Acórdão do Tribunal da Relação de Lisboa
Processo:
169/20.8YHLSB.L1-PICRS
Relator: ANA ISABEL MASCARENHAS PESSOA
Descritores: PROPRIEDADE INTELECTUAL
PATENTE
CERTIFICADO COMPLEMENTAR DE PROTEÇÃO
INTERESSE EM AGIR
Nº do Documento: RL
Data do Acordão: 02/24/2022
Votação: UNANIMIDADE
Texto Integral: S
Texto Parcial: N
Meio Processual: APELAÇÃO
Decisão: PARCIALMENTE PROCEDENTE
Sumário: 1. Os titulares dos direitos de propriedade intelectual podem propor a ação especial prevista no art. 3.º da Lei n.º 6272011, de 12 de Dezembro, na redação do Decreto-Lei n.º 110/2018, de 10 de setembro, em face da publicação de um simples pedido de autorização de introdução no mercado.
2. O interesse em agir e a legitimidade circunscrevem-se, porém neste caso, ao concreto procedimento que visa apenas os medicamentos que foram objecto de pedido de AIM pelas Demandadas, não podendo, pelas próprias finalidade e natureza do mesmo, ser extendidos a outros produtos que eventualmente venham a ser objecto de AIM’s ainda não solicitadas.
3. Também não cuida tal procedimento de impor limitações à transmissibilidade das AIM’s que venham a ser concedidas ou de fixar sanções pecuniárias compulsórias.
Decisão Texto Parcial:
Decisão Texto Integral: Acordam em conferência na Secção da Propriedade Intelectual, Concorrência Regulação e Supervisão    :

I. RELATÓRIO
“Merck Sharp & Dohme,Corp”, “Merck Sharp & Dohme, Limited”, e “Merck Sharp &Dohme,Lda.”intentaram a presente acção declarativade condenação contra Mylan AB, Mylan Lda. e Laboratórios Anova –Produtos Farmacêuticos, Lda., pedindo que as Rés sejam condenadas:
- a abster-se de, em território português, ou tendo em vista a comercialização nesse território, por si ou por terceiro importar, fabricar, armazenar, introduzir no comércio, vender ou oferecer quaisquer medicamentos que contenham Sitagliptina como substância activa, como única substância activa ou em associação com outras substâncias activas, incluindo, mas não apenas, os quesão objecto dos pedidos de AIM melhor identificados no artigo 128 da petição  inicial, enquanto a EP 1412357 e/ou o CCP 278 se encontrarem em vigor; e
- a abster-se de, em território português, ou tendo em vista a comercialização nesse território, por si ou por terceiro importar, fabricar, armazenar, introduzir no comércio, vender ou oferecer quaisquer medicamentos que  compreendam Sitagliptina como substância activa, como única substância activa ou em associação com outras substâncias activas, enquanto a EP 1412357 e/ou o CCP 278 se encontrarem em vigor.
Para tanto alegaram, em suma, que:
- A 1ª Autora é titular da EP1412357, comaepígrafe “beta-amino-tetra-hidroimidazo (1,2-A) pirazinas e beta-aminatetra-hidrotriazolo (4,3-A) pirazinas como inibidores da dipeptidil-peptidase para o tratamentoou prevenção de diabetes”, sendo as demais autoras licenciadas da 1ª autora;
- A EP 1412357 foi pedida ao Instituto Europeu de Patentes em 05/07/2002;
- A EP 1412357 reivindica a prioridade da patente norte-americana US 303474 P, de 06/07/2001;
- Em Portugal foi apresentada no INPI a tradução em portuguesa do fascículo da Patente em 17/06/2006;
- A EP 1412357 vigorará até 05/07/2022 e tem 30 reivindicações;
- A Sitagliptina é o ingrediente activo que está protegida na EP 1412357;
- Por outro lado a 1ª autora é ainda titular do CCP 278, sendo as demais autoras suas licenciadas, e o produto abrangido por este CCP é a Sitagliptina;
- O CCP278 indica a EP1412357 como a “patente base”;
- Do CCP 278 consta que a primeira autorização de introdução no mercado europeu de um medicamento contendo Sitagliptina como substância activa ocorreu em 21/03/2007;
- O CCP 278 tem uma duração inferior à patente base, pelo que não chegará a vigorar;
- Mas, poderá vir a ser concedida uma extensão pediátrica, podendo, nesse caso o CCP 278 passar a ter uma duração positiva;
- No mercado português os medicamentos de referência que contêm Sitagliptina como única substância activa encontram-se disponíveis na forma farmacêutica de comprimido revestido por película nas dosagens de 25mg, 50 mg e de 100mg e são comercializados sob as marcas Januvia, Ristaben, Tesavel e Xelevia;
- Também se encontramdisponíveis no mercado português medicamentos que contêm como substâncias activas Metformina em combinação com Sitagliptina, os quais são comercializados na forma farmacêutica de comprimido revestido por película, nas dosagens de 1000 mg+50 mg e 850 mg+ 50 mg sob as marcas comerciais Efficib, Janumet, Ristfor e Velmetia;
- A 2ª Autora é a titular das autorizações de introdução no mercado de todos os medicamentos de referência contendo Sitagliptina como substância activa (em monoterapia ou em combinação com Metformina) que são comercializados em Portugal pela filia do grupo MSD, a MSD, Lda, entre os quais se encontra o medicamento de referência Januvia;
- De acordo com as listas publicitadas no dia 18/03/2020, na página electrónica do INFARMED, a 1ª Ré requereu em 02/07/2019 as Autorizações de Introdução no Mercado dos medicamentos que contêm a substância activa «Sitagliptina», sob a forma farmacêutica de comprimido revestido a pelicula, nas dosagens de 25mg, 50mg e 100mg, tendo por medicamento de referência o «Januvia» das autoras;
- A segunda e terceira Rés foram indicadas como futura titulardas AIM’s;
- As Rés nunca solicitaram autorização para explorar, por qualquer meio, as invenções protegidas pela patente e pelo CCP;
- O eventual lançamento no mercado português dos medicamentos genéricos em causa resultaria em elevados prejuízos para as Autoras;
- Os pedidos de AIM e as AIM’s uma vez concedidas, constituem já uma ameaça de violação dos direitos de propriedade industrial de que as Autoras são titulares, o que justifica a propositura da presente acção.
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Citadas as rés, as mesmas não apresentaram contestação.
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Por despacho de 12.02.2021 foram considerados confessados os factos articulados pelas Autoras na petição inicial, de harmonia com o disposto no art. 567º, 1 do Código de Processo Civil.
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Veio depois a ser proferida sentença em cujo decreto judicial se consignou:
“Por todo o exposto, tenta a verificação da excepção inominada de falta de interesse em agir por parte das AA., absolvem-se as Rés (…) da instância, nos termos do disposto nos arts.278º,1,e),e 577º doCPC (…)”.
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Inconformadas com tal decisão, apelaram as Autoras, tendo sido proferida decisão singular que julgando parcialmente procedente a apelação, condenou as Rés a abster-se de, em território português, ou tendo em vista a comercialização nesse território, por si ou por terceiro importar, fabricar, armazenar, introduzir no comércio, vender ou oferecer os medicamentos quecontenham Sitagliptina como substância ativa, que são objeto dos pedidos de AIM melhor identificados no artigo 123.º da presente petição inicial, enquanto a EP 1 412 357 e/ou o CCP 278 se encontrarem em vigor e manteve, no mais, a decisão recorrida.
Notificadas, as Apelantes requereram que sobre a matéria da decisão singular recaia Acórdão, nos termos do disposto no artigo 652º, n.º 3 do Código de Processo Civil.
Alegaram, em resumo, que, tendo a decisão singular,
(i) Julgado improcedente a invocação de nulidade processual por omissão de formalidade prescrita na lei, traduzida na preterição do direito de as Recorrentes apresentarem as suas Alegações Escritas, por entender que a Lei 62/2011 não impõe a apresentação de Alegações Escritas (cf. página 22 da Decisão Singular);
(ii) Julgado improcedente a invocação da nulidade da Saneador-Sentença, por consubstanciar uma decisão surpresa, por entender que as Autoras já tinham exercido o seu direito a pronunciar-se sobre a questão do interesse em agir (cf. página 22 da Decisão Singular);
(iii) Julgado improcedente a impugnação da decisão sobre a matéria de facto relativa ao ponto 10 dos Factos Assentes (cf. página 27 da Decisão Singular);
(iv) Julgado procedente a impugnação da decisão sobre a matéria de facto relativa ao ponto i) dos Factos não provados (cf. página 28 da Decisão Singular);
(v) Revogado o Despacho Saneador-Sentença e condenou as Rés “a abster-se de, em território português, ou tendo em vista a comercialização nesse território, por si ou por terceiro importar, fabricar, armazenar, introduzir no comércio, vender ou oferecer os medicamentos que contenham Sitagliptina como substância ativa, que são objecto dos pedidos de AIM melhor identificados no artigo 123.º da presente petição inicial, enquanto a EP 1 412 357 e/ou o CCP 278 se encontrarem em vigor” (cf. página 37 da Decisão Singular);
(vi) Confirmado o Despacho Saneador-Sentença relativamente à absolvição da instância das ora Recorridas do segundo pedido formulado na Petição Inicial (cf. página 37 daDecisão Singular), é com este último (e destacado) segmento da Decisão Singular que a MSD não se pode conformar,por entender que quanto ao mesmo se verifica o pressuposto processual do interesse em agir.
