-time no ramo da......), ocupação que manteve até se inscrever no curso profissional que se encontra a frequentar.
34. BB depende financeiramente da mãe e do padrasto, que apresentam uma situação laboral estável, operando, respetivamente, como ...e ... oficial.
35. BB assume que, para além de tabagista, também consome, pontualmente, substâncias estupefacientes (haxixe), sobretudo em contexto de diversão noturna.
36. BB iniciou os consumos de tabaco com 16 anos e de haxixe com 17 anos de idade.
AA:
37. AA vivia com a mãe e irmã numa casa arrendada situada na .... Foi neste período (... de 2021) que, aos dezasseis anos, ficou sujeito a prisão preventiva no âmbito de um processo no qual veio a ser condenado a quatro anos de prisão efetiva.
38. Sem qualquer vínculo profissional, à data dos factos, o arguido assumia um estilo de vida ligado aos consumos de álcool e estupefacientes;
39. O arguido é natural do ..., tendo vindo para Portugal com a progenitora e a irmã, quando contava apenas um ano de idade, em busca de melhores condições de vida. O progenitor permaneceu no país de origem.
40. Uma vez em Portugal, a progenitora começou a trabalhar como ... atividade que viria a manter até há escassos meses atrás, fase em que se reformou. A família fixou residência no ..., tendo posteriormente, mudado várias vezes de residência.
41. AA iniciou o seu percurso escolar com a idade habitual, mas revelou, desde cedo, desadaptação precoce, revelando dificuldades de aprendizagem e marcados problemas de agressividade, na relação com os seus pares, situação especialmente evidente até ao 4º ano de escolaridade.
42. Acompanhado ao nível da psicologia e da psiquiatria, foi-lhe diagnosticado “deficit de atenção”, em parte, por certo, responsável, pela maioria dos problemas elencados. Foi acompanhado no ..., nas vertentes acima referenciadas, tendo sido sujeito à toma de medicação psicofarmacológica. Referiu, todavia, ter interrompido a toma da mesma, na sequência de alegada sonolência. Todo este contexto, conduziu ao abandono dos estudos, no decorrer do 7º ano de escolaridade.
43. Presentemente e desde a sua saída em liberdade condicional, em ... de 2024, que vive com a namorada, no primeiro andar de uma moradia, pertencente à família daquela, sendo que no rés-do-chão da referida habitação, reside uma irmã da namorada;
44. Em termos profissionais o arguido encontra-se a trabalhar, desde ... do corrente ano, na empresa “...” dedicando-se à ...;
45. No plano económico, em termos de receitas, salienta-se o vencimento do arguido, no valor de 836 euros mensais. A namorada não aufere qualquer quantia monetária.
Do pedido de indemnização civil:
46. O Assistente ficou perturbado no seu sentimento de segurança, e na sua liberdade de movimentação;
47. Em consequência da conduta dos ora demandados o Assistente, foi submetido a tratamento médico e psicológico;
48. O assistente ainda se encontra em estado de sobressalto, angústia, ansiedade e receio pela sua vida e integridade física;
49. Continua a recear sair da sua habitação sozinho, por temer pela sua vida;
50. O assistente ficou afetado psicologicamente revelando sentimentos de tristeza e dificuldade para dormir;
51. O assistente em face da atuação dos arguidos ficou com cicatrizes visíveis na zona escapular, coxa e zona lombar;
52. O assistente passou por um longo período de recuperação física que envolveu perda de rendimento escolar;
Matéria de facto não provada
a) Desde data não apurada, mas anterior a .../.../2021, os arguidos AA (de alcunha ...) e BB (de alcunha ...) e os indivíduos JJ e KK (menores de 16 anos à data dos factos) pertencem ao gang ...;
b) Em data não apurada, mas anterior a .../.../2021, o ofendido CC (de alcunha ...) por não gostar que os elementos os elementos do gang ... frequentassem a zona da ..., começou a dirigir-lhes provocações através das redes sociais;
c) Nessa sequência, um conjunto de elementos do gang ..., do qual faziam parte os arguidos AA (doravante, AA) e BB (doravante, BB) e os indivíduos JJ e KK decidiram retaliar;
d) Nas circunstâncias descritas em 1., que deram uso a um bastão.
e) Nas circunstâncias referidas em 2., que estavam munidos de um bastão em madeira;
f) Que o objeto usado na situação descrita em 5., era um bastão.
g) Nas circunstâncias descritas em 12., que os elementos pertenciam ao gang ....
h) Nas circunstâncias descritas em 17., que o arguido BB agiu com aquele propósito.
i) No momento descrito em 18., que os arguidos agiram através de um meio particularmente perigoso, cuja perigosidade conheciam, apenas como retaliação por este ter anteriormente se envolvido numa troca de provocações com elementos do gang ....
j) Que o arguido BB tinha conhecimento das circunstâncias descritas em 21., e que foi usado um bastão.
k) Que o assistente incorreu em despesas hospitalares e terapêuticas.
l) Tais cicatrizes representam desfiguração permanente, que afeta a capacidade de trabalho ou oportunidades profissionais;
m) O assistente está impedido de ao dia de hoje exercer totalmente qualquer atividade profissional, a par do percurso escolar normal;
n) O assistente sofreu um transtorno de stress pós-traumático (TEPT);
(…)
O Tribunal recorrido fundamentou a decisão de facto do seguinte modo:
(…)
A convicção do Tribunal quanto aos factos provados formou-se atendendo à prova constante dos presentes autos e produzida em sede de audiência de julgamento nos termos do art.º 355º n.º 1 do CC, valorada atendendo ao princípio da livre apreciação, consagrado no artigo 127.º do Código de Processo Penal. Nesta sede tendo, o tribunal feito uso das regras de experiência comum.
Os arguidos não prestaram declarações em audiência de julgamento pelo que desconhece o Tribunal a sua posição quanto aos factos ou à forma como os mesmos se desenvolveram da perspetiva dos mesmos.
Quanto aos pontos 1 a 13 o Tribunal atendeu maioritariamente, ao depoimento do Assistente CC que explicou de forma pormenorizada e espontânea as agressões que sofreu e a forma como as mesmas foram perpetradas, e ainda ao depoimento das demais testemunhas que assistiram aos factos e os restantes ofendidos.
Não teve dúvidas o Tribunal que naquele dia e àquela hora um grupo de pessoas se juntou no ..., perto da escola secundária da ..., e que iniciou uma confusão com o ofendido CC, com o objetivo de o agredir, o que conseguiram, não só através do uso das mãos e pés mas também com recurso a outros objetos e facas. No qual estavam presentes entre outros os arguidos, quer o AA, que foi identificado por todas as pessoas como sendo o indivíduo loiro, caucasiano e de tranças e o arguido BB que identificaram através da rede social Instagram, por ter sido quem publicou os vídeos dos factos e as publicações sobre a ida para Hospital do ofendido CC.
Vejamos,
Foi ouvido o Assistente CC, que referiu sucintamente que naquele dia estava com o seu amigo LL e iam para casa, mas antes decidiram passar no ..., onde encontraram o FF que lhe disse que ia haver confusão, mas que o ofendido como sabia não ser nada com este manteve-se calmo.
Refere que pelo menos 10 pessoas se aproximaram dele, e colocaram-se todos à sua frente e que um deles perguntou quem era o ... (alcunha usada por CC), sendo que o Assistente nada disse, mas identificou-se e refere que foi logo agredido com uma facada e um empurrão. Nesse momento terá aparecido a testemunha DD que tentou afastar o agressor e acabou por levar uma facada, mas que em relação a isto não viu, só soube mais tarde.
O ofendido referiu ainda que começou a fugir e acabou por tropeçar e cair e que nesse momento foi agredido por um grupo de pessoas com paus, e garrafas e que viu o arguido BB naquele grupo com algum objeto na mão e que lhe deu uma pancada na cabeça e sentiu também pontapés nas costas.
Mais refere que conseguiu levantar-se e fugir e atravessou a estrada, mas que acabou por cair no meio das duas faixas e que olhou para trás e viu o arguido AA a correr atrás de si com uma faca de grandes dimensões, que refere ter cerca de 50 centímetros, e que o mesmo lhe desferiu duas facadas nas costas com a aludida faca. Que nesse momento pediu ajuda e que passou uma pessoa e ele conseguiu entrar no carro e pediu que o levasse para o Hospital. Que quem foi com ele no carro foi o LL.
O Tribunal analisou o vídeo junto aos autos no CD a fls. 160 e também a fls. 305 e 355.
No vídeo é possível verificar que estão muitas pessoas e está escuro e que se ouvem muitos gritos, não identificando especificamente ninguém, com exceção do arguido AA que surge na parte final do vídeo, com a iluminação da rua, e já do outro lado da via, e é possível verificar o mesmo com uma faca na mão descaída com a ponta virada para baixo, com uma lâmina de grandes dimensões, mas que seria de pelo menos 20 centímetros. Tal imagem é perfeitamente visível para qualquer pessoa que visualize o vídeo e impressiona pela brutalidade da imagem, veja-se a imagens a fls. 326 do lado direito onde consta o auto de visualização do vídeo, é percetível a faca na mão do arguido.
No que respeita ao vídeo ainda referir que o mesmo foi retirado da página de Instagram do arguido BB, identificado pelas testemunhas como sendo o mesmo, e que ainda tem mais duas publicações uma a dizer “...”, “+ um xinado”, conforme resulta do auto de visualização a fls. 161 e ss.
Na identificação feita à página de Instagram de nome “…” surge uma fotografia do mesmo onde é compatível com as feições do arguido que esteve presente em audiência de julgamento pelo que não existem quaisquer dúvidas que a página do Instagram lhe pertence. Veja-se os prints a fls. 172 e ss.
No mais e para reforçar a versão apresentada pela testemunha/assistente CC, foi ouvida a testemunha EE e o mesmo referiu conhecer o CC por serem vizinhos e o arguido BB de vista.
Refere quanto ao dia dos factos que se recorda de ver muitas pessoas no parque naquele dia, nomeadamente o MM, o CC, o LL, o DD e a NN e também o FF.
Eram muitas pessoas não sabe precisar, mas podiam ser cerca de 20 pessoas, e que o grupo se aproximou do CC para falar com ele, e que no meio daquela confusão acabou por levar uma facada nas costas, apesar de não ter visto o agressor e que soube também que o DD foi golpeado no braço.
A testemunha conseguiu fugir, mas viu que havia pessoas a fugir e cair no chão, não conseguindo precisar se uma das que estava no chão era o CC, porque após a facada só queria fugir do local e não se recorda de mais nada.
Refere que assistiu ao vídeo, e que todas as pessoas tiveram acesso ao mesmo.
Não sabe quem é o arguido AA e não o conhece.
Foi ouvida a testemunha DD que descreveu os factos ocorridos naquele dia. Confirmou a hora e local dos factos já não se recordando do dia, mas que estava no local com o CC e o EE e mais umas pessoas que ele não conhecia, e que nesse momento viu que se aproximaram muitos indivíduos que perguntaram pelo CC, gritando pela alcunha “...” pelo que era conhecido, e que foi tudo muito rápido. Refere que assim que perceberam quem era o ... que avançaram para o CC com violência, com murros e foi aí que a testemunha refere que se colocou à frente para os afastar do CC e foi atingido com uma faca no braço, sendo que nesse momento ao empurrar o CC o mesmo acabou por cair ao solo.
O CC conseguiu, no entanto, levantar-se e fugir, mas deu conta que quando ele estava no chão, estava aos gritos e muitas pessoas à volta dele com facas e pedras, mas que não viu quem, nem como o agrediram.
Não assistiu a mais nada.
Quanto à agressão sofrida refere que foi ao Hospital receber tratamento médico e que levou 12 pontos no braço.
Foi ouvida a testemunha LL, o mesmo referiu que naquele dia saiu da escola com o CC e foram até ao ..., e que era fim de tarde. Estava com o EE, o DD e o FF. Apareceram muitas pessoas no local, acha que eram mais que 10, e alguns traziam facas e paus nas mãos. Perguntaram pelo CC através da sua alcunha e que sabe que foi agredido, uma vez que não se recordava foram lidas as suas declarações prestadas em sede de inquérito a fls. 169 e ss., e confirmou as mesmas, e lá refere que viu pessoas aproximarem-se do CC e agredirem o mesmo e que ele fugiu, mas ainda viu um dos indivíduos esfaquear o CC quando ele estava já no chão e outros darem-lhe pontapés, mais viu que o CC conseguiu levantar-se e atravessar a estrada mas foi seguido por um grupo de pessoas e viu um deles já do outro lado da estrada desferir duas facadas no CC, uma nas pernas e uma nas costas.
Foi ouvida a testemunha HH, e igualmente lidas as suas declarações prestadas em inquérito a fls. 398, uma vez que a testemunha já não se recordava bem dos factos, tendo confirmado as mesmas. Em resumo afirmou ter estado presente no dia dos factos, e que visualizou um grupo grande de pessoas, onde reconheceu alguns incluindo o arguido AA, conhecido pela alcunha “BM”. Este último terá dito à testemunha para ir para casa, mas este foi ver o que se passava por sugestão do conhecido OO. Confirma que o grupo perguntou quem era o “...” e que assim que se identificou foi agredido. No mais refere que voltou a ver o ofendido CC já do outro lado da estrada e ouviu um grito de dor, e que a única pessoa que estava perto dele era o “BM” o arguido AA, acrescentando que o mesmo tinha consigo uma faca de grandes dimensões na mão tipo faca de cozinha.
Confrontado com o vídeo que se encontra junto aos autos, confirmou que a pessoa que persegue CC com uma faca na mão, é o arguido AA.
Ouvida a testemunha OO, o mesmo confirmou que esteve presente no dia dos factos que combinou com uma amiga de nome GG e que foram ao parque e aperceberam-se de uma confusão. Que esteve com o HH também no parque e que estavam muitas pessoas. Foram igualmente lidas as declarações que prestou em fase de inquérito a fls. 390 e que o mesmo confirmou, onde refere que viu o arguido AA que chamou pela alcunha “BM”, a desferir facadas no ofendido CC e que o viu dar dois ou três movimentos já depois da vítima ter passado a estrada.
Por fim a testemunha FF foi ouvida e confirmou a mesma versão apresentada por todas as testemunhas, que chamaram pela alcunha do CC e que este se identificou e que o agrediram, nessa sequencia viu que o CC tentou fugir para o outro lado da estrada e que o arguido AA que identifica como BM, foi atrás dele e lhe desferiu pelo menos uma facada.
