Acórdão do Tribunal da Relação de Lisboa
Processo:
791/14.1T8SXL-B.L1-2
Relator: LAURINDA GEMAS
Descritores: EXECUÇÃO
ALIMENTOS
EMBARGOS
MATÉRIA DE FACTO
Nº do Documento: RL
Data do Acordão: 10/22/2020
Votação: UNANIMIDADE
Texto Integral: S
Texto Parcial: N
Meio Processual: APELAÇÃO
Decisão: NEGAR PROVIMENTO
Sumário: I - Intentada execução especial por alimentos com base em sentença proferida após a audiência de julgamento em ação de regulação das responsabilidades parentais, alegando o executado, na oposição mediante embargos, que, por acordo com a exequente, o pagamento dos alimentos foi efetuado de forma diferente da estipulada na sentença, designadamente por via da doação aos filhos de um imóvel (de que ambos eram comproprietários), da entrega das rendas do mesmo, bem como através de géneros e quantias em dinheiro a entregar pela mãe daquele, estes fundamentos poderão subsumir-se na previsão da al. g) do art. 729.º do CPC, nos termos da qual, para a sua prova, seria necessário que um tal acordo e a sua efetivação ficasse documentada por escrito ou que tivesse existido confissão.
II - No entanto, não se podendo descartar que tal situação, a provar-se, poderia configurar um abuso do direito de ação, estando o exercício dos direitos, incluindo dos direitos processuais, sujeito ao controlo da boa fé, mormente por via do instituto do abuso de direito, nos termos dos artigos 334.º e 762.º do CC, e dos artigos 8.º, 542.º e 543.º do CPC, concede-se que o Embargante podia, como fez, apresentar e requerer outros meios de prova, designadamente as declarações de parte e os depoimentos das testemunhas.
III - Não resultando do conjunto da prova produzida (documental, testemunhal e por declarações de parte), analisada criticamente, à luz de regras de experiência e juízos de normalidade, a convicção de que os factos invocados pelo Embargante se tenham verificado da forma descrita, improcedem os embargos deduzidos.
Decisão Texto Parcial:
Decisão Texto Integral: Acordam, na 2.ª Secção Cível do Tribunal da Relação de Lisboa, os Juízes Desembargadores abaixo identificados

I - RELATÓRIO
JC…, Executado nos autos de execução especial por alimentos, de que a presente oposição mediante embargos constitui apenso, e em que é Exequente CM…, interpôs o presente recurso de apelação da sentença que julgou improcedentes os embargos por aquele deduzidos.
No requerimento executivo (“Requerimento de execução de decisão judicial condenatória”), apresentado em 02-06-2017, a Exequente peticionou o pagamento da quantia exequenda de 16.800,90 €, relativa às prestações alimentícias dos filhos, alegando, em síntese, que:
- No processo n.º …/…TBSXL de Regulação das Responsabilidades Parentais que correu termos na Comarca de Lisboa, Seixal, Instância Central, ….ª Secção de Família e de Menores, J…, foi celebrado acordo entre os progenitores, homologado por decisão judicial na Conferência de Pais realizada em 10-02-2014, e proferida sentença quanto a alimentos em 27-03-2016, já transitada em julgado, quanto aos menores NR…, nascido em …-06-1998, PM…, nascido em …-11-2002 e RA…, nascido em …-03-2010 – Cf. cópia de Ata Conferência de Pais de 10-02-2014 e Sentença proferida a 27-03-2016 juntas como documentos n.ºs 1 e 2;
- No ponto n.º 9 da “decisão” da referida Sentença foi consignado que “O progenitor entregará mensalmente à progenitora, a título de pensão de alimentos para os menores, a quantia total de € 450,00 (quatrocentos e cinquenta euros, correspondente a € 150,00 (cento e cinquenta) de alimentos para cada menor, quantia essa a ser paga até ao dia 05 (cinco) de cada mês, através de transferência para a conta bancária da requerida, a qual a indicará aos autos para esse efeito, montante esse que será actualizado anualmente no mês de Janeiro de cada ano segundo o Índice de Preços do Consumidor, vulgo taxa de inflação, sendo que a primeira ocorrerá em Janeiro de 2017”;
- Em janeiro de 2017 a pensão passou para 150,09 €, em virtude da atualização nos termos fixados na sentença (150,00 € x 0,6% = 150,09 €);
- E NR… atingiu a maioridade em …-06-1016, continuando a estudar;
- Todavia, o Executado nunca pagou pensão de alimentos nos moldes a que ficou obrigado;
- Conforme dispõe o artigo 2006.º do Código Civil, as prestações a título de alimentos são devidas desde a data da instauração da ação de Regulação das Responsabilidades Parentais em tribunal – o que ocorreu em 30-12-2013 (Cf. requerimento inicial junto como doc. 3);
- Assim, com referência ao ano de 2014 o Executado não efetuou o pagamento da pensão de alimentos dos meses de janeiro a dezembro pelo valor mensal de 450,00 €, encontrando-se em dívida a quantia de 5.400,000 € (450,00 € x 12 meses);
- Com respeito ao ano de 2015 o Requerido não efetuou o pagamento da pensão de alimentos dos meses de janeiro a dezembro pelo valor mensal de 450,00, encontrando-se em dívida a quantia de 5.400,000 € (450,00 € x 12 meses);
- Com referência ao ano de 2016 o Requerido não efetuou o pagamento da pensão de alimentos dos meses de janeiro a dezembro, sendo de Janeiro a Junho pelo valor mensal de 450,00 € e de julho a dezembro pelo valor mensal de € 300,00 € (em virtude da maioridade de NS…), encontrando-se em dívida a quantia de 4.500,00 € (450,00 € x 6 meses) + (300,00 € x6);
- Mais, com referência ao ano de 2017 o Requerido não efetuou o pagamento da pensão de alimentos dos meses de janeiro a maio pelo valor mensal de 300,18 € (150,09 € x2), encontrando-se em dívida a quantia de 1.500,90 € (300,18 € x 5 meses).
Juntou, entre outros documentos, cópia das referidas decisões judiciais.
Pela consulta, via Citius, do referido processo de regulação das responsabilidades parentais, verifica-se que tem o n.º …/…T8SXL-A e que a sentença foi proferida após o encerramento da audiência de julgamento em 09-12-2015.
Em 28-09-2017, foi, nesse processo executivo (processo n.º .../...T8SXL.2), efetuada a penhora do direito e ação à herança indivisa, de que é titular o Executado, aberta por óbito dos seus pais, JH… e MH….
Citado o Executado, veio apresentar, em 09-11-2017, a petição de embargos, requerendo que fosse julgada extinta aquela execução.
Alegou, em síntese, que:
- No âmbito do processo de Regulação das Responsabilidades Parentais quanto aos três filhos comuns, ficou obrigado a pagar a favor destes uma pensão de alimentos no valor global de 450 € mensais e, ao contrário do que invoca a Exequente, sempre pagou tal pensão, nos termos acordados com esta;
- Com efeito, face às dificuldades económicas que atravessou, acordou com a Exequente que a pensão de alimentos e demais despesas com os filhos seriam pagas através: (i) das rendas mensais cobradas aos arrendatários do imóvel do qual são comproprietários; (ii) da doação desse imóvel aos seus três filhos; (iii) bem como por prestações mensais em dinheiro (nunca inferiores a 500 €) e em espécie efetuadas por si, através de sua mãe, as quais foram prestadas até ao falecimento desta, a 5 de abril de 2017;
- A quantia exequenda de 16.800 €, relativa a alimentos vencidos entre 2014 e maio de 2017 não é devida, sob pena de enriquecimento sem causa, por já ter sido paga;
- A Exequente tem beneficiado de outras vantagens patrimoniais, como seja a utilização a título gratuito de um imóvel pertencente à herança deixada pelo seu pai, no qual a mesma instalou um ATL e pelo qual, ao contrário do acordado, não pagou as rendas devidas, após o falecimento de sua mãe.
Concluiu que a totalidade dos valores recebidos pela Exequente ultrapassam o valor por si devido a título de alimentos para os filhos, o que configura uma exceção perentória extintiva, que importa a absolvição do Embargante do pedido, nos termos do disposto no art. 576.º, n.ºs 1 e 3, do CPC.
Os embargos foram admitidos, não tendo sido atribuído efeito suspensivo à execução.
A Embargada apresentou Contestação, em que pugnou pela improcedência dos embargos, alegando, em síntese, que:
- O Embargante não contribui para o sustento dos filhos desde dezembro de 2012;
- A doação do imóvel aos filhos não foi efetuada como forma de pagamento das pensões de alimentos aos mesmos, mas sim para evitar que tal imóvel fosse penhorado por causa de dívidas fiscais do Embargante;
- Apenas teve acesso à chave do imóvel arrendado após o falecimento da mãe do Embargante, passando, então, a arrendá-lo;
- O arrendamento do imóvel foi gerido pela mãe do Embargante, destinando-se as rendas cobradas ao pagamento dos créditos bancários/hipotecários relativos ao mesmo e ao outro imóvel que foi adquirido pelo casal (a casa de morada de família), dívidas da responsabilidade das partes, para cujo pagamento aquele nunca contribuiu;
- A mãe do Embargante não entregou quaisquer quantias em dinheiro com caráter periódico por indicação deste (sendo que, inclusive, não se falavam), limitando-se a ajudar a Embargada, quando e como entendia, por exemplo, entregando-lhe avios de bens ou pagando as “explicações” dos netos;
- O imóvel agora da herança foi cedido gratuitamente à Embargada pelos pais do Embargante para que esta aí instalasse o ATL e assim pudesse obter rendimentos que lhe proporcionassem e aos seus filhos condições de vida dignas;
- O Embargante não presta alimentos aos filhos, apesar de dispor de condições económicas para o fazer.
Concluiu a Embargada, requerendo que o Embargante fosse condenado como litigante de má fé, por deduzir pretensão cuja falta de fundamento não ignorava e por alterar ou omitir factos relevantes para a boa decisão da causa.
Ambas as partes juntaram documentos e indicaram prova testemunhal.