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Também as Apeladas requereram a prolação de Acórdão que:
 a) Julgue improcedente o recurso interposto pelas Reclamadas e confirme a sentença proferida pelo Tribunal da Propriedade Intelectual; ou
b) Condene as Reclamantes exclusivamente nos termos da cominação prevista no artigo 3º, n.º 2 da Lei n.º 62/2011 de 12 de dezembro
As Apelantes pugnaram pela improcedência desta última reclamação e as Apeladas pela improcedência daquela.
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Colhidos os vistos legais, cumpre agora, em conferência, apreciar e decidir dos fundamentos do recurso.
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Como se referiu, as Autoras interpuseram recurso da sentença, apresentando após alegações, as seguintes conclusões de recurso:
A. DO OBJETO DO RECURSO: O presente recurso vem interposto do (i) Despacho Saneador- Sentença, quanto à decisão relativa à matéria de facto e quanto à decisão de absolvição das Rés da instância por verificação de exceção inominada de falta de interesse em agir por parte das Autoras; e do (ii) Despacho de 21.04.2021, na parte em que julgou improcedente a arguição de nulidade processual traduzida na preterição do direito das Autoras de apresentarem Alegações Escritas e que, em consequência, julgou improcedente o pedido de anulação do Despacho Saneador-Sentença, por considerar que o prazo para as Autoras apresentarem as Alegações Escritas não se encontraria suspenso ao abrigo da Lei 1-A/2020.
B. Por uma questão de raciocínio e precedência lógica, e uma vez que, sendo dado provimento ao recurso do Despacho de 21.04.2021, o conhecimento do recurso do Despacho Saneador-Sentença ficará prejudicado, a análise do Despacho de 21.04.2021 precederá a análise do Despacho Saneador-Sentença.
C. DA ADMISSIBILIDADE DO RECURSO DO DESPACHO DE 21.04.2021: o Despacho de 21.04.2021, na medida em que coarta a possibilidade de as Recorrentes exercerem um direito processual que assume um papel essencial para o debate contraditório – a apresentação de Alegações Escritas – contende, necessária e diretamente, com o princípio do contraditório, pelo que o presente recurso é admissível nos termos do disposto no artigo 630.º, n.º 2 do CPC.
D. Mesmo que assim não se entenda – o que só por mero dever de patrocínio se concebe – constata-se que a doutrina tem entendido que a enumeração de fundamentos de recorribilidade prevista no artigo 630.º, n.º 2 do CPC é materialmente inconstitucional, na medida em que esta possibilidade de recursodeve abranger situações de violação das garantias de acesso à tutela jurisdicional e de processo equitativo que decorre do artigo 20.º, nºs 1 a 4 CRP;
E. QUANTO AO JULGAMENTO DA MATÉRIA DE DIREITO DO DESPACHO DE 21.04.2021: a Lei 1-A/2020 e as suas diversas alterações surgiram num contexto de pandemia sem qualquer precedente, tendo o legislador pretendido reduzir todos os serviços (públicos e privados) ao estritamente necessário de modo a reduzir o número de contágios da doença COVID-19, protegendo simultaneamente a proteção da saúde pública e das pessoas e um funcionamento equilibrado e adequado da justiça, pelo que os cânones interpretativos e as regras hermenêuticas previstos no artigo 9.º do CC devem ser ponderados com especial prudência.
F. O regime geral de suspensão dos prazos processuais consta do artigo 6.º-B, n.º 1 da Lei n.º 1-A/2020, de 19 de março, na redação dada pela Lei n.º 4-B/2021, de 2 de fevereiro, nos termos do qual todos os prazos para a prática de atos processuais são suspensos, tendo o legislador, no n.º 5 da mesma disposição legal, previsto situações excecionais às quais não se aplicaria o regime geral de suspensão dos prazos processuais.
G. O artigo 6.º-B, n.º 5, alínea b) da Lei n.º 1-A/2020 não pode ser interpretado no sentido de que os prazos processuais se mantêm ininterruptamente a correr nos processos não urgentes, sob pena de (i) esvaziar o conteúdo útil da regras geral prevista no n.º 1 do referido artigo, contrariando a unidade do sistema jurídico (ii) de a referida Lei em vigor com prazos já esgotados entre o momento em que produziu efeitos e aquele em que entrou em vigor e (iii) de frustração das expectativas razoáveis das Partes em função dos comunicados por parte dos órgãos de soberania do Estado.
H. Por via da alínea b), o legislador pretendia tão só evitar a paralisação total das secretarias judiciais, permitindo que mesmas procedessem, por exemplo, a citações ou notificações, ainda que os respetivos prazos processuais associados estivessem suspensos.
I. A interpretação do disposto no artigo 6.º-B, n.º 5, alínea b) da Lei 1-A/2020 no sentido de que o prazo para apresentação de Alegações Escritas não se encontra abrangido pelo regime geral de suspensão de prazos processuais previstos no artigo 6.º-B, n.º 1 do mesmo diploma, para além de violar preceitos, viola ainda o disposto no artigo 9.º, n.ºs 1 e 3 do CC e é ainda inconstitucional por violação do princípio da segurança jurídica ínsito no artigo 2.º da CRP.
J. Por seu turno, o artigo 6.º-B, n.º 5, alínea d) da Lei 1-A/2020 é uma norma excepcional que elenca situações especificas em que o legislador previu que os prazos para a prática de determinados atos processuais - para a interposição de recurso, arguição de nulidades ou requerimento da retificação ou reforma – não se suspenderiam.
K. A contrario sensu, todos os prazos para a prática de atos processuais que não elencados na referida disposição legal encontram-se sujeitos ao regime geral de suspensão de prazos previstos no artigo 6.º-B, n.º 1 da Lei 1-A/2020.
L. Tal norma não pode ser interpretada no sentido de que os prazos processuais relativos à prática de atos processuais “que precedem a decisão final”, que sejam processados “por via eletrónica” e que não exijam “qualquer deslocação ou exposição presencial dos intervenientes” se mantêm ininterruptamente a decorrer nos processos não urgentes, sob pena de (i) esvaziar o conteúdo útil da regras geral prevista no n.º 1 do referido artigo, contrariando a unidade do sistema jurídico, (ii) violar as regras hermenêuticas de interpretação de normas excepcionais previstas no artigo 9.º do CC.
M. É também certo que as Alegações Escritas não se confundem com as Alegações de Recurso, sendo dois atos totalmente distintos.
N. A interpretação do disposto no artigo 6.º-B, n.º 5, alínea a) da Lei 1-A/2020 no sentido de que o prazo para apresentação de Alegações Escritas não se encontra abrangido pelo regime geral de suspensão de prazos processuais previstos no artigo 6.º-B, n.º 1 do mesmo diploma, para além de violar o disposto nesses citados preceitos, viola ainda o disposto no artigo 9.º, n.ºs 1 e 3 do CC e ainda é inconstitucional por violação do direito ao processo equitativo e à tutela jurisdicional efetiva previsto no disposto no artigo 20.º, n.º 4 da CRP.
O. À luz do disposto no artigo 6.º-B, n.º 1 da Lei 1-A/2020, o prazo para as Autoras apresentarem as suas Alegações Escritas ainda não tinha sequer começado a correr na data de prolação do Despacho Saneador-Sentença, e, nessa medida, foi omitida uma formalidade prescrita no CPC que influiu total e decisivamente no exame e na apreciação da presente ação, uma vez que as Autoras foram privadas de exporem devidamente o seu caso, de enquadrar devidamente a causa de pedir, tal como por si configurada na Petição Inicial, e de demonstrar que a aplicação do direito aos factos concretamente apurados nos presentes autos levariam a uma solução diametralmente oposta da consagrada no Despacho Saneador-Sentença.
P. Tendo em conta a falta de clareza e importância e impacto do regime de suspensão de prazos previsto na Lei 1-A/2020, o princípio da cooperação previsto no artigo 7.º do CPC impunha que, pelo menos, o Tribunal a quo advertisse as Recorrentes de que, no seu entendimento, o referido prazo para apresentação de Alegações Escritas não se encontraria suspenso.
Q. O Despacho de 21.04.2021 deverá ser revogado e substituído por outro que, considerando o regime de suspensão de prazos previstos na Lei 1-A/2020 julgue procedente a arguição de nulidade processual invocada e que, em consequência, anule o Despacho Saneador-Sentença, na medida em que o mesmo é posterior à omissão verificada e dela depende diretamente ficando, portanto, também ele ferido de invalidade (cf. artigo 195.º, n.º 2, 2.ª parte do CPC), sendo, consequentemente concedido às Recorrentes um prazo de 10 dias para apresentarem as suas Alegações Escritas, ficando, assim, prejudicado o conhecimento do recurso do Despacho Saneador-Sentença.