Em face da coerência dos depoimentos, o Tribunal não teve dúvidas em dar como provada a factualidade, já que com diferenças em alguns pormenores, normais dos depoimentos de várias pessoas que assistem a um mesmo episódio, todos foram unânimes quanto ao desenrolar dos acontecimentos e bem assim quando às vítimas e a forma como foram agredidas, e bem assim a quem desferiu as facadas no ofendido.
No que respeita ao número de pessoas no local, apesar dos esforços de cada uma das testemunhas não se apurou um número concreto de intervenientes, mas é seguro afirmar que pelo menos seriam 10 indivíduos que se juntaram para agredir o ofendido CC e quem se colocasse no caminho, como aconteceu com EE e DD.
Apesar de o Tribunal ficar sem perceber o que esteve na origem deste desacato, é certo que os indivíduos agiram com o propósito de naquela tarde agredirem o ofendido CC, tendo desde logo chamado apenas por este quando se aproximaram do parque.
Sendo que em relação às últimas facadas que foram desferidas no ofendido CC, as testemunhas referiram que aí apenas estava o arguido AA e que este foi atrás do ofendido CC e que lhe desferiu as facadas e que nesse momento ele era a única pessoa junto à vítima.
Ditam as regras da experiência comum que esta parte dos factos não havia sido acordada entre todos, partindo unicamente da iniciativa do arguido AA perseguir a vítima CC para lhe tirar a vida, com a faca de grandes dimensões que transportava e que todas as testemunhas observaram na sua mão.
Foram ainda ouvidas as testemunhas GG e a mãe do ofendido PP, que apesar de não terem assistido aos factos explicaram como chegaram aos arguidos e o que apuraram que tinha acontecido. Sendo que no caso da testemunha GG a mesma confirmou as declarações que haviam sido prestadas pela testemunha OO e HH, por ter estado com eles momentos antes da contenda no aludido parque.
No mais, o Tribunal atendeu aos restantes documentos juntos aos autos, nomeadamente o relatório pericial efetuado ao local do crime a fls. 222 e ss., e 249, autos de apreensão a fls. 30, 150, 159, 166 e 205 e ainda os autos de busca e apreensão a fls. 514, 530 e 544.
Atendeu ainda para identificação dos arguidos aos autos de reconhecimento pessoal a fls. 559 e ss., 562 e ss., 565 e ss., e 568 e ss..
O ponto 14 relativo às lesões sofridas pelos ofendidos, o Tribunal atendeu ao teor dos autos de exame direto juntos aos autos a fls. 66 a 69 e 85 a 89, que descrevem as lesões sofridas pelos ofendidos e os períodos de incapacidade. Bem como as informações clínicas a fls. 42 e ss., 51 e ss., e 61 e ss.
Ainda baseou a sua convicção nas fotografias juntas aos autos, a fls. 144 e ss., retiradas aos ofendidos onde são visíveis as dimensões das lesões e o local ondes as mesmas se deram.
O ponto 15 resulta dos prints a fls. 162 e ss., juntos aos autos pelas testemunhas EE e LL, onde atendendo à hora da publicação e conjugado com o vídeo publicado pelo mesmo arguido na sua página de Instagram, só se poderia referir aos factos acabados de ocorrer, na ... em que o ofendido CC havia sido esfaqueado e mais duas pessoas.
Conjugada toda esta prova e aliada às regras de experiência comum, foi possível dar como provado os factos relativos aos elementos intelectuais do arguido descritos nos pontos 16 a 21, de que os arguidos agiram em comunhão de esforços com mais indivíduos com o propósito ofender o corpo do ofendido CC, EE e DD, utilizando para tanto facas e outros objetos, atingindo os ofendidos no seu corpo, sabendo que lhes causavam dor e lesões e que o faziam com superioridade numérica, e que isso diminuía a sua possibilidade de defesa, bem sabendo que incorriam na prática de crimes.
Ainda em relação ao arguido AA o mesmo agiu com o propósito de tirar a vida ao ofendido CC, bem sabendo que utilizando uma faca com uma lâmina de pelo menos 20 centímetros poderia causar golpes grandes e profundos e em face das zonas do corpo atingidas, coxa e costas que não podia desconhecer que podiam causar a morte ao ofendido, e bem assim que não lhe era permitido usar aquela faca naquelas condições, bem sabendo que incorria na prática de crimes.
No que respeita ao ponto 23 e 24 dos factos provados atendeu-se ao conteúdo dos Certificados de Registo Criminal atualizados, juntos aos autos.
Relativamente aos pontos 25 a 45, o tribunal atendeu ao teor dos relatórios sociais juntos aos autos.
Os factos descritos nos pontos 46 a 52, resultaram não só da prova documental junta aos autos, quer a informação clínica quer o auto de exame direto, mas também das declarações prestadas pelo Assistente CC, que descreveu as dores que sentiu e a recuperação lenta que sofreu, e bem assim o receio que teve e tem em face da atuação dos arguidos, tendo referido um episódio ocorrido tempo depois junto à sua casa em que ainda o atemorizou mais. Refere que teve acompanhamento psicológico e que continua com medo e receio de sair de casa sozinho.
No mais a dificuldade em dormir, o insucesso escolar decorreu das declarações da mãe do ofendido PP que descreveu não só tais situações como o medo e receio que o seu filho continua a ter de que situações como a que viveu possam repetir-se ou mesmo que possam tirar-lhe a vida.
É notório que uma pessoa que é perseguida na rua por outra com uma faca de grandes dimensões e que sofre facadas no seu corpo, ficando hospitalizado, recebendo transfusões de sangue e correndo perigo de vida, que sinta um trauma, angústia e ansiedade muito grandes e receio pela sua vida e integridade física.
No mais é visível das imagens juntas aos autos a fls. 147 que, pelo menos a lesão presente na zona da coxa do ofendido CC, gerou uma cicatriz de grandes dimensões e que afeta obviamente a autoestima do ofendido.
Os factos que não resultaram provados, deveu-se à ausência de prova consistente, em relação aos mesmos.
Desde logo a existência de um gang de nome ....
É certo que algumas testemunhas referiram que os arguidos pertenciam a um grupo e até alguns denominaram o mesmo de ..., porém desconhece o Tribunal, porque não foi referido com certeza pelas testemunhas, a que se dedica este grupo para que possa enquadrá-lo no conceito de “gang”.
Ficou o Tribunal sem compreender o que motivou os factos, aliás nem o ofendido CC conseguiu explicar porque razão naquele dia existiu uma confusão que visava o mesmo.
Foi adiantado pelo mesmo e por algumas testemunhas, que poderia dever-se a uma contenda anterior com a testemunha FF, mas nenhuma testemunha conseguiu explicar porque razão aquele grupo de indivíduos tinha “contas a acertar” com o ofendido CC.
Assim desde logo não se apuraram as alíneas a) a c), g) e i).
Em relação ao bastão, nenhuma das testemunhas referiu a existência de um bastão, algumas fizeram referência a paus, mas bastão não, pelo que o Tribunal não deu como provados os pontos d) a f) e j)
Também não se apurou que o arguido BB tenha agido com o propósito de tirar a vida ao ofendido CC, é certo que acordou com vários indivíduos agredir o ofendido, mas a decisão de tirar a vida ao ofendido CC partiu apenas do arguido AA, até pela participação que se apurou do arguido BB, que esteve presente quanto todos os outros estavam a agredir o ofendido CC, mas em relação ás últimas duas facadas sofridas pelo ofendido, apenas estava no local o arguido AA. Assim, também não se apurou o facto descrito na alínea h).
Muito menos se apurou que o arguido BB tinha conhecimento que o arguido AA tinha uma faca de grandes dimensões na sua posse e a ia usar para atingir o corpo do ofendido CC, para daqui extrair que o mesmo agiu conhecendo tais características e a potencialidade da arma.
Ainda em relação à alínea i), efetivamente não se apurou que os objetos usados, e as facas fossem meios particularmente perigosos para agredir.
No que respeita às alíneas k) a n), nenhum documento foi junto para prova de tais factos, e quer a testemunhas PP ou o Assistente CC os referiu, pelo que atenta a ausência de prova o Tribunal deu-os como não provados.
(…)
Concretamente na escolha e determinação das penas, fundamentou:
(…)
Qualificados juridicamente os factos e operada a sua subsunção aos preceitos legais incriminadores, importa agora operar a escolha e determinação da medida da pena.
Assim, o crime de homicídio simples na forma tentada, é punido com pena de prisão de mínimo de 1 ano, 7 meses e 6 dias e máximo de 10 anos e 8 meses (art.º 131º n.º 1 e 22º do CP)
Que com a agravação prevista no art.º 86º n.º 3 e 4 do RJAM, a moldura penal passa para o limite mínimo de 2 anos, 1 mês e 18 dias a um máximo de 14 anos e 2 meses e 20 dias.
O crime de detenção de arma proibida, previsto e punido pelo artigo 86º n.º 1 d) da Lei 5/2006, de 23.02, é punido com pena de prisão de 1 mês a 4 anos ou com pena de multa de 10 a 480 dias (cfr. artigos 41º, nº 1, e 47º, nº 1, ambos daquele diploma legal).
O crime de ofensas à integridade física qualificada, p. e p. pelo art.º 143º e 145º n.º 1 al. a) do CP, com pena de prisão de 1 mês a 4 anos.
Aplicação do regime penal aplicável a jovens delinquentes
Dever-se-á, ainda, de atender que à data da prática dos factos os arguidos tinham 16 anos de idade pelo que é necessário ponderar a aplicação do regime especial para jovens com idade compreendida entre os 16 e os 21 anos, previsto no Decreto-Lei n.º 401/82, de ....
Resulta da leitura do preâmbulo do diploma supra referido que «o direito penal dos jovens imputáveis deve, tanto quanto possível, aproximar-se dos princípios e regras do direito reeducador de menores.(…)
Trata-se, em suma, de instituir um direito mais reeducador do que sancionador, sem esquecer que a reinserção social, para ser conseguida, não pode descurar os interesses fundamentais da comunidade, e de exigir, sempre que a pena prevista seja a de prisão, que esta possa ser especialmente atenuada, nos termos gerais, se para tanto concorrerem sérias razões no sentido de que, assim, se facilitará aquela reinserção.»
O art.º 4º do aludido diploma prevê uma atenuação especial da pena, dispondo que: “Se for aplicável pena de prisão, deve o juiz atenuar especialmente a pena nos termos dos artigos 73.º e 74.º do Código Penal, quando tiver sérias razões para crer que da atenuação resultem vantagens para a reinserção social do jovem condenado.”
Assim ponderando, verifica-se que os arguidos tinham efetivamente idade compreendida entre os 16 e os 21 anos de idade e não tinham antecedentes criminais à data da prática dos factos, porém não prestaram declarações em audiência de julgamento, não demonstraram qualquer empatia para com as vítimas, pedindo desculpa ou mesmo demonstrando arrependimento e os factos por estes perpetrados causam enormes impacto na tranquilidade e segurança pública e fazem aumentar as exigências de prevenção geral, pela brutalidade como foram praticados, durante a tarde e perto de uma escola, com utilização de facas onde resultaram 3 pessoas esfaqueadas.
Em face do exposto considera-se que no caso não se verificam os pressupostos de que depende a aplicação deste regime, pelo que se afasta.
*
Prevendo um dos crimes em que o arguido AA vai condenado uma pena alternativa de multa ou de prisão impõe-se, desde logo, optar pelo tipo de pena concretamente aplicável. Dispõe, assim, o artigo 70.º do Código Penal que “se ao crime forem aplicáveis, em alternativa, pena privativa e pena não privativa da liberdade, o Tribunal dá preferência à segunda sempre que esta realizar de forma adequada e suficiente as finalidades da punição”.
Este preceito traduz o pensamento do legislador no sentido de reagir contra penas institucionalizadas ou detentivas face ao seu carácter nocivo, sempre que os fins das penas se possam atingir por outra via.
Remete-nos este artigo 40º n.º 1 e 2 do CP para os fins das penas, em especial no que toca aos critérios de prevenção, quer geral quer especial. A prevenção e a culpa, são, pois, instrumentos jurídicos obrigatoriamente atendíveis e necessariamente determinantes para balizar a medida da pena concreta a aplicar.
A defesa da ordem jurídico-penal, tal como é interiorizada pela consciência coletiva (prevenção geral positiva ou de integração) é a finalidade primeira que se prossegue, no quadro da moldura penal abstrata, entre o mínimo, em concreto, imprescindível à estabilização das expectativas comunitárias na validade da norma violada e o máximo que a culpa do agente consente; entre esses limites, satisfazem-se quanto possível, as necessidades de prevenção especial positiva ou de socialização. Ou seja, devendo ter um sentido eminentemente pedagógico e ressocializador, as penas são aplicadas com a finalidade primordial de restabelecer a confiança coletiva na validade da norma violada, abalada pela prática do crime e em última análise, na eficácia do próprio sistema jurídico-penal. – Figueiredo Dias, Direito Penal Português, As consequências Jurídicas do Crime, pág. 55 e seguintes.
No presente caso, as exigências de prevenção geral são prementes, sabe-se que a violência perpetrada com armas, tem merecido redobrados cuidados legislativos exatamente porque a prática de crimes utilizando as referidas armas tem proliferado e causa perturbação na tranquilidade e segurança da comunidade atendendo à potencialidade que as armas tem de tirar a vida e ofender gravemente a integridade física das pessoas por elas atacadas.
Quanto às exigências de prevenção especial as mesmas apresentam-se como medianas em relação ao arguido BB já que o arguido não tem antecedentes criminais, em relação ao arguido AA já elevadas, atendendo a que o mesmo à data da prática dos factos não tinha antecedentes criminais, porém já conta com condenações pela prática de um crime grave onde já cumpriu pena de prisão apesar da sua tenra idade.
Em face das exigências de prevenção geral, apenas uma pena de prisão será suficiente para acautelar as exigências de prevenção que se fazem sentir.
A aplicação de qualquer pena tem sempre como limite máximo e fundamento a culpa, nos termos do artigo 40.º do Código Penal, estabelecendo-se, assim, que não poderá, em caso algum, haver pena sem culpa, devendo esta ser entendida como a possibilidade e o dever de o arguido, perante as circunstâncias concretas, ter agido de outra forma.
