Acórdão do Tribunal da Relação de Lisboa
Processo:
1130/2007-2
Relator: JORGE LEAL
Descritores: SEGURO DE VIDA
NULIDADE
ABUSO DE DIREITO
Nº do Documento: RL
Data do Acordão: 06/21/2007
Votação: UNANIMIDADE
Texto Integral: S
Meio Processual: APELAÇÃO
Decisão: IMPROCEDENTE
Sumário: I – Equivale a apólice de seguro a minuta do contrato, e dela constar a assinatura do segurador, demonstrativa da sua aceitação.
II – A norma contida no artigo 17º nº 1 do Dec.-Lei nº 176/95, de 26.7 (segundo a qual, no caso de seguros individuais em que o tomador seja uma pessoa física e sem prejuízo de poder ser convencionado outro prazo, considera-se que, decorridos 15 dias após a recepção da proposta de seguro sem que a seguradora tenha notificado o proponente da aceitação, da recusa ou da necessidade de recolher esclarecimentos essenciais à avaliação do risco, o contrato se considera celebrado nos termos propostos) não é aplicável, mesmo por analogia, aos contratos de seguro de grupo.
III - Pese embora a nulidade do contrato de seguro, poderá a seguradora (bem como, se for o caso, a contraparte), ser responsabilizada com base na criação de uma expectativa, juridicamente relevante, de que o negócio havia sido concluído, em termos tais que a invocação da nulidade formal do negócio constituirá abuso de direito, nos termos previstos no art.º 334º do Código Civil.

(JL)
Decisão Texto Integral: Acordam os juízes no Tribunal da Relação de Lisboa

RELATÓRIO
J C M N e mulher F M O S N intentaram acção declarativa de condenação, na forma ordinária, contra Banco Nacional de Crédito Imobiliário S.A., actualmente B P P, S.A., e I B – C de S, S.A.
Alegam, em síntese, que no início do ano de 1999 dirigiram-se à 1ª R., para obterem um empréstimo com vista à aquisição de uma habitação. A sua proposta de empréstimo foi autorizada, mas tendo como condição prévia a subscrição de seguros de vida-grupo e de incêndio. Os AA. assinaram e entregaram junto da 1ª R. as propostas relativas ao seguro-vida e habitação. Após terem sido contactados pela 2ª R. para prestarem alguns esclarecimentos, em 02.6.1999 esta escreveu-lhes uma carta, em que lhes comunicava que o seguro proposto estava em condições de ser aceite, mas com um prémio adicional relativamente ao A. marido, por tabagismo. Na sequência do solicitado pela 2ª R., os AA. comunicaram a esta e à 1ª R. a aceitação do seguro. Em 15.4.1999 foi celebrada a escritura pública de compra e venda e empréstimo com hipoteca, no âmbito do qual foi concedido pela Ré aos AA. um empréstimo de Esc. 13 000 000$00, ao qual estava associado o aludido seguro de vida, de que seria beneficiária a 1ª Ré, em caso de morte ou incapacidade total ou parcial de algum dos mutuários. Entretanto constatou-se que desde Maio de 2001 a A. mulher padece de incapacidade permanente global. Informadas desse facto e interpeladas para que, de acordo com o disposto no contrato de seguro, se procedesse ao pagamento do capital seguro até ao limite do dano, a 1ª R. não respondeu e a 2ª R. informou que a apólice do ramo vida risco-grupo em referência havia sido transferida para a E a partir de 01.01.2001. Os AA. ignoravam e não autorizaram a aludida transferência.
Os AA. terminam pedindo que:
a) As RR. sejam condenadas a reconhecerem a eficácia do seguro vida-grupo a que se refere a apólice nº 09/11813;
b) A 2ª Ré seja condenada ao pagamento do capital mutuado no montante actual de Eur 61 253,40.
Na sua contestação a Ré BNC, actual BPP, após considerar que, atenta a sua posição de beneficiário da alegada apólice, tem um interesse paralelo ao dos AA. e não à da R. I, no sentido de ver reconhecida a existência do contrato de seguro e de condenação da Império na condenação peticionada, alegou, em síntese, que em virtude dos atrasos decorrentes da pretensão de satisfazer os pedidos de esclarecimento apresentados pela seguradora no que concerne à A. mulher, a pedido dos AA. a escritura de mútuo e compra e venda foi efectuada antes de ter sido aceite a proposta de seguro, tendo sido por isso aplicada uma penalização de agravamento da taxa de juro em 1%. Depois disso a A. passou a tratar directamente com a seguradora a propósito das questões do seguro, sendo certo que à 1ª R. não foi comunicada, nem pelos AA. nem pela seguradora, a aceitação pela Império das propostas de seguro subscritas pelos AA. Daí que a 1ª R. sempre presumiu que não existia qualquer seguro de vida em nome dos AA.. Face ao teor da documentação junta aos autos, a Ré entende que embora não tenha sido emitida apólice de seguro, a Império aceitou tacitamente a proposta de seguro do A. marido e aceitou expressamente a proposta da A., criando nas partes expectativas que só com abuso de direito podem ser frustradas.
A Ré BNC, actual BPP, conclui pela sua absolvição do pedido, “salvo se a Império vier a ser condenada a pagar ao BNC o prémio de seguro” e mais entende que a Ré Império deverá ser condenada a pagar ao BNC o montante do capital segurado, devido desde a data do sinistro, acrescido de juros de mora e sanção pecuniária compulsória.
A I-B impugnou a matéria alegada na contestação e invocou, além do mais que para aqui não releva, a título de excepção, a resolução, pelo BNC, do contrato de seguro de grupo que havia sido celebrado entre as duas sociedades.
Concluiu pela sua absolvição, seja da instância, seja do pedido.
Os AA. replicaram e deduziram o incidente de intervenção principal provocada de E – BNC – CGU – C de S de V, S.A., tendo em vista a sua eventual condenação no pagamento do montante do capital segurado.
Admitido o chamamento, a E apresentou contestação, na qual, além do mais que para aqui não releva, alegou que no âmbito do acordo de cessão de posição contratual celebrado entre a I B, G V e a Chamada, não lhe foi comunicada a existência de qualquer contrato de seguro em que os AA. fossem intervenientes ou pessoas seguras, assim como não lhe foi transferida a posição decorrente desses eventuais contratos. Conclui pela sua absolvição do pedido.
Os autos seguiram a sua tramitação normal, com prolação de despacho saneador, selecção da matéria de facto assente e controvertida e audiência de discussão e julgamento, no final da qual respondeu-se à base instrutória.
Oportunamente foi proferida sentença que julgou a acção improcedente e absolveu os RR. e a Chamada E dos pedidos.
