Acórdão do Tribunal da Relação de Lisboa
Processo:
5459/23.5T8LSB.L1-7
Relator: PAULO RAMOS DE FARIA
Descritores: RESPONSABILIDADE CIVIL EXTRACONTRATUAL
ACIDENTE DE VIAÇÃO
CONCORRÊNCIA DE CULPAS
MEDIDA DA CONTRIBUIÇÃO PARA O DANO
CÁLCULO DA INDEMNIZAÇÃO
Nº do Documento: RL
Data do Acordão: 07/15/2025
Votação: UNANIMIDADE
Texto Integral: S
Texto Parcial: N
Meio Processual: APELAÇÃO
Decisão: PARCIALMENTE PROCEDENTE
Sumário: Sumário:
Na liquidação da indemnização em dinheiro em conformidade com o disposto no n.º 2 do art. 506.º do Cód. Civil, deve ser arbitrada ao lesado (proprietário de uma das viaturas) uma quantia correspondente à medida do contributo causal da outra viatura para o dano, ou seja, correspondente a metade do valor do dano pelo mesmo sofrido.
Decisão Texto Parcial:
Decisão Texto Integral: Acordam na 7.ª Secção do Tribunal da Relação de Lisboa

A. Relatório

A.A. Identificação das partes e indicação do objeto do litígio

O Estado Português (Polícia de Segurança Pública) instaurou a presente ação declarativa, com processo comum, contra GENERALI – Companhia de Seguros, S.A., pedindo que seja a ré “condenada a pagar ao Estado Português (…) a quantia global de 15.815,20€ (…), acrescida dos juros de mora (…)”.
Para tanto, alegou que ocorreu um acidente de viação, no qual foram intervenientes um veículo propriedade do autor e um veículo segurado pela ré, sendo causado pelo condutor deste. Do embate resultaram danos patrimoniais para o autor.

Citada a contraparte, ofereceu esta a sua contestação, impugnando quer a dinâmica do acidente, quer os danos invocados.
Após realização da audiência final, o tribunal a quo julgou a ação improcedente, absolvendo a ré do pedido.

Inconformado, o autor apelou desta decisão, concluindo, no essencial:
“2 – (…) [N]o que respeita ao ponto 13 dos factos provados,deveria ter sido julgado como não provado o concreto segmento “a velocidade concretamente não apurada” e como provado que “o condutor do veículo XA, conduzia a velocidade inferior a 30 km/hora” (…).
3 – Quanto ao ponto b. dos factos não provados, deveria ter sido julgado como provado o concreto segmento “Nessas circunstâncias de tempo e de lugar descritas supra, o condutor do veículo XA, conduzia a velocidade inferior a 30 km/hora” (…). (…)
5 – (…) [O] facto 18 dos factos provados deveria ter sido julgado como não provado.
6 – Quanto ao ponto h. dos factos não provados, o mesmo deveria ter sido julgado como provado. (…)
9 – (…) [O] facto constante do ponto 19 dos factos provados deveria ter sido julgado como não provado.
10 – Quanto ao ponto i. dos factos não provados, o mesmo deveria ter sido julgado como provado. (…)
14 – O facto constante do ponto 20 dos factos provados deveria ter sido julgado como não provado.
15 – Já quanto ao ponto g. dos factos não provados, o mesmo deveria ter sido julgado como provado. (…)
20 – O facto constante do ponto j. dos factos não provados deveria ter sido julgado como provado. (…)
22 – Quanto ao ponto 25 dos factos provados, existirá um manifesto lapso no que se refere ao pagamento dos “Duodécimos Subsídio de Férias”, porquanto não consta do mesmo o montante pago pelo Estado Português, o qual ascende a 508,48 € (…), pelo que tal montante deverá ser acrescentado (…).
23 – O mesmo se diga relativamente ao montante referente ao “Suplemento de Patrulha”, constando da sentença que o montante liquidado pelo Estado Português é de 313,30 €, quando na verdade, é 313,39 € (…), pelo que tal montante deverá ser retificado (…). (…)
27 – (…) [C]onsiderando a matéria factual que se impõe que seja consignada nos termos supra enunciados, é de concluir que o embate ocorrido ficou a dever-se única e exclusivamente à conduta do condutor do veículo XJ (…).”
A apelada contra-alegou, pugnando pela manutenção de decisão do tribunal a quo recorrida.

A.B. Questões que ao tribunal cumpre solucionar

As questões de facto a decidir encontram-se descritas nas conclusões da alegação acima transcritas.
As questões de direito a tratar – em torno da verificação dos pressupostos da responsabilidade civil aquiliana – serão mais desenvolvidamente enunciadas no início do capítulo dedicado à análise dos factos e à aplicação da lei.
*
B. Fundamentação

B.A. Factos provados (conforme decidido pelo tribunal ‘a quo’)

1. Dinâmica do acidente

1 – No dia 11 de julho de 2021, pelas 22h45, no cruzamento entre a rua Coelho da Rocha e rua Azedo Gneco, em Lisboa, ocorreu uma colisão entre dois veículos, no qual foram intervenientes o veículo policial com a matrícula XA–##-## , marca Renault, modelo Captur, de cor branca, e o veículo particular com a matrícula XJ–##-##, marca Renault, modelo Megane, de cor branca.
2 – O veículo com a matrícula XA–##-## é propriedade do autor Estado Português – Polícia de Segurança Pública (PSP).
3 – O veículo com a matrícula XA–##-## está isento da obrigação de seguro de responsabilidade civil automóvel.
4 – Nas circunstâncias de tempo e de lugar descritas no ponto 1 – factos provados –, o veículo policial com a matricula XA–##-## era conduzido pelo Agente da Policia de Segurança Pública Principal, CGMB, que se encontrava no exercício das suas funções de patrulhamento policial, no seu horário de trabalho, obedecendo a ordens e instruções da PSP.
5 – O veículo particular com a matrícula XJ–##-##, nas circunstâncias de tempo descritas no ponto 1 – factos provados – era conduzido por MOJR gerente da sociedade Keep Clever Unipessoal, L.da (…), proprietária do referido veículo.
6 – A proprietária do veículo particular com a matrícula XJ–##-##, nas circunstâncias de tempo descritas no ponto 1 – factos provados –, tinha a responsabilidade civil emergente de danos causados a terceiros com o identificado veículo, transferida para a ré, através do contrato de seguro titulado pela apólice n.º …888.
7 – Nas referidas circunstâncias de tempo, o agente da Polícia de Segurança Pública CGMB, conduzia o veículo automóvel policial com a matrícula XA–##-##, no turno das 16h00 às 00h00, acompanhado do agente da PSP VLMR, no interior do referido veículo policial, estando ambos os agentes no exercício das suas funções de patrulhamento policial.
8 – A colisão ocorreu no cruzamento entre a rua Azedo Gneco e a rua Coelho da Rocha.
9 – Era de noite, o piso estava seco.
10 – A estrada tem apenas um sentido de circulação, com uma única faixa de rodagem [será via de trânsito] (em ambas as ruas).
11 – O limite de velocidade no local é de 30km/h (em ambas as vias).
12 – Inexistia sinalização vertical, horizontal ou luminosa para regulamentação de trânsito no local.
13 – Nessas circunstâncias de tempo e de lugar, o agente CGMB conduzia o veículo policial XA–##-##, no regresso duma ocorrência, em deslocação para a esquadra para a elaboração do respetivo expediente, com as luzes de circulação ligadas e bem assim as luzes azuis de presença em cima do tejadilho também ligadas, na rua Azedo Gneco, a velocidade não concretamente apurada.
14 – Por sua vez, nas referidas circunstâncias, MOJR, conduzia o veículo particular com a matrícula XJ–##-##, no exercício das suas funções de motorista da TVDE, na rua Coelho da Rocha, a velocidade não concretamente apurada, transportando no banco traseiro do lado direito o passageiro/cliente CSPJ, que tomara 30 a 40 metros antes do local onde veio a ocorrer o acidente.
15 – O condutor do veículo XJ–##-## pretendia atravessar a rua Azedo Gneco e continuar a percorrer a rua Coelho da Rocha.
16 – Quem circulava na rua Coelho da Rocha e se aproximava da rua Azedo Gneco não tinha visibilidade para o trânsito que circulava nesta artéria, sendo necessário entrar no cruzamento para se aperceber do mesmo, até porque havia veículos estacionados no lado direito da rua.
17 – Quem circulava na rua Azedo Gneco e se aproximava da rua Coelho da Rocha não tinha visibilidade, devido a veículos estacionados no lado esquerdo da mesma rua.
18 – Ao chegar ao cruzamento, o condutor do veículo XJ–##-## reduziu a velocidade e iniciou a entrada no mesmo, devagar, verificando se circulava algum veículo pela direita, ou seja, na rua Azedo Gneco em direção a esse cruzamento.
19 – Quando já se encontrava para lá do eixo da via e quase a completar o cruzamento, surgiu no mesmo o veículo da PSP (XA–##-##), em velocidade não concretamente apurada, provindo da rua Azedo Gneco, tendo embatido com a frente direita do XA–##-## na porta traseira direita do veículo XJ–##-##.
20 – Ao entrar no cruzamento, o condutor do veículo XA–##-## não adequou a velocidade ao local onde circulava.