Para determinar a pena em concreto após apurada a moldura penal, recorre-se ao critério global previsto no n.º 1 do artigo 71.º do Código Penal, que dispõe que a determinação da medida da pena se fará em função da culpa do agente, não podendo, em caso algum, a medida da pena ultrapassar a medida da culpa, tendo ainda em conta as exigências de prevenção de futuros crimes, atendendo o tribunal a todas as circunstâncias que, não fazendo parte do tipo de crime, deponham a favor do agente ou contra ele, nomeadamente as previstas nas diversas alíneas do n.º 2 do mesmo preceito legal.
“a) O grau de ilicitude do facto, o modo de execução deste e a gravidade das suas consequências, bem como o grau de violação dos deveres impostos ao agente;
b) A intensidade do dolo ou da negligência;
c) Os sentimentos manifestados no cometimento do crime e os fins ou motivos que o determinaram;
d) As condições pessoais do agente e a sua situação económica;
e) A conduta anterior ao facto e a posterior a este, especialmente quando esta seja destinada a reparar as consequências do crime;
f) A falta de preparação para manter uma conduta lícita, manifestada no facto, quando essa falta deva ser censurada através da aplicação da pena.”
Em desfavor dos arguidos verificam-se as circunstâncias descritas nas alíneas a), b), e) e f), do n.º 2 do art.º 71º do CP.
A ilicitude, que se reputa como muito elevada os arguidos reuniram-se num grupo de pelo menos 10 pessoas, num parque perto de uma escola secundária, durante a tarde, local que é frequentado por muitas pessoas e crianças que saiam da escola, e munidos de facas e objetos, atacaram pelo menos três pessoas com facadas, causando lesões graves. Ainda em relação à atuação do arguido AA, acrescenta-se a enorme ilicitude dos factos na parte em que este visualizando o ofendido CC a correr, vai ao seu encalço, para ainda lhe desferir duas facadas nas costas enquanto este fugia. No mais o arguido BB ainda faz publicações no seu WhatsApp, e na sua página de Instagram a vangloriar-se dos feitos conseguidos naquele dia.
Os locais que os arguidos atingiram as vítimas, braços e costas demonstram o grau de intensidade do dolo dos arguidos pelo que o grau de culpa também é elevado.
Os arguidos não prestaram declarações e não demonstraram qualquer arrependimento pela prática dos mesmos e não ressarciram as vítimas.
O arguido AA, apesar de não apresentar condenações anteriores aos factos, tem uma postura posterior aos mesmos que desabona a seu favor já que já cumpriu pena efetiva pela prática de um crime de roubo, quando tinha apenas 16 anos de idade.
Abona, no entanto, a favor dos arguidos o facto de os mesmos trabalharem, e ter escolaridade, o que demonstra a sua integração pessoal e laboral, e alguma inserção familiar.
Em relação ao arguido BB abona a seu favor não ter antecedentes criminais.
No que respeita às penas a aplicar o Tribunal aos arguidos o Tribunal atendeu à gravidade das lesões sofridas, nível de participação dos arguidos nos factos e aos antecedentes criminais dos arguidos, daí que as penas relativas aos mesmos crimes possam ser diferentes, e menores em relação ao arguido BB.
Assim, tendo em conta as circunstâncias suprarreferidas, bem como as exigências de prevenção quanto à prática de futuros crimes, o Tribunal considera adequado fixar:
Em relação ao arguido AA:
- no que respeita ao crime de homicídio tentado a pena de 5 anos e 6 meses de prisão.
- no que respeita ao crime de detenção de arma proibida a pena de 1 ano de prisão.
- no que respeita a cada um dos dois dos crime de ofensas à integridade física qualificada, a pena de 1 ano e 3 meses por cada um desses crimes.
Em relação ao arguido BB:
- a pena de 1 ano e 9 meses, em relação ao crime de ofensas à integridade física qualificada, relativa ao ofendido CC;
- a pena de 1 ano de prisão em relação a cada um dos crimes de ofensa à integridade física qualificada, relativa aos restantes dois ofendidos.
B – Cúmulo de penas
Importa nos termos do disposto no artigo 77.º do Código Penal, proceder à determinação de uma pena única a aplicar aos arguidos.
A moldura abstrata da pena do concurso tem como limite máximo a soma das penas concretamente aplicadas aos vários crimes e como limite mínimo a mais elevada das penas concretamente aplicadas aos crimes em causa (artigo 77.º, n.º 2, do Código Penal).
Dentro da moldura encontrada, é determinada a pena do concurso, para a qual a lei estabelece que se considere, em conjunto, os factos e a personalidade do agente (artigo 77.º, n.º 1, do Código Penal), sem embargo, obviamente, de ter-se também em conta as exigências gerais da culpa e da prevenção a que manda atender o artigo 71.º, n.º 1, do Código Penal, bem como os fatores elencados no n.º 2 deste artigo, referidos agora à globalidade dos crimes.
Assim, somando as penas concretamente aplicadas aos quatro crimes em que o arguido AA foi condenado, estabelece-se o limite máximo de 9 anos de prisão e o limite mínimo de 5 anos e 6 meses de prisão;
Em relação ao arguido BB, estabelece-se o limite máximo de 3 anos e 9 meses de prisão e o limite mínimo de 1 ano e 9 meses de prisão;
Na medida desta pena são considerados, em conjunto, os factos e a personalidade dos arguidos, de acordo com os argumentos supra expendidos respeitantes aos mesmos, que ora se consideram reproduzidos.
Face ao exposto, entende-se como adequada e proporcional condenar o arguido AA na pena única de 7 anos e 6 meses de prisão.
Em relação ao arguido BB, entende-se como adequada e proporcional condenar o arguido na pena única de 2 anos e 6 meses de prisão.
C - Substituição da pena em relação ao arguido BB
O Código Penal, prevê um elenco de penas de substituição, que pode ser aplicada após a medida concreta da pena ser definida. O Tribunal deve preferir à pena privativa da liberdade uma pena alternativa ou de substituição sempre que, verificados os respetivos pressupostos de aplicação, a pena alternativa ou de substituição se revele adequada e suficiente à realização das finalidades de punição. Aqui referindo-se às exigências de prevenção geral e especial que no caso se façam sentir. - Figueiredo Dias, Direito Penal Português, As consequências Jurídicas do Crime, pág. 331
Não estabelece, o legislador, nenhuma hierarquia ou critério na escolha da pena de substituição. É certo que as penas de substituição se encontram balizadas por requisitos de aplicação, sendo um deles, o tipo de pena aplicada (prisão ou multa) e dentro da pena de prisão efetiva, a sua moldura penal.
No presente caso face à pena de prisão aplicada apenas pode a mesma ser suspensa na sua execução, face à moldura penal.
Da suspensão da execução da pena de prisão
Dispõe o art.º 50º do CP: “O tribunal suspende a execução da pena de prisão aplicada em medida não superior a cinco anos se, atendendo à personalidade do agente, às condições da sua vida, à sua conduta anterior e posterior ao crime e às circunstâncias deste, concluir que a simples censura do facto e a ameaça da prisão realizam de forma adequada e suficiente as finalidades da punição.”
- O pressuposto formal de aplicação da suspensão da execução da prisão é apenas que a medida concreta da pena aplicada ao arguido não seja superior a 5 anos.
- O pressuposto material da suspensão da execução da pena de prisão é que o Tribunal conclua por um prognóstico favorável relativamente ao comportamento do arguido, ou seja, que a simples censura do facto e a ameaça da prisão realizam de forma adequada e suficiente as finalidades da punição.
Para que sejam satisfeitas as finalidades da punição, a suspensão da execução da pena de prisão pode ser subordinada ao cumprimento de deveres, a regras de conduta ou ao acompanhamento sujeito a regime de prova, conforme previsto no art.º 50º, n.º2 do Código Penal.
A condenação do arguido em pena efetiva funda-se no comportamento concreto do agente, de acordo com o qual a condenação anterior, não foi bastante para conter o seu propósito, sempre repetido, do cometimento de novo crime, pelo que na condenação não se pode deixar de atender na sua inadequação a deixar cometer novos crimes em sede de prevenção especial e de reeducação do delinquente, exigências que demonstradamente se fazem sentir com especial acuidade.
No caso concreto, sendo certo que o arguido não tem antecedentes criminais e até é bastante novo, e por isso as exigências de prevenção especial não são elevadas, o mesmo não se poderá dizer das exigências de prevenção geral, que neste caso são elevadíssimas. O arguido agiu em pela via pública, na presença de outras pessoas e em conjunto com outros indivíduos, munidos de facas e outros objetos, atacaram pelo menos três pessoas, sendo que uma delas ficou com ferimentos graves e as restantes também ficaram com ferimentos. O arguido participou nestes factos e ainda os filmou e disponibilizou na sua rede social, vangloriando-se do feito que havia atingido. Isto tudo num local frequentado por várias pessoas à saída de uma escola secundária e depois das aulas terminarem, bem sabendo que haveria muitos jovens e até menores que podiam estar naquele local.
Tal causa uma enorme intranquilidade pública, em especial pela gravidade e censurabilidade do comportamento do arguido, em especial atentando contra o principal bem jurídico que é a vida e integridade física.
Face ao supra exposto, não é possível ao Tribunal efetuar um juízo de prognose favorável à suspensão da pena ora aplicada, considerando que a ameaça de pena de prisão e a simples censura não é suficiente para afastar o arguido da criminalidade, sendo este um tipo de comportamento desajustado ao direito e às normas de vida em sociedade.
Nesta medida, a privação da liberdade do arguido configura-se como necessária para a afastar, no futuro, da prática de tais crimes, sendo a única que lhe permitirá interiorizar os valores jurídicos e sociais vigentes e determinar-se segundo a ordem normativa estabelecida.
Face ao exposto decide-se não suspender a execução da pena de prisão aplicada ao arguido BB.
Por outro lado, não é possível no caso, face à pena aplicada de 2 anos e 6 meses, aplicar-se a obrigação de permanência na habitação, conforme resulta do disposto no art.º 43º do CP.
(…)
Vejamos, então, na perspectiva desta Relação se merece acolhimento a pretensão dos recorrentes.
• O recurso do arguido BB em geral1:
A impugnação da decisão da matéria de facto pode processar-se por uma de duas vias: através da arguição de vício de texto previsto no art. 410º nº 2 do CPP, dispositivo que consagra um sistema de reexame da matéria de facto por via do que se tem designado de revista alargada, ou por via do recurso amplo ou recurso efectivo da matéria de facto, previsto no art. 412º, nºs 3, 4 e 6 do CPP (é esta última norma que o recorrente invoca na sua impugnação).
O sujeito processual que discorda da “decisão de facto” do acórdão pode, assim, optar pela invocação de um erro notório na apreciação da prova, que será o erro evidente e visível, patente no próprio texto da decisão recorrida (os vícios da sentença poderão ser sempre conhecidos oficiosamente e mesmo que o recurso se encontre limitado a matéria de direito, conforme acórdão uniformizador do STJ, de 19.10.95) ou de um erro não notório que a sentença, por si só, não demonstre.
No primeiro caso, a discordância traduz-se na invocação de um vício da sentença ou acórdão e este recurso é considerado como sendo ainda em matéria de direito; no segundo, o recorrente terá de socorrer-se de provas examinadas em audiência, que deverá então especificar.
Na verdade, impõe o art. 412º, nº3 do CPP que quando impugne a decisão proferida sobre matéria de facto por via do recurso amplo o recorrente especifique os concretos pontos de facto que considera incorrectamente julgados, as concretas provas que impõem decisão diversa da tomada na sentença e/ou as que deviam ser renovadas. Esta especificação deve fazer-se por referência ao consignado na acta, indicando-se concretamente as passagens em que se funda a impugnação (art. 412º, nº4 do CPP). Na ausência de consignação na acta do início e termo das declarações, bastará “a referência às concretas passagens/excertos das declarações que, no entendimento do recorrente, imponham decisão diversa da assumida, desde que transcritas pelo recorrente,” de acordo com a jurisprudência fixada pelo Supremo Tribunal de Justiça em 08.03.2012 (AFJ nº 3/2012).
O incumprimento das formalidades impostas pelo art. 412º, nºs 3 e 4, quer por via da omissão, quer por via da deficiência, inviabiliza o conhecimento do recurso da matéria de facto por esta via ampla. Mais do que uma penalização decorrente do incumprimento de um ónus, trata-se de uma real impossibilidade de conhecimento decorrente da deficiente interposição do recurso.2
Estas exigências consubstanciam-se, em concreto e entre o mais, como ali também se referia, à necessidade de ser feita a especificação da concreta prova em que funda a impugnação, desde logo se impondo que no recurso se faça a transcrição das concretas passagens relativamente à prova gravada de onde possa retirar-se conclusão diversa daquela a que chegou o Tribunal recorrido.
De facto, este recorrente limitou-se a, em discurso indirecto, dizer o que, na sua interpretação, decorre dos depoimentos, remetendo para os depoimentos integrais, ou seja, indicando, não as passagens concretas dos depoimentos que pretende imponham conclusão diversa daquela a que chegou o Tribunal de julgamento, mas o depoimento em si mesmo, com indicação do seu termo inicial e final por reporte ao tempo da gravação da prova.
Ora, não é isso que a lei exige, pois que, se fosse, a referência aos minutos do início e fim dos depoimentos eram meras redundâncias da indicação dos mesmos.
O que a lei impõe, e nisso consiste a impugnação especificada, é que o recorrente contraponha ao sentido da decisão recorrida as concretas passagens dos depoimentos de onde decorra a demonstração do inverso ou diverso, e o explique.
Fazer uma peça recursiva e dizer ao Tribunal de recurso para ir ouvir o que está nos depoimentos que estão do minuto x ao y não constitui impugnação especificada.
A sindicância das decisões pelo Tribunal de recurso, quando se impugne a matéria de facto recorrendo-se ao disposto no artº 412º do Cód. Proc. Penal impõe a analise por este dos concretos momentos de que o recorrente extrai que o Tribunal recorrido avaliou mal determinado facto. E essa concretização é precisamente o que permite ao tribunal de recurso sindicar a decisão.
Como continuava a dizer-se no citado acórdão:
(…)
Este incumprimento das especificações prejudica o conhecimento do recurso em matéria de facto, deteriora a exequibilidade da sindicância da decisão de facto a um nível mais alargado, como se disse, pois o ónus de impugnação de “concretos factos, concretas provas” visa viabilizar o próprio recurso de facto.