Os AA. apelaram da sentença, tendo apresentado alegações em que formularam as seguintes conclusões:
A - Vem o presente recurso interposto da douta sentença que julgou improcedente, por não provada, a acção interposta pelos apelantes e, em consequência, absolveu a apelada I B, no reconhecimento da eficácia do seguro - vida grupo titulado pela apólice 09/11813 e a sua condenação no pagamento do capital mutuado no montante actualizado à data da propositura da acção em EUR 61.253,40.
B - Entendeu a decisão recorrida que a apelada I B jamais emitiu o certificado individual de seguro a favor dos apelantes, nem tão pouco aceitou as propostas de seguro para aqueles.
C - Não existindo aceitação formal ou tácita do seguro, não lograram os apelantes provar como lhes competia a existência do contrato de seguro que invocam ter sido celebrado com a I B não existindo, por isso, qualquer responsabilidade quanto ao pagamento do capital mutuado.
D - Provou-se nos presentes autos que, em data que não foi possível precisar mas que se situa em momento anterior a 22 de Março de 1999, os apelantes preencheram e entregaram à apelada I B a proposta de adesão ao seguro de vida/grupo.
E - Da referida proposta dirigida consta expressamente a Apólice n° e a identificação do Certificado Individual n°.
F - Por carta subscrita e dirigida em 2 de Junho de 1999 pela apelada I B aos apelantes era referido o seguinte:
Assunto: Proposta de adesão ao Seguro de Vida Grupo
Apólice n°-B.N.C. - Certif°

Exmo. Senhor,

Com os nossos cumprimentos, informamos V. Exa. que o seguro proposto se encontra em condições de ser aceite, com um prémio anual adicional correspondente a 3%0 do capital seguro, por tabagismo.
Ficamos a aguardar a sua tomada de conhecimento e concordância escrita para que possamos comunicar a aceitação do seguro ao BNC.
Mais informamos que, de acordo com os esclarecimentos da vossa carta de 25 de Maio, a proposta referente à D. F N, se encontra em condições de ser aceite.
G - Consta da factualidade provada que, nos termos da carta da Império dirigida aos apelantes, a proposta de seguro quanto à mulher não carecia de mais nenhuma comunicação, escrita ou verbal, por parte daqueles para se considerar aceite.
H - Com os esclarecimentos prestados pela apelante mulher à I B, na sequência das informações complementares que haviam sido solicitadas por esta na proposta de adesão ao seguro vida/grupo, ficou definitivamente esclarecido que, relativamente a esta, a proposta de seguro se encontrava em condições de ser aceite.
I - Que, quanto à apelante mulher, mais nenhuma informação, comunicação ou confirmação escrita ou verbal era exigida pela apelada I B no sentido concluir a celebração do contrato de seguro.
J - No que respeita ao apelante marido, desde a data de subscrição da proposta de adesão ao seguro vida/grupo e até ao envio da referida carta em 2 de Junho de 1999, nada foi igualmente exigido a este pela apelada I B quanto à eventual aceitação da proposta de seguro.
L - Ou seja, a apelada I B na posse de todos os elementos relativos aos apelantes não exigiu quanto ao marido qualquer informação adicional, designadamente que o seguro se encontraria condicionado a um prémio anual adicional correspondente a 3 por mil por tabagismo.
M - A apelada B na resposta à proposta de adesão ao seguro vida/grupo dos apelantes, não informou se aceitava ou se recusava a proposta de seguro relativamente ao apelante marido.
N - Por carta de 14 de Março de 2003, os apelantes foram informados pela apelada I B que a Apólice do Ramo Vida Risco/Grupo afecta às pessoas seguras através do processo de crédito no BNC havia sido transferida para a E a partir de 01/01/2001.
O - Não sendo feita nessa carta ou em momento anterior qualquer referência pela apelada I B quanto ao facto de os apelantes não constarem como pessoas seguras na invocada apólice de seguro vida/grupo.
P - Tal declaração recebida por qualquer destinatário normal, colocado na posição dos apelantes, apenas permite concluir que a apólice de que eram segurados havia sido transferida para uma outra seguradora.
Q - Por carta de 5 de Fevereiro de 2004, a apelada I B remeteu aos apelantes cópia das Condições Particulares da invocada apólice e informou estes que não constavam nos ficheiros como sendo ou tendo sido pessoas seguras da referida apólice de grupo.
R - Consta da factualidade provada que a apelante mulher sofre de uma insuficiência renal crónica que determinou uma incapacidade permanente global definitiva de 67%.
S - De tal facto foi dado conhecimento pelos apelantes às apeladas B P e IB.
T - A situação clínica da apelante mulher enquadra-se nos riscos cobertos pela apólice de grupo em causa atento o disposto no art° 1°, ponto 2.3. do texto da apólice e art° 2°, ponto 2.4. das Condições Especiais.
U - O contrato de seguro surge através da adesão do tomador a cláusulas contratuais gerais apresentadas pelas seguradoras: estas, directamente ou através de mediadores, apresentam propostas que formalmente são subscritas pelos tomadores aderentes e que são, depois, remetidas às seguradoras que as aceitarão completando, assim, o contrato de seguro.
V- Veja-se, neste sentido e entre outros, o Acórdão do STJ de 17 de Julho de 1980 (in BMJ, n° 299, pág. 171 e ss) ou o Acórdão da Relação de Lisboa de 2 de Julho de 1987 (in CJ, Tomo IV, pág. 128 e ss) concluindo que a apresentação da proposta de seguro equivale à sua aceitação tácita, ficando a seguradora vinculada logo que o documento dê entrada na sua esfera de actividade.
X - Ou o entendimento do Senhor Professor Araújo dos Santos (in CJ, 1988, Tomo III, pág. 279) salientando que a não devolução pela seguradora da proposta de seguro ao segurado apenas pode interpretar-se, atentas as regras gerais previstas no art° 236° do C.C. e da boa fé e legítima expectativa das partes, no sentido de que existe contrato de seguro.
Z - Perante a factualidade provada, a apelada IB aceitou expressamente, em 2 de Junho de 1999, a proposta de seguro quanto à apelante mulher.
AA - A apelada IB criou no espírito dos apelantes, e em particular no da apelante mulher, a legítima e fundada convicção de que a proposta de seguro havia sido aceite e de que, em consequência, a respectiva apólice havia sido emitida completando-se perfeitamente o contrato de seguro.
BB - A conduta da apelada IB foi conforme a fazer crer aos apelantes que a proposta de seguro quanto à mulher se encontrava em condições de ser aceite e que nenhuma condição obstava à validade e força do compromisso assumido.