2. Danos sofridos
21 – Como consequência direta e necessária de tal embate, o veículo policial XA–##-## ficou amolgado na parte dianteira do lado direito, onde ocorreu o embate.
22 – Também como consequência direta e necessária do embate, o agente da PSP VLMR, que era transportado no veiculo policial, no exercício das suas funções de patrulhamento policial, sofreu traumatismo do punho e da mão esquerda, com posterior quadro de tendinite do longo extensor de Dl da mão esquerda e dos extensores radiais do carpo do punho esquerdo, tendo de imediato sido transportado para o hospital …, onde deu entrada sob o episodio de urgência n.º …313, tendo aí recebido assistência médica.
23 – Em consequência das lesões corporais sofridas, no exercício das suas funções de patrulhamento e por causa delas, o agente da Polícia de Segurança Pública VLMR teve necessidade de receber assistência médica e de fazer tratamentos médicos e de fisioterapia.
24 – Ainda em consequência das lesões corporais sofridas, no exercício das suas funções de patrulhamento e por causa delas, o agente da Polícia de Segurança Pública VLMR sofreu incapacidade para o trabalho durante o período não inferior a 145 dias, tendo por tal motivo estado impedido de exercer as suas funções no período compreendido entre 12.07.2021 e 18.11.2021.
25 – Em consequência de tal incapacidade para o trabalho do agente VLMR, motivada por acidente de trabalho, a Polícia de Segurança Pública, não obstante o período de ausência ao serviço do referido agente, vencimentos, suplementos e subsídios que pagou ao referido agente, de acordo com a seguinte discriminação:
a) Vencimentos5018,32
b) SSF Segurança1168,17
c) Subsídio Fardamento274,59
d) Subsídio de Refeição581,94
e) Duodécimos Subsídio de Natal508,48
f) Duodécimos Subsídio de Férias
g) Suplemento de Turno821,45
h) Suplemento de Patrulha313,30
26 – Ainda em consequência do referido embate, resultaram estragos na parte dianteira direita do veículo policial XA–##-##, e o Estado Português – Polícia de Segurança Pública, solicitou orçamento para a sua reparação, tendo-lhe sido apresentado como valor de reparação o valor o valor global de 6.530,37€.
27 – O orçamento para a parte da frente (…876) ascendia a 6.530,37.
28 – O orçamento para a reparação dos danos engloba a parte traseira lado esquerdo, dano não decorrente da colisão descrita nos autos (…877) ascendia a 435,33.

3. Outros factos
29 – A ré procedeu à peritagem dos danos do XJ–##-## em 04/08/2021, tendo o perito verificado que o veículo XA–##-## havia sofrido danos apenas na frente. Elaborou o respetivo orçamento de reparação dos danos visíveis, concluindo que o custo da reparação desses danos ascendia a € 4.782,86.
30 – A peritagem foi levada a cabo na Auto Reparadora Melo Falção, L.da.
31 – A PSP não autorizou a desmontagem do veículo, pelo que não foi possível apurar se havia ou não danos ocultos.
32 – A PSP, em 18/07/2022, reclamou da ré o pagamento de € 4.782,86.

B.B. Impugnação da decisão sobre a matéria de facto
O apelante impugna a decisão sobre a matéria de facto correspondente aos pontos 13 (parcialmente), 18, 19, 20 e 25 dos factos provados, bem como aos pontos b. (parcialmente), h., i., g., e j. dos factos considerados não provados.

1. Impugnação da decisão sobre os pontos 13 e b.
O tribunal a quo deu por provado o seguinte facto:
13 – Nessas circunstâncias de tempo e de lugar, o agente CGMB conduzia o veículo policial XA–##-##, no regresso duma ocorrência, em deslocação para a esquadra para a elaboração do respetivo expediente, com as luzes de circulação ligadas e bem assim as luzes azuis de presença em cima do tejadilho também ligadas, na rua Azedo Gneco, a velocidade não concretamente apurada.
O tribunal a quo deu por não provado o seguinte facto:
b. Nessas circunstâncias de tempo e de lugar descritas supra, o condutor do veículo XA–##-##, conduzia a velocidade inferior a 30km/hora e o condutor do veículo XJ–##-## conduzia a velocidade não superior a 30 km/hora,
Defende o apelante que “deveria ter sido julgado como não provado o concreto segmento “a velocidade concretamente não apurada” e como provado que “o condutor do veículo XA, conduzia a velocidade inferior a 30 km/hora” – uma velocidade também relativamente indeterminada, portanto. Está, pois, em causa, no essencial, o limite máximo da velocidade a que seguia a viatura do autor.
Ora, a resolução do caso não assentou (nem deve assentar) no facto de a velocidade absoluta a que seguia o veículo da autora ser, supostamente, superior a 30 km/hora. Ainda que se tivesse apurado que tal velocidade era não superior a 30 km/h – e não, como decidiu o tribunal a quo, que não resultou “concretamente apurada” –, nem por isso a sorte da lide seria outra. A circunstância de não se ter apurado a velocidade do veículo XA – podendo esta ser, pois, por exemplo, de 15 km/ ou de 45 km/h – em nada desfavorece a posição do autor. Para a boa solução do caso, importa, essencialmente, sim, apurar se a velocidade relativa do veículo XA era a adequada à aproximação e ao atravessamento do cruzamento.
É jurisprudência pacífica das Relações que “não se deverá proceder à reapreciação da matéria de facto quando os factos objeto de impugnação não forem suscetíveis, face às circunstâncias próprias do caso em apreciação, de ter relevância jurídica, sob pena de se levar a cabo uma atividade processual que se sabe ser inútil, o que contraria os princípios da celeridade e da economia processuais (arts. 2.º, n.º 1, 137.º e 138.º, todos do Cód. Proc. Civil)” – assim, entre muitos outros, cfr. os Acs. do TRC de 24-04-2012 (219/10.6T2VGS.C1), de 14-01-2014 (6628/10.3TBLRA.C1) e de 15-09-2015 (6871/14.6T8CBR.C1), do TRG de 15-12-2016 (86/14.0T8AMR.G1) e de 22-10-2020 (5397/18.3T8BRG.G1), e do TRL de 26-09-2019 (144/15.4T8MTJ.L1-2) e de 27-10-2022 (7241/18.2T8LRS-A.L1-2).
Por todo o exposto – e dada a proibição da reformatio in pejus (art. 635.º, n.º 5, do Cód. Proc. Civil) –, rejeita-se o recurso sobre a decisão da matéria de facto, com o que se mantém inalterada a factualidade fixada em 1.ª instância. quanto aos pontos em questão.