(…)
Pelo exposto, entende-se que este recurso não cumpre os requisitos necessários, soçobrando a impugnação de facto (artº 412º do Cód. Proc. Penal).
Ora, conquanto este arguido não cumpra as exigências quanto à impugnação, o certo é que o seu co arguido impugna também a matéria de facto no seu recurso, cumpre os requisitos e, como tal, este arguido poderá ainda beneficiar daquela impugnação que se analisará adiante.
No entanto, muito embora isso, o arguido BB invoca também os vícios do artº 410º daquele diploma, circunstância que permite analisar a decisão quanto a eventual erro notório na apreciação da prova ou contradição ou insuficiência (artº 410, nº 2, al. c) do Cód. Proc. Penal).
Sempre seria devida essa apreciação no âmbito desse recurso, sendo ela oficiosa, seja no que respeita às eventuais nulidades da decisão (artº 379º do Cód. Proc. Penal) e vícios decisórios (artº 410º do mesmo diploma).
Ora, perscrutada a decisão quanto a factos e fundamentação de facto, não se vislumbra que o Tribunal a quo tenha incorrido em qualquer desses vícios.
Dessa fundamentação consta claramente que os arguidos, aqui recorrentes, não prestaram declarações em julgamento.
Já por diversas vezes tivemos oportunidade de explicar em tantos diversos processos que o exercício do direito ao silêncio tem duas componentes fundamentais: primeira, positiva, dimensionando a liberdade de cada um de dizer, ou não, algo sobre alguma coisa, salvaguardando também o direito à não auto incriminação; outra, negativa, que se prende com a circunstância de, não falando, o arguido não transmitir a sua versão dos factos para que o tribunal possa ponderá-la, como também não transmite ao Tribunal eventuais sinais de reavaliação valorativa da respectiva conduta, quando a tenha tido.
Quando se exerce o direito ao silêncio sabe-se que este é o seu conteúdo.
Ora, os arguidos não falaram sobre os factos.
Por via disso, o tribunal ponderou apenas para a decisão toda a restante prova.
E é essa que convoca na fundamentação, sem que dali resultem incongruências ou contradições.
O ofendido explicou os factos e as testemunhas não contrariam essa versão, ainda que tendo havido a necessidade de ler em audiência declarações passadas, pois que uma coisa é falar após os factos sem a presença dos envolvidos e outra é falar em julgamento quando todos estão presentes, sendo aliás habitual que tal aconteça como a experiência vem demonstrando.
No entanto, as testemunhas não infirmam aquela versão e as imagens juntas ao processo também não.
Não há, como tal, qualquer «ilação» por parte do Tribunal a quo, mas a concatenação de prova que vai toda num mesmo sentido.
Todos sabiam onde iam e ao que iam naquela data, bastando para isso ter presente que o próprio ofendido refere que foi com o amigo ao parque «(…) onde encontraram o FF que lhe disse que ia haver confusão (…)», sendo que depois para ali se dirigiram muitas pessoas, como todos também dizem.
Ora, já vimos acontecer, não é novidade, infelizmente estas sessões de pancadaria [para avaliar isto com alguma contenção] são anunciadas nas redes sociais e pelo espalha-palavra, conjugando sempre muitos interessados porque nos dias que correm alguns jovens, em vez de se motivarem por comportamentos socialmente enriquecedores, motivam-se por violência e disrupção, sobretudo quando isso implique níveis consideráveis de violência.
E este foi um desses momentos em que, tal como decorre dos depoimentos, aliás de pessoas que, dessa forma, acorreram para ver o que se disse que ia acontecer, foi combinada, agendada, uma agressão ao ofendido e convidadas as pessoas a assistir. E estas, por seu lado, numa manifestação de inqualificável falta de empatia social e humanismo, foram «em magote» assistir ao triste espectáculo.
Claro que as pessoas sabiam a que iam, e nem os depoimentos deixam disso qualquer dúvida.
E também sabiam quem era a vítima, por isso perguntaram pela alcunha.
(…)
[O ofendido] Refere que pelo menos 10 pessoas se aproximaram dele, e colocaram-se todos à sua frente e que um deles perguntou quem era o ... (alcunha usada por CC), sendo que o Assistente nada disse, mas identificou-se e refere que foi logo agredido com uma facada e um empurrão. Nesse momento terá aparecido a testemunha DD que tentou afastar o agressor e acabou por levar uma facada, mas que em relação a isto não viu, só soube mais tarde.
(…)
[EE veio dizer que] quanto ao dia dos factos que se recorda de ver muitas pessoas no parque naquele dia, nomeadamente o MM, o CC, o LL, o DD e a NN e também o FF. Eram muitas pessoas não sabe precisar, mas podiam ser cerca de 20 pessoas, e que o grupo se aproximou do CC para falar com ele, e que no meio daquela confusão acabou por levar uma facada nas costas, apesar de não ter visto o agressor e que soube também que o DD foi golpeado no braço.
(…)
[E a testemunha DD que disse que] nesse momento viu que se aproximaram muitos indivíduos que perguntaram pelo CC, gritando pela alcunha “...” pelo que era conhecido, e que foi tudo muito rápido. Refere que assim que perceberam quem era o ... que avançaram para o CC com violência, com murros e foi aí que a testemunha refere que se colocou à frente para os afastar do CC e foi atingido com uma faca no braço, sendo que nesse momento ao empurrar o CC o mesmo acabou por cair ao solo.
(…)
[E LL que disse que] Apareceram muitas pessoas no local, acha que eram mais que 10, e alguns traziam facas e paus nas mãos. Perguntaram pelo CC através da sua alcunha e que sabe que foi agredido
(…)
[E a testemunha HH, que disse que] visualizou um grupo grande de pessoas, onde reconheceu alguns incluindo o arguido AA, conhecido pela alcunha “BM”. Este último terá dito à testemunha para ir para casa, mas este foi ver o que se passava por sugestão do conhecido OO. Confirma que o grupo perguntou quem era o “...” e que assim que se identificou foi agredido. No mais refere que voltou a ver o ofendido CC já do outro lado da estrada e ouviu um grito de dor, e que a única pessoa que estava perto dele era o “BM” o arguido AA, acrescentando que o mesmo tinha consigo uma faca de grandes dimensões na mão tipo faca de cozinha.
(…)
E por aí em diante. Tal como consta da decisão recorrida.
Pelo que, dizer que o Tribunal tirou uma ilação, não apenas não corresponde à realidade como é uma invocação que não se entende naquele contexto.
As pessoas sabiam ao que iam, aliás por isso é que resolveram todos eles ir aquele local, e sabiam que ia haver uma agressão, como houve.
E assim como o objectivo de um grupo de pessoas dentro desses tinha, de facto, a intenção de agredir o ofendido. Também isso não suscita dúvidas. Aliás, os que acompanhavam os arguidos estavam lá para garantir que o espectáculo era garantido, como decorre da fundamentação da decisão recorrida:
[O ofendido refere que] pelo menos 10 pessoas se aproximaram dele, e colocaram-se todos à sua frente e que um deles perguntou quem era o ... (alcunha usada por CC), sendo que o Assistente nada disse, mas identificou-se e refere que foi logo agredido com uma facada e um empurrão.
(…)
[EE que refere que] podiam ser cerca de 20 pessoas, e que o grupo se aproximou do CC para falar com ele
(…)
[DD, que disse que] nesse momento viu que se aproximaram muitos indivíduos que perguntaram pelo CC, gritando pela alcunha “...” pelo que era conhecido, e que foi tudo muito rápido
(…)
[E LL que disse que] Apareceram muitas pessoas no local, acha que eram mais que 10, e alguns traziam facas e paus nas mãos. Perguntaram pelo CC através da sua alcunha e que sabe que foi agredido
(…)
[E a testemunha HH, que disse que] Confirma que o grupo perguntou quem era o “...” e que assim que se identificou foi agredido
(…)
Todas as testemunhas contextualizam os factos da mesma forma, pelo que não é verdade que o Tribunal a quo tenha extrapolado da prova.
E claro que o recorrente BB tinha conhecimento disso, como todos tinham e dúvidas não deixam os depoimentos. Tendo sido precisamente porque teve conhecimento disso, como todos os outros, que foi ao referido parque exactamente naquela altura e como integrante desse grupo de pessoas.
A prova disto é muito clara. Mais uma vez se diz que, acaso tivesse para tudo isto uma explicação diversa, até porque a prova foi produzida diante de si, o arguido devia ter partilhado com o Tribunal a mesma.
O que não é aceitável é que, decorrendo as mesmas verdades judiciárias de toda a prova produzida, venha o arguido que em julgamento se remeteu ao silêncio dizer que aquela prova está toda errada.
Aliás, em rigor, nem é isso que diz. Diz que o Tribunal a avaliou mal.
Ora, em face das declarações que a decisão resume no destaque que lhes deu, nem se vê que outra conclusão de prova poderia o Tribunal a quo retirar. E se o fizesse, então sim, incorria a decisão em, pelo menos, um vício decisório.
As mesmas conclusões se retiram quanto ao facto de o ofendido frequentar o parque, e que o arguido parece querer negar, com o intuito percebido de que com isso abala a prova da combinação/convocação prévia.
E a lógica disto é muito simples: as pessoas do referido grupo perguntaram por uma pessoa, pelo que iam em busca dela, o que significa que sabiam que ali estaria; significando isto, ainda, que se sabiam que ali estaria era porque aquele era um local onde o mesmo podia estar e a normalidade da vida ensina que nós estamos normalmente em determinados lugares, fazemos normalmente determinados percursos, gostamos normalmente de determinadas companhias, etc.
Também daqui nada resulta contra o decidido, pelo contrário, pois que se aquelas pessoas todas ali se dirigiam sabiam que ali encontrariam quem ia ser vítima do ataque para que foram convidadas a assistir.
Também não compreendemos de onde retira o arguido que o visado seria outro que não a vítima, atento o teor de todos aqueles depoimentos, pelo que o que fica dito acima esclarece a questão.
E diz também o arguido BB que o Tribunal a quo concluiu precipitadamente que ele estaria no grupo daquelas pessoas e fez parte da agressão.
Ora mais uma vez, sem a possibilidade de socorrer-se das declarações dos próprios, o Tribunal baseou a sua convicção, como devia, na restante prova.
E a prova é o vídeo referido, em que o arguido em causa é identificado com recurso às redes sociais [não servem só para convocar agressões, de facto], tendo sido este arguido que publicou os vídeos do evento nas redes sociais aliás, e o ofendido que o coloca nos factos e nas agressões.
Com esta prova, qualquer outra conclusão que o Tribunal a quo retirasse para facto provado estaria, essa sim, em oposição à prova produzida.
Este recorrente esteve lá, agrediu o ofendido, publicou os vídeos e vangloriou-se disso:
(…)
No que respeita ao vídeo ainda referir que o mesmo foi retirado da página de Instagram do arguido BB, identificado pelas testemunhas como sendo o mesmo, e que ainda tem mais duas publicações uma a dizer “...”, “+ um xinado”, conforme resulta do auto de visualização a fls. 161 e ss.
(…)
A testemunha GG, cujo depoimento o arguido convoca, curiosamente, não viu aquilo que a pessoa com quem combinou ali estar viu no local, mas afirma que a nada assistiu:
(…)
Ouvida a testemunha OO, o mesmo confirmou que esteve presente no dia dos factos que combinou com uma amiga de nome GG e que foram ao parque e aperceberam-se de uma confusão. Que esteve com o HH também no parque e que estavam muitas pessoas. Foram igualmente lidas as declarações que prestou em fase de inquérito a fls. 390 e que o mesmo confirmou, onde refere que viu o arguido AA que chamou pela alcunha “BM”, a desferir facadas no ofendido CC e que o viu dar dois ou três movimentos já depois da vítima ter passado a estrada.
(…)
Foram ainda ouvidas as testemunhas GG e a mãe do ofendido PP, que apesar de não terem assistido aos factos explicaram como chegaram aos arguidos e o que apuraram que tinha acontecido. Sendo que no caso da testemunha GG a mesma confirmou as declarações que haviam sido prestadas pela testemunha OO e HH, por ter estado com eles momentos antes da contenda no aludido parque.
(…)
Atendendo à impugnação aqui em causa, nada na decisão permite concluir em diverso do que ali se fez.
O arguido BB vem também dizer que «Querendo o Tribunal “a quo” imputar, por qualquer forma, culpa ao recorrente, vem o mesmo dizer, na sua fundamentação, que o assistente diz ter visto o recorrente com algo na mão e que lhe deu uma pancada na cabeça com um objecto que tinha na mão (…)».
Vamos entender esta afirmação num contexto em que a linguagem possa não ter sido a adequada, porque aquela que é usada pode ser interpretada como sugerindo que o Tribunal a quo tinha já a predisposição para condenar este arguido independentemente da prova, o que é bastante grave e extrapola o contexto admissível do um recurso judicial.
Como entendemos que se deixou dito mais do que se queria, vamos entender que o que se pretendeu dizer foi que o Tribunal a quo avaliou mal a prova quanto ao facto de este arguido atingiu corporalmente aquele ofendido.
Mas não, não tem razão.
De facto, o arguido não nega que as testemunhas, ofendidos incluídos, tenham prestado as declarações que o Tribunal pondera. E também não demonstra que mentiram, porque nada invoca de onde essa conclusão possa ser retirada. E, não tendo os arguidos refutado perante o Tribunal aquela prova, volta-se a dizer, foi com ela que o Tribunal contou, no que, aliás, deu cumprimento à lei – arts. 124º, 125º, 127º, 128º, nº 1, 132º, nº 1, al. d), 164º, 167º, 346º, 348º, 356º, 374º, entre outros do Cód. Proc. Penal.
O Tribunal não inventa declarações e nem factos, ao contrário do que parece resultar da leitura da motivação deste recurso. E tal como se disse antes, transcrevendo inclusivamente parte das declarações que são de cristalina compreensão, o que o Tribunal a quo fez foi tomar os depoimentos como a lei lhe impõe, como meios de prova, avaliando-os e explicando porque deu mais importância e credibilidade a uns do que a outros.
Ao invés, o recorrente limita-se a dizer que o Tribunal avaliou mal, mas sem apresentar uma alternativa que explique aquele sentido e depoimentos.