CC - " a minuta do seguro equivale à apólice, mas só se o contrato vier a ficar perfeito com a aceitação da seguradora ..." - cfr. Acórdão da Relação de Lisboa de 09/05/1999.
D - Nos presentes autos, a apelada IB aceitou, sem reservas, a proposta de seguro apresentada peta apelante mulher após os esclarecimentos prestados por esta em 25 de Maio de 1999.
EE - O segurador que, nestas circunstâncias, subscreveu a proposta de seguro e não lhe foi comunicada a sua rejeição ou qualquer pedido de informação adicional, confia na boa fé desta e admite a celebração efectiva do contrato de seguro.
FF - Deve, assim, a apelada IB assumir todas as consequências inerentes à aceitação e perfeita conclusão do contrato de seguro com a apelante mulher e, em consequência, condenada no pagamento ao beneficiário da respectiva apólice do capital em dívida à data da Junta Médica que determinou a incapacidade definitiva global daquela, atento o disposto no art° 2°, ponto 2.5 das Condições Especiais do Título "Complementar de Invalidez Total Permanente".
GG - O apelante marido preencheu e entregou à apelada IB, em data anterior a 22 de Março de 1999, a proposta de seguro sem que esta, pelo menos até 2 de Junho de 1999 tivesse recusado o seguro ou solicitado a prestação de qualquer informação ou exame médico complementar.
HH - Perante tal actuação, não pode deixar de se concluir que a apelada IB aceitou tacitamente quanto ao apelante marido a proposta de seguro apresentada por este.
II - "A seguradora fica vinculada, independentemente da assinatura de alguém em seu nome, logo que, datado e assinado pelo cliente, tal documento dê entrada na sua esfera de actividade…." - cfr. Acórdão da Relação de Lisboa de 02/07/87 (in CJ, 1987, Tomo IV, pág. 128).
JJ - Atento o n° 1.4. do art° 1° das Condições Especiais da apólice e, tendo decorrido mais de um mês entre a referida data de 22 de Março de 1999 e a carta recebida em 2 de Junho de 1999, o apelante marido adquiriu efectivamente a qualidade de pessoa segura por não se ter verificado qualquer alteração às condições estabelecidas para a sua admissão.
LL - A falta de forma do contrato de seguro, por não ter sido formalizado na correspondente apólice, não pode ser invocado pela seguradora sob pena de se encontrar a exercer abusivamente tal direito na modalidade de venire contre factum proprium.
MM - Violou, assim, a sentença recorrida o disposto no art° 236° do Código Civil.
Os apelantes terminam pedindo que a decisão recorrida seja revogada e consequentemente a apelada IB seja condenada no reconhecimento da aceitação e conclusão do seguro de vida/grupo titulado pela apólice n° relativamente aos apelantes marido e mulher e, assim, no pagamento ao beneficiário da respectiva apólice do capital em dívida à data da Junta Médica que determinou a incapacidade definitiva global da apelante mulher, atento o disposto no art° 2°, ponto 2.5 das Condições Especiais do Título "Complementar de Invalidez Total Permanente".
A apelada IB contra-alegou, pugnando pela improcedência do recurso.
Foram colhidos os vistos legais.
FUNDAMENTAÇÃO
A questão a apreciar neste recurso é se as propostas de seguro (mais precisamente, propostas de adesão a seguro de grupo) apresentadas pelos AA. à seguradora IB foram aceites por esta, gerando nos AA. a legítima expectativa de que o contrato de seguro estava concluído relativamente a ambos, com a consequente obrigação de a seguradora assumir a responsabilidade inerente ao seguro, sob pena de abuso de direito.
Foi dada como assente, sem impugnação pelas partes, a seguinte
Matéria de Facto
a) Em 9-3-2001 entre as contraentes que dele constam foi celebrado o contrato de cessão de posição contratual de fls. 182 a 185 e anexos mediante o qual a Ré BNC se reconheceu tomadora do contrato de seguro ramo vida subscrito em regime de co-seguro com a IB e a G V titulado pela apólice de seguros n° e cedem à Chamada E a posição contratual de cada uma das outras, produzindo efeitos às 0h de 1-1-2001, e, designadamente, acordando as contratantes em que o pagamento de qualquer capital, subsídio ou de outra indemnização, por sinistro ocorrido e ou reportado após as 0h de 1-1-2001 relativo à apólice, é da exclusiva responsabilidade da E.
b) Por escritura pública de compra e venda e empréstimo com hipoteca outorgada no dia 15 de Abril de 1999 no 7° Cartório Notarial de Lisboa, os AA. adquiriram a M A R da C pelo valor de PTE 14.800.000$00 a fracção autónoma designada pela letra "U" correspondente ao quarto andar D destinada a habitação do prédio urbano em regime de propriedade horizontal sito na Rua Elias Garcia, nº Cacém, descrito na Conservatória do Registo Predial do Cacém sob o n° e inscrito na matriz predial urbana sob o artigo da freguesia de Agualva Cacém ;
c) No âmbito da referida escritura foi concedido pela 1a R. aos AA. um empréstimo, ao abrigo do regime de crédito bonificado, no montante de PTE. 13.300.000$00 destinado à aquisição de uma habitação.
d) Do qual os AA. se confessaram devedores.
e) Tendo constituído, em garantia do pagamento da quantia mutuada e a favor da 1ª R., uma hipoteca sobre a fracção adquirida e já identificada em B);
f) Mais acordaram AA. e a 1a R. que o empréstimo e a hipoteca constituída ficavam a reger-se pelas cláusulas constantes do documento complementar que faz parte integrante da escritura celebrada — cfr. doc. n° 4 junto com a pi..
g) Em conformidade com o n° 2 da cláusula décima primeira do documento complementar, os AA. enquanto mutuários:
“.... celebram com a C S I seguro de vida/grupo apólice número zero nove barra um um oito um três do qual o BNC é beneficiário, pelo que, em caso de morte ou incapacidade total ou parcial, (de um) do (s) mutuário (s), a indemnização devida reverterá para o BNC até ao montante do saldo em dívida ..." — cfr. doc. n° 4.
h) Obrigando-se, ainda, os AA. a: " ... trazer pontualmente pagas as contribuições, taxas e impostos que venham a incidir sobre o imóvel ora hipotecado, autorizando desde já o BNC, com expressa subrogação, a efectuar na sua falta e por conta, os pagamento dos prémios de seguros, bem como das obrigações supracitadas, casos em que os correspondentes recibos e conhecimentos ficam igualmente a fazer parte integrante desta escritura (....) e os respectivos débitos abrangidos pela garantia ..." – cfr. cláusula 12a do doc. n° 4 junto à pi.