2. Impugnação da decisão sobre os pontos 18 e h.

O tribunal a quo deu por provado o seguinte facto:
18 – Ao chegar ao cruzamento, o condutor do veículo XJ–##-## reduziu a velocidade e iniciou a entrada no mesmo, devagar, verificando se circulava algum veículo pela direita, ou seja, na rua Azedo Gneco em direção a esse cruzamento.
O tribunal a quo deu por não provado o seguinte facto:
h. Ato continuo, MOJR, circulando na rua Coelho da Rocha, avança e entra no cruzamento com a rua Azedo Gneco, sem previamente se ter assegurado que não circulava qualquer veículo na referida artéria, proveniente do seu lado direito, considerando o seu sentido de circulação, para atravessar o cruzamento, que o obrigasse a parar para o deixar avançar.
Defende o apelante que “o facto 18 dos factos provados deveria ter sido julgado como não provado” e que o “ponto h. dos factos não provados (…) deveria ter sido julgado como provado”. Está, pois, em causa apurar a conduta do condutor do veículo XJ, quando este entra no cruzamento onde ocorre o embate.
Sobre a dinâmica do acidente, o tribunal a quo desenvolveu o seguinte raciocínio probatório:
“Do depoimento de MOJR (condutor da viatura XJ) e CSPJ (passageiro que seguia do lado de trás do pendura) resulta, de modo consentâneo e unânime, que:
“– O condutor do veículo XJ recolheu o passageiro e circulou cerca de 50 metros antes da colisão, tendo parado antes de entrar no cruzamento devido à existência de uma passadeira;
“– O condutor do veículo XJ, depois de ter parado numa passadeira (representada no croqui) reduziu a velocidade e iniciou a entrada no cruzamento, devagar, verificando se circulava algum veículo pela direita, ou seja, na rua Azedo Gneco em direção a esse cruzamento, não havendo qualquer veículo que se lhe apresentasse pela direita e que implicasse a cedência de passagem;
“– A colisão ocorreu quando o veículo XJ já se encontrava para lá do eixo da via e quase a completar o cruzamento;
“– Nesse momento surgiu o veículo da PSP (XA), em velocidade não concretamente apurada, provindo da rua Azedo Gneco, tendo embatido com a frente direita na porta traseira direita do veículo XJ.
“Por outro lado, as testemunhas arroladas pelo autor não lograram convencer o Tribunal quanto à conduta do condutor do veículo XA. Na verdade, nenhuma delas conseguiu referir de forma cabal, sem qualquer sombra de dúvida, que o condutor do veiculo XA tenha adequado a velocidade (reduzindo-a ou abrandando) quando se aproximou do cruzamento (apenas asseveraram, conforme se disse supra que foi respeitado o limite de velocidade, sem concretizar tais declarações). Mais, a este respeito, o condutor do veículo XA chegou a prestar declarações vagas quando inquirido e contra inquirido, ao referir [que] “poucos metros antes do cruzamento começou a reduzir a velocidade, mas já não ia a velocidade grande”, “não travou antes de entrar no cruzamento”, “travou quando viu as luzes do veiculo XJ, mas foi uma fracção de segundo”, não sabendo concretizar em que se consubstanciou a referida redução de velocidade antes de entrar no cruzamento (“retirou o pé do acelerador? travou?)”).
“Mais, da análise do depoimento das testemunhas arroladas pelo autor resulta que, os referidos agentes estavam a regressar de uma ocorrência de violência doméstica, e já perto da esquadra da PSP, pelo que o assunto abordado dentro do veículo reportava-se a essa mesma ocorrência, estando os passageiros (pelo menos) desatentos quanto às circunstâncias anteriores ao acidente.
“Tais factos levam à conclusão de que, ao entrar no cruzamento, o condutor do veículo XA não adequou a velocidade do veículo ao local onde circulava, razão pela qual não parou a tempo de evitar a colisão com o veículo XJ.
“Efetivamente, do exposto é possível concluir – distância percorrida pelo veículo XA antes da colisão, a existência de uma passadeira, o local da colisão (para lá do eixo do cruzamento) e danos nos veículos –, em conjugação com as regras da experiência comum, que o condutor do veículo XJ não poderia seguir a uma velocidade excessiva, conclusão esta que era condição sine qua non para a procedência da tese do autor (só seguindo a uma velocidade muito superior à permitida no local (atravessando-se o veiculo XJ à frente do veículo XA) é que o veículo XJ poderia ter embatido no veículo XA, ficando este último com danos na parte dianteira direita.
“Melhor explicando:
“Ora, o local onde ocorreu a colisão no cruzamento e os danos verificados nos veículos demonstram claramente que o veículo XJ já se encontrava para lá do eixo da via (metade da via) quando ocorreu a colisão. Mais, não se provando a velocidade concreta a que seguia cada um dos veículos, conclui-se (em face do local do embate e dos danos apurados) que o veiculo XJ já se encontrava no cruzamento quando o veiculo XJ [será XA] lá entrou. Nestas circunstâncias, não funciona a regra de prioridade à direita.
“A este respeito há que relembrar que as intersecções que funcionam com prioridade à direita (sem qualquer sinalização luminosa ou vertical, como era o caso) apenas concede a prioridade a um veículo sempre que ele se apresente pela direita relativamente a qualquer outro que aproximadamente ao mesmo tempo se aproxime da intersecção”.

2.1. Recusa da decisão proferida

Sustenta o apelante, com utilidade – o mais alegado em nada infirma a decisão do tribunal, designadamente quanto ao ponto h. (não provado) –, que “ao contrário do que considera o tribunal a quo, do depoimento da testemunha CSPJ não se retira a supra mencionada factualidade, não se compreendendo a conclusão que dos depoimentos das testemunhas CSPJ e MOJR, de modo consentâneo e unânime, resulta a referida factualidade”. Afigura-se-nos assistir razão ao apelante.
A testemunha CSPJ declarou que não se apercebeu da condução do veículo XJ realizada por MOJR. Do seu depoimento não se pode, pois, retirar que o “condutor do veículo XJ, depois de ter parado numa passadeira (representada no croqui) reduziu a velocidade e iniciou a entrada no cruzamento, devagar, verificando se circulava algum veículo pela direita”.
Não podendo a decisão proferida sobre o ponto 18 (factos provados) fundar-se no depoimento da testemunha CSPJ (terceiro), o raciocínio probatório desenvolvido pelo tribunal a quo perde parte da sua força, pois passa a assenta, no essencial, no depoimento do condutor de uma das viaturas sinistradas, não sendo este totalmente desinteressado na decisão sobre a dinâmica do acidente – recorde-se, ainda, o aforismo testis unus, testis nullus (embora se reconheça o seu manifesto exagero).
Para além dos depoimentos testemunhais, o tribunal a quo desenvolve o seu raciocínio probatório sobre os demais factos julgados provados (não impugnados). É à sua análise que agora nos dedicaremos.