O Embargante, no exercício do contraditório, impugnou diversos documentos juntos pela Embargada e negou ter agido de má fé, mantendo o alegado no requerimento inicial.
Em 19-09-2019 foi proferido o despacho com o seguinte teor:
Lidos atentamente os presentes autos, verifica-se que os mesmos arrastam-se desde novembro de 2017 e que têm sido realizadas diligências que, a meu ver e salvo opinião diversa, são completamente irrelevantes para o que há a decidir. A título de exemplo, refira-se as diligências pedida e/ou ordenadas com vista a apurar do património da companheira do Executado e proveniência do mesmo, dos rendimentos auferidos pelo Executado ou dos seus extratos bancários, relativos ao período compreendido entre dezembro de 2017 a 2018, quando a quantia exequenda diz respeito a prestações alimentícias vencidas até maio de 2017…
Face, pois, ao exposto afigura-se-me que resta produzir a prova testemunhal que foi indicada e já admitida e que visará, sobretudo, apurar se, não obstante o acordo formalizado entre as partes quanto ao modo de pagamento das prestações alimentícias dos filhos, existiu outro tipo de acordo, que possa ser atendido pelos ditames da boa fé.
Assim sendo, para realização da audiência de julgamento, sugiro o dia 24 de outubro.
Cumpra o disposto no artigo 151º, nº 1 do CPC e, caso nada seja dito em contrário, notifique, devendo as testemunhas do Executado comparecer pelas 10 horas e as da Exequente, pelas 14 horas.
Realizou-se a audiência final de julgamento com a produção de prova testemunhal e a prestação de declarações pelas partes.
Após, foi proferida a sentença recorrida, com o seguinte dispositivo:
“Face a tudo o que ficou exposto, decido:
1. julgar improcedente a presente oposição à execução e à penhora deduzida por JC… contra CM…, mantendo-se, em consequência, a ação executiva por esta instaurada contra aquele;
2. absolver o Embargante do pedido de condenação por litigância de má fé.
Custas pelo Embargante e pela Embargada, sendo 4/5 pelo primeiro e 1/5 pela segunda.
Valor da ação: € 16.800,90
Registe e notifique.
Após trânsito, dê conhecimento da presente sentença ao Sr. Agente de Execução.”
Inconformado com esta decisão, veio o Executado-embargante interpor o presente recurso de apelação, formulando na sua alegação as seguintes conclusões (atenta a sua extensão, transcreve-se apenas a parte útil; sublinhado nosso):
(…) J) O Ponto 1 foi incorretamente julgado pelo Tribunal a quo, porquanto o próprio Recorrente, em sede de depoimento de parte, expôs detalhadamente o acordo que foi celebrado entre este e a Recorrida, quanto ao objectivo da doação.
K) In casu, e nos termos acordados entre o Embargante e a Embargante, a metade compropriedade do Embargante na fracção autónoma designada pela letra “D”, correspondente ao … andar direito, do prédio urbano sito na Rua …, número …, Paivas, seria doado aos três filhos menores do ex-casal, atribuindo à referida doação o valor igual ao valor patrimonial do imóvel (in casu, € 33.745,00, ou seja, metade do valor patrimonial de € 67.940,00), assegurando o pagamento integral das pensões de alimentos vencidas e vincendas, e permitindo, assim, que os filhos do Embargante e da Embargada beneficiassem de todos os direitos e vantagens patrimoniais decorrentes do arrendamento do imóvel a terceiros.
L) Acresce que o referido acordo foi meramente verbal, sem qualquer formalização por escrito, motivo pelo qual - e ao contrário do que entendeu o Douto Tribunal – tal acordo não constava da escritura ou de qualquer outro documento, tendo inclusivamente o Recorrente assumido a sua ingenuidade em acreditar que tal acordo verbal era suficiente e vinculativo para ambas as partes.
M) Ora, tendo a metade propriedade do Embargante no imóvel sido avaliada em € 33.745,00 (trinta e três mil setecentos e quarenta e cinco euros), esse montante destinou-se ao pagamento das prestações de alimentos vincendas que se venceriam a partir de 16 de agosto de 2016.
N) Destarte, andou mal o Douto Tribunal a quo a considerar não provado que a doação do imóvel não foi efetuada por conta do pagamento das prestações de alimentos aos filhos, pelo que o Ponto 1 dos Factos Não Provados foi incorretamente julgado.
(…) O) Concluiu ainda o Tribunal a quo, não provado o facto constante no ponto 2 dos Factos Não Provados, designadamente: (…)
Q) Ainda que as rendas do imóvel tenham sido geridas pela mãe do Recorrente durante e após o casamento, e que parte desse valor se destinasse ao pagamento de créditos bancários relativos à habitação, a verdade é que tais dividendos devem ser imputados também a título de alimentos devidos aos menores.
R) Ao utilizar as rendas decorrentes do arrendamento do imóvel até à data da doação, para pagamento dos empréstimos bancários contraídos pelo Embargante e Embargada para habitação, inicialmente do casal e posteriormente da Embargada e dos filhos, está a ser garantido e cumprido o pagamento parcial da pensão de alimentos devida aos filhos, designadamente, liquidando todas as despesas respeitantes a habitação dos três filhos.
S) Conforme decorre da prova testemunhal e documental junta aos autos, a mãe do Recorrente arrendava os quartos do imóvel doado, sendo que o total das rendas de tais alugueres rondava os € 600,00 (seiscentos euros).
T) Do valor decorrente dessas rendas, a mãe do Embargante procedia ao pagamento dos empréstimos bancários das duas casas propriedade do ex-casal (sendo que a mensalidade do empréstimo referente ao imóvel posteriormente doado rondava os € 190,00, e a mensalidade do empréstimo relativo à casa de morada de família da Embargada e dos seus filhos rondava os € 300,00), conforme depoimento das testemunhas, sendo que o valor remanescente das rendas destinava-se ao pagamento das despesas da casa, água, luz, gás, etc.
U) Acresce que, conforme decorre da prova testemunhal e documental junta aos autos, o empréstimo bancário referente ao imóvel compropriedade das partes (e que se encontrava arrendado em quartos) foi integralmente pago ainda antes da doação (16 de Agosto de 2016), pelo que com o valor das rendas desse imóvel (aproximadamente € 600,00), era pago o empréstimo mensal da casa de morada de família (no valor aproximado de € 300,00), sobrando ainda € 300,00 (trezentos euros) que se destinavam ao pagamento das demais despesas da Embargada e dos seus filhos.
V) De realçar que ficou igualmente provado que, mesmo quando os quartos do imóvel compropriedade das Partes não se encontravam arrendados e por conseguinte, não era possível obter rendimento dos arrendamentos, era a mãe do Embargante que pagava, do seu próprio bolso, todas essas despesas – o que aconteceu até à data da sua morte em Abril de 2017.
W) O Tribunal a quo considerou como não provado o facto constante no ponto 3 dos Factos não provados, designadamente, “3. O Embargante combinou com a sua mãe que esta pagaria, por si, as pensões de alimentos aos seus filhos.”, e ao invés, considerou o Douto Tribunal de 1.ª Instância que a ajuda prestada pela mãe do Recorrente visava auxiliar os netos e que tal ajuda era prestada por vontade própria da mãe do Embargante, conforme Ponto 24 da Matéria de Facto Provada.
X) In casu, e conforme demonstrado em audiência, o Embargante, sem dispor de meios financeiros para cumprir a obrigação de alimentos aos seus filhos – e ao invés do que o Tribunal a quo concluiu – acordou efectivamente com a sua mãe que esta pagaria, por si, a pensão de alimentos.
Y) Acresce que esse acordo manteve-se até ao falecimento da mãe do Recorrente (Abril de 2017), independentemente da alegada zanga que ocorreu entre mãe e filho – até porque, conforme demonstrado em juízo, mãe e filho chegaram a fazer as pazes e mesmo durante o período em que a mãe não falava ao filho, o Embargante sempre esteve a par do que era entregue à Embargada a título de alimentos, inclusivamente, através de telefonemas diários com o pai.
Z) O acordo celebrado entre mãe e filho para pagamento da pensão de alimentos, ocorrido no restaurante da mãe foi inclusivamente presenciado por testemunhas, nomeadamente, funcionárias, tendo uma dessas testemunhas prestado depoimento em Tribunal e que, erradamente, não foi tido em consideração na Douta Sentença recorrida.
AA) Consequentemente, existindo um acordo verbal entre mãe e filho para que esta pagasse, pelo Embargante, as pensões de alimentos aos filhos, é falso que a mãe do Recorrente prestasse tal apoio económico por vontade própria, porque sabia que o filho não pagava alimentos aos netos.
BB) Quase todas as testemunhas afirmam em audiência que a mãe dava alimentos em dinheiro e espécie à Embargada, para substituir o filho Recorrente, porque este “não podia” – expressão proferida pelos pais do Embargante a todos os que conheciam a situação e se relacionavam com a família – e não porque o Embargante não queria!
CC) Efectivamente, tal como comprovado pela prova documental e testemunhal produzida nos presentes autos de Embargo, a mãe do Embargante assumiu e fez sua a obrigação do filho de prestar alimentos, desde a separação do casal até Abril de 2017.
(…) FF) Conforme decorre da prova testemunhal, eram frequentes as entregas de alimentos e de dinheiro, bem como o pagamento mensal de despesas básicas da Embargada e dos seus filhos, sendo que, em média, ultrapassavam os € 450,00 (quatrocentos e cinquenta euros) mensais da pensão de alimentos.
GG) Ora, os montantes que a mãe do Embargante entregava à Embargada, a título de alimentos, eram suficientes e satisfaziam integralmente as necessidades dos filhos do Recorrente, o que releva, a verdadeira intenção da Embargada com os presentes autos executivos: obter enriquecimento ilícito à custa do património do Recorrente, quando tem plena noção e consciência que não existe qualquer dívida relativa aos alimentos e sustento dos três filhos.