i) Convencionou-se, ainda, na cláusula décima terceira do documento complementar integrante da escritura de compra e venda e mútuo com hipoteca que a 1ª R. poderá promover a execução da hipoteca se, entre outras situações, não forem pagas as despesas afectas ao empréstimo – cfr. al. c) da invocada cláusula do doc. n° 4.
j) Por adenda realizada ao contrato de mútuo com hipoteca celebrado entre os AA e a 1a R. em 15 de Novembro de 2001, acordaram ambas as partes em alterar a redacção da cláusula segunda do invocado contrato.
l) Sendo que: " ... O restante clausulado do contrato identificado no número anterior manter-se-á integralmente em vigor ...."- cfr. cláusula 2a da referida adenda junta como doc. n° 5.
m) Em final de Maio de 1999, a A. mulher comunicou à Império que não era possível enviar o relatório médico do psiquiatra, pois a médica tinha-se recusado a emiti-lo e que tensão arterial estava estabilizada, solicitando que fosse aceite a proposta de seguro.
n) Tudo conforme carta que os AA. enviaram à I datada de 25/05/1999, que se junta como doc 5 e cujo conteúdo se dá aqui por integralmente reproduzido, onde pode ler-se:
A vossa companhia pediu-me um relatório clínico e questionário sobre a tensão. (...) fui à especialista pedir o dito relatório, ao que ela respondeu negativamente, pois segundo ela não havia diagnóstico clínico (...). Quanto à tensão arterial, neste momento também se encontra normalizada. Depois de me recusarem passar o relatório, eu não vou recorrer a outro médico, até porque não é numa simples consulta que se responde ao questionário solicitado, tanto mais que este médico também não respondia às questões relativas à neurologia.
Acho que está na altura de resolver o meu problema, pois a vossa Companhia desde fins de Março que está ao corrente destes assuntos, transmitidos por mim ao Banco. Até à data não efectuou o seguro nem tão pouco o cancelou para eu poder efectuá-lo noutra seguradora se for caso disso. O Banco está a penalizar-me na minha mensalidade por não ter ainda o seguro firme (...)
Sempre me coloquei ao dispor da vossa seguradora para o caso de ser necessário efectuar uma junta médica, ou o que considerarem necessário, visto existirem dúvidas eu não poder "obrigar" os médicos a passar os ditos relatórios. Se entenderem submeter-me a uma junta médica eu estou disponível para esse efeito, ou para o que mais acharem conveniente, mas resolvam o problema rapidamente.
Se entenderem não efectuar o seguro em questão, solicito que me informem rapidamente, de forma a resolver o problema por outros meios.”
o) Em 02/06/1999, a Império envia ao A., marido, J C N, a carta como Doc. 2 da p.i., e que os AA. confessam ter recebido, podendo ler-se, quanto à identificação do assunto "Proposta de Adesão ao seguro de Vida Grupo/Apólice n° – BNC – certif. .
p) Quanto ao teor da carta, transcreve-se:
“(...) informamos V. Exa que, o seguro proposto se encontra em condições de ser aceite, com um prémio anual adicional correspondente a 3%o (por mil) do capital seguro, por tabagismo.
Ficamos a aguardar a sua tomada de conhecimento e concordância escrita para que possamos comunicar a aceitação do seguro ao BNC.
Mais informamos que, de acordo com os esclarecimentos da vossa carta de 25 de Maio, a proposta referente à D. F N, se encontra em condições de ser aceite."
q) Apesar da recepção desta carta pelos AA., nem nesta data, nem posteriormente, foi comunicado ao BNC, pela Seguradora, a aceitação das propostas de seguro subscritas pelos AA.
r) Na data dela constante a Ré BNC enviou à Ré Império a carta de fis 153 – 154, onde se lê: “na sequência das nossas recentes conversações, em que os informámos ser nossa intenção transferir a carteira de seguros referentes às apólices em epígrafe, informamos que é nosso interesse que tal transferência se efectue no imediato, na totalidade e de uma só vez, com efeitos a partir de 01.01.2001. Neste sentido e nos termos do art° 5°, Resolução da Apólice – Condições Especiais, denunciamos as duas supra mencionadas apólices, com efeitos a partir de 01.01.2001.
A concretização da transferência far-se-á com a intervenção e apoio da Companhia de Seguros CGU – E, sob a coordenação do Sr Dr F Vo. Como é do vosso conhecimento esta nossa decisão tem a ver unicamente com a criação da E, em que o BNC tem uma participação de 50% do Capital Social.
Nesta altura cabe-nos reconhecer o excelente desempenho da Companhia de Seguros e da Companhia de Seguros , ao longo destes sete anos de vigência das apólices, o que não podemos deixar de enaltecer e agradecer.
As excelentes relações assim cimentadas, constituirão certamente, no futuro, razão para prosseguirmos a realização de outras operações que se nos venham a afigurar de interesse para ambas as partes.
Antecipadamente gratos pela atenção que nos dispensaram, apresentamos os nossos melhores cumprimentos.”
s) A E não sucedeu na posição de seguradora em relação a nenhum contrato em que figurem como pessoas seguras os AA..
t) Aquando da celebração do contrato de cessão de posição contratual, a IB enviou à E um ficheiro informático contendo uma listagem de todas as pessoas seguras ao abrigo das apólices n°s e das respectivas apólices a ceder à E por efeitos daquele contrato (doc. de fls. 282 a 329).
u) Os AA., não constam, nem nunca constaram desse ficheiro/listagem.
v) Em rigor, não poderiam constar, porquanto a IB nunca emitiu nenhuma apólice relativa aos AA.
x) Os AA. nunca figuraram no ficheiro/base de dados da IB "como sendo ou tendo sido pessoas seguras da referida apólice de grupo".
z) Em 15/04/2003 – ou seja, em data posterior à do contrato de cessão de posição contratual – a R. BNC interpelou a R. IB para responder à questão anteriormente suscitada – saber se o seguro foi ou não efectuado – e que "se não foi efectuado pela Império, por qualquer razão, a E é completamente alheia ao problema." (vd doc 6 da contestação da R. BNC).
aa) Subsequentemente, a IB vem a reconhecer nunca ter celebrado qualquer contrato com os A. (cfr docs 7 e 8 da contestação da R BNC e doc 3 da contestação da R. IB).
ab) Por carta datada de 03/02/2004 que a IB remeteu ao BNC, aquela declarou que os AA., não constavam "... no nosso ficheiro como sendo ou tendo sido pessoas seguras da referida apólice de seguro [apólice de vida risco grupo n° 09-11813BNC], antes da transferência da mesma para a E." (vd doc 7 da contestação da R. BNC e doc 3 da contestação da IB).