R. DA NULIDADE DO DESPACHO SANEADOR-SENTENÇA POR OMISSÃO DE UMA FORMALIDADE PRESCRITA NA LEI: Por uma questão de cautela, e não desconhecendo a corrente doutrinária e jurisprudencial segundo a qual a Parte que pretenda reagir contra uma nulidade processual coberta por uma decisão proferida pelo Tribunal deve fazê-lo por meio de interposição de recurso dessa mesma decisão, com fundamento na nulidade da sentença por omissão de pronúncia, as Recorrentes não podem deixar de arguir a nulidade do Despacho Saneador-Sentença, nos termos os termos do disposto no artigo 615.º, n.º 1, alínea d) do CPC, dando por reproduzidos os argumentos e considerações que acima expuseram a propósito do Recurso do Despacho de 21.04.2021, na parte em que julgou improcedente a arguição de nulidade processual traduzida na preterição do direito das Autoras de apresentarem Alegações Escritas.
S. DA NULIDADE DO DESPACHO SANEADOR-SENTENÇA POR PRETERIÇÃO DO DIREITO AO CONTRADITÓRIO: o Despacho Saneador-Sentença consubstancia uma verdadeira decisão-surpresa sendo, portanto, nula, nos termos do disposto no artigo 615.º, alínea d) do CPC.
T. A questão da alegada falta de interesse em agir das Recorrentes nunca foi suscitada no decurso do processo e o Tribunal a quo proferiu o Despacho Saneador-Sentença com fundamento nesta exceção dilatória sem dar às Recorrentes a oportunidade sobre a mesma se pronunciarem, o que acarreta a nulidade da decisão.
U. QUANTO AO JULGAMENTO DA MATÉRIA DE FACTO DO DESPACHO SANEADOR-SENTENÇA: nos termos do disposto no artigo 662.º, n.º 1 do CPC, deve ser alterada a resposta ao facto n.º 10 do Despacho Saneador-Sentença, aí passando a constar como provado que foi concedida uma extensão pediátrica ao CCP 278 e que, em conformidade, o CCP 278 produzirá os seus efeitos a partir do dia 6 de julho de 2020 e a sua vigência terminará em 23 de setembro de 2022.
V. Em causa estão factos públicos e notórios, que decorrem da informação e documentação publicamente acessível na página eletrónica do INPI e que consta do BPI n.º 161/2020 e resultam, em qualquer caso, do documento superveniente junto aos autos.
W. Deve ser retirado da lista de factos dados como não provados o Facto elencado sob a letra i), por não ter sido alegado, não resultar dos autos e ser absolutamente irrelevante para a decisão da causa.
X. QUANTO AO JULGAMENTO DA MATÉRIA DE DIREITO DO DESPACHO SANEADOR-SENTENÇA: desde logo, é incorretamente identificada pelo Tribunal a quo a questão a decidir nestes autos.
Y. O único elemento a ter em conta na definição do objeto deste litígio é a configuração da presente ação tal como ela foi delineada pelas Recorrentes na sua Petição Inicial. E o objecto do presente litígio, tal como ele resulta então da causa de pedir e dos pedidos formulados pela MSD, seria o de saber se os medicamentos para os quais as Recorridas solicitaram as AIMs que espoletaram a presente ação caem no escopo de proteção da EP 357 e do CCP 278 e se as futuras atividades que os pedidos formulados visam impedir constituem atuações proibidas nos termos do artigo 102.º do CPI.
Z. Porém, em face da falta de contestação, a questão a decidir nesta ação é também a de saber se estão ou não reunidos os pressupostos para uma condenação de preceito, por aplicação da cominação estabelecida no artigo 3.º, n.º 2 da Lei 62/2011.
AA. O regime das ações especiais da Lei 62/2011 não pressupõe necessariamente que o demandado tenha efetivamente praticado algum concreto ato violador dos direitos de propriedade industrial do demandante ou, sequer, que esteja suficientemente caracterizada uma situação de ameaça a esses direitos.
BB. A Lei 62/2011 teve duas finalidades primordiais (i) pôr termo à consagração prática do chamado patent linkage pelos tribunais administrativos e (ii) criar uma ação preventiva precoce, tendente a prevenir a infração de patentes farmacêuticas por medicamentos genéricos (que, na sua versão original, estava sujeita a um regime de arbitragem necessário e que, atualmente, corre termos junto do Tribunal da Propriedade Intelectual).
CC. A ação destes autos é uma ação especial da Lei 62/2011, de natureza inibitória preventiva, cuja finalidade coincide com a das ações declarativas de condenação destinadas a exigir a prestação de um facto negativo, prevendo a violação de um direito, nos termos do artigo 10.º, nº 3, alínea b) in fine do CPC.
DD. Esta ação visa, assegurar, em tempo anterior à sua lesão, a efetividade dos direitos de exclusivo das Recorrentes, derivados da EP 357 e do CCP 278, tutelando adequada e oportunamente o jus prohibendi dele resultante e obtendo, desse modo, a realização de garantia constitucional da tutela jurisdicional efetiva, neste caso, preventiva.
EE. Por força do artigo 3.º, n.º 1 da Lei 62/2011, o legislador atribui ao pedido de AIM para o medicamento genérico infrator da patente a natureza de condição do interesse em agir do titular da patente, relativamente às ações especiais previstas na mesma Lei.
FF. As circunstâncias em que, segundo o artigo 3.º n.º 1 da Lei 62/2011, tem lugar o impulso processual inicial do autor e o tipo de ação aqui em causa afastam qualquer possível entendimento no sentido de que o interesse em agir possa radicar na violação atual ou iminente das patentes/certificados complementares de proteção, porque a ação deve ser proposta, segundo o mesmo artigo, numa fase em que apenas existe um pedido de AIM, cuja decisão demora, de acordo com o Estatuto do Medicamento, 210 dias, não existindo, então, nem violação da patentes/certificados complementares de proteção, nem eminência de uma tal violação.
GG. As circunstâncias escolhidas pelo Despacho Saneador-Sentença para configurar o interesse em agir nesta ação inibitória preventiva - a violação ou a iminência de violação dos direitos invocados - são as condições que a lei prevê para configurar o interesse em agir nos procedimentos cautelares, respetivamente reativos e preventivos, no artigo 345.º nºs 1 e 2 do CPI, não se adaptando, nenhuma delas, à tutela inibitória preventiva, no quadro de uma acção declarativa de condenação.
HH. O meio juridicamente mais adequado para proteção de direitos de patente, de duração necessariamente limitada, é o da ação preventiva, não só porque a indemnização é um meio subsidiário de satisfação de direitos, como também a indemnização por violação de patente é de difícil quantificação e uma indemnização jamais poderá proporcionar uma reparação integral do prejuízo causado.
II. A interpretação do artigo 2.º da Lei 62/2011, no sentido de que o interesse em agir, na ação aí prevista, pressupõe a existência de violação atual ou iminente da patente, torna essa norma inconstitucional, nos termos do artigo 20.º da CRP, porque torna inviável o recurso a essa ação preventiva, impedindo a tutela jurisdicional efetiva preventiva do direito de patente, contra a sua violação por medicamento genéricos.
JJ. Em geral, nas ações de condenação inibitórias preventivas, previstas no artigo 10.º, n.º 3, alínea c) do CPC, o interesse em agir basta-se com a ameaça da violação do direito, consubstanciada na previsão ou na probabilidade da sua ocorrência, o que significa que, existindo essa ameaça, existirá o interesse em agir nas ações especiais da Lei 62/2011 – quando inibitórias e preventivas -, mesmo que a lei não tivesse estipulado que esse interesse se materializa (e basta) com o pedido de AIM.
KK. A formulação pela Primeira Recorrida dos pedidos de autorização para lançar no mercado o medicamento protegido pela EP 357, pelo CCP 278, cerca de três anos antes da caducidade da EP 357 e do CCP 278, é suficiente para configurar uma ameaça de lesão do direito das Recorrentes, traduzida na previsão ou probabilidade de que as Recorridas projetassem entrar no mercado “a risco”, ou seja, na vigência dos referidos direitos.
LL. Tanto bastava para que o Tribunal a quo - mesmo que desconsiderasse, como fez, a norma do artigo 3.º n.º 1 da Lei 62/2011 - devesse ter reconhecido às agora Recorrentes um justificado interesse em agir, na presente ação.
MM. Ao contrário do que entendeu o Tribunal a quo norma do artigo 102.º do CPI não dispensa a cominação do artigo 3.º n.º 2 da Lei 62/2011, porque esta norma dá força executiva ao jus prohibendi decorrente daquela, o qual, sem uma decisão judicial condenatória dotada de exequibilidade, não pode ser efetivamente satisfeito, não só por ser impossível na prática a ação direta do titular do direito, como, sobretudo, porque, no direito português, a possibilidade de recurso à ação direta existe apenas em casos extremos, quando o recurso às vias coercivas normais – leia-se a via judicial – for impraticável (cf. artigo 336.º do CC).
NN. É alheio à problemática deste processo o comentário do Tribunal a quo de que, nos termos do artigo 102.º, n.º 1, alínea c) do CPI, o direito de exclusivo das Autoras não abrange as experiências para preparação dos processos administrativos necessários à aprovação de produtos, visto que tais condutas não foram imputadas pelas Recorrentes à Recorrida.