Encontra-se provado (e não impugnado) que:
8 – A colisão ocorreu no cruzamento entre a rua Azedo Gneco e a rua Coelho da Rocha.
13 – (…) o agente (…) conduzia o veículo policial XA (…) com as luzes de circulação ligadas e bem assim as luzes azuis de presença em cima do tejadilho também ligadas, na rua Azedo Gneco (…).
16 – Quem circulava na rua Coelho da Rocha e se aproximava da rua Azedo Gneco não tinha visibilidade para o trânsito que circulava nesta artéria, sendo necessário entrar no cruzamento para se aperceber do mesmo, até porque havia veículos estacionados no lado direito da rua.
17 – Quem circulava na rua Azedo Gneco e se aproximava da rua Coelho da Rocha não tinha visibilidade, devido a veículos estacionados no lado esquerdo da mesma rua.
Ainda com relevância para a decisão da questão, devemos ter presente o teor do croqui junto, o qual revela que as ruas Azedo Gneco e Coelho da Rocha, no quarteirão comum que antecede o seu cruzamento, se desenvolvem em reta por largas dezenas de metros (não menos de 50). À vista deste documento, podemos, com absoluta segurança, concluir que, antes do embate, durante vários segundos, os veículos XA e XJ circularam, respetivamente, nas ruas Azedo Gneco e Coelho da Rocha.
Mais concretamente, podemos, com absoluta segurança, concluir que, no momento em que o veículo XJ entra na área do cruzamento destas ruas, o veículo XA circulava na rua Azedo Gneco a poucos metros de distância, na reta adjacente ao quarteirão comum. É absolutamente implausível que o veículo XA se tenha materializado na faixa de rodagem da rua Azedo Gneco após a invasão da zona de cruzamento pelo veículo XJ ou que tenha percorrido toda a reta daquela rua num ou dois segundos – é necessária a velocidade de 180 km/h para percorrer 50 metros num segundo (a posição dos veículos após o embate e os estragos sofridos revelam que a velocidade do XA nunca poderia ser desta ordem de grandeza).
Ora, se, quando o veículo XJ entra na área do cruzamento destas ruas, o veículo XA circulava na rua Azedo Gneco a poucos metros de distância, “com as luzes de circulação ligadas e bem assim as luzes azuis de presença em cima do tejadilho também ligadas”, não se percebe como pode o condutor do veículo XJ, se efetivamente verificou “se circulava algum veículo pela direita, ou seja, na rua Azedo Gneco em direção a esse cruzamento”, não ter visto o veículo XA. (Note-se que o condutor do XJ afirmou na audiência final: “não vi luzes no meu lado direito e avancei”) E se viu este veículo, não se percebe porque avançou, pois a colisão seria o resultado provável desta opção.
Afigura-se-nos forçoso concluir que não pode ser julgado provado que “o condutor do veículo XJ (…) iniciou a entrada no mesmo (…) verificando se circulava algum veículo pela direita, ou seja, na rua Azedo Gneco em direção a esse cruzamento”. No entanto, do mesmo material probatório também não pode ser extraído, sem mais, o teor do ponto h. dos factos não provados.

2.2. Decisão a proferir sobre a atuação do condutor do XJ

Na judiciosa decisão impugnada, é adotada uma terminologia que, não sendo incorreta, pode gerar alguns equívocos. Por exemplo, consta na sentença que “a colisão ocorreu quando o veículo XJ já se encontrava para lá do eixo da via” – sublinhado nosso. Ora, esta expressão pode gerar confusão com o conceito de “eixo da faixa de rodagem” – sendo que este não existe, pois, no local, a faixa de rodagem não é divisível em duas partes, dado que só existe um sentido de trânsito (cfr. art. 1.º, al. f), do Cód. Estrada).
Afigura-se-nos útil operar uma precisão terminológica, apenas para efeitos expositivos, fixando que:
– “Via pública” é uma via de comunicação terrestre afeta ao trânsito público;
– “Cruzamento” é a zona de intersecção de vias públicas ao mesmo nível;
– “Zona de estacionamento” é o local da via pública especialmente destinado, por construção ou sinalização, ao estacionamento de veículos;
– “Faixa de rodagem” é a parte da via pública especialmente destinada ao trânsito de veículos.
Para os mesmos efeitos expositivos, podemos acrescentar o conceito de zona de interceção de trajetórias, como sendo a área em que os prolongamentos das duas faixas de rodagem se sobrepõem, isto é, a área sobre a qual as trajetórias das duas viaturas efetivamente se cruzam.
Estas áreas ilustram-se do seguinte modo:



Sem querermos antecipar a análise da questão de direito, na determinação da factualidade relevante a apurar, importa ter presente a norma constante do n.º 1 do art. 30.º do Cód. Estrada: “nos cruzamentos e entroncamentos o condutor deve ceder a passagem aos veículos que se lhe apresentem pela direita”. Note-se que a lei não determina que o condutor deve ceder a passagem aos veículos que, entrando no cruzamento exatamente no mesmo instante, se lhe apresentem pela direita. Aliás, esta absoluta simultaneidade do início do atravessamento do cruzamento é virtualmente impossível.
O condutor da viatura que se apresente pela direita não deixa de ter prioridade pelo facto de o veículo que se apresenta pela esquerda invadir o cruzamento um instante antes. Quando os dois veículos concorrem na ocupação do mesmo espaço, ao mesmo tempo, terá o condutor que se apresente pela esquerda de ceder prioridade – assim lhe seja possível atuar, por circularem os veículos provindos da direita à velocidade (relativa) apropriada para o local, deste modo ocupando o campo de visão onde este veículos necessariamente se encontram.
Como é evidente, se a viatura que proveio da esquerda já se encontra a atravessar o cruzamento (zona de efetiva interceção de trajetórias) quando aquela que se provém da direita entra na área do campo de visão relevante do condutor da primeira – área onde, necessariamente, se encontrariam as viaturas com prioridade –, a primeira não pode ceder a passagem (que já ocupa), cabendo ao condutor da segunda, se necessário para evitar o embate, imobilizar a sua viatura (arts. 3.º, n.º 2, e 24.º, n.º 1, do Cód. Estrada). Dito de outro modo, a circunstância de a viatura que proveio da esquerda entrar primeiro no cruzamento permite também que se admita que o seu condutor não tinha de ceder prioridade, por inexistir trânsito visível (no campo de visão relevante) proveniente da sua direita – embora também não afaste, em absoluto, a possibilidade de o seu condutor conseguir avistar oportunamente o trânsito que se apresenta pela direita, tendo então de ceder prioridade.
À luz deste enquadramento legal, devemos procurar apurar os seguintes factos:
a) se o condutor do XJ apenas iniciou o atravessamento da zona de interceção de trajetórias depois de se assegurar de que não se apresentava nenhuma viatura pela sua direita (circulando esta no cumprimento das regras estradais) com a qual pudesse embater ou por ela ser embatido;
b) se o condutor do XA, na aproximação ao cruzamento, adequou a velocidade da sua viatura às condições de visibilidade existentes, acautelando a possibilidade de já se encontrar um veículo a atravessar o cruzamento (proveniente da rua Colho da Rocha) antes mesmo de o conseguir ver.
O conceito operativo relevante em casos como o presente é o de distância de paragem disponível (dpd). Os condutores devem regular a velocidade do veículo, de modo a que este possa ser imobilizado na distância de paragem disponível até ao ponto (do cruzamento) em que estão obrigados imobilizá-lo, em ordem ceder passagem a outra viatura e a evitar uma colisão.
A distância de paragem disponível máxima – tendo em conta o limite absoluto de velocidade de 30 km/h –, quer para o veículo XA, quer para o veículo XJ era de, aproximadamente, 13,50 metros – tendo ainda em consideração o estado do pavimento e as características conhecidas das viaturas. Veja-se, a propósito, o “Cálculo de distâncias médias de paragem” disponível no sítio institucional na Internet do Instituto da Mobilidade e dos Transportes, I.P., documento no qual se pode encontrar a seguinte tabela (extrato):

DR = Distância de Reação; DT = Distância de Travagem; DP = Distância de Paragem
À medida que a distância de paragem disponível diminui – com a aproximação à área do cruzamento de efetiva circulação comum aos veículos que se cruzam (zona de interceção de trajetórias) –, também a velocidade de marcha deve diminuir. Como é evidente, se a condução for especialmente cuidadosa, estando a atenção do condutor centrada no trânsito proveniente da rua perpendicular, circulando na aproximação à área do cruzamento com o pé pousado sobre o pedal do travão, a distância de paragem disponível poderá ser reduzida, por força da redução da distância de reação.
No entanto, com a aproximação ao cruzamento, o condutor começará a avistar uma área da faixa de rodagem da rua perpendicular progressivamente maior. Este facto permite-lhe ajustar a sua velocidade, não necessitando, por regra, de imobilizar a sua viatura.