ac) A E não tinha, nem nunca teve, conhecimento de qualquer apólice em nome dos AA.,transferida pela R. IB (vd art 51° da contestação da R. BNC).
ad) Pelo acordo de A) a E não adquiriu qualquer contrato abrangido pela apólice vida risco grupo n° 09-11813BNC, no qual figurem como pessoas seguras os AA.
ae) A E não tem, nem nunca teve, qualquer relação contratual com os AA., nem antes, nem após a celebração do acordo de cessão de posição contratual.
af) Nem assumiu, em qualquer momento que seja, o risco alegado pelos AA..
ag) Até ao momento, a E não logrou igualmente encontrar no seu acervo documental cópia da resposta que terá dirigido aos AA..
ah) Nos termos do acordo de A) assumiram a Interveniente E e a R. BNC a obrigação de comunicar a invocada cessão a todas as pessoas seguras nos contratos de seguro do ramo "Vida" e titulados pela apólice já identificada – cla 5a de fls. 184.
ai) Os AA., sempre pagaram ao BNC os valores acordados relativos ao mútuo, mas jamais pagaram qualquer prémio relativo ao seguro de vida pretendido, que não se venceu.
al) [não existe alínea aj] No início do ano de 1999, os AA. dirigiram-se à 1ª R. tendo por objectivo a obtenção de um empréstimo com vista à aquisição de uma habitação própria.
am) Depois de diversas diligências e por carta dirigida pela 1a R. aos AA. em 9 de Março de 1999 (doc. n° 1), aquela informava que a proposta de empréstimo identificada com o n° 002 – 001253 havia sido autorizada nas condições discriminadas.
an) Designadamente, com a concessão da quantia de PTE 13.300.000$00.
ao) Tendo a 1a R. exigido aos AA., como condição prévia para a realização da escritura de mútuo com hipoteca, a subscrição de seguros de vida – grupo e de incêndio, conforme consta da parte final da carta enviada – cfr. doc. n° 1.
ap) Após a recepção da referida carta de 9 de Março de 1999, os AA. assinaram e entregaram junto da 1ª R. . as propostas relativas ao seguro-vida e habitação.
aq) Tendo, na altura, sido contactados pela 2a R. para responderem a algumas dúvidas quanto à subscrição do seguro vida-grupo.
ar) Por documento médico elaborado pela Junta Médica do concelho de Sintra em 15 de Fevereiro de 2002 e junto a fls. 26 dos autos, se declara que a A. mulher apresenta deficiência que lhe provoca uma capacidade permanente global de 70% desde Maio de 2001.
as) Incapacidade que é decorrente de uma insuficiência supra renal e outras complicações médicas.
at) E que determinou em 11 de Maio último uma incapacidade permanente global definitiva de 67%, conforme consta de documento médico de incapacidade multiuso que está a fls 27.
au) Nas datas delas constantes os AA. enviaram às RR. as cartas que fazem fls. 28 a 33.
av) Na data dela constante os AA. enviaram ao Banco R. a carta de fls. 34.
ax) Por carta recebida em 14 de Março de 2003, a 2ª R. informava os AA. designadamente que: "....a Apólice do Ramo Vida Risco/Grupo afecta às pessoas seguras através do processo de crédito no BNC, foi transferida para a E a partir de 01-01-2001..." — conforme doc. de fls. 37.
az) Os AA. omitem que foram estes que solicitaram que a escritura de mútuo com hipoteca se fizesse sem que a proposta de seguro estivesse aceite pela Império, em ordem a dar mais credibilidade à cláusula 11ª do documento complementar à escritura de hipoteca.
aaa) Em data que o Banco R. não pode precisar, mas que se determina entre a aprovação da proposta de mútuo com hipoteca, em 09.03.1999 e antes de 22.03.1999 (data em que a Império solicita mais dados aos AA.), os AA preencheram proposta de adesão a seguro de vida-grupo, a celebrar com a Império. doc que faz fls. 86), proposta esta que foi entregue à R. Império.
aab) Na proposta de seguro, vem identificado no campo da Apólice n° , constando como certificado individual n° , porém não se apurou quem apôs este n° nem se apurou como foi encontrado. Apenas se apurou que poderá corresponder a um n° de proposta segundo certa ordem, a um n° de processo, a um n° de funcionário.
aac) De facto, o R. celebrou com a R. I um contrato de seguro de grupo ao qual, os clientes do BNC poderiam, se quisessem aderir, quando o R. exigisse como garantia adicional das suas operações de crédito, que os mutuários fizessem seguro de vida.
aad) O referido contrato de seguro de grupo corresponde à apólice n° , conforme cópia da minuta da apólice que se junta a fls. 87 e ss.
aae) Em meados de Março de 1999, a Império solicitou à A. F N, relatório do médico assistente sobre a depressão nervosa, indicando datas, tratamentos e estado actual, solicitando, igualmente, nessa data, o preenchimento de questionário sobre pressão arterial, a ser preenchido pelo médico assistente da A. – com ref. ao doc. de fls. 86.
aaf) A A. informou o BNC que só poderia entregar à Império os dados solicitados depois de marcar consulta médica, o que ainda demoraria cerca de 4 semanas.
aag) A escritura de mútuo com hipoteca a celebrar com os AA. já se encontrava marcada para 15.04.1999.
aah) Face a este condicionalismo, os AA. solicitaram ao BNC que se realizasse a escritura, sem que previamente estivesse aceite a proposta de seguro pela I – com ref. ao doc. de fls. 103.
aai) O que foi aceite pelo R., em 13.04.1999, mas com a penalização de agravamento da taxa de juro em 1 % - com ref. ao doc. de fls. 101.
aaj) A escritura realizou-se em 15.04.1999 (doe 3 junto à p.i.).
aal) Por este motivo, apesar de constar na minuta da escritura (n° 2 da cláusula 11a do documento complementar) que os AA., mutuários, "(...) celebram com a Companhia seguros de vida/grupo, apólice n° do qual o BNC é beneficiário (...)”, o clausulado não correspondia, nessa data, à situação real, acordada entre os AA. e o aqui R. e Império.
aam) Sabendo os AA. de tal facto.
aan) A inclusão da cláusula supra, deveu-se a um lapso, uma vez que o texto correspondente à minuta tipo usada para todas as operações de crédito à habitação teria que ter sido alterada, face à excepção aberta no caso dos AA. o seguro de vida seria contratado posteriormente à data da celebração da escritura. Não foram dadas instruções complementares a quem tratava do andamento administrativo da escritura.