OO. Também não releva aqui a norma do artigo 25.º n.º 2 do Decreto-Lei n.º 176/2006, de 30 de agosto, com a redação dada pelo artigo 4.º da Lei 62/2011, uma vez que, nesta ação, não foi peticionado o indeferimento dos pedidos de AIM.
PP. A nenhuma luz poderia o artigo 102.º do CPI tornar redundantes as normas da Lei 62/2011, porque tais normas são complementares: o artigo 102.º do CPI, define o conteúdo substantivo dos direitos de exclusivo derivados da patente, ao passo que a Lei 62/2011 estabelece os contornos da ação especial por ela criada e, nomeadamente, estipula quais os requisitos circunstanciais para exercício jurisdicional daquele direito. No artigo 102.º do CPI define-se o conteúdo do jus prohibendi do titular da patente. Na Lei 62/2011, define-se os requisitos processuais do exercício desse direito e estabelece-se uma cominação específica sempre que não seja apresentada contestação.
QQ. Ao longo da vigência da Lei 62/2011, quer na sua versão original, quer na sua versão atual, foram muitas as decisões que condenaram, preventivamente, as empresas de medicamentos de genéricos na exploração industrial e económica de medicamentos genéricos, sem exigência de que os autores dessas ações demonstrassem a existência de um interesse em agir nos termos delineados pelo Tribunal a quo nesta sentença – pelo Tribunal da Relação de Lisboa, pelos tribunais arbitrais e pelo próprio Tribunal da Propriedade Intelectual.
RR. O Meritíssimo Juiz a quo, ao recusar a aplicação da Lei 62/2011 por considerá-la desnecessária violou, para além da própria (i) Lei 62/2011 e do regime aí consagrado, (ii) o disposto no artigo 203.º, n.º 1 da Constituição da República Portuguesa (“os tribunais são independentes e apenas estão sujeitos à lei”), (iii) o disposto no artigo 4.º, n.º 1 da Lei n.º 62/2011, de 26 de agosto, que aprova a lei de organização e funcionamento dos tribunais judiciais (“os juízes julgam apenas segundo a Constituição e a lei”) e (iv) o disposto no artigo 8.º, n.º 2 do Código Civil (“o dever de obediência à lei não pode ser afastado sob pretexto de ser injusto ou imoral o conteúdo do preceito legislativo”).
SS. O Despacho Saneador-Sentença, ao exigir que o autor nas ações especiais da Lei 62/2011 demonstre a existência de violação atual ou iminente do seu direito de patente, no decurso do período de trinta dias a contar da publicitação do pedido de AIM para o genérico infrator, coartou-lhe de forma determinante e definitiva qualquer acesso à ação inibitória preventiva aí prevista, relegando-o, quando muito, para uma ação reativa, traduzindo-se assim tal decisão na denegação da tutela jurisdicional preventiva do direito de patente no que se reporta à sua violação por medicamentos genéricos.
TT. Ao ter absolvido as Rés da instância por alegada falta de interesse em agir das Autoras, o Tribunal a quo violou o disposto nos artigos 2 e 3.º, n.º 1 da Lei 62/2011 e ainda o disposto no artigo 102.º do CPI, no artigo 203.º, n.º 1 da CRP, no artigo 4.º, n.º 1 da Lei n.º 62/2011, de 26 de agosto no artigo 8.º, n.º 2 do CC.
UU. QUANTO À CADUCIDADE DE DIREITO DE AÇÃO: Mal andou o Tribunal a quo em formular considerações sobre a tempestividade da ação, uma vez que lhe estava vedado o conhecimento da tempestividade da presente ação e do cumprimento do prazo de 30 dias previsto na Lei 62/2011, por a caducidade do direito de ação não configurar uma matéria de conhecimento oficioso e por a mesma não ter sido suscitada no decurso do processo, assim tendo violado o disposto no artigo 330.º, n.º 1 e n.º 2 do CC.
VV. Não obstante não poder conhecer tal questão, é evidente que o prazo de 30 dias previsto na Lei 62/2011 foi absolutamente respeitado, pois o que sucedeu foi que o Tribunal a quo não considerou o regime de suspensão dos prazos previsto na Lei n.º 1-A/2020, de 19 de março, na sua versão original, e, em especial, o disposto no respetivo artigo 7.º, n.º 3, de acordo com o qual se encontram suspensos os prazos de prescrição e de caducidade.
WW. DO CONHECIMENTO DO MÉRITO DA CAUSA: resulta da matéria de facto provada, pelo menos, que:
- A Primeira Recorrente é a titular da EP 357 e do CCP 278 sendo as demais Recorrentes suas licenciadas;
- A substância ativa sitagliptina encontra-se incluída no âmbito de proteção das reivindicações da EP 357;
- O CCP 278 estende a proteção conferida pela EP 357 relativamente à substância ativa sitagliptina;
- A Primeira Recorrida é a requerente dos pedidos AIM que espoletaram a presente ação, sendo as demais Recorridas as futuras titulares propostas de tais AIMs, assim que concedidas;
- Os medicamentos genéricos que são objeto dos pedidos de AIM que espoletaram os presentes autos contêm sitagliptina como substância ativa e, como tal, invadem o escopo de proteção dos direitos de propriedade industrial das Autoras.
XX. As Recorridas não apresentaram contestação, pelo que se impõe, por imperativo do artigo 3.º n.º 2 da Lei 62/2011, a sua condenação na proibição de exploração comercial dos medicamentos genéricos que são objeto das AIMs dos autos, nos moldes constantes do petitório e que são correspondentes ao conteúdo do seu jus prohibendi delimitado no artigo 102.º do CPI.
YY. Os factos provados permitem, no entanto, a condenação das Recorridas em todos os pedidos contra elas formulados, independentemente da cominação do artigo 3.º, n.º 2 da Lei 62/2011, já que deles decorre que os medicamentos abrangidos pelas AIMs e bem assim quaisquer outros que contenham Sitagliptina como princípio ativo caem no escopo de protecção de EP 357, do CCP 278, assistindo às Recorrentes, nos termos das disposições conjugadas dos artigos 102.º e 31.º n.º 4 do CPI, o direito de impedir as Recorridas de exercerem das actividades mencionadas no petitório relativamente aos mesmos produtos.
ZZ. Assim sendo, este Tribunal ad quem tem ao seu dispor todos os elementos para poder apreciar todos os pedidos formulados pelas Recorrentes, julgando a presente ação procedente por provada, com as devidas consequências em matéria de custas.”
Terminaram pedindo que o presente recurso de apelação seja julgado procedente e, em consequência:
a) que o Despacho de 21.04.2021 seja revogado e substituído por outro que, julgando procedente a arguição de nulidade processual, traduzida na preterição do direito de as Recorrentes apresentarem as suas Alegações Escritas, e, consequentemente, anulado o Despacho Saneador-Sentença por ser um ato posterior à nulidade cometida e dela diretamente dependente, concedendo-se às Recorrentes um prazo de 10 (dez) dias para as mesmas apresentarem as suas Alegações Escritas;
b) subsidariamente, que o Despacho Saneador-Sentença seja declarado nulo por omissão de formalidade prescrita na lei, traduzida na preterição do direito de as Recorrentes apresentarem as suas Alegações Escritas, nos termos e para os efeitos do artigo 615.º, n.º 1, alíneas d) CPC e, em consequência, anulado o Despacho de 21.04.2021, por ser um ato posterior à nulidade cometida e dela directamente dependente;
c) sem conceder, e em qualquer caso, que seja o Despacho Saneador- Sentença ser declarado nulo, por preterição do direito ao contraditório das Recorrentes, em virtude se consistir numa decisão-surpresa, nos termos e para os efeitos do artigo 615.º, n.º 1, alíneas d) CPC;
d) sem conceder, deve o Despacho Saneador-Sentença ser revogado e substituído por outro que, com os corretos pressupostos de facto e respetiva fundamentação, e sem os vícios de Direito nesta sede alegados, julgue procedente a ação e condene as Recorridas nos pedidos formulados na Petição Inicial.
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As Rés contra-alegaram, concluindo pela improcedência do recurso, quer no que respeita à impugnação da matéria de facto, quer no que concerne à matéria de direito.
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II. QUESTÕES A DECIDIR.
O objeto do recurso, delimitado pelas conclusões das alegações, sem prejuízo das questões que sejam de conhecimento oficioso e daquelas cuja decisão fique prejudicada pela solução dada a outras (artigos 635.º, n.ºs 3 e 4, 639.º, n.º 1 e 608.º, n.º 2, do CPC), não estando o tribunal obrigado a apreciar todos os argumentos apresentados pelas partes para sustentar os seus pontos de vista, sendo o julgador livre na interpretação e aplicação do direito (artigo 5.º, n.º 3, do CPC), consubstancia-se nas seguintes questões:
- foi cometida nulidade por se considerar que o prazo para as Autoras apresentarem alegações escritas não se encontrava suspenso ou por não se ter suscitado a questão da falta de interesse em agir?
- deve ser alterado o artigo 10º dos factos assentes ou ser eliminado o segmento da decisão recorrida através do qual foram elencados os factos declarados não provados?