(…) II) A mãe do Recorrente, cumprindo o acordo que celebrou com o filho, entregava regularmente bens alimentares e dinheiro – alimentos nos termos do artigo 2003.º do Código Civil - à Embargada. Isso mesmo ficou comprovado pelo depoimento de globalidade das testemunhas arroladas pelas Partes, tendo inclusivamente sido demonstrado em juízo, nomeadamente, pelas testemunhas que diariamente conviviam e tinham maior proximidade com a mãe do Recorrente, que a entrega de bens alimentares e dinheiro à Embargada era, no mínimo, semanal, desde a separação do casal até à morte da mãe do Recorrente.
JJ) Foram várias as testemunhas que presenciaram a entrega regular de carne, peixe, caixas de fruta, sacas de batatas, comida confeccionada e avios de produtos adquiridos a fornecedores do restaurante e ainda ao supermercado Minipreço (existente, à data, ao lado do restaurante).
KK) Também as várias quantias de dinheiro entregue à Embargada foram presenciadas por diversas testemunhas, quer no restaurante, quer na casa da mãe do Recorrente (quando esta já se encontrava doente), fazendo inclusivamente referência a maços de notas, tendo a própria testemunha AR…, que geria as contas bancárias dos pais do Recorrente, afirmado em Tribunal que as entregas em dinheiro (seja em numerário, seja através de pagamentos de despesas básicas e pessoais da Embargada e dos filhos) e empréstimos bancários, rondavam os “1000, 1500 euros”.
LL) Apesar da própria Embargada reconhecer que as despesas com saúde, escolares e outras, relativas ao período em causa, foram pagas pela mãe do Recorrente, a verdade é que até ao falecimento da mãe do Embargante, a Embargada nunca exigiu qualquer valor de alimentos ao Recorrente.
MM) Caso estivessem efectivamente em dívida quaisquer valores a título de pensão de alimentos aos anos de 2014 e seguintes, a Embargada teria intentado a respectiva acção/execução para pagamento de alimentos há vários anos atrás ou em “ultima ratio”, logo após o trânsito em julgado da sentença que regulou o exercício das responsabilidades parentais (Abril de 2016), e não teria intentado os presentes autos executivos 1 (um) mês após o falecimento da mãe do Embargante – tal como o fez!
NN) Mais, a mãe do Recorrente, para além de prestar alimentos aos netos, também pagava as contas da Embargada, tais como água, luz, gás, seguros, arranjos de viaturas, etc, relativos ao ATL que a Embargada explorava e do qual obtinha lucro integral, como a Meritíssima Juiz refere na Douta Sentença.
OO) Assim, e tendo em consideração o raciocínio de um homem médio, calculando medianamente a entrega frequente de bens alimentares (carne, peixe, fruta, avios, comida confeccionada) e de dinheiro - pelo menos, no mínimo, uma vez por semana - a doação de metade do imóvel avaliada em € 33.745,00 (trinta e três mil setecentos e quarenta e cinco euros), e ainda as rendas obtidas com o arrendamento do imóvel pelo menos até 16 de Agosto de 2016, o valor global entregue/pago à Embargada a título de alimentos ultrapassa largamente a quantia exequenda de pensão de alimentos relativa aos meses de Janeiro de 2014 a Maio de 2017, no montante de € 16.800,90 (dezasseis mil oitocentos euros e noventa cêntimos).
PP) Destarte, o Tribunal a quo deveria ter considerado como provados os factos contantes nos pontos 1 a 3 dos Factos Não Provados, e a contrario, ser considerado como não provado o ponto 24 dos Factos Provados.
QQ) In fine, subsumindo os factos que o ora Recorrente entende que devem ser corrigidos por incorrectamente julgados (Pontos 1 a 3 dos Factos não Provados), bem como o facto provado que o Recorrente entende dever ser corrido (Ponto 24 dos Factos Provados), é notório o erro de julgamento do Tribunal a quo na apreciação factual dos presentes Embargos e, por conseguinte, na decisão sobre o mérito desta questão, pelo que deve a Douta Decisão ser revogada, com as devidas consequências legais.
Conclui o Apelante, pugnando pela revogação da sentença recorrida e pela procedência da oposição à execução e à penhora, com a extinção da instância executiva.
Foi apresentada alegação de resposta, em que a Apelante defendeu que deverá ser negado provimento ao recurso.
Colhidos os vistos legais, cumpre decidir.
*
II - FUNDAMENTAÇÃO
Como é consabido, as conclusões da alegação do recorrente delimitam o objeto do recurso, ressalvadas as questões que sejam do conhecimento oficioso do tribunal (artigos 608.º, n.º 2, parte final, ex vi 663.º, n.º 2, 635.º, n.º 4, e 639.º, n.º 1, do CPC).
Face ao teor das conclusões da alegação de recurso, as questões a decidir são:
1.ª) saber se deve ser alterada a decisão da matéria de facto, passando a considerar não provado o que consta do ponto 24. e, ao invés, dando como provados os factos constantes dos pontos 1., 2. e 3. do elenco dos factos não provados;
2.ª) na afirmativa, sendo alterada a decisão da matéria de facto, apreciar a relevância jurídica dos factos invocados pelo Embargante, designadamente se podem conduzir à extinção da ação executiva.
Dos factos
Na sentença recorrida foram considerados provados os seguintes factos (assinala-se com asterisco os pontos impugnados):
1. Embargante e Embargada contraíram casamento entre si a 7 de setembro de 1996, sem convenção antenupcial.
2. A 4 de setembro de 2011, o Embargante deixou de viver com a Embargada e os filhos, não mais voltando a ser reatada a relação conjugal.
3. Após a separação do casal, o Embargante foi viver e trabalhar para o Algarve, numa agência imobiliária, tendo os filhos ficado a viver com a mãe.
4. Embargante e Embargada têm três filhos em comum: NR…, PM… e RA…, nascidos, respetivamente, a … de junho de 1998, … de novembro de 2002 e … de março de 2010.
5. A 30 de dezembro de 2013 o Embargante instaurou ação de regulação das responsabilidades parentais quanto aos seus filhos.
6. O exercício das responsabilidades parentais quanto aos filhos do Embargante e da Embargada foi regulado por sentença proferida a 27 de março de 2016 (que não foi objeto de recurso), tendo sido decidido que o primeiro pagaria a favor de cada um dos filhos uma pensão de alimentos no valor de 150 mensais €, valor a atualizar em janeiro de cada ano e com início em janeiro de 2017, segundo o índice de preços ao consumidor.
7. Para além disso, decidiu-se que as despesas realizadas com os filhos “no que concerne a assistência médica e medicamentosa, a necessidades escolares, desportivas e extracurriculares serão suportadas por ambos os progenitores em partes iguais...”
8. Por sentença proferida a 25 de maio de 2016, foi decretado o divórcio entre o Embargante e a Embargada, com efeitos quanto às relações patrimoniais a partir da data atrás indicada.
9. A 16 de agosto de 2016, Embargante e Embargada doaram aos seus filhos N…, P… e R…, por escritura pública, a fração autónoma designada pela letra “D”, correspondente ao ….º andar direito, para habitação, sita na Rua …, n.º …, Paivas, da qual eram comproprietários.
10. Embargante e Embargada adquiriram o imóvel atrás identificado no estado de solteiros, com recurso a crédito bancário e, quando casaram, passaram a habitá-lo.
11. Após e na pendência do casamento, adquiriram a fração autónoma designada pela letra “C”, correspondente ao ….º andar A e arrecadação na cave com o n.º …, sita na Rua …, n.º …, Paivas, igualmente com recurso a crédito bancário, onde passaram a habitar e onde a Embargada ainda habita com os filhos.
12. Após Embargante e Embargada deixarem de habitar o imóvel identificado em 9. e passarem a habitar o imóvel atrás identificado, a mãe do primeiro passou a arrendar quartos do mesmo, recebendo as respetivas rendas, com o que eram pagos os créditos bancários dos imóveis identificados em 9. e em 11..
13. Mesmo após a separação do Embargante e da Embargada e até após a doação do imóvel aos filhos do ex-casal, a mãe do Embargante continuou a proceder do modo atrás descrito.
14. A mãe do Embargante faleceu a 5 de abril de 2017.
15. Após o falecimento da mesma, a chave do imóvel identificado em 9. foi entregue à Embargada, que passou a arrendá-lo, utilizando as rendas recebidas para pagamento das despesas do seu agregado familiar.
16. Os pais do Embargante, MH… e JH…, entretanto falecidos, eram proprietários do prédio urbano composto por rés-do-chão e 1.º andar com utilização independente, sito na Rua …, n.º …, freguesia de Amora e concelho do Seixal.
17. Visando auxiliar a Embargada a desenvolver atividade profissional, os pais do Embargante acordaram com aquela a cedência, a título gratuito, do rés-do-chão do prédio atrás descrito, o qual lhe foi entregue no decurso do ano de 2005.
18. Assim, a Embargada instalou nesse local um centro de atividades de tempos livres, que, desde então geriu, fazendo seus os respetivos lucros.
19. Por sentença proferida a 17 de julho de 2018 no processo n.º …/…T8ALM, do Juízo Central Cível de Almada, foi a Embargada condenada a entregar o prédio identificado em 16. à herança aberta por óbito de MH…, o que a mesma fez.
20. Em outubro de 2018, o Embargante passou a pagar diretamente ao filho mais velho, N…, 150 mensais €, a título de pensão de alimentos.
21. Até essa altura e, pelo menos, desde a instauração da ação de regulação das responsabilidades parentais, o Embargante não entregou diretamente à Embargada nenhum valor a título de alimentos ou comparticipação para as despesas dos filhos, designadamente, pelo meio previsto na respetiva sentença.
22. Após a separação do Embargante e da Embargada e praticamente até ao seu falecimento, a mãe daquele entregava a esta produtos alimentares.
23. Para além disso, a mesma entregava à Embargada quantias variáveis em dinheiro, sem uma regularidade certa, para fazer face a despesas dos netos, como, por exemplo, despesas de saúde ou “explicações”, mas também para outras despesas do agregado familiar, como, por exemplo, arranjos de viaturas automóveis.
* 24. A mãe do Embargante procedia desse modo por vontade própria, com o propósito de auxiliar os seus netos, mas também porque sabia que o filho não pagava alimentos aos seus filhos.
25. Após a separação do casal, o Embargante e a sua mãe discutiram um com o outro e, durante tempos, não se falaram, voltando a fazê-lo alguns meses antes do falecimento daquela.