aao) Em 18.05.1999, a A. mulher ainda não tinha entregue à I, os elementos solicitados (ver, também doc 5).
aap) Facto que foi dado a conhecer ao BNC e foi objecto de despacho interno do departamento competente - DCI – remetendo que o assunto fosse tratado directamente entre a seguradora e a A. - com ref. ao doc. de fls. 102.
aaq) Nos termos do despacho ínsito na informação interna supra, o DCI deu instruções ao Balcão do Saldanha que, até à data, acompanhava os contactos entre a A., e a Império, para que os clientes resolvessem directamente com a seguradora as questões pendentes.
aar) A partir desta data, a A. passou a tratar directamente, junto da seguradora, as questões pendentes.
aas) Até porque, os aspectos relativos aos exames e estado de saúde dos AA., proponentes, são sigilosos.
aat) A partir desta data, até 04.02.2004 (doc 7), o BNC não recebeu qualquer resposta ou comunicação da Companhia de seguros quanto ao desenvolvimento do estado do processo de aprovação do seguro dos AA.
aau) Não tendo, no entanto, o A. marido comunicado ao BNC a aceitação do agravamento do seguro.
aav) Sendo, igualmente certo que, nos termos da carta da I (doc 2 junto à p.i.) dirigida aos AA., a proposta de seguro, quanto à A. mulher, não carecia de mais nenhuma comunicação, escrita ou verbal, por parte dos AA., para se considerar aceite.
aax) Não se juntou ao processo o questionário que acompanhou a proposta de adesão de fls. 86.
aaz) Até esta data de 17.01.2003 nunca os AA colocaram ao BNC a questão da existência, ou não, de seguro de vida.
aaaa) Na perspectiva do BNC, não tendo recebido comunicação da emissão de certificado individual de seguro relativamente aos AA., por parte da Império, e não tendo os AA. feito essa prova junto do actual Banco Popular, este entendeu que não existia qualquer apólice em nome dos AA., e manteve o adicional de 1% sobre a taxa de juro do mútuo.
aaab) Apenas em 03.02.2004 (doc. 7, fls. 105), veio a Império, em resposta a uma interpelação do BNC, datada de 15.04.2003 (doc 6, fls. 104), no sentido de esclarecer se as apólices tinham sido emitidas ou não, informar que os "AA não constam dos ficheiros como sendo ou tendo sido pessoas seguras.
aaac) O procedimento institucionalizado entre o BNC e a I quanto à emissão das apólices consistia numa comunicação da Império ao BNC participando que a proposta de adesão subscrita pelos segurados tinha sido aceite, comunicando, igualmente, o n° do certificado individual de seguro.
aaad) Face à carta dos AA. (doc 8 junto à p.i.) o BNC tentou, então, apurar a verdade dos factos, internamente e junto da Império.
aaae) Em 28.03.2003, o BNC recebeu a carta identificada na p.i. como doc. 10 onde os AA. juntavam cópia da carta resposta da Império, onde pode ler-se:
“v/refa: Apól. N°n/refª: SGPR 1197238
“(..) Atento o conteúdo da comunicação sob resposta, cumpre-nos esclarecer que a Apólice do Ramo Vida Risco/Grupo afecta às pessoas seguras através de processo de crédito no BNC, foi transferida para a E a partir de 01.01.2001.
Nesta sequência, V/Exa., deverá dirigir-se à referida Companhia e/ou ao seu Balcão do BNC”.
aaad) O BNC tentou, então, apurar junto da E, tendo a E informado que desconhecia a existência de qualquer apólice em nome dos AA, transferida da Império.
aaae) Em 15.04.2003 o BNC enviou à I a carta que faz fls. 104.
aaaf) Em resposta à carta enviada pelo BNC, (doc 6 de fls. 104), veio a Império responder, mediante carta datada de 03.02.2004 onde vem informar que os AA. não constam dos ficheiros informáticos “(…) como sendo ou tendo sido pessoas seguras da referida apólice de grupo, antes da transferência da mesma para a E.", - como consta de fls. 104.
aaag) A celebração do seguro apenas por parte da A. ficou dependente de passos a dar por esta, designadamente com a celebração efectiva do seguro, e de saber se o R. Banco aceitava um seguro apenas para a A. e sem o Autor.
aaah) O capital em dívida, à data de 15.02.2002, ascendia a € 64.017,38 (doc de fls. 109).
aaai) A carta de fls, identificada na alínea R) da Matéria Assente, não foi escrita por juristas.
aaaj) A intenção dos seus autores foi comunicar que os efeitos do contrato de cessão da posição contratual (identificada na al. A) da Matéria Assente) operariam no dia 01.01.2001.
aaal) E que a R. Império ficaria desvinculada das obrigações de seguradora a partir de 01.01.2001, o que foi expresso de forma inadequada no segundo parágrafo da carta nos seguintes termos: "Neste sentido e nos termos do art° 5°, Resolução da Apólice - Condições Especiais, denunciamos as duas supra mencionadas apólices, com efeitos a partir de 01.01.2001".
O Direito
Pode definir-se o contrato de seguro como “aquele pelo qual uma pessoa se obriga, mediante o pagamento por outra de determinado prémio, a indemnizá-la ou a terceiro pelos prejuízos decorrentes da verificação de certo evento de risco” (STJ, 17.11.2005, relator Salvador da Costa, internet, dgsi-itij, processo nº 05B3403).
Reproduzindo o discurso e as notas constantes no acórdão desta Relação, de 13.3.2007 (internet, dgsi-itij, processo 10766/2006-1, relatado por Rui Vouga) dir-se-á que “o contrato de seguro constitui um negócio jurídico formal, e não consensual. Efectivamente, a lei impõe para o contrato de seguro a forma escrita – o contrato de seguro deve ser reduzido a escrito num documento, que constituirá a apólice (proémio do artigo 426º do Código Comercial). Na falta de apólice, o contrato de seguro é formalmente nulo, equivalendo, todavia, a apólice a minuta do contrato, desde que dela conste a assinatura do segurador, demonstrativa da sua aceitação (JOSÉ VASQUES in “Contrato de Seguro. Notas para uma Teoria Geral”, 1999, p. 106; Ac. do S.T.J. de 22/2/1979, in BMJ nº 284, p. 257; Rel. de Coimbra de 25/1/1978, in Col. Jur., 1978, tomo III, p. 260; ac. do S.T.J. de 16/12/1980, in BMJ nº 302, p. 273; Ac. desta Relação de 26/5/1987, in Col. Jur., 1987, tomo III, p. 92). De facto, «o assento do STJ de 22/1/1929, segundo o qual “a minuta do contrato de seguro equivale para todos os efeitos à apólice”, não significa que, antes da aceitação da seguradora, a apólice valha como contrato de seguro» (Ac. do S.T.J. de 15/7/1986 in BMJ nº 359, p. 731). «Para a perfeição do contrato de seguro é, pois, necessária a recepção e a aceitação da proposta do segurando por parte da seguradora» (Ac. do S.T.J. de 10/4/1986, apud ABÍLIO NETO in “Código Comercial. Código das Sociedades Comerciais. Legislação Complementar”, 15ª ed., Abril de 2002, p. 289).”