- na decisão recorrida procedeu-se a uma correcta interpretação e aplicação do disposto nos artºs 2º e 3º n.º 1 da Lei 62/2011, 102º do CPI, 203º n.º 1 da Constituição da República Portuguesa, 4º n.º 1 da Lei n.º 3/99 e 8º n.º 2 do Código Civil?
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III. FUNDAMENTAÇÃO.
III.1. A decisão recorrida considerou provados os seguintes factos:
1- A 1ª Autora é titular da EP 1412357, com a epígrafe “beta-amino-tetra-hidroimidazo (1,2-A) pirazinas e beta-aminatetra-hidrotriazolo (4,3-A) pirazinas como inibidores da dipeptidil-peptidase para o tratamento ou prevenção de diabetes”, sendo as demais autoras licenciadas da 1ª autora.
2- A EP 1412357 foi pedida ao Instituto Europeu de Patentes em 05/07/2002.
3- A EP 1412357 reivindica a prioridade da patente norte-americana US 303474 P, de 06/07/2001.
4- Em Portugal foi apresentada no INPI a tradução em portuguesa do fascículo da Patente em 17/06/2006.
5- A EP 1412357 vigorará até 05/07/2022 e tem 30 reivindicações.
6- A Sitagliptina é o ingrediente activo que está protegida na EP 1412357.
7- A 1ª Autora é titular do CCP 278, sendo as demais autoras suas licenciadas, e o produto abrangido por este CCP é a Sitagliptina.
8- O CCP 278 indica a EP 1412357 como a “patente base”.
9- Do CCP 278 consta que a primeira autorização de introdução no mercado europeu de um medicamento contendo Sitagliptina como substância activa ocorreu em 21/03/2007.
10- O CCP 278 tem uma duração inferior à patente base, pelo que não chegará a vigorar.
11- Acresce que ainda poderá vir a ser concedida às autoras uma extensão pediátrica;
12- No mercado português os medicamentos de referência que contêm Sitagliptina como única substância activa encontram-se disponíveis na forma farmacêutica de comprimido revestido por película nas dosagens de 25mg, 50 mg e de 100mg e são comercializados sob as marcas Januvia e Xelevia.
13- A 2ª Autora é a titular das autorizações de introdução no mercado de todos os medicamentos de referência contendo Sitagliptina como substância activa que são comercializados em Portugal pela filial do grupo MSD, a MSD, Lda, entre os quais se encontra o medicamento de referência Januvia;
14 – Do resumo do EPAR destinado ao público do Januvia resulta que este medicamento se encontra indicado para o tratamento ‘(…) de doentes com diabetes de tipo 2 para melhorar o nível de glicose açúcar no sangue (…);
14- De acordo com as listas publicitadas no dia 19/03/2020, na página electrónica do INFARMED, a 1ª Ré requereu em 02/12/2019 as Autorizações de Introdução no Mercado dos medicamentos que contêm a substância activa «Sitagliptina», sob a forma farmacêutica de comprimido revestido a pelicula, nas dosagens de 25mg, 50mg e 100mg, tendo por medicamento de referência o «Januvia» das Autoras;
15- As segunda e terceira Rés foram indicadas como futuras titulares das AIM’s;
16- As Rés nunca solicitaram autorização para explorar, por qualquer meio, as invenções protegidas pela patente e pelo CCP.
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III.2. Na mesma decisão considerou-se que não se provou que as RR. tenham iniciado ou estejam em iminência de proceder ao fabrico, comercialização, armazenamento, exportação ou qualquer tipo de cedência de medicamentos que contenham a substância activa “Sitagliptina”.
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III.3.1. Das invocadas nulidades, uma decorrente de não se ter considerado interrompido o prazo para alegações por escrito, outra da preterição do direito ao contraditório, por não se ter suscitado a questão da falta de interesse em agir.
A análise destes pontos da pretensão recursiva impõe a prévia caracterização do processo especial de que as Autoras lançaram mão.
Como se referiu no recente recente Acórdão do Supremo Tribunal de Justiça, proferido em 8 de abril de 2021, no âmbito do processo n.º 219/19.0YHLSB.L1.S1, que correu termos nesta secção, “... o processo previsto no art. 3.º da Lei n.º 62/2011, de 12 de Dezembro, deverá representar-se (continuar a representar-se) como um “‘processo especial’ de acertamento de direitos:
i) susceptível de ser desencadeado em face da publicitação de um simples pedido de autorização de introdução no mercado (altura em que não haverá, via de regra, qualquer infracção ou ameaça iminente de infração de direitos de propriedade industrial);
ii) que os titulares de direitos podem instaurar ou não, consoante o interesse que vejam nele;
iii) que apenas pode ser instaurado dentro do prazo de um mês a contar dessa publicitação, porque isso se enquadra na lógica de um processo rápido, destinado a concluir-se idealmente antes de haver uma decisão do Infarmed sobre o pedido de autorização de introdução no mercado; e
iv) com uma única instância de recurso. [Evaristo Mendes, “Patentes de medicamentos. Arbitragem necessária. Comentário de jurisprudência. Súmula da Lei nº 62/2011”, in: Propriedades Intelectuais, n.º 4 - 2015, págs. 26-40.]”.
Às características deste procedimento dedicaremos à frente maior atenção.
Acerca da falta de contestação e suas consequências dispõe o artigo 3º, n.º 2 do referido diploma que “o requerente de autorização, ou registo, de introdução no mercado do medicamento genérico não poderá iniciar a sua exploração industrial ou comercial na vigência dos direitos de propriedade industrial invocados nos termos do n.º 1” (n.º 2 do art.º 3.º), e essa falta de contestação será notificada às partes, ao Infarmed e ao INPI, o qual procederá à sua publicitação no Boletim da Propriedade Industrial (n.º 6 do art.º 3.º).
Porém, o tribunal deverá proferir sentença, que se for condenatória permite ao credor ficar munido de um título executivo, para o caso de incumprimento (art.º 703.º n.º 1 alínea a) e 705.º do CPC de 2013).
Pese embora a tramitação levada a cabo no Tribunal Recorrido, o certo é que das normas que estabelecem o processo especial em causa, não se retira a imposição de um qualquer prazo para alegações escritas.
No que respeita à questão do interesse em agir, como as Autoras não desconhecem, a questão tem sido largamente debatida na jurisprudência e na doutrina, inclusive em acções nas quais tomaram parte, e é precisamente por essa razão que as Autoras dedicaram um capítulo (artigos 136 e seguintes da petição inicial) a esclarecer os contornos da acção e a afastar a tese da falta de interesse em agir.
Não impondo a lei as alegações escritas, e tendo as Autoras exercido pronúncia sobre o interesse em agir que entendem assistir-lhes, nenhuma nulidade foi cometida.
Improcede, pois, tal segmento decisório.
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III.3.2. Da Impugnação da matéria de facto.
O objeto do conhecimento do Tribunal da Relação em matéria de facto é conformado pelas alegações e conclusões do recorrente – este tem, não só a faculdade, mas também o ónus de no requerimento de interposição de recurso e respetivas conclusões, delimitar o objeto inicial da apelação – cf. artigos 635º, 639º e 640º do Código de Processo Civil.
Assim, sendo a decisão do tribunal «a quo» o resultado da valoração de meios de prova sujeitos à livre apreciação, desde que a parte interessada cumpra o ónus de impugnação prescrito pelo artigo 640º citado, a Relação, como tribunal de instância, está em posição de proceder à sua reavaliação, expressando, a partir deles, a sua convicção com total autonomia, de acordo com os princípios da livre apreciação (artigo 607º, nº 5, do Código de Processo Civil), reponderar as questões de facto em discussão e expressar o resultado que obtiver: confirmar a decisão, decidir em sentido oposto ou, num plano intermédio, alterar a decisão no sentido restritivo ou explicativo.
*
As Apelantes insurgem-se contra a decisão recorrida por entenderem que o facto vertido no ponto 10 dos factos assentes, deve ser alterado, por forma a do mesmo constar que o CCP 278 produzirá os seus efeitos a patir de 6 de julho de 2020 e a sua vigência terminará em 23 de setembro de 2022.
Não lhes assiste razão.
Na realidade, nos termos do disposto no artigo 7º, n.º 1 do Código da Propriedade Industrial, a prova dos direitos de propriedade industrial faz-se por meio de certidão, sendo que as que se encontram juntas aos autos (documentos 2 e 5 da petição inicial), apenas permitem extrair aquilo que consta do artigo 10º dos factos assentes.
De todo o modo, sempre a pretendida alteração de facto, seria irrelevante para o mérito da causa.
Conforme supra se constatou, o pedido formulado pelas Autoras consiste na condenação das a abster-se de, em território português, ou tendo em vista a comercialização nesse território, por si ou por terceiro importar, fabricar, armazenar, introduzir no comércio, vender ou oferecer quaisquer medicamentos que contenham Sitagliptina como substância activa, como única substância activa ou em associação com outras substâncias activas, incluindo, mas não apenas, os que são objecto dos pedidos de AIM melhor identificados no artigo 128 da petição inicial, enquanto a EP 1412357 e/ou o CCP 278 se encontrarem em vigor.