No caso dos autos, os dois condutores tinham, obviamente, o dever de adequar a sua condução às regras estradais que aos dois se impunham. O mesmo é dizer que o condutor do XJ podia contar que a inexistência de trânsito na rua Azedo Gneco, numa extensão de cerca de 13,50 metros, antes do cruzamento, lhe permitiria o seu atravessamento em segurança, pois poderia ser avistado pelo condutor de uma viatura (como o XA) que circulasse, antes de chegar a esse ponto, a uma velocidade regular ( 30 km/h) – gozando este de uma distância de paragem disponível bastante para imobilizar a sua viatura.
Por seu turno, o condutor do XA tinha de adequar a sua condução à circunstância de poder só conseguir ver uma viatura provinda da rua Coelho da Rocha (como o XJ) quando esta já se encontrasse a atravessar o cruzamento. Se, no momento em que o avistamento era possível, o XA já circulasse a menos de 13,50 metros da zona de interceção de trajetórias, teria de avançar a uma velocidade inferior a de 30 km/h, de modo a poder ceder passagem a uma hipotética viatura que já se encontrasse a atravessar o cruzamento.


Embora a fotografia aérea junta aos autos não ilustre, obviamente, o momento em que o acidente ocorreu, é ela bastante esclarecedora, pois, por coincidência, os veículos estacionados estão sensivelmente nos mesmos lugares ocupados pelos veículos retratados nas fotografias recolhidas nos instantes seguintes ao embate.
Há duas viaturas estacionadas fora da zona de estacionamento (lugar x e lugar y) que permitem uma segura referenciação espacial dos campos de visão dos condutores dos veículos XA e XJ:






O local a partir do qual foi recolhida a imagem da direita situa-se imediatamente antes do limiar do cruzamento. No entanto, deste local, não é possível ver toda a zona do cruzamento. Simetricamente, a partir da zona do cruzamento não visível, não é possível ver o local a partir do qual foi tirada a fotografia.




Em suma, nos locais onde, em condições normais os condutores das duas viaturas se poderiam avistar mutuamente – nos limiares do cruzamento –, tal não era possível, por causa do irregular estacionamento de uma viatura no lugar y.


Sobre a atenção dedicada pelos condutores ao trânsito, apenas temos as respetivas versões, as quais são inconciliáveis. No mais, somente dispomos, como material probatório, do conhecimento dos pontos de embate das viaturas e do local de colisão.
Estes elementos permitem-nos concluir que a viatura XL invadiu o cruzamento um instante antes da viatura XA. Não existe nenhum indício de que a primeira circulasse a uma velocidade relevante superior à velocidade a que circulava a segunda, pelo que só a circunstância de ter iniciado primeiro o atravessamento da zona do cruzamento explica racionalmente o local do embate e os pontos de contacto das viaturas.
A ocorrência do embate, em si mesma, permite-nos concluir que o condutor da viatura XL não iniciou o atravessamento da zona de interceção de trajetórias depois de se assegurar de que não se apresentava nenhuma viatura pela sua direita com a qual pudesse embater ou por ela ser embatido. Se o embate ocorreu, é porque pela faixa de rodagem da rua Azedo Gneco circulava, efetivamente, uma viatura que podia embater no veículo XL; logo, o condutor deste nunca se pode ter assegurado da inexistência daquela – tertium non datur.
No entanto, não é implausível que o condutor da viatura XL se tenha, efetivamente, assegurado de que nos metros finais da faixa de rodagem da rua Azedo Gneco não circulava nenhuma viatura – nos últimos 13,50 metros ou mesmo menos, pois, como referimos, no cumprimento das regras estradais, o condutor do veículo XA tinha de adequar a velocidade deste à circunstância de poder só conseguir ver uma viatura provinda da rua Coelho da Rocha (como o veículo XJ) quando esta já se encontrasse a atravessar o cruzamento. Neste caso, a imputação causal do embate não pode ser feita à conduta do condutor do veículo XJ, sendo antes imputável à atuação do condutor do veículo XA.
Em suma, da prova produzida, apenas podemos concluir que o veículo XJ iniciou a travessia do cruzamento um instante antes do veículo XA, mas já não que tal ocorreu depois de o condutor do primeiro se ter assegurado de que não se apresentava pela direita uma viatura que iria ocupar o mesmo espaço do cruzamento, ao mesmo tempo – pois, efetivamente, apresentava-se –, nem que o condutor do segundo adequou a sua velocidade à deficiente visibilidade das viaturas que, antes da sua, já pudessem se encontrar a atravessar o cruzamento. Desta análise, podemos retirar conclusões válidas quer para a decisão da impugnação da decisão sobre o ponto 18 – conduta do condutor do veículo XL –, sobre o ponto 19 – sequência temporal do início de atravessamento do cruzamento – e sobre o ponto 20 – conduta do condutor do veículo XA.
Por agora, procurando conciliar o depoimento do condutor do veículo XL com a efetiva ocorrência do embate, concluímos apenas, julgando parcialmente procedente a impugnação sobre os dois pontos analisados (18 e h.), que:
18 – Nas circunstâncias de tempo e lugar referidas:
a) Ao atingir o cruzamento, o condutor do veículo XJ verificou se, nesse momento, algum veículo proveniente da rua Azedo Gneco havia iniciado o seu atravessamento, não abrangendo o seu campo de visão mais do que a zona do cruzamento, por estar parcialmente obstruído pelas viaturas estacionadas referidas no ponto 16 – factos provados.
b) Depois desta verificação inicial (ao atingir o cruzamento), o condutor do veículo XJ, ainda antes de atingir a zona de efetiva interceção de trajetórias, não mais verificou se alguma viatura proveniente da rua Azedo Gneco, anteriormente ocultada pelas viaturas estacionadas referidas no ponto 16 – factos provados –, poderia embater no seu veículo nem que poderia por este ser embatida na referida zona de interceção de trajetórias.

3. Impugnação da decisão sobre os pontos 19 e i.

O tribunal a quo deu por provado o seguinte facto:
19 – Quando já se encontrava para lá do eixo da via e quase a completar o cruzamento, surgiu no mesmo o veículo da PSP (XA–##-##), em velocidade não concretamente apurada, provindo da rua Azedo Gneco, tendo embatido com a frente direita do XA–##-## na porta traseira direita do veículo XJ–##-##.
O tribunal a quo deu por não provado o seguinte facto:
i. Após o que, o veículo XJ entrou no referido cruzamento e embateu com a sua lateral traseira direita, na parte dianteira do lado direito do veículo policial XA, que circulava já no cruzamento entre as duas artérias, apresentando-se pelo lado direito do veículo civil XJ.
Defende o apelante que “o facto constante do ponto 19 dos factos provados deveria ter sido julgado como não provado” e que o “ponto i. dos factos não provados (…) deveria ter sido julgado como provado”. Está, pois, em causa determinar qual das duas viaturas entrou primeiro no espaço do cruzamento e qual foi o ponto de embate em cada uma delas.
O raciocínio probatório desenvolvido pelo tribunal a quo sobre estes pontos é comum aos pontos 18 (factos provados) e h. (factos não provados), já acima transcrito e que agora se dá por reproduzido. Para a decisão sobre estes pontos, é relevante o teor do ponto 21 (factos provados), não impugnado: “Como consequência direta e necessária de tal embate, o veículo policial XA ficou amolgado na parte dianteira do lado direito, onde ocorreu o embate”.

Sobre esta matéria, a argumentação aduzida pelo apelante é, no essencial, inconsequente. Refere o apelante que as testemunhas que seguiam no XA referiram que o embate ocorreu no “meio do cruzamento”. Ora, no ponto 19 já é referido que o embate se dá no interior do cruzamento – o que não está controvertido. Os depoimentos destas testemunhas em nada contrariam, no essencial, a pronúncia sobre este facto. Já o depoimento da testemunha CSPJ, também invocado pelo apelante, é totalmente concordante com a pronúncia do tribunal a quo.
Podemos aceitar que o tribunal a quo fez uma descrição relativamente imprecisa do local do embate, pois, por um lado, não esclarece a que “via” se está a referir, quando afirma “quando já se encontrava para lá do eixo da via”. Por outro lado, extrai-se do croqui e da fotografia aérea juntos que o cruzamento afetivo entre as duas faixas de rodagem não se dá no eixo das ruas, dado que o estacionamento de viaturas em espinha desloca a faixa de rodagem disponível para o lado:


Afigura-se-nos ser absolutamente fidedigno registo fotográfico junto (concordante com o croqui e com o teor do facto 21):



Com base nestes meios probatórios, não pode deixar de improceder a impugnação da decisão sobre o ponto i. (não provado), aperfeiçoando-se o enunciado do ponto 19 (factos provados), nos seguintes termos:
19 – O veículo XJ iniciou o atravessamento da zona de interceção de trajetórias e, quando a sua metade traseira ainda se encontrava sobre esta zona, foi embatido pela parte dianteira do veículo XA, que havia entrado na zona do cruzamento, a velocidade não concretamente apurada, provindo da rua Azedo Gneco, depois de o XJ nela ter entrado.