26. A 4 de maio de 2017, a Embargada instaurou ação executiva contra o Embargante, indicando a quantia exequenda de 16.800,90 €, relativa às prestações alimentícias dos filhos, vencidas desde 2014.
Na sentença recorrida foram considerados não provados os seguintes factos:
* 1. A doação referida em 9. dos factos provados foi efetuada por conta do pagamento de alimentos do Embargante aos seus filhos.
* 2. O recebimento das rendas do imóvel identificado em 9. foi efetuado por conta do pagamento de alimentos do Embargante aos seus filhos.
* 3. O Embargante combinou com a sua mãe que esta pagaria, por si, as pensões de alimentos aos seus filhos.
1.ª questão – Da impugnação da decisão da matéria de facto
O Apelante pretende que sejam agora considerados provados os factos descritos nos pontos 1., 2. e 3., bem como, em ligação com este último ponto, que a factualidade vertida no ponto 24. seja considerada não provada.
A Apelada insurge-se contra a pretensão do Apelante, começando por sustentar que:
- O Embargante identificou nas Conclusões do recurso quais os concretos pontos de facto que considera incorretamente julgados – com o que não se concorda, conforme adiante se verá;
- O Embargante não identificou nas Conclusões quais os concretos meios probatórios constantes do processo que impunham decisão diversa, utilizando ao invés e por diversas vezes a expressão “prova testemunhal” e “prova documental”;
- O Embargante não identificou nas Conclusões os depoimentos e as exatas passagens da gravação da prova em que se funda a sua pretensão;
- Nem sequer nas Conclusões identificou as testemunhas de forma remissiva para as Alegações;
- O Embargante nas Conclusões limitou-se a fazer a exposição dos factos, conforme já os tinha invocado em sede de Embargos;
- Motivo pelo qual por violação do disposto no artigo 640º n.º 1 do CPC deve ser rejeitado o recurso em apreço.
Importa, pois, que façamos algumas considerações prévias a respeito do quadro normativo aplicável ao recurso quando versa sobre matéria de facto. Assim, dispõe o artigo 640.º do CPC, sobre o ónus a cargo do recorrente que impugne a decisão relativa à matéria de facto, que:
“1 - Quando seja impugnada a decisão sobre a matéria de facto, deve o recorrente obrigatoriamente especificar, sob pena de rejeição:
a) Os concretos pontos de facto que considera incorretamente julgados;
b) Os concretos meios probatórios, constantes do processo ou de registo ou gravação nele realizada, que impunham decisão sobre os pontos da matéria de facto impugnados diversa da recorrida;
c) A decisão que, no seu entender, deve ser proferida sobre as questões de facto impugnadas.
2 - No caso previsto na alínea b) do número anterior, observa-se o seguinte:
a) Quando os meios probatórios invocados como fundamento do erro na apreciação das provas tenham sido gravados, incumbe ao recorrente, sob pena de imediata rejeição do recurso na respetiva parte, indicar com exatidão as passagens da gravação em que se funda o seu recurso, sem prejuízo de poder proceder à transcrição dos excertos que considere relevantes;
b) Independentemente dos poderes de investigação oficiosa do tribunal, incumbe ao recorrido designar os meios de prova que infirmem as conclusões do recorrente e, se os depoimentos tiverem sido gravados, indicar com exatidão as passagens da gravação em que se funda e proceder, querendo, à transcrição dos excertos que considere importantes.
3 - O disposto nos n.ºs 1 e 2 é aplicável ao caso de o recorrido pretender alargar o âmbito do recurso, nos termos do n.º 2 do artigo 636.º.”
É conhecida a divergência jurisprudencial que existiu a respeito da aplicação deste normativo e da sua conjugação com o disposto no n.º 1 do art. 639.º do CPC, atinente ao ónus de alegar e formular conclusões, vindo o STJ a firmar jurisprudência no sentido do “conteúdo minimalista” das conclusões da alegação, conforme espelhado no acórdão do STJ de 06-12-2016 - Revista n.º 2373/11.0TBFAR.E1.S1 - 1.ª Secção, sumário citado na compilação de acórdãos do STJ, “Ónus de Impugnação da Matéria de Facto, Jurisprudência do STJ”, disponível em www.stj.pt, bem como o acórdão do STJ de 01-10-2015, no processo n.º 824/11.3TTLRS.L1.S1, disponível em www.dgsi.pt. Nesta linha, conclui-se resultar da conjugação do disposto nos artigos 635.º, 639.º e 640.º do CPC que o ónus principal a cargo do recorrente se basta com a indicação, nas conclusões da alegação do recurso, com precisão, dos concretos pontos de facto da sentença que são objeto de impugnação, sem o que não é possível ao tribunal de recurso sindicar eventuais erros no julgamento da matéria de facto.
Ora, atentando nas conclusões da alegação recursória, constata-se que essa indicação foi feita, como, aliás, a Apelada reconhece. E no corpo daquela alegação, o Apelante espraia-se na indicação das muitas passagens da gravação em que se funda o seu recurso, procedendo inclusivamente à transcrição dos excertos que considera relevantes.
Assim, na esteira da jurisprudência do STJ, mais não reputamos indispensável para que nos cumpra conhecer do objeto do recurso no tocante à impugnação da decisão da matéria de facto.
Conforme previsto no art. 662.º, n.º 1, do CPC, a Relação deve alterar a decisão proferida sobre a matéria de facto, se os factos tidos como assentes, a prova produzida ou um documento superveniente impuserem decisão diversa.
Vejamos quais foram as razões que presidiram a essa decisão, atentando na motivação da decisão da matéria de facto constante da sentença recorrida:
Para a decisão da matéria de facto, foi tida em conta parte da prova documental junta aos autos, a saber:
- a cópia da escritura da doação do imóvel identificado em 9. dos factos provados (fls. 19);
- cópia da certidão do registo predial e da caderneta predial relativa ao imóvel identificado em 16. dos factos provados (fls. 22 e 24);
- cópia da sentença proferida pelo Juízo Central Cível de Almada no processo nº …/…T8ALM, mencionada em 19. dos factos provados (fls. 85).
Quanto aos demais documentos juntos aos autos, não foram considerados, por serem irrelevantes para o que há a decidir. Com efeito, havendo que decidir, como questão principal, se a quantia exequenda e peticionada na ação executiva de que a presente é dependente se encontra ou não liquidada, é irrelevante saber, por exemplo, qual o rendimento ou património de que dispõe o Embargante ou se o mesmo tinha meios para, por si, pagar as pensões de alimentos dos filhos, assim como é completamente irrelevante saber se era ou não devedor perante entidades públicas.
Para além da apontada prova documental, foi tida em conta a prova testemunhal, da qual se destaca, por esclarecedor, objetivo e muito credível, o depoimento da testemunha NS…, filho do Embargante e da Embargada.
Assim, a testemunha referiu que, após a separação dos pais (em 2011), o pai pagou alimentos durante alguns meses, deixando depois de fazê-lo e só retomando o pagamento, mas apenas a si, em outubro de 2018, altura em que entrou para a Faculdade. Explicou que a casa que veio a ser doada a si e aos irmãos encontrava-se arrendada (quer antes, quer depois da doação) e que era a sua avó paterna quem “geria” o arrendamento, sendo que o dinheiro das rendas era utilizado para pagamento das prestações bancárias da casa que foi a de morada de família e onde ainda habita com a mãe e os irmãos, situação que continuou a verificar-se após a casa ter sido entregue à sua mãe, após o falecimento da avó, em abril de 2017. Referiu que a doação não foi efetuada por conta das pensões de alimentos, mas sim com o propósito de conservar o imóvel como património da família e impedir que viesse a ser penhorada, pelas dívidas do seu pai. A testemunha disse também que os avós paternos e, em particular, a avó (já que o avô faleceu antes dela) gostavam de os ajudar e que, para tal, davam-lhes alimentos e dinheiro para pagar consultas médicas, mas também para outras despesas, como arranjos de viaturas, água, luz e gás do ATL que a mãe explorava. A testemunha disse ainda que a avó e o pai não falavam um com o outro, praticamente desde a separação dos pais.