Pese embora a nulidade do contrato de seguro, poderá a seguradora (bem como, se for o caso, a contraparte), ser responsabilizada com base na criação de uma expectativa, juridicamente relevante, de que o negócio havia sido concluído, em termos tais que a invocação da nulidade formal do negócio constituirá abuso de direito, nos termos previstos no art.º 334º do Código Civil (neste sentido, v.g., acórdão da Relação do Porto, de 24.5.1994, Col. de Jur., ano XIX, tomo III, pág. 219).
No caso dos autos, não foi emitida qualquer apólice de seguro atinente aos AA.. Porém, os AA. alegam que a mesma é substituível pela proposta de seguro que subscreveram, que foi recebida pela seguradora sem que, no caso do A. marido, tenha sido recusada e que, no que concerne à A. mulher, foi expressamente aceite por carta enviada pela seguradora aos AA.. De todo o modo, a pretensão de a R. se prevalecer de eventual nulidade do contrato por falta de forma constitui abuso de direito, pois a R., pelo seu comportamento, tácito e expresso, deu a entender aos AA. que o contrato de seguro estava concluído e que assumiria as respectivas obrigações.
Vejamos.
Provou-se que no início do ano de 1999 os AA. dirigiram-se à 1ª R. tendo por objectivo a obtenção de um empréstimo com vista à aquisição de uma habitação própria (alínea al. da matéria de facto). A 1ª R. aceitou a proposta dos AA., mas exigiu, como condição prévia para a realização da escritura de mútuo com hipoteca, que os AA. subscrevessem seguros de vida-grupo e de incêndio (al. ao). De facto, a 1ª R. havia celebrado com a R. Império um contrato de seguro de grupo ao qual os clientes do BNC poderiam aderir, quando a R. exigisse como garantia adicional das suas operações de crédito, que os mutuários fizessem seguro de vida (al. aac). O referido contrato de seguro de grupo corresponde à apólice n°, conforme cópia da minuta da apólice junta a fls. 87 e ss (al. aad).
Nestes autos está pois em causa um contrato de seguro de grupo, que a lei define como “seguro de um conjunto de pessoas ligadas entre si e ao tomador do seguro por um vínculo ou interesse comum” (al. g) do art.º 1º do Dec.-Lei nº 176/95, de 26.7).
Assim, existia uma apólice, atinente ao contrato de seguro celebrado entre a 1ª R. e a 2ª Ré. A questão está em saber se os AA. ficaram validamente adstritos ao contrato, por meio de adesão.
Nos termos do artigo 8º das condições gerais da apólice (pág. 92 dos autos), “por cada pessoa segura será emitido um Certificado Individual comprovativo da sua inclusão no Grupo Seguro, de que constem os elementos de identificação da Pessoa Segura e a designação dos Beneficiários” (8.1). “Em caso de anulação da Apólice, os Certificados Individuais na posse das Pessoas Seguras não constituem prova contratual junto da Seguradora” (8.2).
Nos termos do art.º 3º, ponto 2, das condições gerais da apólice, “em relação a cada Pessoa Segura a cobertura terá efeito a partir das 0 horas do dia seguinte ao da aceitação pela Seguradora da proposta de adesão”.
Em data que não se pode precisar, mas situada entre 09.03.1999 e 22.03.1999, os AA. preencheram proposta de adesão a seguro de vida-grupo, a celebrar com a I, proposta esta que foi entregue à R. Império e que consta a fls. 86 dos autos (al. aaa). Em meados de Março de 1999 a Império pediu à A. mais informações sobre a saúde desta (al. aae). A A. informou que demoraria cerca de 4 semanas a obter tais elementos (al. aaf). Como a escritura estava marcada para 15.4.1999 (al. aag) os AA. pediram ao banco que a escritura se realizasse sem que previamente estivesse aceite a proposta de seguro pela Império (al. aah). O que foi aceite pela R. BNC, mas com a penalização da taxa de juro em 1% (al. aai). Em final de Maio de 1999 a A. mulher enviou uma carta à Império, na qual lhe dizia que não conseguia obter os relatórios médicos solicitados por esta, queixava-se de que o Banco a estava a penalizar na mensalidade por não ter ainda “o seguro firme” (sic) e pedia para a seguradora lhe dizer se pretendia ou não efectuar o seguro, de forma a A. resolver o problema por outros meios (alíneas m) e n). Em 02.6.1999 a I enviou ao A. marido a carta supra referida na alínea o) da matéria de facto, da qual se transcreve o seguinte:
“(...) informamos V. Exa que, o seguro proposto se encontra em condições de ser aceite, com um prémio anual adicional correspondente a 3%o (por mil) do capital seguro, por tabagismo.
Ficamos a aguardar a sua tomada de conhecimento e concordância escrita para que possamos comunicar a aceitação do seguro ao BNC.
Mais informamos que, de acordo com os esclarecimentos da vossa carta de 25 de Maio, a proposta referente à D. F N, se encontra em condições de ser aceite." (al. p) da matéria de facto).
Poderá dizer-se, com base nestes elementos, que entre os AA. e a R. ficou definitivamente acordada a conclusão do contrato de seguro, através de aceitação por parte da Ré da proposta de adesão?
É sabido que as declarações negociais valem com o sentido que um declaratário normal, colocado na posição do real declaratário, possa deduzir do comportamento do declarante, salvo se este não puder razoavelmente contar com ele (nº 1 do art.º 236º do Código Civil). Sempre que o declaratário conheça a vontade real do declarante, é de acordo com ela que vale a declaração emitida (nº 2 do art.º 236º).
Os AA. invocam o teor do art.º 17º nº 1 do Dec.-Lei nº 176/95, de 26 de Julho, para defenderem, pelo menos quanto ao A., que decorridos 15 dias após a recepção da proposta de seguro por parte da Ré, sem que esta tenha notificado o A. em sentido contrário, o contrato de seguro considera-se celebrado nos termos propostos.