E quando o recorrente diz:
(…)
Em momento algum, nas suas declarações, o assistente afirmou que o recorrente lhe tinha dado com um objecto na cabeça (…)
(…)
O Tribunal a quo tinha dito antes:
(…)
O ofendido referiu ainda que começou a fugir e acabou por tropeçar e cair e que nesse momento foi agredido por um grupo de pessoas com paus, e garrafas e que viu o arguido BB naquele grupo com algum objeto na mão e que lhe deu uma pancada na cabeça e sentiu também pontapés nas costas.
(…)
Pelo que, quanto a esta alegação, também não se mostra necessário tecer outras considerações.
Também não se percebendo a alusão aos relatórios clínicos, de fls. 51 a 57 dos autos e auto de exame directo realizado no dia .../.../2021 [dizendo o Tribunal que os primeiros são apenas mera informação clínica] no sentido de que o Tribunal teria, na perspectiva do arguido, ponderado erradamente por nele não estar qualquer referência a danos diferentes dos provocados por objecto diferente de contundente, pois que [atenta a limitação decorrente da impugnação a que podemos aqui atender] dificilmente um relatório médico especifica o instrumento da agressão, a menos que seja ordenada perícia específica sobre isso, e um pau, dependendo da sua forma e da forma como é usado, pode não deixar uma marca que identifique o uso de objecto contundente e quando as agressões são múltiplas nem isso é especificamente identificado na maioria das circunstâncias.
Portanto, esse argumento não afasta a conclusão de prova do Tribunal que, depois dos depoimentos, diz ainda que:
(…)
O ponto 14 relativo às lesões sofridas pelos ofendidos, o Tribunal atendeu ao teor dos autos de exame direto juntos aos autos a fls. 66 a 69 e 85 a 89, que descrevem as lesões sofridas pelos ofendidos e os períodos de incapacidade. Bem como as informações clínicas a fls. 42 e ss., 51 e ss., e 61 e ss.
(…)
Ainda vem o mesmo arguido BB discutir as declarações do ofendido, pretendendo que elas não coincidem com as de outras pessoas.
No entanto, nem da decisão resulta qualquer confusão quanto a esse aspecto e nem o indicado pelo arguido no ponto 52 da sua motivação sobre a forma como o «BM» foi identificado, suscita grandes lucubrações ou duvidas.
No entanto, atenta a forma deficiente com que foi impugnada a matéria de facto, este Tribunal não tem, quanto a este recurso concreto, margem de sindicância sobre a prova que não conste mencionada, e da forma como foi, na decisão recorrida. E desta, repete-se, em nenhum momento se confundem os arguidos ou estes com outras pessoas.
No mais, alega o recorrente opiniões, discordâncias e argumentos, num exercício apenas demonstrativo de desacordo relativamente à decisão recorrida.
O que diz é que o Tribunal a quo concluiu de um modo e o recorrente conclui de outro, e quando não conclui, considera que o Tribunal concluiu em excesso.
Terminando o referido recurso por dizer que ninguém identificou o arguido quando às agressões dos outros ofendidos EE e DD.
Mas o Tribunal a quo assenta na decisão que:
(…)
10. Como interveio para ajudar o ofendido CC, o ofendido DD também foi visado pelo grupo agressor, tendo um dos seus elementos não identificado desferido um golpe com uma faca de características não apuradas no seu braço direito;
11. Do mesmo modo, e porque se encontrava junto do ofendido CC, o ofendido EE (doravante, EE), foi igualmente visado pelo grupo agressor, tendo um individuo do grupo, desferido um golpe com uma faca de características não apuradas que o atingiu na região escapular esquerda;
(…)
No que respeita ao número de pessoas no local, apesar dos esforços de cada uma das testemunhas não se apurou um número concreto de intervenientes, mas é seguro afirmar que pelo menos seriam 10 indivíduos que se juntaram para agredir o ofendido CC e quem se colocasse no caminho, como aconteceu com EE e DD.
(…)
Finalmente, importa esclarecer que o Tribunal a quo não diz em parte nenhuma da sua decisão que o vídeo que ponderou é imperceptível relativamente às conclusões que dele retirou.
De facto, enfatiza mesmo na fundamentação que:
(…)
No vídeo é possível verificar que estão muitas pessoas e está escuro e que se ouvem muitos gritos, não identificando especificamente ninguém, com exceção do arguido AA que surge na parte final do vídeo, com a iluminação da rua, e já do outro lado da via, e é possível verificar o mesmo com uma faca na mão descaída com a ponta virada para baixo, com uma lâmina de grandes dimensões, mas que seria de pelo menos 20 centímetros. Tal imagem é perfeitamente visível para qualquer pessoa que visualize o vídeo e impressiona pela brutalidade da imagem, veja-se a imagens a fls. 326 do lado direito onde consta o auto de visualização do vídeo, é percetível a faca na mão do arguido.
(…)
Ora, em nenhum momento da decisão concluiu o Tribunal qualquer existência de facto relativa à actuação deste recorrente em concreto com base no referido vídeo, para além daquilo que dali resulta exactamente.
Pelo que aquela alegação nem sequer faz sentido no referido contexto.
Não vemos também aqui qualquer erro na avaliação da prova e conclusão do Tribunal a quo, sendo certo que o recorrente estava no grupo de agressores, como tal respondendo pelas agressões.
Numa agressão colectiva ou em grupo, com vários lesantes e lesados, basta reconhecer que foi a actuação em grupo a condição sine qua non do dano sofrido pelo lesado, o que permitirá responsabilizar solidariamente os membros desse grupo, possibilitando, porém, a cada um deles, provar que não causaram esse dano.3
Quanto aos agressores e agressões, como tal, a decisão não suscita dúvidas, sendo coerente e conforme à prova na qual diz ter baseado a decisão quanto aos factos provados.
Nada se disse ali que contrarie a prova avaliada e nada se disse ali que não tenha prova que o sustente, explicada e analisada na decisão, sendo que o Tribunal de julgamento, no exercício da sua liberdade de convicção, analisou essa prova de forma coerente e consequente, dela retirando, como tal, as conclusões que podia retirar.
Da mesma forma, como fica claro do que antecede, nenhuma dúvida fica expressa ou insinuada na fundamentação, pelo que não podia o Tribunal a quo sequer ponderar o princípio in dubio pro reo quanto à matéria de facto fixada.
Adiante voltaremos a esta ideia, do ponto de vista teórico ainda, e a propósito do recurso do arguido AA.
Não é aparente qualquer nulidade da decisão (artº 379º do Cód. Proc. Penal).
Não se verifica qualquer vício decisório enunciado no artº 410º do Cód. Proc. Penal.
Improcedem, como tal, todos os referidos fundamentos do recurso.
A estes fundamentos acrescenta o arguido ainda, muito embora estendendo as conclusões além da motivação, aquela que reputa como violação do princípio da determinação e escolha da pena, quer porque o Tribunal afastou a aplicação do regime decorrente do DL nº 401/82 de 23.09, quer porque não lhe foi dada a possibilidade ao de beneficiar de uma pena suspensa na execução, para além de invocar a falta de factos para determinação da obrigação indemnizatória.
Veremos agora quanto ao regime especial para jovens, deixando a questão das penas e pedido de indemnização para tratamento conjunto com o recurso do co arguido.
Vejamos, então, quanto ao regime especial para jovens.
Convém começar por dizer que, atenta a matéria provada, o enquadramento de direito é de aceitar.
Como deixámos supra transcrito, o Tribunal a quo decidiu não aplicar o regime especial para jovens delinquentes, circunstância que o recorrente invoca como vício da decisão.
O legislador, por opção de política criminal, autonomizou o direito penal dos jovens imputáveis com idades entre os 16 e os 21 anos, aproximando-o, em alguns aspetos – vd. art.º 5º do DL n.º 401/82 de 23/09 -, dos princípios e regras do direito reeducador de menores. Todavia, “sem esquecer que a reinserção social, para ser conseguida, não poderá descurar os interesses fundamentais da comunidade, e de exigir, sempre que a pena prevista seja a de prisão, que esta possa ser especialmente atenuada, nos termos gerais, se para tanto concorrerem sérias razões no sentido de que, assim, se facilitará aquela reinserção”.
O tratamento mais favorável, ao nível das consequências jurídicas, da criminalidade própria do fim da adolescência e do início da idade adulta, em que a personalidade do jovem está ainda em formação, na fase de identificação sociocomunitária e de aquisição de competências pessoais e sociais, justifica-se, evidentemente, pela especial potencialidade de ressocialização nessa etapa estruturante da vida adulta. Subjaz-lhe “o entendimento de que o percurso de ressocialização do menor agente criminal poderá ser impulsionado por uma atenuação especial da pena [bem como pela aplicação de medidas de educação para o direito] que constitui, também, uma afirmação de confiança na sua capacidade para escolher uma opção correta de vida”.
“Mais do que conferir uma benesse ao jovem delinquente por se entender ser merecedor de um tratamento penal especializado, procura promover a sua ressocialização – razão por que instituiu um direito mais reeducador do que sancionador, a revelar que a reinserção social surge aqui, no direito penal dos jovens delinquentes, como primordial finalidade da pena” Ac. STJ de 18/06/2014, proc. 578/12.6JABRG.G1, in www.dgsi.pt..
O regime penal dos jovens com idade compreendida entre 16 e 21 anos de idade projeta-se sobre a sua condenação em dois aspetos:
- (i) ao nível da medida das consequências penais do crime, implicando a atenuação especial da pena sempre que houver “sérias razões para crer que da atenuação resultem vantagens para a reinserção social do jovem condenado”;
- (ii) ao nível da escolha da reação sancionatória convocando o direito reeducador, isto é, sempre que ao caso corresponda pena de prisão inferior a 2 anos, implica a imposição de medidas de correção, se assim o permitirem “a personalidade e as circunstâncias do facto”.
Sendo o regime regra para a escolha e a determinação da medida da reação sancionatória aos jovens com idade compreendida entre os 16 e os 21 anos que cometem um crime, e que, por isso, o tribunal não pode deixar de ponderar em cada caso, contudo não pode interpretar-se e aplicar-se com o sentido de que “vai ao ponto de firmar essa visão maximalista, como que passando ao limbo do esquecimento os comportamentos desviantes dos jovens, deixando à margem de proteção importantes interesses jurídicos e, sobremodo, se persistentemente afetados”.
“O núcleo fundamental do direito de menores será, assim, a avaliação da vantagem da atenuação especial da pena para a reinserção social do arguido jovem. Mas a avaliação de tal possibilidade de reinserção social tem de ser equacionada perante as circunstâncias concretas do caso e do percurso de vida do arguido e não perante considerações vagas e abstratas desligadas da realidade” [nota no original] Ac. STJ de 18/06/2014 citado; tambémAc.
de 15/03/2008, proc. 08P114, in www.dgsi.pt..
“Se, a partir da avaliação feita, for de formular um prognóstico favorável à ressocialização do condenado será, em princípio, de considerar positiva a aplicação do regime previsto no art. 4.º do DL 401/82, de 23-09, sendo pois de atenuar especialmente a pena; no caso contrário, isto é, se não for possível formular aquele juízo positivo, ou o juízo de prognose for desfavorável, obviamente que se terá de excluir a aplicação daquele regime” Ac- STJ de 15/03/2008, proc. 08P114,citado. proc. 08P114, in www.dgsi.pt..
Regime penal especialmente concebido e vocacionado para tratar a “marginalidade criminosa juvenil”, que não afasta “a aplicação - como ultima ratio - da pena de prisão aos imputáveis maiores de 16 anos, quando isso se torne necessário, para uma adequada e firme defesa da sociedade e prevenção da criminalidade, e esse será o caso de a pena aplicada ser a de prisão superior a 2 anos” - cfr. Exposição de motivos do DL 401/82 de 23/09.
A atenuação especial da pena que consagra, só deverá ser afastada quando o tribunal se confrontar com a especial exigência de defesa da sociedade e os factos demonstrarem que o jovem delinquente não possui capacidade de regeneração.
Por outro lado não deve ignorar-se que o jovem adulto condenado em pena ou em medida privativa da liberdade a cumprir em estabelecimento prisional (e muitas vezes a poderá cumprir no regime de permanência na habitação – cfr. art.º 43º´do Cód. Penal), a execução deve ocorrer um unidade especialmente vocacionada para o efeito, e deve favorecer especialmente a reinserção social e fomentar o sentido de responsabilidade através do desenvolvimento de atividades e programas específicos nas áreas do ensino, orientação e formação profissional, aquisição de competências pessoais e sociais e prevenção e tratamento de comportamentos aditivos – art.ºs 4º n.º 1 e 9º n.º 2 al.ª c) do CEPMPL.
Na sua filosofia, a par da finalidade ressocializadora e reeducativa do sistema punitivo dos jovens com idade de 16 a 21 anos, que lhes confere direito a um tratamento diferenciado, com adequada individualização das consequências jurídicas do crime cometido, acentua-se também a luta eficaz contra a «criminalidade juvenil» ou, na expressão do legislador, a “prevenção da marginalidade criminosa juvenil”, geralmente conotada com o cometimento de crimes de pouca densidade valorativa, quando repetidos, em pequena escala, sem motivações elaboradas, regra geral orientados pelo imediatismo, pela irreflexão, irreverência e frequentemente cometidos em grupo de pares ou entre pares.
Ainda que os criminosos sejam jovens, quando cometem crimes com preparação e até sofisticação, repetidamente e quando cometem crimes dolosos que violam bens jurídicos fundamentais ou importantes, em que é elemento do tipo de ilícito ou do tipo culposo atuação especialmente perversa ou especialmente censurável, a finalidade e medida da correspondente consequência jurídico-penal, sobrepõe, a qualquer outra, a reafirmação da validade e da vigência da respetiva proteção, isto é, a eficaz proteção dos valores tutelados e do ordenamento jurídico.
A insistente reiteração no cometimento de crimes, reveladora de tendência criminosa do agente, conjuga-se mal com o interesse da sociedade na prevenção da criminalidade assente em simples crenças na infinita capacidade natural de ressocialização do criminoso, mesmo sendo jovem. Uma postura de negação da certeza probatória, de desresponsabilização própria com tendência a culpar as vítimas, a sociedade ou as circunstâncias, a apresentação de racionalizações ilógicas e duvidosas para explicar um crime cometido com especial censurabilidade, um crime cometido com malvadez, ou uma série de crimes graves, podem evidenciar uma tendência criminosa e o início de uma carreira na senda do crime, radicadas numa personalidade antissocial que o direito criminal não pode ignorar somente por convicção ou meras proposições de fé.