Quanto à demais prova testemunhal:
- AL… e VB…, prestaram declarações semelhantes, tendo referido que trabalharam no restaurante pertencente à mãe do Embargante e que a viram entregar alimentos “para os meninos” e dinheiro à Embargada para o pagamento de despesas variadas, como prestações bancárias relativas à casa onde habitava, consultas médicas, água, luz, arranjos de viaturas... Referiram ainda que, mesmo quando o Embargante e a Embargada viviam juntos, era a mãe do primeiro que pagava as “rendas” das casas e que esta situação se manteve enquanto ela viveu. As testemunhas disseram que a mãe do Embargante dizia que não queria que faltasse nada aos netos e, como o pai não lhes podia dar nada, fazia-o ela, em vez dele. Referiram também que o Embargante e a mãe “estiveram zangados” um com o outro, tendo reatado o relacionamento algum tempo antes do falecimento daquela. O depoimento destas testemunhas confirma, pois, o que foi declarado pela testemunha NS…, ainda que tenham enfatizado que a mãe do Requerente entregava alimentos com grande regularidade e avultadas quantidades dinheiro que, porém, não sabem concretizar. Porém, é duvidoso que as referidas entregas de dinheiro ocorressem à vista, designadamente, dos clientes do restaurante. Com efeito, não merece credibilidade, por não ser razoável, que tal acontecesse desse modo, embora se admita que as testemunhas pudessem ter conhecimento desse facto, por lhes ser relatado pela própria Sra. D. H…. Relativamente ao depoimento da testemunha V…, não merece igualmente credibilidade que tenha ouvido alguma conversa do Embargante com a sua mãe, pedindo-lhe que pagasse a pensão por si, não só porque não seria razoável que tal conversa fosse igualmente mantida perante terceiros ou em condições que fosse escutada, mas também porque, segundo a testemunha, tal conversa terá acontecido antes de março de 2012 (altura em que “entrou de baixa”), quando a ação de regulação das responsabilidades parentais só deu entrada em juízo em dezembro de 2013 e a pensão de alimentos apenas foi fixada por sentença proferida em março de 2016;
- AS…, primo do Embargante, prestou um depoimento credível, referindo que mantinha um relacionamento de confiança, muito próximo com o pai daquele e que o mesmo desabafava consigo, manifestando tristeza pelo facto de o filho ter ido para o Algarve e de ser ele a substitui-lo no que diz respeito ao apoio material aos netos. Referiu, assim, ter conhecimento que os avós entregavam bens e dinheiro à Embargada e que o faziam “pelos netos”, para que nada lhes faltasse;
- AC…, irmão do Embargante, confirmou que a sua mãe entregava bens e dinheiro à Embargada e que chegou até a discutir com ela, por achar excessivas as quantias que lhe dava que, no total e incluindo os valores de prestações bancárias e pela utilização do imóvel onde se situava o ATL, ascendia a € 1.000 mensais. Referiu que “com a raiva que tinha ao irmão” (referindo-se ao Embargante) e quanto menos ele dava aos filhos, mais ela própria dava. Esclareceu, porém, que já quando o casal vivia junto, tais ajudas monetárias lhes eram prestadas e que, após a separação, a sua mãe continuou a fazê-lo “pelos netos”. Disse também que a mãe e o irmão zangaram-se um com o outro 4 ou 5 meses após a separação do casal e que, apesar de terem voltado a falar, não mais estiveram completamente bem;
- SR…, companheira da testemunha anterior, referiu, no essencial, ter conhecimento que a mãe do Embargante, após a separação do casal, entregava alimentos e dinheiro à Embargada, desconhecendo os valores ou a que se destinavam, e que pagava a prestação da casa. O depoimento desta testemunha pouco acrescenta, pois, ao que resulta de outros depoimentos;
- BP… disse que foi empregada do restaurante dos pais do Embargante e que chegou, ela própria, a arranjar alimentos para entregar à Embargada, “a mando da D. H…”, que se lamentava por ter que se substituir ao filho na prestação de apoio material aos netos, dado que ele não tinha possibilidades para o fazer, situação que entendia como uma “obrigação por consciência”. Disse que nunca presenciou a entrega de dinheiro mas tinha conhecimento desse facto por lhe ser comunicado pela própria Sra. D. H…, julgando que, no total, lhe daria seguramente mais do que € 450 mensais. A testemunha disse também, embora sem credibilidade, já que não concretizou ou circunstanciou tal afirmação, julgar que “houve um acordo entre o filho e a mãe” relativamente a tais entregas de dinheiro. Aliás, a testemunha referiu não ter conhecimento que, enquanto o casal viveu junto, já a mãe do Embargante suportava o pagamento do crédito bancário relativo à habitação, o que, aparentemente, era facto do conhecimento generalizado, sendo, por isso, duvidoso que tenha um conhecimento tão seletivo quanto a outros factos;
- AR… prestou um depoimento credível e isento, referindo que, por ser amigo próximo das partes e dos pais do Embargante, teve conhecimento que estes ajudavam a Embargada com as despesas dos seus filhos, porque assim o quiseram, visto que não queriam que nada faltasse aos netos. Disse que não teve conhecimento de nenhum acordo celebrado entre o Embargante e a sua mãe no que diz respeito ao pagamento dos alimentos às crianças até porque estavam zangados um com o outro) e que soube que, mesmo quando começou a trabalhar, após um período de desemprego e de dificuldades económicas, aquele continuou a nada pagar para os filhos;
- RS…, sobrinha do Embargante, disse ter conhecimento que, após a separação do casal, a sua avó dava alimentos e dinheiro à Embargada com o propósito de ajudar os netos e com a preocupação de que nada lhes faltasse, já que o pai não contribuía para o seu sustento. Referiu, embora sem o sustentar, que a avó entregava mais de € 450 por mês;
- HV… prestou declarações vagas e, por isso, irrelevantes face ao conjunto da prova produzida, referindo ser amigo de ambas as partes e ter conhecimento que os pais do Embargante, para ajudar os netos, entregavam alimentos e dinheiro à Embargada substituindo-se ao filho porque ele não tinha possibilidades, já que o que ganhava não era suficiente;
- MM…, conhecida da Sra. D. H…, com quem costumava encontrar-se no Café, prestou um depoimento sem relevância, já que o seu conhecimento sobre os factos era muito superficial, resultando das conversas que tinha com aquela, que, segundo afirmou, lhe dizia que o Embargante nada dava aos filhos e que a sua preocupação era ajudar os netos, dando-lhes “umas coisinhas” e “umas notinhas”;
- BR…, esposa da testemunha A…, tal como este, prestou um depoimento isento, ainda que vago, desconhecendo pormenores concretos quanto à situação em causa, se algum acordo foi estabelecido entre o Embargante e a mãe no que diz respeito ao pagamento de alimentos aos filhos e referindo que os avós paternos ajudavam os netos, supondo, até, que os avós maternos também o fizessem;
- MA…, cabeleireira da Sra. D. H…, apenas sabe o que lhe era transmitido por esta e que a mesma lhe dizia que dava algum dinheiro aos netos mas não pagava a pensão de alimentos, por tal ser obrigação do pai, o qual, porém, não o fazia. Quanto ao mais, a testemunha nada sabe, pelo que o seu depoimento foi irrelevante;
- MH…, amiga da Sra. D. H…, prestou igualmente declarações vagas, no mesmo sentido das testemunhas anteriores, referindo ainda que aquela ajudava a Embargada com as despesas dos filhos porque se preocupava com o bem estar dos seus netos, já que o pai nada lhes dava;
- MG…, mãe da Embargada, demonstrou um conhecimento próximo da vida da sua filha e do seu agregado familiar e descreveu a atividade profissional daquela, esclarecendo que, já antes da separação do casal, a mesma “explorava” o ATL no espaço que lhe foi cedido pelos sogros e pelo qual não pagava renda. Esclareceu também que, já antes da separação, a prestação bancária relativa ao imóvel onde habitava a sua filha, com o marido e os filhos era paga com o dinheiro das rendas cobradas pelo arrendamento da primeira casa que o casal adquiriu (e que veio a ser doada aos filhos, alegadamente por causa das dívidas do Embargante), sendo que tais rendas eram “geridas” pela mãe do Embargante. A testemunha disse também que o Embargante, após a separação do casal, nunca contribuiu para as despesas da sua família, nem pagou alimentos, pelo que passaram a ajudar a sua filha e os netos, fazendo-lhes avios de supermercado. Disse também que os pais do Embargante prestavam algum apoio, embora menor que o seu, referindo que nunca lhes deram dinheiro ou pagaram quaisquer contas, facto que não resulta confirmado, por exemplo, do depoimento da testemunha NS…. Disse ainda que se dava muito bem com a Sra. D. H… e que o grande desgosto da vida dela consistia no facto de não se dar bem com o filho, o Embargante.
Finalmente, foram tidos em consideração os depoimentos das partes.
Assim, a Exequente/Embargada disse que a doação do imóvel aos filhos não teve como propósito o pagamento de alimentos, mas sim salvaguardar o património dos filhos do casal, já que o Embargante tinha diversas dívidas. Confirmou que, quer antes, quer depois da separação do casal e até ao falecimento da sogra, foi esta quem geriu as rendas obtidas pelo arrendamento desse imóvel e que, com as mesmas, eram pagas as prestações bancárias do crédito da sua habitação, sendo que, quando a sogra faleceu, o cunhado entregou-lhe as chaves da casa. Confirmou também que, após a separação, os sogros lhe entregaram algum dinheiro e alimentos. Relativamente ao ATL, explicou que, enquanto ainda vivia com o Embargante, este propôs aos seus pais que ela instalasse esse negócio num imóvel que lhes pertencia, com o que os mesmos concordaram, pelo que o facto de ter continuado a geri-lo após a separação, nada teve a ver com o pagamento de pensões, sendo que, no ano passado e na sequência de ação judicial, entregou esse imóvel, deixando de desenvolver atividade com o ATL. Finalmente, referiu que nunca existiu qualquer acordo entre Embargante e a sua mãe para que esta pagasse as pensões de alimentos aos netos, já que os mesmos não falavam um com o outro e a sogra “nem o queria ver”.
O Executado/Embargado, por seu turno, disse que saiu de casa em setembro de 2011 e que as responsabilidades parentais quanto aos filhos foram reguladas 2 ou 3 anos depois. Admitiu que nunca pagou a pensão de alimentos dos filhos por transferência bancária, conforme foi fixado, mas que, quando saiu de casa, falou com a sua mãe e ela disse-lhe que ajudaria com o que fosse preciso, o que fez, tendo pago despesas com médicos, terapias e entregue alimentos. Quanto ao facto de não se relacionar com a sua mãe, disse que a conversa referida aconteceu antes de se terem zangado um com o outro. Relativamente aos motivos da doação da casa aos filhos, disse que a mesma foi feita para salvaguarda dos mesmos e para que ficassem com um rendimento e que combinou com a Embargada que a doação da sua parte destinava-se ao pagamento dos alimentos. Referiu também que combinou com o irmão que, mais tarde, fariam um acerto de contas para o compensar pelo dinheiro entregue, por si, à ex-cônjuge para os filhos. Disse ainda que, após o falecimento de sua mãe, passou a receber dinheiro da herança e, por isso, começou a pagar a pensão de alimentos ao filho mais velho, facto não mencionado por nenhuma outra testemunha (sobretudo, o seu irmão) e que não explica a razão pela qual continua, como admitiu, a não pagar a pensão de alimentos aos outros filhos.
Face, pois, à prova que foi produzida, não se poderia deixar de concluir como se concluiu no que diz respeito aos factos não provados.
Assim, no que diz respeito ao propósito da doação do imóvel de que eram proprietários Embargante e Embargada aos três filhos do casal, apenas o primeiro defende a tese de que acordou com a segunda que a mesma se destinava ao pagamento dos alimentos aos filhos em adiantado, o que não merece credibilidade, já que nenhum outro elemento de prova o confirma. Com efeito, caso assim fosse, certamente que a própria escritura ou outro documento fariam menção a tal facto, o que não acontece.