Ora, é sabido que o Certificado Complementar de Protecção (CCP) para medicamentos, cujo regime jurídico se encontra previsto no Regulamento (CE) n.º 469/2009, do Parlamento Europeu e do Conselho de 6 de Maio de 2009 e nos artigos 116º a 118º do Código da Propriedade Industrial (CPI), é um direito de propriedade industrial que prolonga até um período máximo de cinco anos a protecção conferida por uma patente base (20 anos) para um determinado produto, medicamento ou fitofarmacêutico, desde que esse produto esteja protegido na referida patente de base e devidamente identificado na AIM (cf. artigo 4º do Regulamento).
Visa compensar o titular da patente pelo lapso de tempo decorrido entre o depósito de um pedido de patente e a autorização de comercialização do produto patenteado, prolongando a duração da protecção das suas invenções, a fim de poder amortizar os custos de investimentos e realizar lucros, protegendo dessa forma o interesse público no desenvolvimento de novas substâncias ativas.
Assim, se, entre a data do pedido de patente e a data de obtenção da AIM decorrerem exactamente 5 anos, o CCP terá uma duração igual a zero, ou seja, uma duração nula, de acordo com as regras de cálculo consagradas no art. 13.º, n.º 1, do Regulamento. Por outro lado, se, entre a data do pedido de patente e a data de obtenção da AIM mediar um período inferior a cinco anos, o CCP terá uma duração negativa.
O Interesse na concessão de tais CCP com duração nula ou negativa prende-se com a possibilidade de prorrogação prevista no artigo 13.º, n.º 3, do
Regulamento, por seis meses, do prazo de validade dos CCP que digam respeito a medicamentos para uso pediátrico, sempre que se verifiquem as condições exigidas pelo Regulamento (CE) n.º 1901/2006, de 12 de Dezembro (cf., nomeadamente, o respectivo art. 36.º). Nestes casos, a duração máxima do CCP será de 5 anos e 6 meses e o período total de exclusividade de 15 anos e 6 meses.
Com esta possibilidade, pretende incentivar-se as indústrias farmacêuticas a desenvolver medicamentos específicos para o tratamento de crianças, ou seja, medicamentos que, tendo em conta os princípios éticos, sejam objecto de uma investigação de elevada qualidade, de testes adequados e de uma autorização.
E neste sentido, o TJUE, no Acórdão Merck Sharp c. Deutsches Patent und Markenamt[1] (n.os 36 e ss.), decidiu que, uma vez que o pedido de prorrogação da duração do certificado pressupõe a prévia atribuição de um CCP (exigência explicitada no Considerando 27.º e no art. 36.º, n.º 1, do Regulamento n.º 1901/2006), este deve ser concedido ainda que a duração do certificado, tal como calculada nos termos do art. 13.º do Regulamento n.º 469/2009, seja nula ou negativa.
Tratando-se de um CCP com duração nula, ou seja, quando entre o pedido de patente e a obtenção da AIM decorrem exactamente 5 anos, o início do prazo de prorrogação coincidirá com o termo de caducidade da patente (cf. n.º 43 do Acórdão Merck Sharp). Isto significa que, para além do termo do prazo da patente de base, o titular do CCP gozará ainda de um período de 6 meses de exclusividade.
Estando em causa um CCP com duração negativa, segundo o TJUE, a contagem da prorrogação não pode ser feita a partir da data de caducidade da patente de base, pois tal significaria “arredondar” para zero a duração do certificado, o que seria contrário ao disposto no art. 13.º, n.º 1. Deste modo, a data a partir da qual começa a correr o prazo de prorrogação é determinada da seguinte forma: à data de caducidade da patente subtrai-se a duração (negativa) do CCP, isto é, a diferença entre cinco anos e o período de tempo decorrido entre o pedido da patente de base e a obtenção da primeira AIM (cf. n.os 41 e ss. do Ac. Merck Sharp).
Ou, na formulação de REMÉDIO MARQUES, “adiciona-se, pura e simplesmente, o prazo de seis meses no cômputo do certificado já emitido (quer este tenha duração negativa, positiva ou nenhuma), à luz das regras gerais de cálculo”.[2]
De qualquer das formas, o CCP e a prorrogação pediátrica produzem efeitos no termo legal da patente de base, como não podia deixar de ser, atendendo ao art. 13.º, n.º 1, primeira parte.
Conclui-se, portanto, que a concessão de um CCP de duração nula ou de duração negativa, desde que inferior a 6 meses, pode permitir o alargamento do período de exclusividade atribuído ao titular de uma patente relativa a um medicamento para uso pediátrico, através da possibilidade de prorrogação da duração do CCP para tais casos, conferida pelo artigo 13.º, n.º 3, do Regulamento2.
Tratando-se da invocada prorrogação do prazo de vigência do CCP 278, evidente se torna concluir que o pedido formulado pelas Autoras comporta tal extensão pediátrica, porquanto o mesmo pretende exercer o ius prohibendi resultante dos direitos conferidos pela patente e pelo CCP “en uanto eles se encontrarem em vigor”, o ue inclui, pois, ual uer prorrogação de vigência do CCP em causa, independentemente da data em que a mesma seja concedida ou do termo de vigência do CCP.
Improcede, pois, impugnação da matéria de facto, neste ponto.
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No caso dos autos, importa ainda apreciar, como supra se enunciou, se deve ser eliminado o segmento da decisão recorrida através do qual foram elencados os factos declarados não provados.
Para sustentar a pretensão recursória neste ponto, alegam as Apelantes que tal facto, para além de não se encontrar provado, não foi sequer alegado.
Importa atentar que, de acordo com o previsto nos nºs 1 e 2 do artigo 5º do Código de Processo Civil, no seu julgamento, o Juiz apenas se pode servir dos factos articulados pelas partes, e bem assim tão só, dos factos instrumentais que resultem da instrução da causa, dos factos que sejam complemento ou concretização dos que as partes hajam alegado e resultem da instrução da causa, desde que sobre eles tenham tido a possibilidade de se pronunciar, e dos factos notórios e daqueles de que o tribunal tem conhecimento por virtude do exercício das suas funções.
Não tendo o facto sido alegado, nem dado cumprimento ao disposto nos citados preceitos legais, assiste razão às Recorrentes quando entendem que o facto não deveria ter sido dado como não provado, tanto mais que podendo as respostas negativas resultar de nenhuma prova ter sido produzida quanto à matéria em causa ou ainda da prova produzida não ter sido convincente quanto a todos os pontos de facto em apreço, a não prova de certo segmento factual não constitui arrimo seguro para que se dê como provada a factualidade oposta, ou seja, e no caso, de que se demonstrou que as Rés tenham ou não tenham iniciado ou estejam ou não em iminência de proceder ao fabrico, comercialização, armazenamento, exportação ou qualquer tipo de cedência de medicamentos que contenham a substância activa “Sitagliptina”.
Tanto basta para, sem necessidade de maiores considerações, se considerar procedente o recurso neste ponto, eliminando-se todo o segmento da decisão recorrida através do qual foi elencado o questionado facto declarado não provado na acção, o que aqui se declara.
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III.3.4. Subsunção jurídica.
Estabilizada que se encontra está a matéria de facto, importa apreciar se na decisão recorrida se procedeu a uma correcta interpretação e aplicação do disposto nos artigos 2º e 3º n.º 1 da Lei 62/2011, 102º do CPI, 203º n.º 1 da Constituição da República Portuguesa, 4º n.º 1 da Lei n.º 3/99 e 8º n.º 2 do Código Civil.
Como é sabido, a Lei n.º 62/2011, de 12 de dezembro, instituiu um regime de arbitragem necessária, institucionalizada ou não institucionalizada, para a composição de litígios emergentes da invocação de direitos de propriedade industrial, incluindo os procedimentos cautelares, relacionados com medicamentos de referência e medicamentos genéricos, independentemente de estarem em causa patentes de processo, de produto ou de utilização, ou certificados complementares de proteção.
Tal diploma, veio introduzir alterações no Regime Jurídico dos Medicamentos de Utilização Humana (Decreto -Lei n.º 176/2006, de 30 de agosto), na parte relativa aos pedidos de autorização de introdução no mercado (AIM) e ao dever de confidencialidade aí regulado, aqui relevando a opção do legislador de não fazer depender a procedência do procedimento conducente à obtenção de uma AIM, bem como a alteração, suspensão ou revogação desta, da verificação da existência de direitos de propriedade industrial, tal como decorre do artigo 23.º -A, do RJMUH, aditado também pela Lei n.º 62/2011, de 12 de dezembro: «Objeto do procedimento 1 — A concessão pelo INFARMED, I. P., de uma autorização, ou registo, de introdução no mercado de um medicamento de uso humano, bem como o procedimento administrativo que aquela conduz, têm exclusivamente por objeto a apreciação da qualidade, segurança e eficácia do medicamento. 2 — O procedimento administrativo referido no número anterior não tem por objeto a apreciação da existência de eventuais direitos de propriedade industrial.»