O referido artigo tem o seguinte texto:
1 – No caso de seguros individuais em que o tomador seja uma pessoa física e sem prejuízo de poder ser convencionado outro prazo, considera-se que, decorridos 15 dias após a recepção da proposta de seguro sem que a seguradora tenha notificado o proponente da aceitação, da recusa ou da necessidade de recolher esclarecimentos essenciais à avaliação do risco, nomeadamente exame médico ou apreciação local do risco ou da coisa segura, o contrato se considera celebrado nos termos propostos.
A norma em causa não é aplicável à situação objecto destes autos. Ela aplica-se tão só aos seguros individuais, conforme resulta do seu texto, sendo certo que no diploma o legislador não esqueceu a existência dos contratos de seguro de grupo, que contrapõe aos seguros individuais (cfr. alíneas f) e g) do art.º 1º e art.º 4º do Dec-Lei). Conforme se expende no acórdão do STJ, de 19.02.2004 (internet, dgsi-itij, processo 03B3983), “não pode tal norma aplicar-se, analogicamente aos casos de seguro de grupo, uma vez que aqui, o tomador do seguro não coincide com o segurado sendo inaceitável a vinculação definitiva da seguradora, relativamente ao universo de todos os segurados, se nada disser dentro daquele escasso prazo.” Acresce que no caso dos autos o tomador do seguro (entidade que celebra o contrato de seguro com a seguradora, sendo responsável pelo pagamento do prémio perante a seguradora – alínea b) do art.º 1º do Dec.-Lei nº 176/95) não é uma pessoa física, mas uma sociedade (a R.).
O teor da carta supra referida tem o sentido, inequívoco, de que a adesão do A. ao seguro de grupo carecia de uma posterior declaração escrita de aceitação da sua parte, face ao agravamento do prémio que a seguradora exigia, por tabagismo. De facto, podia o A. não estar interessado em suportar tal agravamento, optando por tentar obter o seguro junto de outra empresa, que lhe oferecesse condições mais favoráveis. E quanto à A. mulher? Quanto a esta, a seguradora comunicou que, face aos esclarecimentos que aquela havia prestado, “a proposta referente à D. F N, se encontra em condições de ser aceite”.
Deu-se como provado, reproduzindo o teor do art.º 37º da contestação do banco Réu, que “nos termos da carta da I (doc 2 junto à p.i.) dirigida aos AA., a proposta de seguro, quanto à A. mulher, não carecia de mais nenhuma comunicação, escrita ou verbal, por parte dos AA., para se considerar aceite”( al. aav).
Quererá isto dizer que a Ré considerava desde já que a A. havia eficazmente aderido ao seguro de grupo, estabelecendo-se entre ambas o vínculo inerente?
É que a A. não se apresentou isoladamente perante a seguradora. Conforme resulta da proposta junta a fls 86, os AA. formularam uma proposta conjunta, aliás em consonância com a circunstância de a sua pretensão resultar do mesmo negócio de mútuo. Pela forma como a situação foi encarada, a adesão seria, em princípio, conjunta, abrangendo os dois cônjuges/mutuários. Assim, para que se consumasse a adesão de ambos os AA. ao seguro de grupo, necessário seria que o A. marido comunicasse a sua aceitação ao referido agravamento do prémio. Para que se consolidasse a entrada da A. no grupo, isoladamente do marido, seria necessário que tal fosse clarificado pelas partes perante a seguradora. Só assim se consegue harmonizar o dado como provado na alínea aav) da matéria de facto com o que consta na alínea aaag) da matéria de facto, ou seja, que “A celebração do seguro apenas por parte da A. ficou dependente de passos a dar por esta, designadamente com a celebração efectiva do seguro, e de saber se o R. Banco aceitava um seguro apenas para a A. e sem o Autor.
Que esse foi o entendimento dos AA. admitem-no eles próprios, no art.º 10º da petição inicial, em que, referindo-se à identificada carta que a R. Império lhes enviara em 02.6.1999, afirmam que “na sequência do solicitado pela 2ª R., os AA. comunicaram a esta e à 1ª R. a aceitação do seguro.” (sublinhado nosso). Ou seja, os AA. afirmam que a interpretação que deram à carta era de que esta lhes pedia uma declaração expressa para que a sua adesão ao seguro se efectivasse. Porém, embora os AA. aleguem que fizeram tal comunicação, a mesma não se provou (cfr. resposta negativa ao art.º 32º da base instrutória). Pelo contrário, provou-se que os AA. nunca figuraram em nenhum registo ou arquivo, seja do Réu banco, seja da Ré I, seja da cessionária do seguro de grupo, E, como pessoas pertencentes ao grupo e nunca foram consideradas, seja pelo Banco, seja pela Seguradora, como estando seguras (cfr. alíneas q), s), t), u), v), x), z), aa), ab), ac), ad), ae) a ah), aat), aau), aaz), aaaa), aaab) a aaaf), sendo a referência à existência do seguro, no documento complementar da escritura de mútuo com hipoteca, fruto de mero lapso (alíneas aag. a aan.). Tanto assim foi, que o banco continuou a cobrar o adicional de 1% sobre a taxa de juro do empréstimo (alínea aaa), por entender que não existia qualquer apólice de seguro em nome dos AA. Por outro lado, os AA. nunca pagaram qualquer prémio respeitante ao alegado seguro, cujo pagamento também nunca foi reclamado (alínea ai).
A carta referida na alínea ax), em que a 2ª R. informa os AA. que a apólice do seguro de grupo em causa havia sido transferida para a E foi-lhes enviada na sequência de uma carta anterior enviada pelos AA., em que estes reclamam o accionamento do alegado seguro, por alegadamente se ter verificado o risco correspondente. A carta da Império não traduz o reconhecimento da existência do seguro invocado pelos AA., mas tão só um convite para que estes tratem desse assunto com a nova titular do seguro de grupo em questão.
Os AA. não só não lograram demonstrar que se consumou a sua adesão ao contrato de seguro objecto destes autos, como também não conseguiram fundamentar a existência, da sua parte, de uma razoável expectativa, alimentada pela seguradora, de que esse vínculo existia. Além de não ter sido emitido certificado da sua inclusão no grupo seguro, nunca lhes foi cobrado prémio e continuaram a pagar agravamento na taxa de juro do empréstimo, consequente à inexistência de seguro – isto durante quatro anos, ou seja, desde a data da realização da escritura até à data em que os AA. invocaram perante o Banco e a Seguradora a existência do seguro.
A apelação é, pois, improcedente.
DECISÃO
Pelo exposto, julga-se a apelação improcedente e consequentemente mantém-se a decisão recorrida.
Custas pelos apelantes.

Lisboa, 21.6.2007

Jorge Leal
Américo Marcelino
Francisco Magueijo