E, do mesmo modo, não é aceitável a tese de que as rendas cobradas pelo arrendamento do imóvel que veio a ser doado eram entregues à Embargada a título de pagamento de pensões dos filhos, visto que, já enquanto as partes viviam juntas o produto de tais rendas era utilizado para o pagamento de créditos bancários relativos à habitação, o que continuou a verificar-se após a separação do casal e após a doação. Aliás, mesmo que se acolhesse a tese do Embargante, apenas se poderiam considerar pagas por essa via as prestações (ou parte das mesmas) vencidas até agosto de 2016, altura em que foi efetuada a doação, deixando, por isso, aquele de ter direito a qualquer parte das rendas.
Finalmente, não se provou que o Embargante tenha acordado com a sua mãe que esta pagaria, por si, a pensão de alimentos dos filhos e que tal assim sucedeu por diversas razões. Desde logo, o próprio Embargante refere que, após a separação do casal, em setembro de 2011, conversou com a sua mãe e que esta se comprometeu a ajudá-lo a assumir as suas obrigações materiais perante os filhos. Ora, resultou da prova que, passado algum tempo, o Embargante zangou-se com a mãe, sendo que, quando foi regulado o exercício das responsabilidades parentais e fixados os alimentos, já os mesmos estavam de relações cortadas. Por outro lado, a globalidade das testemunhas (incluindo o irmão do Embargante) refere que a mãe deste entregava à nora bens alimentares e dinheiro para ajudar os netos, porque se preocupava em que nada lhes faltasse, sobretudo por saber que o seu filho não os auxiliava em termos materiais, falando-se até de “obrigação por consciência”. Assim, mesmo as testemunhas que referem que a mãe do Embargante se substitua a este na sua obrigação de auxiliar materialmente os filhos, fazem-no claramente nesse sentido. Aliás, há que ter em conta que, para além da pensão de alimentos no valor certo de € 150 para cada um dos filhos, o Embargante estava ainda obrigado a comparticipar diversas despesas com os mesmos, o que nunca fez, sendo que algumas delas foram suportadas pela sua mãe. E, porque assim sucedeu e a Embargada o reconheceu, nenhum valor foi peticionado na ação executiva a título de despesas de saúde, escolares ou outras. Não restam, pois, dúvidas de que, ainda que a mãe do Embargante e o seu marido, enquanto viveram, tenham prestado apoio material aos netos, substituindo-se ao pai, não o fizeram na perspetiva de assumir a obrigação deste, mas sim movidos pela preocupação de garantir o bem estar dos netos.
Finalmente, há que referir, quanto à questão dos benefícios que a Embargada retirou da exploração do ATL instalado em imóvel agora pertencente à herança aberta por óbito dos pais do Embargante, que a mesma é completamente alheia ao objeto dos presentes autos, já que o referido imóvel foi-lhe entregue com esse propósito no ano de 2005, ou seja, na pendência do casamento e da coabitação do casal e enquanto instrumento do seu trabalho, não se podendo, pois, pretender imputar os rendimentos que daí possa ter retirado ao pagamento de alimentos aos filhos, enquanto obrigação do Embargante.
Antes de mais, e pese embora esta problemática não tenha sido aflorada na sentença recorrida, não podemos deixar de salientar que o Embargante concentra o objeto do seu recurso na impugnação da decisão da matéria de facto, fundando-a na prova por declarações de parte e depoimentos testemunhais. Ora, o título dado à execução é uma sentença judicial, estando limitados, por força do disposto no art. 729.º do CPC, os fundamentos de oposição à execução e os meios para a prova dos factos respetivos.
Com efeito, parece seguro afirmar que os factos alegados (porventura combinados com outros factos complementares ou concretizadores resultantes da instrução, possibilitando, por exemplo, traçar uma linha cronológica daqueles) apenas teriam eventualmente a virtualidade de se reconduzirem à previsão da al. g) do art. 729.º do CPC (ex vi do art. 551.º, n.º 4, do mesmo Código). E porque não estamos perante factos relativamente aos quais a lei preveja a possibilidade de invocação sem necessidade de prova documental, v.g. prescrição do direito (a este respeito veja-se Marco Carvalho Gonçalves, “Lições de Processo Civil Executivo”, 2.ª edição, Almedina, pág. 237), seria, à partida, necessário que o Embargante alicerçasse a prova dos mesmos em documento(s) ou confissão da Embargada, conforme expressamente previsto naquele normativo e vem sendo desenvolvido pela jurisprudência. A este respeito, exemplificativamente, veja-se o acórdão da Relação de Lisboa de 05-07-2018, no proc. n.º 2061/17.4T8CSC-A.L1-6, cujo sumário tem o seguinte teor:
4.1– Baseando-se a execução em sentença homologatória de acordo obtido entre os progenitores e respeitante a obrigação de alimentos devidos a menor, e além de outros fundamentos, constitui também causa de oposição qualquer facto extintivo da obrigação exequenda - como por exemplo, o pagamento - desde que seja posterior à referida decisão e se prove por documento ( cfr. artº 729º,alínea g), 1ª parte, do CPC );
4.2.– Em face do disposto no nº 2 do art. 364º do CC, pode o documento referido em 4.1. ser substituído por confissão, por nos encontrarmos, em princípio, perante uma formalidade ad probationem;
4.3.– Não indicando o executado/embargante, em tempo e no lugar próprio, a prova referida em 4.1.e 4.2., pode/deve a excepção peremptória invocada do pagamento ser devida logo em sede de sanador-sentença, consubstanciando em rigor o prosseguimento dos autos com a realização da audiência de discussão e julgamento a prática de acto inútil no processo, proibido portanto ( cfr. artº 130º, do CPC)
Se os factos em apreço (de que o Embargante, a existirem, não podia deixar de ter conhecimento) não fossem objetivamente supervenientes (ao encerramento da discussão na ação de rrp) seriam irrelevantes. E, na hipótese de, após a prolação da sentença, o Embargante, mediante acordo com a Embargada, ter efetuado o pagamento dos alimentos da forma alternativa que alegou - por via da doação aos filhos do aludido imóvel, da entrega das rendas deste (pelo menos enquanto ambos eram comproprietários) e também da entrega de géneros e quantias em dinheiro pela mãe daquele - seria necessário que um tal acordo e a sua efetivação ficasse documentada por escrito ou que tivesse existido confissão.
Ora, o Apelante, conforme melhor veremos adiante, não juntou, nem invoca agora na impugnação da decisão da matéria de facto, um documento com essa força probatória, tão pouco se procurando prevalecer da confissão da Embargante.
Assim, quase somos levados a decidir desde já pela improcedência das conclusões da alegação recursória. Apenas não o faremos na medida em que se reconhece, na linha do que foi entendido pelo Tribunal a quo, que o exercício dos direitos, incluindo dos direitos processuais, em particular do direito de ação, está sujeito ao controlo da boa fé, mormente por via do instituto do abuso de direito, nos termos dos artigos 334.º e 762.º do CC, e dos artigos 8.º, 542.º e 543.º do CPC (na doutrina, por todos, Menezes Cordeiro, “Litigância de má fé, abuso do direito de acção e culpa in agendo”, 3.ª edição, Almedina). Por assim entendermos, é que nos parece que, em certas situações, concedendo-se que poderá ser o caso da que se nos apresenta, se justifica, até por imperativo constitucional (mormente o respeito pelo princípio da proibição da indefesa consagrado no art. 20.º, n.º 1, da Constituição da República Portuguesa), uma interpretação restritiva da referida alínea g) do art. 729.º, permitindo a prova dos factos invocados mediante depoimentos testemunhais e declarações das partes. Nesta linha, parece-nos inserir-se a posição de Lebre de Freitas e Armindo Ribeiro, referida por Marco Carvalho Gonçalves (obra citada, pág. 237, nota de rodapé 814), aludindo à usucapião, à verificação de condição resolutiva, bem como a outros fundamentos “semelhantes em que não é normal ou possível a prova documental”.
Assim, prosseguiremos na nossa análise.
O Apelante começa por questionar a decisão recorrida no tocante ao ponto 1. (A doação referida em 9. dos factos provados foi efetuada por conta do pagamento de alimentos do Embargante aos seus filhos), invocando o “depoimento de parte” do Recorrente, prestado no dia 25-10-2019, das 14h41m07 a 15h17m56, designadamente o que afirmou quando inquirido pela Sr.ª Juíza e posteriormente em sede de contraditório, entre os 10m19 e os 16m00 da gravação do depoimento.
A Apelada, por seu turno, defende, em síntese, que a prova foi bem apreciada pelo Tribunal recorrido, até porque, além de inexistir prova testemunhal que corrobore o que é dito pelo Embargante, as testemunhas NS… e MG…, explicaram o propósito da doação, isto é, que a mesma se destinava a proteger o património das dívidas do Embargante.
Vejamos.
Ouvidas na íntegra as declarações de parte do Embargante (bem como, aliás, desde já o sublinhamos, as declarações da Embargada e os depoimentos das testemunhas que indicaram), não ficámos minimamente convencidos de que a doação do apartamento efetuada em 16 de agosto de 2016 tivesse o propósito indicado pelo Apelante (de pagamento da dívida de alimentos aos filhos), não se vendo razão para divergir do que a este propósito foi referido na sentença recorrida.
Na verdade, não existe nenhum princípio de prova escrita que permita contrariar o que resulta da escritura pública de doação do imóvel, negócio que é, por definição legal, gratuito – cf. art. 940.º do CC (sobre a problemática atinente à força probatória da escritura pública, veja-se, a título exemplificativo, o acórdão do STJ de 09-07-2014, no processo n.º 28252/10.0T2SNT.L1.S1, disponível em www.dgsi.pt). Ademais, também a Embargada doou a sua parte no imóvel e esta nada devia aos filhos; acresce que, como era à Embargada que devia ter sido diretamente paga a prestação alimentícia de cada um dos filhos menores, parece-nos evidente que, a pretender o Embargante fazer uma espécie de dação em pagamento para “saldar” a dívida de alimentos (atuais e futuros), a única coisa que podia fazer algum sentido teria sido “doar” o seu direito à Embargada.