Como se escreveu no Acórdão do Tribunal Constitucional n.º 123/2015[3], “de acordo com a Exposição de Motivos da proposta de Lei n.º 13/XII de 1/09/2011 (disponível em http://www.parlamento.pt), a Lei em causa visou obviar aos fatores de estrangulamento que dificultam a entrada célere de genéricos no mercado de medicamentos, entre outros os decorrentes da incerteza sobre a violação, ou não, de direitos de propriedade industrial por parte dos medicamentos genéricos que pretendem aceder ao mercado e consequentes litígios judiciais relacionados com a subsistência de direitos de propriedade industrial a favor de outrem.
O legislador vem assim instituir um mecanismo alternativo de composição dos litígios — arbitragem necessária — que, num curto espaço de tempo, profira uma decisão de mérito quanto à existência, ou não, de violação dos direitos de propriedade industrial.”
O regime de arbitragem, então necessária instituído pela Lei n.º 62/2011, de 12 de dezembro, encontra-se sobretudo regulado nos seus artigos 2.º e 3.º, segundo os quais:
«Artigo 2.º
Arbitragem necessária
Os litígios emergentes da invocação de direitos de propriedade industrial, incluindo os procedimentos cautelares, relacionados com medicamentos de referência, na aceção da alínea ii) do n.º 1 do artigo 3.º do Decreto -Lei n.º 176/2006, de 30 de agosto, e medicamentos genéricos, independentemente de estarem em causa patentes de processo, de produto ou de utilização, ou de certificados complementares de proteção, ficam sujeitos a arbitragem necessária, institucionalizada ou não institucionalizada.
Artigo 3.º
Instauração do processo
1 — No prazo de 30 dias a contar da publicitação a que se refere o artigo 15.º -A do Decreto -Lei n.º 176/2006, de 30 de agosto, na redação conferida pela presente lei, o interessado que invocar o seu direito de propriedade industrial nos termos do artigo anterior deve fazê -lo junto do tribunal arbitral institucionalizado ou efetuar pedido de submissão do litígio a arbitragem não institucionalizada.
2 — A não dedução de contestação, no prazo de 30 dias após notificação para o efeito pelo tribunal arbitral, implica que o requerente de autorização, ou registo, de introdução no mercado do medicamento genérico não poderá iniciar a sua exploração industrial ou comercial na vigência dos direitos de propriedade industrial invocados nos termos do n.º 1.
3 — As provas devem ser oferecidas pelas partes com os respectivos articulados.
4 — Apresentada a contestação, é designada data e hora para a audiência de produção da prova que haja de ser produzida oralmente.
5 — A audiência a que se refere o número anterior tem lugar no prazo máximo de 60 dias posteriores à apresentação da oposição.
6 — Sem prejuízo do disposto no regime geral da arbitragem voluntária no que respeita ao depósito da decisão arbitral, a falta de dedução de contestação ou a decisão arbitral, conforme o caso, é notificada, por meios eletrónicos, às partes, ao INFARMED, I. P., e ao Instituto Nacional da Propriedade Industrial, I. P., o qual procede à sua publicitação no Boletim da Propriedade Industrial.
7 — Da decisão arbitral cabe recurso para o Tribunal da Relação competente, com efeito meramente devolutivo.
8 — Em tudo o que não se encontrar expressamente contrariado pelo disposto nos números anteriores é aplicável o regulamento do centro de arbitragem, institucionalizado ou não institucionalizado, escolhido pelas partes e, subsidiariamente, o regime geral da arbitragem voluntária.»
Tal regime foi objecto de alteração através do Dec. Lei n.º 110/2018, de 10 de dezembro, que deu nova redacção ao mencionado artigo 2º, no qual se estabelece agora;
“Arbitragem voluntária
Os litígios emergentes da invocação de direitos de propriedade industrial, incluindo os procedimentos cautelares, relacionados com medicamentos de referência, designadamente os medicamentos que são autorizados com base em documentação completa, incluindo resultados de ensaios farmacêuticos, pré-clínicos e clínicos, e medicamentos genéricos, independentemente de estarem em causa patentes de processo, de produto ou de utilização, ou de certificados complementares de proteção, podem ser sujeitos a arbitragem voluntária, institucionalizada ou não institucionalizada.”
Estabeleceu-se assim o carácter voluntário da arbitragem, que funciona como alternativa ou, em paralelo com a competência atribuída ao TPI para conhecer dos mesmos litígios.
Por outro lado, manteve-se, em alterações de relevo para o caso dos autos, o regime de acção especial nele previsto, designadamente a cominação para a falta de contestação, traduzida na inibição do início da exploração industrial ou comercial desse medicamento na vigência dos direitos de propriedade intelectual invocados pelo demandante, devendo entender-se que na falta de contestação, o tribunal – arbitral ou estadual – necessariamente condenar o demandado a não iniciar a exploração do seu medicamento enquanto estiverem em vigor os direitos do demandante.[4]
*
Entendeu-se na decisão recorrida, que não obstante as Autoras serem titulares do exclusivo de explorar a patente ou o medicamento objecto do CCP de que são titulares ou licenciadas e o direito de impedir que terceiros, sem o seu consentimento, fabriquem, comercializem ou ponham a mesma à disposição de terceiros (artigo 102º do Código da Propriedade Industrial), “contudo, nada nos autos indicia que exista uma qualquer infracção ou ameaça de infracção e não existe qualquer obrigatoriedade na instauração deste tipo de acções, as quais foram, como repetidamente já referimos, pensadas para determinado circunstancialismo, inexistente actualmente, e com recurso obrigatório ao tribunal arbitral.
(…)a concessão de autorização de introdução no mercado prevista no art. 14º do DL. Nº 176/2006, de 30/08 não é contrária «aos direitos relativos a patentes ou certificados complementares de protecção de medicamentos», art. 19º,8, do citado DL.
«Quer isto dizer que a concessão de tal autorização nunca seria suficiente para preencher, por si só, o conceito de risco referido na alínea b), do nº 3, do art. 10º do Código de Processo Civil acima invocada. Aliás, conforme bem notado no acórdão posto em crise, ‘se é verdade que a DEMANDADA pediu as AIMS com mais de dois anos de antecedência sobre a caducidade de vigência dos direitos da DEMANDANTE, também é certo que nem se quer foram concedidas’. Quer isto dizer que, no caso em apreço nos encontramos, até, num nível inferior e meramente vestibular ao que, por si só, seria insuficiente para inculcar noção da previsibilidade da violação de um direito.»
Assim, (…), entendo que nada nos autos indicia que exista a previsibilidade de violação do direito da autora, quanto mais o risco iminente.
Posto isto, mais não resta concluir que existe, no caso, uma verdadeira e flagrante falta de interesse em agir por parte das autoras ao intentarem a presente acção.
Tal impõe, pois a absolvição das rés da instância.”
Não subscrevemos tal entendimento.
É sabido que a questão em apreço tem sido objecto de larga discussão na jurisprudência portuguesa.
Desde logo, e como se referiu já, solução diversa foi adotada no recente Acórdão do Supremo Tribunal de Justiça, proferido em 8 de abril de 2021, no âmbito do processo n.º 219/19.0YHLSB.L1.S1, onde se sustenta que;
 “... o processo previsto no art. 3.º da Lei n.º 62/2011, de 12 de Dezembro, deverá representar-se (continuar a representar-se) como um “‘processo especial’ de acertamento de direitos:
i) susceptível de ser desencadeado em face da publicitação de um simples pedido de autorização de introdução no mercado (altura em que não haverá, via de regra, qualquer infracção ou ameaça iminente de infração de direitos de propriedade industrial) ii) que os titulares de direitos podem instaurar ou não, consoante o interesse que vejam nele; iii) que apenas pode ser instaurado dentro do prazo de um mês a contar dessa publicitação, porque isso se enquadra na lógica de um processo rápido, destinado a concluir-se idealmente antes de haver uma decisão do Infarmed sobre o pedido de autorização de introdução no mercado e iv) com uma única instância de recurso. [Evaristo Mendes, “Patentes de medicamentos. Arbitragem necessária. Comentário de jurisprudência. Súmula da Lei nº 62/2011”, in: Propriedades Intelectuais, n.º 4 - 2015, págs. 26-40.]”,
E no sumário deste Acórdão pode ler-se que:
“Os titulares dos direitos de propriedade intelectual podem propor a ação especial prevista no art. 3.º da Lei n.º 6272011, de 12 de Dezembro, na redação do Decreto-Lei n.º 110/2018, de 10 de setembro, em face da publicação de um simples pedido de autorização de introdução no mercado”.
Também no Acórdão do Supremo Tribunal de Justiça de 09.12.2021[5] se decidiu que:
“(…)I - Os titulares dos direitos de propriedade intelectual podem propor a ação especial prevista no art. 3.º da Lei n.º 62/2011, de 12-12, na redação do DL n.º 110/2018, de 10-09, em face da publicitação de um simples pedido de autorização de introdução no mercado.
II - Para que a ação proceda basta que os demandantes aleguem e provem os seus direitos de propriedade intelectual (referentes ao medicamente de referência) e que os demandados requereram autorização de introdução no mercado (do medicamento genérico) e que a mesma foi publicada pelo INFARMED na lista “Publicação para efeitos do art. 15º-A do Decreto-Lei n.º 176/2006, de 30 de agosto”, não sendo exigível a alegação e prova por parte dos réus da violação ou ameaça de violação dos direitos dos autores.