4. Impugnação da decisão sobre os pontos 20 e g.

O tribunal a quo deu por provado o seguinte facto:
20 – Ao entrar no cruzamento, o condutor do veículo XA–##-## não adequou a velocidade ao local onde circulava.
O tribunal a quo deu por não provado o seguinte facto:
g. O agente da Polícia de Segurança Pública CGMB, circulando na rua Azedo Gneco, antes de chegar ao cruzamento com a rua Coelho da Rocha, reduziu a velocidade do veículo XA e foi entrando no cruzamento.
Defende o apelante que “o facto constante do ponto 20 dos factos provados deveria ter sido julgado como não provado” e que o “ponto g. dos factos não provados (…) deveria ter sido julgado como provado”. Está, pois, em causa apurar qual foi a atuação do condutor do XA, na aproximação e entrada no cruzamento.
O raciocínio probatório desenvolvido pelo tribunal a quo sobre estes pontos é comum aos pontos 18 (factos provados) e h. (factos não provados), já acima transcrito e que agora se dá por reproduzido.
Pelo que respeita ao ponto g. (factos não provados), não pode a impugnação deixar de proceder, parcialmente. O raciocínio que do tribunal a quo desenvolve sobre este facto é frágil e contrário à prova produzida.
Reza a sentença apelada que, “da análise do depoimento das testemunhas arroladas pelo autor resulta que os referidos agentes estavam a regressar de uma ocorrência de violência doméstica, e já perto da esquadra da PSP, pelo que o assunto abordado dentro do veículo reportava-se a essa mesma ocorrência, estando os passageiros (pelo menos) desatentos quanto às circunstâncias anteriores ao acidente” – sublinhado nosso. Ora, estas duas conclusões – estarem todos os ocupantes a conversar sobre um determinado tema, encontrando-se, por tal razão, completamente alheados das características da condução do XA – são especulativas, não assentando em nenhuma prova concludente.
Aliás, não se percebe por que razão o tribunal a quo se ocupa aqui com a desvalorização dos depoimentos dos passageiros do XA. É que, no parágrafo anterior, o tribunal havia afirmado que nenhum dos passageiro do XA “conseguiu referir de forma cabal, sem qualquer sombra de dúvida, que o condutor do veiculo XA tenha adequado a velocidade (reduzindo-a ou abrandando) quando se aproximou do cruzamento (apenas asseveraram, conforme se disse supra que foi respeitado o limite de velocidade, sem concretizar tais declarações)”. Ora, se nenhum dos passageiros afirmou ter existido uma diminuição da velocidade, é desprovida de utilidade a desvalorização dos seus depoimentos, em ordem a motivar a decisão de inexistência de tal redução. Bastaria dizer que nenhum afirmou ter esta ocorrido.
A desvalorização operada pelo tribunal a quo – que não pode proceder, por não ser racionalmente sustentável – encontra a sua justificação na circunstância de, contrariamente ao afirmado na sentença, terem as testemunhas, efetivamente, relatado a diminuição da velocidade do XA, à entrada para o cruzamento – mais precisamente, para além do condutor desta viatura, a testemunha FR (passageiro do banco da frente). Não existe motivo para desvalorizar este meio de prova: não foi sinalizada a falta de credibilidade da testemunha, não foi produzida contraprova sobre este facto e a sua afirmação não ofende as regras da experiência.
Sobre estas regras – e considerando que o traçado ortogonal do bairro de Campo de Ourique, as dificuldades comuns de estacionamento na rua e a difícil visibilidade dos seus cruzamentos são, na comarca do tribunal a quo, praticamente factos notórios –, devemos reconhecer que não causa nenhuma estranheza que a condução de uma viatura seja caracterizada pelo levantamento do pé direito do pedal do acelerador e sua colocação sobre o pedal do travão (mesmo sem o pressionar), à aproximação dos cruzamentos, provocando a sua desaceleração. Muito mais insólito seria um condutor normal atravessar os cruzamentos de Campo de Ourique sem ensaiar o controlo da sua velocidade.
Ainda assim, conforme decorre da análise desenvolvida na apreciação da impugnação da decisão sobre o ponto 18 – factos provados –, desconhecemos se o condutor do veículo XA foi bem sucedido nesta tentativa, reduzindo a velocidade deste para valores adequados. Isto é, desconhecemos se a velocidade relativa do veículo XA, na aproximação ao cruzamento, era, efetivamente, adequada às condições de visibilidade existentes, acautelando o seu condutor a possibilidade de um veículo já se encontrar a atravessar o cruzamento (proveniente da rua Colho da Rocha) antes mesmo de poder ser avistado.
Pelo que respeita à proposição contida no ponto 20, também não pode a impugnação deixar de proceder, parcialmente. É que o enunciado “Ao entrar no cruzamento, o condutor do veículo XA não adequou a velocidade ao local onde circulava” não encerra uma proposição descritiva de facto, mas sim um juízo puramente conclusivo.
Poder-se-á questionar o que pretende o tribunal a quo significar com “não adequou” a velocidade ao local. Poderá querer dizer que não acelerou (quando deveria ter acelerado); que não parou (quando deveria ter parado); que não abrandou (quando deveria ter abrandado). Também poderá querer dizer que o condutor não imprimiu à viatura XA uma velocidade que tornaria possível a sua imobilização, após ser visível o trânsito proveniente da rua Coelho da Rocha, no caso de um veículo se encontrar nesse momento a entrar no cruzamento pela sua esquerda – cfr. o ponto 17. Mas, se era isto que pretendia dizer, era isto que deveria ter dito.
Vale aqui um raciocínio semelhante ao desenvolvido em torno da atuação do condutor do XJ. Sabemos que o condutor do veículo XA não se assegurou de que nenhuma viatura proveniente da rua Coelho da Rocha poderia embater no seu veículo nem que poderia por este ser embatida. Se o tivesse feito, o embate não teria ocorrido – tertium non datur. No entanto, pode ter-se assegurado de que, nos metros finais que antecedem a zona de interceção de trajetórias – suficientes para um condutor circulando em cumprimento das regras estradais, proveniente da rua Coelho da Rocha, imobilizar a sua viatura e ceder a passagem devida –, não circulava nenhum automóvel – caso em que o embate seria imputável ao condutor do veículo XJ.
Em suma, da prova analisada resulta que deve ser dada por provado que:
20 – Nas circunstâncias de tempo e lugar referidas:
a) Ao aproximar-se do cruzamento, o condutor do veículo XA abrandou a sua velocidade de marcha.
b) O condutor do veículo XA nunca verificou se, ocultado do seu campo de visão à entrada do cruzamento – pelas viaturas estacionadas referidas no ponto 17 –, nenhum veículo proveniente da rua Coelho da Rocha havia já iniciado o atravessamento da zona do cruzamento.