As declarações do Embargante nem sequer dão conta de nenhum acordo entre este e a ex-mulher no sentido que pretende ver provado, limitando-se a referir que fazia a doação para que as rendas do apartamento servissem para pagar adiantadamente as pensões de alimentos, designadamente quando referiu: Esta casa foi dada aos meus filhos, porque eu entendi, para salvaguarda deles, que era preferível eles ficarem com a casa, iam ter um rendimento mensal daquela casa. E que eu até falei com a dona Cármen e disse: “Olha, é pá, vamos por a casa em nome dos miúdos”... porque ela pediu para por só em nome dela. “Não, damos em nome dos meus filhos. Eu não me importo de dar a minha parte, mas este dinheiro que vais receber das rendas é como se fosse um adiantamento do acordo do poder paternal dos 450 euros.”
Aliás, dizendo isto, o Embargante olvidou que, na verdade, conforme resulta, além do mais, dos depoimentos de várias testemunhas, em que avulta o do seu próprio filho (NS…), a quantia relativa às rendas sempre foi usada para amortização das dívidas hipotecárias referentes aos dois imóveis adquiridos pelas partes (dívidas que eram da responsabilidade de ambos) – cf. facto provado no ponto 12., que o Apelante não questionou; e, conforme referido pela testemunha NS…, quando foi totalmente amortizada a dívida relativa ao imóvel que veio a ser doado (na escritura de doação fez-se constar que estava assegurado o cancelamento da hipoteca a favor da Caixa Geral de Depósitos – cf. doc. 1 junto com a Petição de embargos), o valor das rendas (rondando os 400 € mensais) pouco ultrapassava o valor da prestação devida ao Banco para amortização do empréstimo hipotecário relativo à casa de morada de família (que a testemunha disse ser na ordem dos 300 € mensais).
O depoimento da testemunha NS… foi esclarecedor, sendo de salientar que o mesmo, já maior de idade, esteve presente aquando da celebração da escritura pública, declarando então que na parte que lhe competia aceitava a doação nos termos exarados; e referiu que ninguém lhe disse que a doação seria para pagar os alimentos. Aliás, se assim fosse e tendo em conta o valor atribuído à doação (coincidente com o valor patrimonial da fração autónoma – 67.940 €), ficaria por explicar por que motivo o Embargante passou a pagar (diretamente) a este filho a pensão, no valor médio de 150 € mensais, desde que ele foi para a Faculdade, facto de que tanto o Embargante como a testemunha NS… deram conta. Este último apontou outra explicação para a doação: o pai tinha dívidas; os pais não queriam perder tal casa, tanto mais que o empréstimo contraído para a sua aquisição já estava pago e esse imóvel (que não era a casa de morada de família) estava arrendado, proporcionando rendimentos; os quartos do apartamento eram arrendados, sendo a sua avó quem tomava conta disso, pagando com o dinheiro assim obtido a “renda” da casa de morada de família, referindo-se, como se percebeu, à prestação do empréstimo relativo à aquisição deste imóvel.
As declarações da Embargada a este respeito também nos merecem maior credibilidade do que as do Embargante, explicando aquela que a casa estava paga e o seu ex-marido tinha dívidas, designadamente às Finanças, visando com a doação salvaguardar o património (do ex-casal), tanto mais que as rendas dessa casa serviam para pagar as prestações devidas ao Banco.
Aliás, foi possível confirmar a existência de uma tal dívida pela consulta (via Citius) da certidão da Conservatória do Registo Predial da Amora junta no processo executivo (em 07-06-2017, Ref.ª Citius 15316151), na qual consta que sobre a fração autónoma referida no ponto 11. dos factos provados incide hipoteca voluntária para garantia de mútuo bancário e também penhora, esta última realizada em 04-11-2016, no processo de execução fiscal aí indicado, em que é devedor o ora Executado, sendo a quantia exequenda de 17.013,66 €.
Assim, mantem-se inalterado este ponto 1.
Defende ainda o Apelante que deverá ser considerado provado o ponto 2. (O recebimento das rendas do imóvel identificado em 9. foi efetuado por conta do pagamento de alimentos do Embargante aos seus filhos). Para tanto, indica os depoimentos das testemunhas AR…, NR… e AM…, bem como o “depoimento de parte” da Embargada.
Contrapõe a Apelada que as rendas nunca serviram para pagar as pensões de alimentos, mas sim para pagamento da prestação bancária da casa de morada de família do casal e da outra casa (depois doada aos filhos), quer durante o casamento quer após a separação, sendo a mãe do Embargante quem assegurava essa gestão, conforme resulta dos “depoimentos das partes” e dos depoimentos das testemunhas NS…, MG… e AC….
Apreciando.
Conforme até já decorre do acima referido, nenhuma razão assiste ao Apelante, não merecendo a decisão recorrida nenhuma censura na apreciação que fez da prova produzida a este respeito.
Na verdade, é nossa convicção, tendo em conta as declarações das partes, bem como os depoimentos destas testemunhas, que as quantias relativas às rendas do imóvel que veio a ser doado aos filhos do ex-casal serviam para assegurar o pagamento das prestações dos empréstimos bancários, sendo o valor sobrante, quando existia, usado para pagamento de outras despesas, mas não os alimentos.
Ademais, como é evidente, a partir do momento em que o imóvel foi doado, o Embargante já nem sequer podia dispor das rendas para as usar da forma que alega.
É verdade que, a dada altura, tendo sido paga a dívida hipotecária relativa ao imóvel referido em 9., passou a existir, como resulta do depoimento da testemunha NS…, um valor residual (entre as rendas mensais recebidas e a prestação devida ao Banco); contudo, não sabemos sequer quando é que isso aconteceu (apenas que sucedeu antes da doação), sendo certo que, de modo algum, se retira das declarações da Embargante e dos depoimentos das testemunhas que um tal valor pudesse ter servido temporariamente para pagar parte da pensão de alimentos de um dos filhos.
Nem tal fazia sentido, considerando que estamos a falar de quartos arrendados, cujas rendas sofriam oscilações, em função da ocupação da casa. Aliás, o próprio Embargante disse que “houve alturas que (a sua mãe) recebeu 600 euros, houve alturas que não recebia nada, porque estava alugada em quartos e não estava lá ninguém”. Por outro lado, é sabido que existiam outras dívidas relativas aos dois imóveis (ex. condomínio, impostos, seguros, consumos de água, eletricidade), tudo indicando, a nosso ver, até face ao depoimento da testemunha AR… (irmão do Apelante), que a mãe do Embargante usava o dinheiro das rendas para fazer também a gestão dos imóveis a esse nível. E que, depois do falecimento da mãe da Embargante, passou a ser a Embargada a assegurar o pagamento dessas despesas, sendo certo que o Embargante também não alegou, nem comprovou que o fizesse.
Portanto, também neste particular, não ficámos minimamente convencidos a respeito da verificação do facto vertido no ponto 2. em apreço, que assim queda inalterado.
Mais pretende o Apelante que se considere provado o que consta do ponto 3. (O Embargante combinou com a sua mãe que esta pagaria, por si, as pensões de alimentos aos seus filhos) e ainda, em estreita relação com este facto, que se considere não provado o que consta do ponto 24. (A sua mãe procedia da forma descrita nos pontos 22. e 23. [isto é, entregando à Embargada produtos alimentares; e quantias variáveis em dinheiro, sem uma regularidade certa, para fazer face a despesas dos netos, como, por exemplo, despesas de saúde ou “explicações”, mas também para outras despesas do agregado familiar, como, por exemplo, arranjos de viaturas automóveis] por vontade própria, com o propósito de auxiliar os seus netos, mas também porque sabia que o filho não pagava alimentos aos seus filhos).
Para tanto, invoca o Apelante o seu “depoimento de parte”, bem como os depoimentos das testemunhas VL…, AM…, BL…, RS…, AJ…, AS…, BO…, HF…, SC…, AR….
A Apelada opõe-se, afirmando, em síntese, que, além de não resultar da prova testemunhal a periodicidade e as quantias exatas com que a MH… a ajudava e aos netos, nem sequer o valor dos bens alimentares que por vezes lhes entregava, se retira dos depoimentos prestados (com destaque para os das testemunhas NS… e MG…) e do “depoimento de parte” da Embargada que aquela ajuda era prestada pela mãe do Embargante, quando queria e quando podia, fruto da sua inteira vontade, não existindo nenhum acordo entre ela e o filho, para além de que o ATL sempre foi usado gratuitamente, sem que tenha existido qualquer obrigação de pagamento de rendas.
Apreciando.
Também a este respeito não divergimos da apreciação da prova que foi feita pelo Tribunal recorrido, de forma que, importa salientar, nos parece ter sido atenta e com o adequado sentido crítico, à luz de regras de experiência e juízos de normalidade, sendo corretas as considerações (acima citadas) tecidas a respeito das declarações de parte e dos depoimentos das aludidas testemunhas, para as quais remetemos, por economia.
Com efeito, de um modo geral, as declarações e os depoimentos invocados pelo próprio Apelante, apenas servem para provar os factos vertidos nos pontos 22. e 23. que, lembramos, não estão aqui em discussão, ou seja, que a mãe do Embargante entregava à Embargada produtos alimentares; e quantias variáveis em dinheiro, sem uma regularidade certa, para fazer face a despesas dos netos, como, por exemplo, despesas de saúde ou “explicações”, mas também para outras despesas do agregado familiar, como, por exemplo, arranjos de viaturas automóveis.
Porém, de modo algum, tais declarações e depoimentos têm o alcance probatório de demonstrarem o mais que o Apelante pretende.
Em particular, as declarações deste não nos convencem minimamente acerca da existência de um tal acordo com a sua mãe, muito menos com a concordância da Embargante. Assim, veja-se parte da respetiva transcrição:
“Juíza: Depois de estar regulado o exercício das responsabilidades parentais, nunca pagou?
Embargante: Depois não. Eu não. Alguém pagou por mim, mas eu não.
Juíza: Então quem é que pagou por si e como?
Embargante: A minha mãe.
Juíza: Então, explique lá.”
(…) “Juíza: O senhor disse-nos: “Não paguei eu mas houve quem pagasse”?