III - A cominação prevista no art. 3.º, n.º 2, da Lei 62/2011, na redação do DL n.º 110/2018, para a não dedução de contestação, que determina que o requerente de autorização, ou registo, de introdução no mercado do medicamento genérico não possa iniciar a sua exploração industrial ou comercial na vigência dos direitos de propriedade industrial invocados pelos autores, equivale à prevista no art. 567.º, n.º 1, do CPC e não permite ao juiz que julgue imediata e automaticamente procedentes os pedidos obrigando a que ele julgue a causa conforme o direito, conforme o impõe o n.º 2, parte final, deste preceito.(…)”
Em face da prolação de tais Acórdão, e da reapreciação da questão em apreço em face dos argumentos ali vertidos, bem como das referências jurisprudenciais e doutrinais ali indicadas, e das decisões proferidas nesta Secção, entendemos que a questão deverá ser efetivamente colocada nos termos ali consignados.
Na verdade, ciente das divergências jurisprudenciais a este respeito, e como se referiu, o legislador manteve sem alterações de relevo para o caso dos autos, o regime de acção especial previsto no citado diploma, designadamente a cominação para a falta de contestação, traduzida na inibição do início da exploração industrial ou comercial desse medicamento na vigência dos direitos de propriedade intelectual invocados pelo demandante, devendo entender-se que na falta de contestação, o tribunal – arbitral ou estadual – necessariamente condenar o demandado a não iniciar a exploração do seu medicamento enquanto estiverem em vigor os direitos do demandante.[6]
"À luz da ratio legis da Lei n.° 62/2011, aquele preceito deve ser interpretado no sentido de que não impede a propositura de uma ação judicial contra um fabricante de genéricos fundado numa violação iminente ou atual de um direito de propriedade industrial depois de decorrido o prazo nele fixado, contanto que a patente esteja em vigor. De outro modo, ter-se-ia criado na ordem jurídica portuguesa um novo prazo de caducidade das patentes, que nem o Código da Propriedade industrial nem as convenções internacionais a que Portugal está vinculado nesta matéria preveem ou consentem; e que seria, além disso, de compatibilidade fortemente questionável com o disposto nos arts. 42.° e 62.° da Constituição, que tutelam, respectivamente, os direitos intelectuais e a propriedade privada" [7].
E sendo embora certo que do pressuposto processual de necessidade de interesse em agir decorre que o autor de uma acção de condenação só terá interesse processual desde que alegue a violação do seu direito e que o pedido de autorização de introdução do mercado de um medicamento genérico não é, por si só, uma violação dos direitos de propriedade intelectual do titular da patente do medicamento de referência, certo é também que para que possa lançar-se mão do procedimento em causa, nada mais o legislador exige.
A apresentação de um requerimento de autorização de introdução no mercado de um medicamento genérico é, pois, suficiente para que os titulares de direitos de propriedade intelectual (p. ex., de patentes) sobre a substância activa do medicamento tenham interesse em agir, pedindo que o requerente da autorização seja condenado a abster-se do fabrico, da comercialização, do armazenamento ou da exportação de medicamentos.
E assim, conclui-se que o critério geral de apreciação do interesse processual – a violação de um direito ou existência de um litígio - é derrogado pelo artigo 3.° da Lei n.° 62/2011, de 12 de Dezembro — designadamente, na redacção do Decreto-Lei n.° 110/2018, de 10 de Setembro - em derrogação das regras gerais, os titulares dos direitos [de propriedade intelectual] não precisam de justificar o recurso à acção com base numa infracção, actual ou iminente, ou de demonstrar um interesse em agir.
É, pois, suficiente "a publicitação, na página eletrónica do Infarmed, de um pedido de [autorização de introdução no mercado] (ou registo) para medicamento genérico" para que os titulares das patentes dos medicamentos de referência possam propor a acção,
E consequentemente, no caso dos autos está claramente concretizado o interesse em agir e nessa medida, o “litígio”, inerente ao processo em causa.
Diversamente do que entendem as Apelantes no requerimento de reclamação, porém, o interesse em agir circunscreve-se, porém, ao concreto procedimento de que as Apelantes lançaram mão e que visa apenas os medicamentos que foram objecto de pedido de AIM pelas Demandadas, não podendo, pelas próprias finalidade e natureza do procedimento, ser extendidos a outros produtos que eventualmente venham a ser objecto de AIM’s ainda não solicitadas, ou a outros efeitos ali não previstos, como a transmissão das AIM’s. Quanto a esses não pode, diversamente do que entendem as Apelantes, falar-se sequer em ameaça de violação.
Na verdade, traduzindo uma exceção/derrogação do pressuposto do interesse em agir, apenas relativamente aos efeitos a que o procedimento se destina pode a decisão a proferir ater-se, pois para além desses, de novo se coloca a necessidade de violação de direito inerente ao referido pressuposto processual.
E não se diga que o objeto da decisão reclamada é muito superior à cominação prevista na lei.
No plano subjectivo, cabe lembrar que a Mylan AB requereu 6 pedidos de AIM para medicamentos genéricos contendo sitagliptina como substância ativa, tendo indicado a Mylan Lda. como futura titular de 3 desses pedidos (IDs 652444, 652445 e 652446) e a Lab. Anova como futura titular dos outros três pedidos de AIM (IDs 652484, 652485, 652486).
E nada obstaria a que a Mylan Lda. e a Lab. Anova tivessem elas próprias apresentado os pedidos de AIM em causa. Mas não foi o que sucedeu.
O legislador, por ter considerado que o requerente da AIM e o respetivo titular, uma vez concedida, tenderiam a coincidir, não previu ou regulou, em nenhum diploma normativo, a figura do “futuro titular proposto”.
Por outro lado, e uma vez que é o futuro titular proposto quem ficará legalmente habilitado a proceder à exploração comercial dos medicamentos, a cominação legal prevista no artigo 3.º, n.º 2 da Lei 62/2011 – e que visa precisamente impedir o início da sua exploração industrial ou comercial dos medicamentos genéricos – não pode deixar de lhe ser aplicável, ou estaria encontrada a forma de contornar a lei – bastaria que, como no caso, a AIM fosse pedida para terceiro, oque, manifestamente, não pode ser.
E do ponto de vista dos atos a que se refere a cominação prevista no artigo 3º, n.º 2 da Lei 63/2011,não pode validamente pôr-se em dúvida que o fabrico, a oferta, a armazenagem, a colocação no mercado ou a utilização de um produto objeto de patente, ou a importação ou posse do mesmo, para algum dos fins mencionados se incluem pois, no conceito de “exploração industrial ou comercial”, sendo que todos eles se compreendem no ius prohibendi do titular da patente ou do CCP.
O que significa que, com estes exactos fundamentos, se impõe decretar que, nesta acção, as Autoras têm o aludido interesse em agir inerente ao específico procedimento, e, bem assim que têm necessariamente as Rés que ser condenadas nos exactos termos referidos no citado artigo 3º relativamente aos medicamentos que contenham Sitaglipina como substância ativa, que foram objecto dos pedidos de AIM formulados pelas Rés, melhor identificados no artigo 123 da petição inicial.
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IV. Decisão.
Em face do exposto, acordam em conferência, em julgar parcialmente procedente a apelação e, consequentemente em revogar a sentença recorrida, decretando-se em sua substituição que vão as Rés condenadas a abster-se de, em território português, ou tendo em vista a comercialização nesse território, por si ou por terceiro importar, fabricar, armazenar, introduzir no comércio, vender ou oferecer os medicamentos que contenham Sitagliptina como substância ativa, que são objeto dos pedidos de AIM melhor identificados no artigo 123.º da presente petição inicial, enquanto a EP 1 412 357 e/ou o CCP 278 se encontrarem em vigor, mantendo-se, no mais, a decisão recorrida.
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Custas pelas Apelantes, nos termos do disposto no artigo 535º, n.º 2, al. a) do Código de Processo Civil, no que respeita à acção e na proporção do decaimento, que se fixa em 1/10, no que respeita à apelação.
Registe e notifique.
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Lisboa, 2022-02-24
Ana Isabel Mascarenhas Pessoa
Paula Doria Pott
Ana Mónica Mendonça Pavão
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[1] Proferido em 08.11.2011 no âmbito do processo n.º C-125/10.
[2] Cf. a este respeito, Remédio Marques, “Direito Europeu das Patentes e Marcas”, Almedina, Coimbra, 2021, pg. 332.
[3] Proferido no processo n.º 763/13.
[4] Cf. Dario Moura Vicente, “O Novo Regime da Arbitragem em Matéria de Patentes”, Revista de Direito Intelectual, APDI, Almedina, n.º 1, 2019, pgs 38, 39.
[5] Proferido no âmbito do processo n.º 225/20.2YHLSB.S1
[6] Cf. Dario Moura Vicente, “O Novo Regime da Arbitragem em Matéria de Patentes”, Revista de Direito Intelectual, APDI, Almedina, n.º 1, 2019, pgs 38, 39.
[7] Autor citado, "O regime especial de resolução de conflitos em matéria de patentes (Lei n.° 62/2011)": Revista da Ordem dos Advogados, ano 72.° (2012), págs. 971-990 (979).