Evidentemente, todos os demais casos de criminalidade tipicamente juvenil, primariamente ou esporadicamente cometidos, devem – nem pode ser de outro modo – ser tratados como manifestação, ainda que atípica – felizmente são poucos os jovens adultos que cometem crimes -, dessa importante e instável fase de transição, que é a adolescência e o início da vida adulta.
Sendo certo que, “o julgamento do jovem delinquente lança-nos, assim, um repto que é a convicção de que a atenuação especial prevista na lei em abstrato sempre favorecerá a sua reinserção social pois que uma menor privação de liberdade sempre se conjugará com a perspetiva do legislador de um natural otimismo sobre a capacidade de ressocialização”[7] Ac. de 18/06/2014 citado. proc. 578/12.6JABRG.G1, in www.dgsi.pt..
De qualquer modo, a atenuação especial da pena não é automática, não depende exclusivamente da idade do agente do crime. Mas também não é uma mera faculdade, mas antes um poder-dever do juiz que tem de apreciar, fundamentadamente, e que deverá aplicar sempre que, no caso, concorram os respetivos pressupostos, só podendo posterga-la quando a situação concreta afaste um juízo prognóstico de conduta futura socialmente conforme, ainda que necessariamente modelada pela execução da pena, seja em liberdade subordinada ao cumprimento de deveres ou à observância de regras de conduta, seja em casa no regime de permanência na habitação e vigilância eletrónica, ou em estabelecimento prisional vocacionado a acolher reclusos com idades até 25 anos e, sempre, com programa especial de reinserção social.
É, pois, de conceder sempre que não se deparem e devam sobrepor-se ponderosas finalidades de prevenção geral ou também quando procedam sérias razões para crer que da atenuação especial das consequências jurídicas do crime não resultam vantagens para a reinserção social do jovem condenado.
Como se alcança essa ponderação em cada caso concreto? Não seguramente através de cegas proposições de fé, em crenças, convicções ou ideários que ignoram as realidades da vivência comunitária e dos acontecimentos que aí diariamente ocorrem.
Decisiva é a casuística concreta, a apreciação conjunta do circunstancialismo factual da prática do crime e de tudo aquilo que o tribunal tenha podido apurar acerca das condições pessoais e personalidade do jovem. É essa ponderação da realidade concreta do crime e do seu jovem agente que deve guiar o juiz na decisão de aplicar, ou de afastar, a atenuação especial da moldura penal, decorrente da aplicação do regime penal dos jovens.
Avaliadas essas circunstâncias neste concreto caso, o Tribunal a quo entendeu que a aplicação do referido regime quanto ao arguido BB não traria qualquer benefício à reintegração futura do mesmo.
E, de facto, tem toda a razão, bastando olhar para as circunstâncias de facto que se provaram para perceber que a atenuação de pena decorrente daquela aplicação seria uma menos boa opção do Tribunal, até porque precisava de resultar evidente que o arguido assim beneficiava. O que não aconteceu.
Ao remeter-se ao silêncio no exercício daquele que é um direito que tem, cada um dos arguidos, este em concreto, também privou o Tribunal de se aperceber se havia feito algum caminho na auto censura dos factos, na interiorização dos valores tutelados pelas normas de protecção que violaram.
Ao contrário do que pensará o arguido, esse caminho não se presume a seu favor. Tem ele de o demonstrar. E isto nada tem que ver com a presunção de inocência, como se percebe. Tem que ver, apenas e só, com a protecção da sociedade que precisa de perceber se os arguidos são merecedores desse crédito ou regime de excepção.
Em face da gravidade dos factos e forma de execução que estive em causa, atento a que o arguido em nenhum momento revelou, por palavras ou atitudes notadas, que repensou os valores sociais aqui em causa e alterou as suas prioridades de lá para cá, em nenhum momento exteriorizando qualquer sinal de arrependimento ou auto crítica das suas actuações, não perceberia sequer a sociedade que o Tribunal aligeirasse a punição desta barbaridade sem aqueles que podiam ser bons motivos de ponderação.
O arguido, de facto, atento o comportamento que aqui se vem sindicar, com a sua postura, desde logo processual, não permitiu ao Tribunal a quo que optasse por uma solução diversa.
Assim, nada a apontar também aqui ao decidido.
Pelo que também aqui deve improceder o recurso.
• O recurso do arguido AA:
O referido arguido começa por alegar que os pontos 3º, 5º, 6º, 7º, 8º, 9º, 10.º, 11º, 16º, 17º, 18º, 19º, 20º, 21º, 22º da matéria de facto considerada provada foram incorretamente dados como provados, já que tais factos não ocorreram como descrito, o que determina erro notório de interpretação, que determina fundamentação e motivação deficientes que violam o disposto no art 374º nº 2 do CPP, conforme dispõe o artº 379º nº 1 do mesmo diploma legal.
Ao contrário do co arguido, a impugnação de facto aqui feita cumpre os requisitos, pelo que será de conhecer nos referidos termos (artº 412º do Cód. Proc. Penal).
Vejamos, pois.
Começa o recorrente por dizer que o assistente, nas suas declarações em julgamento, aos minutos que concretiza, identifica outro autor da facada que não o recorrente.
Não se percebe é a que «outro» se refere o recorrente, por referência aos factos provados, uma vez que desses factos não consta quem tenha dado a primeira facada no ofendido. E a menos que o recorrente deseje que essa seja a versão a assentar, a alegação assim feita nem se percebe como impugnação à matéria de facto.
Sendo certo que, muito embora das suas declarações prestadas já no fim do depoimento se extraia essa declaração, o facto é que do depoimento do ofendido não se extrai a certeza com que o recorrente o afirma.
De facto, o ofendido diz que o JJ [pela alcunha] se aproximou e terá sido ele que perguntou quem era o ... e que o terá esfaqueado. Mas esta declaração vem depois de dizer que várias pessoas abordaram o grupo com que estava, perguntaram quem era o ... e que não respondeu logo e quando o fez foi logo atingido com uma faca, que nem reparou logo e até pensou que era na barriga o ferimento e depois viu que era na perna, numa altura em que já tinha empurrado quem estava à sua frente.
Portanto, pegando nestas declarações e nas outras todas das testemunhas que estavam no local e assistiram aos factos, tal como explica o tribunal na decisão recorrida, não formou a convicção indiscutível sobre quem fora o autor da primeira facada. Razão pela qual, em rigor, bem andou o Tribunal a quo que tinha diversas versões sobre o mesmo momento e um ofendido que não tem um depoimento absolutamente inequívoco quanto ao referido ponto pois que, quando refere ter sido esse indivíduo, logo depois diz que não estava de costas para ele e nunca viu quem lhe deu a referida facada.
Com estas declarações, sendo certo que quem deu essa facada no ofendido foi alguém desse grupo de pessoas que ali o foram abordar, o Tribunal a quo decidiu como podia concluir da prova, de que foi uma dessas pessoas e nada mais.
Por outro lado, sendo certo que foi alguém desse grupo, também é certo que são identificadas as pessoas que compunham esse grupo, entre as quais estava o arguido recorrente.
Nada a apontar, como tal, ao decidido.
Mais uma vez, quanto ao facto 5, vem o mesmo recorrente dizer que não tendo sido identificado como estando nesse grupo, não é justa assacar-lhe essa responsabilidade.
Ora, o arguido olvida certamente a circunstância de que a actuação em grupo responsabiliza os membros do grupo pela acção, porque esse é o âmbito da co-autoria.
De facto, estando várias pessoas envolvidas em agressões, e sendo certo que estavam e sendo certo que este arguido fazia parte desse grupo, o Tribunal de julgamento só podia concluir que esta era actuação de grupo, responsabilizando ambos pelos factos, a menos que quanto a algum deles se tivesse evidenciado o esforço para interromper o nexo de causalidade que sobressai, o que não aconteceu.
Aliás, o recorrente conclui, mais uma vez e ponderando apenas as declarações do ofendido, que estas são adequadas a produzir efeito diferente quanto à prova, esquecendo que o Tribunal contou com diversos depoimentos de pessoas que não viram exactamente o mesmo em cada uma das circunstâncias.
Ademais, o que o ofendido diz é que nesse, chamemos segundo momento, várias pessoas o rodearam com coisas nas mãos e quando tentou fugir viu o co arguido ... com algo na mão, de onde concluiu que devia estar a bater como os outros.
Em vista disto, também não se percebe onde esteve errado o Tribunal a quo que reflecte nos factos exactamente isso.
Mais uma vez, fazendo o arguido AA parte do referido grupo, as ofensas estendem-se-lhe no âmbito da co autoria nos factos, sem que se tenha evidenciado que, nesse momento, se desmarcou da actuação do referido grupo e tomou alguma atitude com vista a interromper o curso dos acontecimentos.
Assim, não tem razão o arguido quando afirma que a imputação de tais factos a AA configura uma violação do princípio da livre apreciação da prova nos termos do artigo 127.º do Código de Processo Penal, bem como do princípio in dubio pro reo, constitucionalmente consagrado, não podendo subsistir nos presentes autos uma condenação com base em elementos probatórios que não permitem, sequer, a sua identificação como autor dos factos, pois que essa imputação se prefigura no âmbito da co autoria que vinha imputada.
Pelo que, também aqui decidiu bem o Tribunal a quo, tal como explicou na sua fundamentação.
E o mesmo se diz do facto 6 e daquilo que vem alegar a esse respeito, sendo ainda certo que, para além dos depoimentos que são inequívocos quanto a essa perseguição pelo referido grupo [EE, DD, LL, HH]4, existe ainda o vídeo de onde resulta a nítida percepção de que era um perseguição que estava a ser feita, vídeo esse em que é identificado o referido arguido como um dos perseguidores.
Sendo certo que o referido arguido integrava esse grupo, como é evidente, tendo ido ao parque para isso, e tanto integrava esse grupo que permaneceu no encalço do ofendido nessa altura, acabando mesmo por desferir-lhe os golpes da agressão final, o terceiro momento deste triste espectáculo.
A prova disso é inequívoca. Resultando de todos os depoimentos que merecem alguma credibilidade, ou seja, os acima referidos.
Assim como não ficam dúvidas de que foi este arguido, AA, conhecido por ...ou ..., que desferiu aqueles golpes de faca finais no ofendido, tal como o afirmam todas as testemunhas e também o vídeo não deixa dúvidas sobre a posse da faca que todos referem ser de enormes dimensões.
Vídeo esse, aliás, em que foi identificado por todos, recorde-se.
O ofendido CC refere que depois da primeira abordagem e primeira facada o perseguiram e que caiu na fuga, tendo sido aí agredido pelo grupo que o perseguia, de várias pessoas de que fixou o arguido BB, que lhe bateram com paus, pedras e mãos e que, conseguindo ainda levantar-se e continuar a fugir, foi para a estrada e quem ia, sozinho, nesse momento, em sua perseguição era o arguido AA com uma faca de lâmina de grandes dimensões, e que o atingiu duas vezes com essa faca no corpo.
A testemunha EE diz o mesmo, que depois da primeira abordagem ao ofendido CC, em que este também ofendido foi agredido, o grupo foi atrás do CC e ainda o agrediram em grupo e que depois viu os vídeos de onde isso mesmo resulta.
Tal como a testemunha DD diz o mesmo, e também ele foi atingido por uma facada, vendo depois o ofendido CC a ser agredido no chão por um grupo, tendo depois abandonado o local.
E a testemunha LL que veio contar o mesmo, que o CC correu para fugir do primeiro momento e foi ainda agredido pelo grupo que o perseguia, e num último momento, em que já só era perseguido pelo arguido AA, acabou por ser esfaqueado por ele.
E a testemunha HH que veio dizer o mesmo, com a precisão de que conhecia bem este recorrente e interagiu com o mesmo logo antes dos factos, tendo o arguido AA dito à testemunha que fosse embora dali porque ia haver confusão, tendo porém continuado no local e visto as agressões ao CC e que, quando ele fugiu para a estrada, tendo ouvido um grito de dor, só o BM estava junto dele.
Esta testemunha ainda tenta depois desdizer isto, confundindo as coisas, mas o sentido do seu depoimento foi coincidente com os restantes.
Quem fugiu a este sentido de declarações foram as testemunhas GG e OO cujos depoimentos, bastando ouvir os mesmos para se perceber, não merecem credibilidade.
A primeira, porque tinha uma ligação afectiva a um dos envolvidos nos factos, constando mesmo do processo mensagens trocadas com o mesmo logo após os factos cujo teor escapa à lógica do depoimento que fez em audiência, tendo sido confrontada com o que disse em inquérito e que é bem mais esclarecedor e menos estudado do que o que começou por dizer em julgamento.
E a testemunha OO, com quem muito contemporizou o Tribunal, e acabou por ser dispensado e com uma certidão extraída para processo crime, testemunha com o depoimento nitidamente comprometido, embora menos capaz de disfarce do que a testemunha anterior.
Vistos os depoimentos, as fotos e vídeo junto aos autos e as mensagens trocadas entre alguns dos intervenientes depois deles, cujo print também se encontra no processo5, o Tribunal a quo fixou os factos como a prova lhe permitiu que fizesse, ciente de três factos dominantes e inequivocamente demonstrados:
- primeiro, que ambos estes arguidos integravam o grupo que foi ao «25» para agredir o ofendido CC [de alcunha ...], independentemente de estarem disponíveis para agredir e ver outras agressões de pessoas do grupo com que este convivia habitualmente;
- segundo, que lhe foi dada uma primeira facada e, entre esta e as duas últimas, no caminho de uma tentada fuga, foi o mesmo agredido pelos elementos desse mesmo grupo, tendo estas pessoas na posse paus, facas, sendo que uma dessas pessoas que estava neste grupo neste segundo momento era anda o arguido BB. E que, continuando a fuga do ofendido CC e a perseguição ao mesmo, agora já só pelo arguido AA, foi ele esfaqueado mais duas vezes com a faca que este arguido levava e que é perfeitamente identificável no vídeo referido, tal como este arguido a quem todos identificaram;
- terceiro, que nesta constante grupal que levou a cabo este ataque em três momentos de violência que sobressaem, estavam integrados estes dois concretos arguidos.
Assim, e confirmando a prova estas circunstâncias, impõe-se concluir que o Tribunal de julgamento decidiu bem quanto à matéria de facto.
As declarações das testemunhas, quando descontextualizadas, podem parecer afirmar uma realidade que, concatenadas em si e com as demais, se percebe imediatamente que não têm o referido sentido.