5. Impugnação da decisão sobre o ponto 25

O tribunal a quo deu por provado o seguinte facto:
25 – Em consequência de tal incapacidade para o trabalho do agente VLMR, motivada por acidente de trabalho, a Polícia de Segurança Pública, não obstante o período de ausência ao serviço do referido agente, vencimentos, suplementos e subsídios que pagou ao referido agente, de acordo com a seguinte discriminação: (…)
f) Duodécimos Subsídio de Férias
(…)(…)
h) Suplemento de Patrulha313,30
Defende o apelante que, “quanto ao ponto 25 dos factos provados, existirá um manifesto lapso no que se refere ao pagamento dos ‘Duodécimos Subsídio de Férias’, porquanto não consta do mesmo o montante pago pelo Estado Português, o qual ascende a 508,48 € (…), pelo que tal montante deverá ser acrescentado (…)”. Defende, ainda, que, “relativamente ao montante referente ao “Suplemento de Patrulha”, constando da sentença que o montante liquidado pelo Estado Português é de 313,30, quando na verdade, é 313,39 (…), pelo que tal montante deverá ser retificado (…)”. Estão aqui em causa os custos suportados pelo autor em consequência do sinistro.
O raciocínio probatório desenvolvido pelo tribunal a quo sobre este ponto foi o seguinte:
“A matéria atinente ao pagamento dos créditos laborais do agente VLMR, durante o período de incapacidade, resulta do depoimento desta testemunha e, bem assim, da informação junta aos autos como documento n.º 9 (com a petição inicial), cujo teor foi confirmado por esta”.
Ora, no referido documento n.º 9 junto com a petição inicial consta, além do mais que aqui se dá por transcrito:

“Sobre o assunto em epígrafe, (…) respeitante ao acidente que foi vítima o Agente (…) VLMR, (…) tendo-lhe resultado incapacidade para o serviço por um período de 159 (…) dias, cujas importâncias a seguir se indicam, por extenso e em numerário 9.194.82 € (…).
VENCIMENTO5.018.32 €
S. S. F. SEGURANÇA1.168.17 €
SUBS. FARDAMENTO274.59 €
SUBS. REFEIÇÃO581.94 €
DUODÉCIMOS S/NATAL508.48 €
DUODÉCIMOS S/FERIAS508.48 €
SUPLEMENTO DE TURNO821.45 €
SUPLEMENTO DE PATRULHA313.39 €
TOTAL9.194.82 €”

Perante o teor deste documento – que o tribunal a quo considerou bastante para a prova dos valores nele inscritos, o que não merece censura –, deve ser julgada procedente a impugnação agora apreciada, passando a constar do leque dos factos provados, sob o ponto 25 (e além do mais não impugnado):
f) Duodécimos Subsídio de Férias508,48
h) Suplemento de Patrulha313,39

6. Impugnação da decisão sobre o ponto j.

O tribunal a quo deu por não provado o seguinte facto:
j. O Estado Português – Polícia de Segurança Pública pagou ainda a título de despesas com o tratamento médico do Agente da Polícia de Segurança Pública VLMR, o valor global de 90,00 €.
Defende o apelante que “o facto constante do ponto j. dos factos não provados deveria ter sido julgado como provado”. “o agente da PSP VLMR referiu que, relativamente aos tratamentos médicos a que se submeteu (fisioterapia, exames), o valor despendido ascendeu ao montante de cerca de 100 €, o qual lhe foi restituído (…). // Concatenando os documentos n.os 10 e 10A juntos com a petição inicial com o depoimento da testemunha VLMR, conclui-se que a quantia de 90,01 € foi suportada pelo autor Estado Português, sendo que, por sua vez, nenhum dos elementos de prova juntos nos autos permite concluir o contrário”..
O raciocínio probatório desenvolvido pelo tribunal a quo sobre este ponto foi o seguinte:
“No que concerne à factualidade não demonstrada, (…) ficou o mesmo a dever-se à ausência ou incipiência de prova produzida a tal respeito, bem como à circunstância de a mesma se encontrar em contradição com a matéria de facto considerada assente (…)”.
No entanto, em passagem anterior da sentença apelada, o tribunal a quo havia exarado, sobre esta matéria:
“As lesões sofridas pelo agente da PSP, a testemunha VLMR, bem como a necessidade de tratamento, fisioterapia e assistência médica resultam demonstradas em face da conjugação do teor desta testemunha, com teor da participação de acidente (documento n.º 1 junto com a petição inicial), da documentação clínica (junta como documento 10A com a petição inicial), das faturas e declaração (juntas como documento n.º 7 com a petição inicial)”.

Assiste razão ao apelante. No documento (conjunto de documentos) n.º 10 encontram-se registados (faturados) os serviços clínicos em causa, pagos pelo sinistrado, confirmando a testemunha o seu reembolso pelo auto (em conformidade com o documento 10A).
Da prova já acima analisada, resulta com clareza ser esta última versão aquela que deve ser dada por provada:
33 – O Estado Português – Polícia de Segurança Pública suportou ainda, a título de despesas com o tratamento médico do Agente da Polícia de Segurança Pública VLMR, o valor global de € 90,01.

7. Conclusão sobre a impugnação da decisão de facto e de conhecimento oficioso

Em resultado da reapreciação da prova produzida, adita-se à fundamentação de facto o seguinte ponto:
33 – O Estado Português – Polícia de Segurança Pública suportou ainda, a título de despesas com o tratamento médico do Agente da Polícia de Segurança Pública VLMR, o valor global de € 90,01.

As als. f) e h) do ponto 25 passam a ter o seguinte conteúdo:
f) Duodécimos Subsídio de Férias508,48
h) Suplemento de Patrulha313,39

Alteram-se os pontos 18 – factos provados –, 19 – factos provados – e 20 – factos provados –, passando estes a ter os seguintes conteúdos, respetivamente:
18 – Nas circunstâncias de tempo e lugar referidas:
a) Ao atingir o cruzamento, o condutor do veículo XJ verificou se, nesse momento, algum veículo proveniente da rua Azedo Gneco havia iniciado o seu atravessamento, não abrangendo o seu campo de visão mais do que a zona do cruzamento, por estar parcialmente obstruído pelas viaturas estacionadas referidas no ponto 16 – factos provados.
b) Depois desta verificação inicial (ao atingir o cruzamento), o condutor do veículo XJ, ainda antes de atingir a zona de efetiva interceção de trajetórias, não mais verificou se alguma viatura proveniente da rua Azedo Gneco, anteriormente ocultada pelas viaturas estacionadas referidas no ponto 16 – factos provados –, poderia embater no seu veículo nem que poderia por este ser embatida na referida zona de interceção de trajetórias.
19 – O veículo XJ iniciou o atravessamento da zona de interceção de trajetórias e, quando a sua metade traseira ainda se encontrava sobre esta zona, foi embatido pela parte dianteira do veículo XA, que havia entrado na zona do cruzamento, a velocidade não concretamente apurada, provindo da rua Azedo Gneco, depois de o XJ nela ter entrado.
20 – Nas circunstâncias de tempo e lugar referidas:
a) Ao aproximar-se do cruzamento, o condutor do veículo XA abrandou a sua velocidade de marcha.
b) O condutor do veículo XA nunca verificou se, ocultado do seu campo de visão à entrada do cruzamento – pelas viaturas estacionadas referidas no ponto 17 –, nenhum veículo proveniente da rua Coelho da Rocha havia já iniciado o atravessamento da zona do cruzamento.

No mais, deve ser mantida a decisão de facto do tribunal a quo, improcedendo a sua impugnação.

