Acórdão do Tribunal da Relação de Lisboa
Processo:
455/22.2PHLRS-C.L1-5
Relator: ELEONORA VIEGAS (VICE-PRESIDENTE)
Descritores: IRRECORRIBILIDADE
DESPACHO
JUIZ DE INSTRUÇÃO
ACTOS DE INSTRUÇÃO
Nº do Documento: RL
Data do Acordão: 03/31/2025
Votação: DECISÃO INDIVIDUAL
Texto Integral: S
Texto Parcial: N
Meio Processual: RECLAMAÇÃO (405.º, CPP)
Decisão: IMPROCEDENTE
Sumário: É irrecorrível o despacho do Juiz de instrução que indefere ou admite os actos de instrução requeridos, dele cabendo apenas reclamação.
Decisão Texto Parcial:
Decisão Texto Integral: I. Relatório

AA, assistente nos autos, veio reclamar, nos termos do art. 405.º do CPP, do despacho de 3.03.2025 que não admitiu, com fundamento em irrecorribilidade, o recurso que interpôs do despacho que indeferiu a arguição de nulidade e irregularidades processuais de anterior despacho e indeferiu diligências de prova requeridas.
Alega, em síntese, que, ao contrário do que se entendeu no despacho reclamado, o recurso tem por objecto o indeferimento das nulidades/irregularidades processuais, tendo mesmo invocado a nulidade insanável do despacho recorrido, uma vez que o tribunal impede a prática de diligências que são essenciais à descoberta da verdade, o que só por si é motivo bastante para admissão do recurso.
Conclui que existem razões atendíveis que justificam admissão integral do recurso, direito que foi coartado à assistente.
Cumpre apreciar.
*
II. Fundamentação
Da consulta dos autos resultam os seguintes factos com relevância para a decisão:
1. Em 6.01.2025 foi proferido o seguinte despacho pelo Juízo de Instrução Criminal de Loures - Juiz 1:
Não tendo a assistente respondido ao solicitado pelo tribunal, por despacho proferido em 17-12-2024, cotado a fls. 247 e verso, sobre a razão de ciência das testemunhas arroladas no RAI, e resultando do teor do auto de denúncia e do depoimento prestado pela ora assistente em sede de inquérito (cfr. Fls. 22), que a única testemunha dos factos é BB, indefiro a inquirição das testemunhas arroladas no RAI.
Aguardem os autos a data designada para a tomada de declarações à assistente, e realização do debate instrutório.
2. Em 8.01.2025, a assistente dirigiu ao Juiz de Instrução o seguinte requerimento:
Por despacho de 17/12/2024, com data de elaboração de 18 e notificado à assistente através do signatário, a 21 de Dezembro, foi considerado que a assistente não deu cumprimento cabal ao estatuído na última parte do n.º 2 do Art.º 287.º do CPP, no que concerne “especificamente à inquirição das testemunhas”.
Mais se determinando que a assistente fosse notificada para “indicar a matéria de facto a que, em concreto, pretende que cada uma das testemunhas preste depoimento, bem como a respectiva razão de ciência”.
Sob pena de serem indeferidas as inquirições.
Na falta de estipulação de outro prazo, prevalece-se a assistente do prazo supletivo de 10 dias, iniciado a 4 de Janeiro de 2025, por força do interregno motivado pelo decurso das férias judiciais, entre 22 de Dezembro e 3 de Janeiro.
Pelo que, sempre o prazo terminará no dia 13 de Janeiro.
Por despacho de 6 de Janeiro de 2025, com data de elaboração de 7 de Janeiro, vem o tribunal considerar que a assistente não respondeu ao despacho de 17 de dezembro.
Dispõe o Art.º 105.º, n.º 1, do CPP, que “Salvo disposição legal em contrário, é de 10 dias o prazo para a prática de qualquer acto processual”.
E nos termos do disposto no n.º 1 do Art.º 104.º, “Aplicam-se à contagem dos prazos para a prática de actos processuais as disposições da lei do processo civil”.
Pelo que, padece de nulidade insanável o referido despacho de 6 de Janeiro, na medida em que constitui falta de instrução, nos termos do disposto no Art.º 119.º, al. d), do CPP, ou pelo menos, quando assim se não entenda, o despacho ilegal é irregular (Art.º 118.º, n.º 2), o que se invoca ao abrigo do disposto nos arts.º 120.º e 123.º do CPP.
Sem conceder,
Decorre, daquela norma, do n.º 2 do Art.º 287.º do CPP, como referido, que devem ser indicados os factos que através de uns e de outros (actos de instrução e meios de prova), se espera provar.