As passagens descontextualizadas que são referidas no recurso, quando insertas nos respectivos depoimentos, têm um sentido diametralmente diverso e oposto. Basta ouvir a prova para se perceber que todos os depoimentos vão no sentido de confirmar as circunstâncias de que se extraem aqueles três conjuntos factuais dominantes.
O conjunto consistente de depoimentos existe, mas no sentido oposto ao que é alegado no recurso.
E o facto de não ter sido apreendida uma faca das referidas dimensões resulta apenas da circunstância em si mesma, ou seja, não foi apreendida.
Quanto à existência da mesma, atestada por todas as testemunhas com depoimentos coerentes, e tão visível no vídeo que mais visível era, de facto, impossível, não é a falta de apreensão que prova a sua inexistência mas o contrário: a sua existência prova que o arguido se desfez dela, ou a escondeu, ou simplesmente o OPC não a soube procurar devidamente. Todas estas são opções válidas num contexto que se desconhece, que é o do destino do objecto, e que não o da sua existência.
A foto [imagem do vídeo cujo filme se juntou e é bastante esclarecedor] de fls. 326, com cuja ampliação aqui se beneficia o esclarecimento, não deixa dúvidas quanto ao tamanho da dita, nem quanto à posse da mesma, recordando-se que, perante o referido filme corrido, como consta das declarações que foram sucessivamente reproduzidas em audiência e prestadas pelas testemunhas logo após os factos, esse possuidor é o arguido AA:

De facto, ponderada e analisada a prova, não há dúvidas que se suscitem e nem o Tribunal de julgamento as teve.
Em nenhum momento hesitou no processo de formação da convicção e não tinha como fazê-lo, pois que a prova permite concluir todos os factos provados sem hesitações.
Como se pode ler no Ac. TRC de 01.10.20086:
(…) transcreve-se aqui parte do acórdão do Supremo Tribunal de Justiça de 10.1.08, proc. 07P4198, em www.dgsi.pt], citando Cristina Líbano Monteiro, que explica cabalmente porque é que em casos como o dos autos não ocorre a violação do aludido princípio: “De todo o modo, não haverá, na aplicação da regra processual da «livre apreciação da prova» (art. 127.º do CPP), que lançar mão, limitando-a, do princípio «in dubio pro reo» exigido pela constitucional presunção de inocência do acusado, se a prova produzida [ainda que «indirecta»], depois de avaliada segundo as regras da experiência e a liberdade de apreciação da prova, não conduzir – como aqui não conduziu - «à subsistência no espírito do tribunal de uma dúvida positiva e invencível sobre a existência ou inexistência do facto». O “in dubio pro reo”, com efeito, «parte da dúvida, supõe a dúvida e destina-se a permitir uma decisão judicial que veja ameaçada a concretização por carência de uma firme certeza do julgador» (cfr. Cristina Líbano Monteiro, «In Dubio Pro Reo», Coimbra, 1997).
Até porque «a prova, mais do que uma demonstração racional, é um esforço de razoabilidade» (idem, p 17): «O juiz lança-se à procura do «realmente acontecido» conhecendo, por um lado, os limites que o próprio objecto impõe à sua tentativa de o «agarrar» (idem, p. 13). E, por isso, é que, «nos casos [como este] em que as regras da experiência, a razoabilidade («a prova, mais do que uma demonstração racional, é um esforço de razoabilidade») e a liberdade de apreciação da prova convencerem da verdade da acusação (suscitando, a propósito, “uma firme certeza do julgador”, sem que concomitantemente “subsista no espírito do tribunal uma dúvida positiva e invencível sobre a existência ou inexistência do facto”), não há lugar à intervenção da «contraface (de que a «face» é a «livre convicção») da intenção de imprimir à prova a marca da razoabilidade ou da racionalidade objectiva» que é o in dubio pro reo (cuja pertinência «partiria da dúvida, suporia a dúvida e se destinaria a permitir uma decisão judicial que visse ameaçada a sua concretização por carência de uma firme certeza do julgador» (idem). (…)”
É certo que o arguido teria preferido que o Tribunal concluísse no sentido da sua alegação. Porém, isso não aconteceu.
E tal como, ouvida a prova toda, se pode concluir que o Tribunal a quo decidiu a matéria de facto com coerência e lógica, também se pode concluir que nenhuma razão havia para ter-se, sequer, feito qualquer referência ao princípio da dúvida, pelo simples facto de que este não esteve em nenhum momento presente no espírito do julgador. Aliás, acertadamente, uma vez que essa ponderação teria contrariado a prova e, com isso, estaríamos perante uma nulidade da decisão.
Não há, pois, na decisão recorrida qualquer erro na apreciação da prova, qualquer insuficiência de prova ou qualquer contradição na fundamentação ou entre esta e a decisão a que se chegou.
Assim como não há qualquer dúvida que obrigue à ponderação do referido princípio in dubio pro reo.
Improcedendo, como se compreende, também essa alegação.
E tal como acima já se disse relativamente ao recurso do co arguido e agora se repete, os factos provados permitem que seja a qualificação jurídica que foi ponderada aquela a que se atenda, pois que os factos provados resultam no preenchimento dos tipos legais ali enunciados e por cujo preenchimento se concluiu na decisão recorrida.
No contexto da actuação dos arguidos que logrou demonstrar-se não poderia estar em causa outra imputação, a menos que essa fosse a de homicídio qualificado tentado, pois que era a única que, atentos os factos objectivos provados, podia estar aqui em causa para todos os arguidos.
Ao ponderar em sede de imputação subjectiva os elementos factuais relevantes, entendeu o Tribunal a quo que a imputação devia ser a que acabou por determinar, revelando-se essa como uma solução de direito adequada.
Convém lembrar que o enquadramento de direito, sendo competência do Tribunal, deve permitir enquadrar os tipos legais pari passu sem dificuldades, estabelecendo a previsão normativa e depois revelando a consequência normativa, em cujos parâmetros se fará também o juízo de ponderação ínsito nos arts. 70º e 71º do Cód. Penal.
Este é o caminho que deve ser claro e que nos há-de conduzir à decisão.
O Tribunal a quo deixou-o claramente demonstrado esse percurso na decisão.
O regime especial para jovens delinquentes quanto ao arguido AA:
Quanto à questão relativa à falta de aplicação do regime decorrente do DL nº 401/82, o que dissemos supra tem aqui renovação.
De facto, nada na actuação deste arguido permite concluir que a aplicação do referido regime pode beneficiar a sua reintegração. Pelo contrário.
De facto, como resulta dos factos que se provaram, a intencionalidade na violação de normas que tutelam valores humanos fundamentais é tão evidente, tão marcadamente evidente neste caso, que a sociedade impõe a aplicação das penas a estes arguidos.
E essas penas não podem necessariamente ser as que resultem de uma atenuação especial, quer porque nenhum dos pressupostos da atenuação em geral se verificam, quer porque a necessidade da punição aqui se sobrepõe, exigindo-se que esta pacificação reflita de forma evidente a reacção da comunidade a estes comportamentos.
Além de que, nada, repete-se, nada, resulta provado de que se retire que este arguido, tal como o outro, retirarão qualquer benefício de uma atenuação para o seu processo reinsercivo.
Nestas circunstâncias de manifesta gravidade social, não basta vir dizer que o regime devia ter sido aplicado. Era preciso merecer a oportunidade de o Tribunal, mesmo ponderada a emergente gravidade dos factos, poder concluir que o caminho da auto censura começou a ser feito e deve apostar-se nele, justificando-se um tempo de punição mais curto. E nada disso resulta deste processo.
Considerando aqui repetidos os argumentos atrás expostos quanto ao co arguido, este Tribunal de recurso entende que o Tribunal de julgamento decidiu com adequado acerto não aplicar o referido regime.
• Os fundamentos comuns a ambos os recursos – penas, formas de cumprimento e pedido de indemnização.
Quanto às penas parcelares e únicas aplicadas a ambos os arguidos e quanto à forma de cumprimento da pena única aplicada ao arguido BB:
Conforme ensina Figueiredo Dias, a fixação da pena deverá obedecer ao critério geral consignado no artigo 71º e ao critério especial previsto no artigo 77º, nº1, ambos do Cód. Penal, como se o conjunto dos factos fornecesse a gravidade do ilícito global perpetrado, sendo decisiva para a sua avaliação a conexão e o tipo de conexão que entre os factos concorrentes se verifique 7, relevando, na avaliação da personalidade do agente.
Ponderando globalmente as circunstâncias atinentes aos crimes em causa (cfr. artº 77º nº1, 2ª parte) como acima se deixou, conclui-se que as penas fixadas na primeira instância são até benévolas para os arguidos.
Vejamos.
O arguido BB foi condenado por um crime de ofensas à integridade física qualificada, p. e p. pelo art.º 143º, 145º n.º 1 al. a) ex vi do art.º 132º n.º 2 al. h) todos do CP, na pena de 1 ano e 9 meses de prisão, por dois crimes de ofensas à integridade física qualificada, p. e p. pelo art.º 143º, 145º n.º 1 al. a) ex vi do art.º 132º n.º 2 al. h) todos do CP, na pena de 1 ano de prisão por cada um dos crimes, e em cúmulo jurídico, das penas referidas, nos termos do disposto no artigo 77º, nº 1 e 2, do Código Penal, na pena única 2 anos e 6 meses de prisão, efectiva.
Significando isto, nos termos do enquadramento de direito efectuado, que as penas parcelares foram fixadas junto ao terço inferior da moldura abstracta, uma delas ligeiramente acima e as restantes duas até abaixo do terço da moldura prevista. Portanto, o Tribunal a quo fez quase coincidir a culpa com a prevenção o que, atentas as circunstâncias provadas, se afigura como até benevolente para o arguido.
Já o arguido AA foi condenado por um crime de homicídio simples, na forma tentada, previsto e punido pelos arts 22º, 23º 73º, 131º todos do Cód. Penal, agravado nos termos do disposto no artº 86º, ns. 3 e 4 do RJAM, aprovado pela Lei nº 5/2006, de 23 de Fevereiro, na pena de 5 anos e 6 meses de prisão e um crime de detenção de arma proibida, p. e p. pelo artº 86º nº 1 al d), todos da Lei nº 5/2006, de 23 de Fevereiro, na pena de 1 ano de prisão e, ainda, dois crimes de ofensas à integridade física qualificada, p. e p. pelo artº 143º, 145º nº 1 al. a) ex vi do artº 132º nº 2 al. h) todos do Cód. Penal, na pena de 1 ano e 3 meses de prisão por cada um dos crimes, sendo em cúmulo jurídico condenado na pena única 7 anos e 6 meses de prisão.
Atentas as molduras abstractas, que a decisão especificamente indica [e que irão de 2 anos e 1 mês a 14 anos e 2 meses de prisão, 1 a 4 anos de prisão, e 1 mês a 4 anos de prisão vezes dois], verificamos também que as penas parcelares concretas foram fixadas também no terço inferior da respectiva moldura, o que significa que também quanto a este arguido o Tribunal a quo foi benevolente nas condenações.
E quando dizemos que foi benevolente, sem que isto signifique que o Tribunal a quo ponderou erradamente os critérios legais, queremos dizer apenas que no perfil quantitativo a que podia ser reconduzido o comportamento do arguido, o Tribunal de julgamento optou por fixar as penas mais perto do mínimo daquele.
Quanto a pena do cúmulo, neste caso, o Tribunal a quo acabou por entender que, perante um mínimo de moldura de cúmulo de 5 anos e 6 meses, a pena adequada devia estar acima do terço inferior da moldura, fixando-a praticamente a meio da moldura de cúmulo, o que corresponde ainda a um critério de adequada ponderação.
Sendo assim, e tendo sido ponderados todos os critérios como ali se mencionaram e verificando-se que essa ponderação feita teve em conta, além do mais, a muito elevada ilicitude dos factos, a inexistência de antecedentes averbados, mas também as consequências dos factos e a culpa do arguido, tal como a falta de colaboração com o Tribunal e a inexistência de qualquer traço de arrependimento por parte dos arguidos, nada há a apontar às referidas penas, parcelares, assim como nada há a apontar à pena única que, ponderados igual critérios na avaliação do conjunto da actuação, quanto à pena única.
Importa atender ainda.
A actuação que a prova permite imputar a estes arguidos é, do ponto de vista estritamente humano, inqualificável, ainda que criminalmente se reconduza às normas em que foi enquadrada. E este é o verdadeiro trabalho do direito penal, o de garantir que, por mais inqualificável que seja o acto do agente, a sociedade o pune com equilíbrio e robustez, não apenas impondo uma pena grave quanto tal se justifique, mas deixando claros os limites da tolerância, ou intolerância, da sociedade para com essa actuação.
Combinar com recurso a redes sociais uma sessão de pancadaria, com potencial agressor de tal forma elevado, que para um dos agentes esteve em causa a intenção de acabar com a vida da vítima, o que não suscita qualquer dúvida, e comparecer num local levando atrás uma assistência acéfala, composta por gente também de inqualificáveis princípios, que se predispõem, não a ajudar a vítima, note-se, mas a adensar o aplauso da agressão e a filmar a mesma para futuro gaudio e exibição, é um comportamento que, conquanto humanamente inqualificável, como se disse, faz perspectivar quanto a todas essas pessoas um futuro sombrio, sem referenciais de humanismo e solidariedade.
Trata-se de esvaziar as sociedades do futuro daquilo que lhes permitirá sobreviver entre todos: a empatia humana, a solidariedade e o afecto.
Não haja rebuço nesta afirmação: o que este processo deixa a descoberto é a falência de toda uma sociedade que se alheou da educação dos seus filhos, dos seus jovens, dos seus já adultos e que, sem referências adequadas de afecto e solidariedade social, revelam personalidades mal formadas e falta de carácter humano, aquele que se reputa como inteligente porque se exercita através de sinapses estimuladas por valores humanos estruturantes e fundamentais.
As sociedades actuais, a par de muitos outros fenómenos que evidenciam a falta notável de empatia pelo semelhante, e que hoje experimentamos e a que assistimos com frequência, mostram um grau de degradação em termos de valores de humanismo que é assustadora.