B.C. Análise dos factos e aplicação da lei

São as seguintes as questões de direito parcelares a abordar:
1. Pressupostos da responsabilidade civil
2. Cálculo da indeminização
3. Responsabilidade pelas custas

1. Pressupostos da responsabilidade civil

Nos termos do art. 483.º do Cód. Civ., “Aquele que, com dolo ou mera culpa, violar ilicitamente o direito de outrem (...) fica obrigado a indemnizar o lesado pelos danos resultantes da violação”. Os pressupostos dos quais depende o nascimento do direito a uma indemnização na esfera jurídica do lesado são, assim: o facto voluntário; o nexo de adequação causal; a ilicitude; a culpa; o dano. Sob o prisma processual, estes requisitos assumem a natureza de causa de pedir (de natureza complexa), devendo, por regra, ser alegados e provados os factos que os substanciam.
A descrição e qualificação da relação material controvertida encontra-se judiciosamente efetuada na sentença apelada. Devemos, pois, enfrentar imediatamente o dissenso objeto da apelação de mérito.
O tribunal a quo afastou a responsabilidade causal do condutor do XJ com base neste facto: “Ao chegar ao cruzamento, o condutor do veículo XJ reduziu a velocidade e iniciou a entrada no mesmo, devagar, verificando se circulava algum veículo pela direita, ou seja, na rua Azedo Gneco em direção a esse cruzamento”. Afirmou, ainda, conclusivamente: “Ao entrar no cruzamento, o condutor do veículo XA não adequou a velocidade ao local onde circulava”.
Estas proposições não sobreviveram à impugnação da decisão sobre a matéria de facto. Em vez delas, integram a fundamentação deste acórdão os seguintes factos:
18 – Nas circunstâncias de tempo e lugar referidas:
a) Ao atingir o cruzamento, o condutor do veículo XJ verificou se, nesse momento, algum veículo proveniente da rua Azedo Gneco havia iniciado o seu atravessamento, não abrangendo o seu campo de visão mais do que a zona do cruzamento, por estar parcialmente obstruído pelas viaturas estacionadas referidas no ponto 16 – factos provados.
b) Depois desta verificação inicial (ao atingir o cruzamento), o condutor do veículo XJ, ainda antes de atingir a zona de efetiva interceção de trajetórias, não mais verificou se alguma viatura proveniente da rua Azedo Gneco, anteriormente ocultada pelas viaturas estacionadas referidas no ponto 16 – factos provados –, poderia embater no seu veículo nem que poderia por este ser embatida na referida zona de interceção de trajetórias.
20 – Nas circunstâncias de tempo e lugar referidas:
a) Ao aproximar-se do cruzamento, o condutor do veículo XA abrandou a sua velocidade de marcha.
b) O condutor do veículo XA nunca verificou se, ocultado do seu campo de visão à entrada do cruzamento – pelas viaturas estacionadas referidas no ponto 17 –, nenhum veículo proveniente da rua Coelho da Rocha havia já iniciado o atravessamento da zona do cruzamento.
Afigura-se que nenhum dos condutores adotou uma condução cautelosa, correspondente à diligência de um “bom pai de família” (art. 487.º, n.º 2, do Cód. Civil). Considerando as características especiais do local – em particular, o estacionamento da viatura no “lugar y” –, os dois condutores deveriam ter adotado redobradas cautelas – avançando a uma velocidade que permitisse a imobilização em poucos decímetros –, não o tendo feito. Deve ser afirmada a culpa de ambos – tornando-se, pois, desnecessário verificar se um deles conduzia por conta de outrem (art. 503.º, n.º 3, do Cód. Civil).
Podemos aceitar que era exigível ao condutor da viatura XJ um cuidado acrescido, por estar obrigado a ceder a passagem aos veículos que se lhe apresentassem pela direita (art. 30.º, n.º 1, do Cód. Estrada). No entanto, não é possível afirmar uma mais estreita relação de imputação do embate à violação do dever de cuidado por um dos condutores.
À luz dos factos provados, não podemos afirmar com absoluta segurança que, se, antes de entrar na zona de efetivo cruzamento de trajetórias, o condutor do veículo XJ tivesse (novamente) verificado se, pela sua direita, se apresentava uma viatura, circulando à velocidade (relativa) apropriada para o local, teria podido evitar o embate. É que desconhecemos se o veículo XA, nesse momento, já estaria no campo de visão onde inevitavelmente se encontraria uma tal viatura, isto é, desconhecemos se o veículo XA circulava a uma velocidade (relativa) apropriada para o local.
Aliás, a possibilidade de o veículo XA ainda não se encontrar em tal campo de visão que o condutor do veículo XJ estaria obrigado a percorrer com o seu olhar é reforçada pelo teor do ponto 19 – factos provados –, quando neste se refere que o veículo XA entrou na zona de cruzamento após o veículo XJ. No entanto, este facto, por si só, também não é decisivo na imputação do sinistro ao condutor do veículo XA. É que, como já acima referimos, não tem de haver absoluta simultaneidade do início do atravessamento do cruzamento para que funcione a regra de prioridade prevista no art. 30.º, n.º 1, do Cód. Estrada.
Em suma, com recurso à norma enunciada no n.º 2 do art. 506 do Cód. Civil, devemos considerar “igual a medida da contribuição de cada um dos veículos para os danos, bem como a contribuição da culpa de cada um dos condutores”. A colisão é imputável à conduta do condutor do veículo XJ e à conduta do condutor do veículo XA, em igual medida, sendo igual a medida da contribuição de cada um dos veículos para os danos.

2. Cálculo da indeminização

Na interpretação dos enunciados do art. 506.º do Cód. Civil, a doutrina usa somar os valores dos danos (estragos) sofridos pelos dois veículos, repartindo o encargo total obtido pelos responsáveis, na medida da contribuição de cada um dos veículos para os danos. A mesma doutrina também sugere uma compensação de créditos – sem que o devedor a tenha declarado. Este exercício constitui, no entanto, uma mera análise dos equilíbrios patrimoniais, e não uma afirmação do âmbito e dos limites do direito do lesado.
Na verdade, a lei não impõe nenhuma destas operações – até porque o credor da indemnização respeitante a uma viatura não é necessariamente o devedor da indemnização respeitante à outra viatura envolvida na colisão. Assentes nesta asserção, podemos aceitar que, na liquidação da indemnização devida, o comando legal é satisfeito simplesmente reconhecendo ao lesado (proprietário de uma das viaturas) uma indemnização na medida do contributo causal da outra viatura para o dano – que se ficciona ser de metade (art. 503.º, n.º 3, do Cód. Civil).
Em face do exposto, no caso dos autos, ao responsável civil pelos danos causados com a circulação do veículo XJ cabe o ressarcimento de 50% dos danos sofridos no veículo XA – e, extensivamente, o ressarcimento de 50% de todos os danos resultantes do sinistro.
Resulta dos factos provados que estes danos ascenderam aos seguintes valores:
a) Vencimentos5018,32
b) SSF Segurança1168,17
c) Subsídio Fardamento274,59
d) Subsídio de Refeição581,94
e) Duodécimos Subsídio de Natal508,48
f) Duodécimos Subsídio de Férias508,48
g) Suplemento de Turno821,45
h) Suplemento de Patrulha313,39
i) Despesas médicas90,01
j) Reparação da viatura XA6530,37
Total15 815,20

Tem, pois, o autor direito a uma indemnização no valor de € 7 907,60.
Pelo atraso no pagamento da indemnização são devidos juros moratórios – art. 805.º, n.º 3, do Código Civil. Os juros são contabilizados à taxa que em cada momento vigorar por força da portaria prevista no art. 559.º do Cód. Civ., a partir da data de citação e até ao efetivo pagamento.

3. Responsabilidade pelas custas

A responsabilidade pelas custas cabe ao apelante e ao apelado (art. 527.º do Cód. Proc. Civil), em partes iguais, por ser igual a medida do vencimento e do decaimento.

C. Dispositivo

C.A. Do mérito do recurso
Pelo exposto, na parcial procedência da apelação, acorda-se em alterar a decisão recorrida, decidindo-se julgar a ação parcialmente provada e procedente, condenando-se a ré, Generali Seguros, S.A., a pagar a autor, Estado Português (Polícia de Segurança Pública) a quantia de € 7 907,60 (sete mil novecentos e sete euros, e sessenta cêntimos), acrescida de juros de mora contados desde a data de citação e até efetivo pagamento, sendo devidos à taxa legal que em cada momento vigorar, através da portaria prevista no art. 559.º do Cód. Civil.
No mais, vai a ré absolvida do pedido.


C.B. Das custas
Custas da ação e da apelação a meias por ambas as partes.
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Notifique.

Lisboa, 15 de julho de 2025
Paulo Ramos de Faria
Edgar Taborda Lopes
Ana Mónica Mendonça Pavão