Salvo melhor opinião por diverso entendimento, afigura-se-nos que tal exigência foi cumprida na medida em que na página 8 do RAI se refere expressamente:
I. A inquirição de testemunhas à factualidade atrás elencada de 1 a 12. :
1. CC, residente na R. ...
2. DD, residente na R. ....
Ou seja, remete-se expressamente para a factualidade elencada de 1 a 12, da narração dos factos a partir da página 6.
Já quanto à indicação da “razão de ciência”, não é a mesma imposta por disposição legal, pelo que a respectiva exigência sob cominação de indeferimento, é ilegal e constitui igualmente nulidade insanável, ou pelo menos irregularidade, que para todos os efeitos legais se invocam.
Sem conceder, reitera-se a pretensão de inquirição das referidas testemunhas, nos termos seguintes:
A testemunha CC, filha da assistente, porque com esta convive de perto, tem conhecimento directo dos factos elencados de 12 a 14, e de forma indirecta quanto aos restantes.
A testemunha DD, porque reside nas imediações onde ocorreram os factos, presenciou directamente os factos de 1 a 11, e de forma indirecta tem conhecimento dos factos de 12 a 14.
Mais se requereu a realização de exame pericial a solicitar ao IML de ... com vista a elaboração de perícia de avaliação do dano corporal em direito penal, o que se reitera.
Com tal pretensão pretende-se avaliar a factualidade alegada, nomeadamente quanto aos pontos 7 a 10, 12 a 14.
3. Sobre o que foi proferido, em 15.01.2025, o seguinte despacho:
A fls. 264-265 dos autos, veio a assistente AA, alegar que o despacho que indeferiu as diligências de prova por si requeridas no RAI, é nulo porque não teve em conta o interregno das férias judiciais, entre 22 de dezembro e 3 de Janeiro.
Conclui, por isso, que o aludido despacho é nulo, nos termos do disposto no art. 119º, al. D) do CPP, ou pelo menos, é irregular (art. 118º, nº 2), o que invoca nos termos dos arts. 120º e 123º do CPP.
Cumpre apreciar e decidir:
A invocada nulidade plasmada na al. D) do art. 119º do CPP, traduzida na falta, (neste caso), de instrução, nos casos em que a lei determinar a sua obrigatoriedade.
As diligências obrigatórias a realizar na fase de instrução, são as diligências mencionadas no nº 2 do art. 292º do CPP, ou seja, os únicos actos obrigatórios a realizar na fase de instrução, são apenas a realização do interrogatório do arguido, inquirição da vítima e a tomada de declarações ao assistente, sempre que estes o solicitem.
Logo, como facilmente se compreende, que não se verifica nenhuma nulidade tal como invocada pela assistente, muito menos qualquer irregularidade (cuja arguição sempre seria extemporânea – art. 123º do CPP).
Na senda do despacho colocado em crise pela assistente, no requerimento que apresentou a fls. 264 dos autos, cumpre mencionar que certamente a assistente não atentou que os prazos de instrução não se suspendem durante as férias judiciais, como resulta do disposto nos arts. 103º, nº 2, al. B) e 104º, nº 2 do CPP. Concluindo-se, tal como no despacho antecedente (cfr. Fls. 259), que a assistente não respondeu ao que lhe foi solicitado pelo Tribunal, mantendo-se o indeferimento da inquirição das testemunhas arroladas no RAI, pelos fundamentos aduzidos no aludido despacho, sendo certo que, como se sabe, o depoimento indirecto de testemunhas, não pode ser valorado como meio de prova (cfr. Art. 129º do CPP).
Refira-se ainda, para melhor esclarecimento da assistente, que de harmonia com o disposto nos arts. 289.º, n.º1, 291.º, n.º 1 e 286.º, n.º1, todos do Código de Processo Penal, o juiz de instrução criminal pratica todos os actos que considerar necessários às finalidades da instrução, i.e., a comprovação judicial da decisão final de acusação ou arquivamento, em ordem a submeter, ou não, a causa a julgamento, indeferindo os que entenda não interessarem a tais finalidades, o que lhe confere plena legitimidade para apurar e questionar o requerente do RAI, acerca da razão de ciência das testemunhas arroladas no RAI, o que permite ao juiz de instrução criminal determinar se os seus depoimentos são pertinentes e se interessam aos fins da instrução, ou se pelo contrário, são irrelevantes, como sucede no caso em que as testemunhas arroladas apenas têm conhecimento indirecto dos factos, sendo por isso os seus depoimentos impertinentes e dilatórios, para além de não terem qualquer valor probatório, devendo ser rejeitados (art. 129º do CPP).