Os princípios que sustentam os direitos inalienáveis sobre que erguemos as sociedades modernas, mercê do desvario do consumismo exacerbado que faz agora coisificar os outros, atribuindo-lhes a importância residual do interesse próprio, e que permite contemporizar com o horror a passar-se à porta, é verdadeiramente um processo rápido de degradação social, de relativização do que deve ser absoluto, de cumplicidade silenciosa e por omissão para com o referido horror, a sua normalização ou, como dizia Hannah Arednt, de banalização do mal.
A contemporização com este tipo de actos, comportamentos que se vão generalizando na malha adolescente dos nossos Países é, como tal, absolutamente inaceitável.
Adiante.
Se quanto à pena única aplicada ao arguido AA se não suscita sequer a questão, atento o seu quantum, vejamos se tem razão o arguido BB quando diz que o Tribunal a quo devia ter-lhe suspendido a execução da pena única.
Sendo a pena concreta aplicada fixada em medida inferior a 5 anos de prisão, importa apreciar e fundamentar especificamente quer a concessão, quer a denegação da suspensão da execução da pena de prisão (artº 50º, nº 1 CP).
Atente-se.
É sabido que não são considerações de culpa que interferem nesta decisão, mas apenas razões ligadas às finalidades preventivas da punição, sejam as de prevenção geral positiva ou de integração, sejam as de prevenção especial de socialização, estas acentuadamente tidas em conta no instituto em análise, desde que satisfeitas as exigências de prevenção geral, ligadas à necessidade de correspondência às expectativas da comunidade na manutenção da validade das normas violadas.
A finalidade político-criminal que a lei visa com o instituto da suspensão é clara e terminante: o afastamento do delinquente, no futuro, da prática de novos crimes e não de qualquer «correção», «melhora» ou - ainda menos - «metanoia» das conceções daquele sobre a vida e o mundo. É, em suma, como esclarece Zift, uma questão de «legalidade» e não de «moralidade» que aqui está em causa.
Decisivo é aqui o «conteúdo mínimo» da ideia de socialização, traduzida na «prevenção da reincidência 8.
Apesar da conclusão do tribunal por um prognóstico favorável - à luz de considerações exclusivas de prevenção especial de socialização - a suspensão da execução da prisão não deverá ser decretada se a ela se opuserem «as necessidades de reprovação e prevenção do crime». Já determinámos que estão em causa "não quaisquer considerações de culpa, mas exclusivamente considerações de prevenção geral sob a forma de exigências mínimas e irrenunciáveis de defesa do ordenamento jurídico. Só por estas exigências se limita – mas por elas se limita sempre - o valor da socialização em liberdade que ilumina o instituto ora em análise 9.
Por outro lado, importa esclarecer que o que está em causa no instituto da suspensão da execução da pena não é qualquer juízo de “certeza”, mas a esperança fundada de que a socialização em liberdade possa ser conseguida. O tribunal deve correr risco "prudencial" (fundado e calculado) sobre a manutenção do agente em liberdade. Existindo, porém, razões sérias para pôr em causa a capacidade do agente de não repetir crimes, se for deixado em liberdade, o juízo de prognose deve ser desfavorável e a suspensão negada 10.
A Jurisprudência tem vindo a acentuar que a suspensão da execução da pena é uma medida penal de conteúdo pedagógico e reeducativo que pressupõe uma relação de confiança entre o Tribunal e o arguido, estando na sua base um juízo de prognose social favorável ao condenado, que deverá assentar num risco de prudência entre a reinserção e a proteção dos bens jurídicos violados, refletindo-se sobre a personalidade do agente, as suas condições de vida, a sua conduta ante et post crimen e sobre todo o circunstancialismo envolvente da infração.
Para o efeito, será de atender-se a que a pena de prisão suspensa, sujeita ou não a certas condições ou obrigações, é a reação penal por excelência que exprime um juízo de desvalor ético-social e que não só antevê, como propicia ao condenado, a sua reintegração na sociedade, que é um dos vetores dos fins das penas (função de prevenção especial de reinserção ou positiva).
Contudo, importa considerar ainda a proteção dos bens jurídicos violados, a proteção da própria sociedade em relação ao agente do crime, de modo que, responsabilizando suficientemente este último, se possa esperar que o mesmo não venha a adotar novas condutas desviantes (função de prevenção especial defensiva ou negativa).
Na proteção dos bens jurídicos, será ainda de destacar que a reação penal a aplicar deve, tanto quanto possível, neutralizar o efeito do delito, passando este a surgir, inequivocamente, como um exemplo negativo para a comunidade e contribuindo, ao mesmo tempo, para fortalecer a consciência jurídica da mesma (função de prevenção geral).
Da ponderação destes elementos, decorre que, por vezes, sobrepondo-se à função ressocializadora, seja necessária a execução de uma pena de prisão para defesa do ordenamento jurídico, designadamente quando o comportamento desviante for revelador de uma atitude generalizada e consequente de não se tomar a sério o desvalor de certas condutas relevantemente ofensivas da vida comunitária, de acordo com os princípios constitucionais do Estado de Direito Democrático.
Concretizando, os crimes praticados pelo arguido BB são objetivamente graves, suscitam grande censura e repúdio, sendo elevadas as exigências de prevenção geral e especial.
Senão, vejamos ainda.
O arguido estava, à data dos factos, familiarmente integrado, de acordo com o apurado pela primeira instância, residindo com a mãe e padrasto que completam um quadro descrito como normalizado, encontrando-se agora a trabalhar numa loja alimentar.
Estava a frequentar um curso profissional.
Os factos são de 2021 e o julgamento realizou-se agora.
De lá para cá, não apenas se manteve o mesmo enquadramento familiar e quadro de suporte afectivo, como o arguido começou a trabalhar e continuava a estudar.
No entanto, esse contexto concreto, bem mais favorecido do que, infelizmente, muitos do que vão proliferando nos dias de hoje, que lhe garantia todas as condições para que se mantivesse longe deste tipo de factos e comportamentos, não foi factor de dissuasão e contenção suficientes para o arguido que, apesar daquele quadro, não apenas participou nesta bárbara agressão como teve nela um papel de destaque.
Para além disso, e como se vincou acima, não colaborou em julgamento, não permitiu ao Tribunal retirar da sua postura nenhum início de reponderação da gravidade dos factos e da importância da vida alheia, valores que são fundamentais, e que desconsiderou na altura como agora.
De facto, basta olhar em redor para perceber que grande parte da sociedade se debate actualmente com grandes dificuldades a todos os níveis, combatendo essas adversidades com trabalho honesto, legal e enriquecedor para a malha social.
O facto de o arguido BB, num contexto em que está inclusivamente integrado, se ter disposto [concretizando-o], ainda assim, a dirigir-se a um outro ser humano, ou vários, a quem agrediu sem contemplação, este simples facto dá-nos a indicação de que o arguido ainda tem caminho a fazer em termos de integração social [pois que não está socialmente integrado quem pratica um crime tão anti social como este, ou estes], caminho esse que passa pela verdadeira interiorização do desvalor da conduta [que se percebe não ter sido conseguido ainda], ao que acresce a circunstância de, neste contexto de notada gravidade, não perceber a sociedade a benevolência de qualquer pena que fosse suspensa na respectiva execução.
Não há qualquer prognose favorável que se evidencie quanto a si.
Pelo que o Tribunal a quo fez essa ponderação de forma correcta, nada havendo, como tal, a apontar à decisão recorrida.
Assim, por não se mostrarem reunidos os pressupostos materiais exigidos pelo artº 50º do Cód. Penal para a aplicação de uma pena suspensa na execução, importa julgar improcedente a pretensão do arguido.
Finalmente, quanto aos pressupostos da obrigação indemnizatória, relativamente a ambos os arguidos:
Para além dos factos criminalmente relevantes que deu como provados e que são, como se viu antes, de manter, o Tribunal a quo deu ainda como provado que:
(…)
Do pedido de indemnização civil:
46. O Assistente ficou perturbado no seu sentimento de segurança, e na sua liberdade de movimentação;
47. Em consequência da conduta dos ora demandados o Assistente, foi submetido a tratamento médico e psicológico;
48. O assistente ainda se encontra em estado de sobressalto, angústia, ansiedade e receio pela sua vida e integridade física;
49. Continua a recear sair da sua habitação sozinho, por temer pela sua vida;
50. O assistente ficou afetado psicologicamente revelando sentimentos de tristeza e dificuldade para dormir;
51. O assistente em face da atuação dos arguidos ficou com cicatrizes visíveis na zona escapular, coxa e zona lombar;
52. O assistente passou por um longo período de recuperação física que envolveu perda de rendimento escolar;
(…)
No que respeita ao pedido de indemnização cível que foi formulado pelo ofendido e demandante CC, haverá que ter, desde logo, em atenção o disposto no artº 128º do Cód. Penal, segundo o qual “A indemnização por perdas e danos emergentes de um crime é regulada pela lei civil”.
Os pressupostos da responsabilidade por factos ilícitos são: a) facto voluntário do lesante, b) ilicitude, c) imputação do facto ao lesante, d) o dano, e) nexo de causalidade entre o facto e o dano11.
No que concerne à apreciação da questão, há que atentar ao teor do artº 483º, nº 1 do Cód. Civil que esclarece que quem, com dolo ou culpa, violar de forma ilícita o direito de outrem ou norma que vise especificamente a sua tutela, está obrigado a indemnizar o lesado pelos danos resultantes dessa violação.
Ao demandante impõe-se que prove os factos essenciais à procedência quase integral do pedido de indemnização, enquanto tal (cfr. artº 342º, nº 1 do CC), alegando e comprovando os factos necessários a consubstanciar a causa de pedir que vai além da apreciação objectiva e subjectiva dos critérios penais típicos, e fizeram a prova deles, no essencial.
Tratando-se sempre, como deve, de uma actuação ilícita (artº 483º CC), como já se mencionou e decorrente da prática dos apontados crimes, que sejam imputáveis aos arguidos a título de autoria ou co autoria, sendo esta a causa de pedir que fundamenta o pedido, são eles responsáveis por essa indemnização – cfr. artº 497º do Cód. Civil.
Vejamos então:
Na fixação da indemnização deve ainda atender-se, além dos danos patrimoniais que se provem, aos danos não patrimoniais, que pela sua gravidade mereçam a tutela do direito, sendo o seu montante calculado segundo critérios de equidade e tendo ainda em atenção as circunstâncias a que se reportam os arts. 494º e 496º Cód. Civil (grau de culpabilidade do agente, a situação económica deste e do lesado e as demais circunstâncias do caso).
Quanto aos danos não patrimoniais, a obrigação de os ressarcir teria natureza compensatória sobretudo e não tanto indemnizatória ou, como diria o Prof. Menezes Cordeiro, sintetizando, «se, por definição, o dano moral não é redutível a dinheiro, ele é, não obstante, compensável patrimonialmente»12.
Ainda que não quantificáveis estes danos, afigura-se-nos que a decisão do Tribunal a quo se mostra equilibrada, enquadrando-se na factualidade descrita e nos critérios atendíveis expostos, pelo que a procedência ainda que parcial do pedido se impunha.
O fundamento da solidariedade encontra-se na co autoria, na comparticipação efectiva e no esforço conjunto dos arguidos, num contexto de vários outros, para provocarem, com a sua actuação, os danos no corpo e saúde do ofendido demandante, além do sofrimento emocional por que terá passado durante os factos e depois deles.
O Tribunal fundamentou esta decisão de forma atenta e exaustiva, sem que fiquem margens de dúvida quanto ao critério por que optou e deixou absolutamente clarificado nessa fundamentação.
A alegação de que não houvesse factos ou fundamentação é, como tal, de improceder quanto a ambos os arguidos alegantes.
Também quanto a esta questão, como tal, é de manter a decisão recorrida.
Atento a tudo quanto antecede, é de concluir pela falta de provimento de ambos os recursos, ficando evidenciada a necessidade de manter a decisão recorrida.
Decisão
Pelo exposto, acordam os Juízes deste Tribunal da Relação de Lisboa em julgar não providos os recursos interpostos pelos arguidos AA e BB, mantendo-se intocada a decisão do Tribunal a quo.
Custas pelos recorrentes, fixando a taxa de justiça para cada um em 6 UC’s e demais encargos legais.
Notifique.

Lisboa, 10 de Julho de 2025
Texto processado e revisto.
Redacção sem adesão ao AO

Hermengarda do Valle-Frias
Carlos Alexandre
Mário Pedro Seixas Meireles
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1. A questão das penas e pedido de indemnização serão abordadas adiante, no conjunto de ambos os recursos, para que melhor se perceba a diferença das situações em causa quanto a cada um dos arguidos.
2. Acórdão do Tribunal da Relação de Évora de 09.01.2018 [Rel. Desembargadora Ana Barata Brito] – www.dgsi.pt\tre..
3. Ac. STJ de 19.05.2015 – www.dgsi.pt\stj..
4. O ofendido diz que o perseguiram, em grupo, esse grupo ou membros dele, sendo isso indiferente, como o afirmam as referidas testemunhas, sendo que de todos os depoimentos se pode retirar que o grupo perseguiu o ofendido, ainda que pudessem não ter ido exactamente todos os membros do grupo atrás dele. No entanto, convém dizer que, ao que resulta dos depoimentos, estavam no local outras pessoas não se provou terem integrado aquela intenção grupal de agressão, uns elementos que foram atrás dos que sabiam que iam agredir, por exemplo, e que ali estavam «para ver».
5. Particularmente esclarecedoras as mensagens trocadas entre um dos membros do grupo agressor, o já referido JJ [...], e a namorada da altura, a fls. 327 e seguintes, de acordo com as quais, não apenas aquele admite ter participado nas agressões no local como ela sabia já disso, como decorre do teor da conversa que serve, fundamentalmente, para que o referido indivíduo se vangloreie dos factos, exibindo «troféus» como sendo o sangue que tinha nas sapatilhas e o dorido das mãos, dizendo que terá dado na vítima «bue socos».
Sendo daí resultante um perfil da que veio a ser testemunha, GG, nada compatível com a pessoa que pouco sabia, como admitiu em julgamento.
6. www.dgsi.pt\trc..
7. Direito Penal Português – As Consequências Jurídicas do Crime, Ed. Coimbra - 1993, p. 290ss.
8. . Figueiredo Dias, idem, p. 343 e 344.
9. . ibidem, p. 344
10. ibidem, p. 344 e 345
11. Antunes Varela - Das obrigações em geral, vol. I, 1991, p. 516.
12. Menezes Cordeiro in Direito das Obrigações, 2º Vol., 1988, p. 287.