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Em relação à requerida realização de exame pericial, a solicitar ao IML de ..., tal diligência nada tem que vem com as finalidades da instrução - art. 286.º, n.º1 do Código de Processo Penal, a instrução visa a comprovação judicial da decisão final proferida em sede de inquérito (acusação ou arquivamento do inquérito), em ordem a submeter ou não a causa a julgamento – além de que se trata de uma diligência probatória que não pertence à presente fase processual, em que a prova tem natureza meramente indiciária. Acresce que com a mesma visa apurar-se eventuais consequências que serão o resultado de determinados factos, estes sim, cujo apuramento traduz o objecto da instrução. Contudo, a eventual consequência desses factos, apuradas em sede de perícia, pertencem à fase do julgamento e não na presente fase, atento o disposto no art. 286º, nº 1 do CPP.
Face ao exposto, indefiro a realização da requerida perícia, já que a sua finalidade não cumpre o fim visado pela fase instrutória.
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Aguardem os autos, a data designada para a requerida realização da tomada de declarações à assistente, seguidas da realização do debate instrutório.
Notifique.
4. Despacho de que a assistente interpôs recurso, em 21.02.2025;
5. Sobre o que, em 3.03.2025, foi proferido o seguinte despacho (reclamado):
O despacho proferido a fls. 267, que indeferiu as diligências de prova requeridas no RAI, é irrecorrível – art. 291º, nº 1 e 2 do CPP. Assim, no requerimento apresentado pela assistente a fls. 277 e ss., pese embora venha dizer que recorre para impugnar nulidades, na verdade o que a mesma pretende é que o despacho que indeferiu as diligências de prova, seja revogado.
O despacho em crise é irrecorrível, pelo que não admito o recurso interposto pela assistente a fls. 277 e ss. – art. 291º, nº 1 e 2 e 414º, nº 2 do CPP.
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De acordo com o disposto no art. 414.º, n.º2 do CPP, o recurso não é admitido quando a decisão for irrecorrível.
Dispõe o art. 119º do CPP que constituem nulidades insanáveis, que devem ser oficiosamente declaradas em qualquer fase do procedimento, além das que como tal forem cominadas em outras disposições legais:
d) A falta de inquérito ou de instrução, nos casos em que a lei determinar a sua obrigatoriedade;
Dispõe, por seu turno, o art. 291.º do CPP que:
1 - Os actos de instrução efectuam-se pela ordem que o juiz reputar mais conveniente para o apuramento da verdade. O juiz indefere os actos requeridos que entenda não interessarem à instrução ou servirem apenas para protelar o andamento do processo e pratica ou ordena oficiosamente aqueles que considerar úteis.
2 - Do despacho previsto no número anterior cabe apenas reclamação, sendo irrecorrível o despacho que a decidir.
Pelo despacho reclamado, o despacho de 15.01.2025 foi considerado irrecorrível, nos termos do citado art. 291.º, e o recurso rejeitado.
Com efeito, pelo despacho de 15.01.2025 foi apreciada a arguida nulidade insanável do despacho de 6.01.2025 (nos termos do art. 119.º, al. d) do CPP), que foi julgada improcedente – e a subsidiariamente arguida irregularidade, julgada inexistente e, em todo o caso, extemporânea - e foi indeferida a requerida realização da perícia, determinando-se que os autos aguardassem a data designada para a requerida realização da tomada de declarações à assistente, seguidas da realização do debate instrutório.
Ora, de acordo com o citado art. 291.º, n.º2 do CPP, do despacho do Juiz de instrução que indefere ou admite os actos de instrução requeridos cabe apenas reclamação – o que a reclamante fez – sendo irrecorrível.
Não tem razão a reclamante quando alega que “o tribunal impede a prática de diligências que são essenciais à descoberta da verdade, o que só por si é motivo bastante para admissão do recurso”, como decorre expressamente do n.º2 do art. 291.º.
Quanto ao objecto do recurso que foi rejeitado, a reclamante identifica-o com clareza no seu requerimento de interposição, e da forma que foi interpretado no despacho reclamado:
Pelo que não resta senão julgar improcedente a presente reclamação.
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III. Decisão
Pelo exposto, julgo improcedente a reclamação apresentada por AA.
Custas pela reclamante, fixando-se a taxa de justiça em 2 UC ( art. 8º, n.º 9, do RCP e Tabela III anexa).
Notifique.
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Lisboa, 31.03.2025
Eleonora Viegas
(Vice-Presidente, com poderes delegados)