Embargante: Exato. Quando eu resolvi sair de casa, falei com a minha mãe. “Mãe, eu vou sair de casa. Isto já não anda bem.” (…) E a minha mãe disse: “É pá, tudo bem, eu ajudo-te no que for preciso.” E eu disse: “Olha, eu saio de casa, depois vais-me ajudando. Vais receber na mesma o dinheiro das rendas da casa. Eu vou pagando... não sei quê...” entretanto, nós chateamo-nos e eu pedi a ela. Não tinha rendimentos, porque deixei os seguros... tinha um escritório de seguros. E tinha montado um cafezinho e não tinha rendimentos para subsistir, para continuar a pagar o que os meus filhos precisavam. Ainda não havia regulações. Ainda não havia nada a pagar. Não havia nada de tribunais. E a minha mãe disse-me: “Olha, naquilo que tu quiseres eu ajudo-te. Aos teus miúdos não vai faltar nada.” E a partir daí, a minha mãe sempre ajudou. Sempre pagou médicos. Sempre pagou explicadoras. Sempre pagou terapias da fala. Os miúdos precisavam de tudo e mais alguma coisa. Nessa altura apareceu tudo aos miúdos. Era só despesas. Todos os meses era a somar. E a minha mãe a pagar aquilo tudo. (…)
(…) Juíza: Depois de ter sido regulado o exercício das responsabilidades parentais...
Embargante: A minha mãe continuou a pagar por mim, porque eu não tinha possibilidade de pagar. Entretanto fui para o Algarve, com uma casa emprestada. Andei em duas casa emprestadas até conseguir alugar uma casa. E como viram ou como vão ver, ou como procurem... nas minhas contas às finanças eu só tenho dívidas. Eu tenho património que não consigo resolver com o meu irmão. Não conseguimos dividir a herança, porque a herança tem uma penhora de uma coisa que ela já recebeu. Que foi através da minha mãe, não é. Houve uma conversa com o meu irmão inclusivamente que a minha mãe queria imputar aquele dinheiro na herança.”
(…) Embargante: Porque a minha mãe dava muito mais que os 450 euros.
Juíza: Muito bem, como é que o senhor sabe... pegando no seu raciocínio... como é que o senhor sabe duas coisas. Primeiro, o senhor já disse o que outras pessoas também já disseram, que estava chateado com a sua mãe, essas coisas.
Embargante: Mas depois voltamos a conseguir conversar. Por isso é que eu digo que o tempo tem de ser visto dessa forma.
Juiz: Certo. Então o que eu lhe pergunto é: tendo em conta essas circunstâncias, como é que o senhor sabe que as ajudas que a sua mãe dava aos seus filhos eram por si ou por ela?
Embargante: Porque eu tive uma conversa com ela.
Juiz: Pois, sim. Mas o senhor disse que não se falavam.
Embargante: Antes. Está a ver, por isso é que o tempo é importante. Eu antes de ir embora e antes de isto, estarmos zangados, eu tive uma conversa com ela a dizer que não tinha possibilidades de lhe dar o dinheiro que eles estavam habituados a ter. Porque os meus filhos sempre tiveram tudo. Eles sempre tiveram tudo. Sempre. E era praticamente eu que bancava com as coisas. Isso agora não está em causa. Sempre tiveram tudo. A minha mãe ajudava, sempre ajudou e continuou a ajudar. E eu falei com ela para continuar a ajudar. A minha mãe tinha a casa... houve alturas que recebeu 600 euros, houve alturas que não recebia nada, porque estava alugada em quartos e não estava lá ninguém, e a minha mãe sempre pagou.
Juíza: Quer dizer, o senhor ficou descansado porque, não pagando o senhor, o senhor partiu do princípio que a sua mãe o estava a substituir a si, é isso?
Embargante: Eu tinha a certeza que a minha mãe me substituía. Inclusivamente falava com o meu pai, todos os dias. (…) “Olha, tiveram cá e a tua mãe deu-lhe dinheiro disto, deu dinheiro daquilo, e deu-lhe umas pescadas e deu-lhe mais fruta, pão e etc.” Ia dar avios lá a casa. Sempre ajudaram. Inclusivamente, a doação que nós fizemos da casa... já estava paga... e foi paga... essa doação foi a minha mãe que pagou a escritura.”
Como se pode verificar, a única conversa de que o Embargante dá conta de ter tido com a mãe, não só é descrita em termos que nos merecem pouca credibilidade (em particular, estranha-se o uso da expressão “é pá…”, numa conversa com a Sr.ª sua mãe), como é anterior à própria regulação das responsabilidades parentais (portanto, não havia ainda pensão de alimentos fixada cujo pagamento a mãe estivesse a assumir). E, nas suas palavras, a sua mãe limita-se, nessa conversa, a dizer que irá ajudar. Ora, é um facto que ela ajudou, mas os netos. Não há nenhuma prova de que essa ajuda tenha sido prestada a ele próprio, filho. Mesmo que o Embargante se tenha convencido de que uma tal conversa com a sua mãe (a ter existido) bastava para que o pagamento da pensão de alimentos ficasse assegurado, nem assim podemos considerar que um tal acordo existiu, não sendo essa a vontade da sua mãe.
Pelo contrário, há razões para pensar que a mesma não quis ajudar o filho, com quem estava zangada, como o próprio disse. Das declarações deste, bem como dos depoimentos das testemunhas, ressalta que a mãe do Embargante nunca o quis ajudar a ele, seu filho, com quem estava de relações cortadas (nas suas palavras, “a minha mãe estava de costas viradas para mim”, achava que a sua ex-mulher pôs a mãe contra ele). Aliás, lembramos que referiu que quando foi condenado a pagar os 450 € não foi dizer à mãe, pois “já estava chateado com ela”.
Tudo indica, a nosso ver, que se a mãe do Embargante o quisesse ter substituído no cumprimento da sua obrigação de alimentos, facilmente o poderia ter feito, transferindo para conta que este indicasse (mesmo que ele próprio não tivesse conta bancária em seu nome, como disse, poderia indicar, por exemplo, a conta de pessoa da sua confiança) o valor necessário para o efeito; ou depositando/transferindo diretamente para a conta bancária da Embargada tal importância, com essa menção no depósito/transferência. Note-se que a mãe do Embargante era, ao que tudo indica, uma pessoa envolvida na administração do seu restaurante e de outros imóveis, pelo que tinha experiência e conhecimentos suficientes para proceder dessa forma, se fosse essa a sua vontade. O que nunca fez, porque, estamos convictos disso, não era esse o propósito que a movia. Antes era o de ajudar os próprios netos, como, aliás, é perfeitamente normal entre pessoas com capacidade económica e que nutrem amor pelos netos.
Foi o que resultou com evidência dos depoimentos de todas as testemunhas, outra coisa não se podendo retirar das suas afirmações. O depoimento da testemunha AR… foi especialmente esclarecedor, dando conta das razões pelas quais a sua mãe estava zangada com o irmão, designadamente o facto de este ter deixado a mulher para ir viver com outra pessoa de quem a mãe não gostava e o facto de o Embargante não contribuir para o sustento dos filhos apesar de aparentar ter “uma grande vida”; referiu que, em 2010, poucos meses depois da separação, houve mesmo uma discussão muito séria entre ambos no restaurante (em que, entre berros e gritos, o irmão “agarrou a mãe pelos colarinhos”) e que a partir daí nunca mais se deram, salvo por pouco tempo, já bastante mais tarde, numa altura em que a mãe estava doente e hospitalizada. A testemunha chegou a referir que “quanto menos ele (o embargante) dava, mais ela dava” aos netos, e que a mãe “tudo o que fazia era para prejudicar o meu irmão”. Também disse, de forma espontânea, que chegou a conversar com a mãe porque ele próprio (testemunha) considerava excessiva a ajuda que ela dava à ex-nora, mas a reação da mãe levou-o a não voltar a abordar o assunto, resultando das suas palavras ter percebido que estava a ir contra a vontade dela.
Num tal contexto, com mãe e filho desavindos (salvo durante um pequeno interregno durante um breve período de doença e hospitalização daquela, como também foi referido pelo Embargante), parece-nos inverosímil que aquela pretendesse ajudar o filho da forma descrita, em ordem a exonerá-lo de uma tal dívida. Aliás, se assim fosse, nem se percebe por que motivo também não o ajudou a pagar as outras dívidas que o Embargante tinha (designadamente as que determinaram a instauração do processo de execução fiscal acima referido). Ou por que motivo não o ajudou quando este se separou da mulher e foi viver para o Algarve, sem que aí tivesse onde morar (ficou a residir numa casa que lhe foi emprestada pelo primo A…, como esta testemunha deu conta), sobretudo, a ser verdade, que nos primeiros tempos, não tinha atividade profissional remunerada (como disse o Embargante).
O depoimento da testemunha R…, sobrinha do Embargante, foi também elucidativo, na medida em que ficou claro do mesmo que a sua avó sempre a ajudou, como fazia com os primos, mormente quando, de forma espontânea, deu conta do tipo de conversas que tinha com a avó, referindo que ela lhe dizia “toma 100 € para ti compra uns ténis que também já dei à tua tia”; ou “não te falta a ti, também não vai faltar aos teus primos”. Mais referiu esta testemunha que de certa forma “a C… era mais filha da minha avó do que o meu próprio pai ou o meu tio”, o que indica claramente um especial afeto por parte da mãe do Embargante para com a ex-nora e os netos.
Não nos mereceu credibilidade o depoimento da testemunha VB…, quando aludiu a uma conversa que ouviu do filho da D. H… (Embargante) a pedir à mãe para o ajudar; a forma como depôs a este respeito não foi convincente, parecendo-nos que seria muito estranho que uma tal conversa, do foro privado, fosse mantida à frente dela, ajudante de cozinha no restaurante dos pais do Embargante (aliás, mais adiante no seu depoimento até acabou a usar a expressão Se ele acordou com a mãe …”). De qualquer modo, uma tal conversa, a ter sido presenciada, teria certamente sido barulhenta, redundando por certo numa discussão mais acalorada, não havendo razão para pensar que a mãe do Embargante acedeu ao pedido do mesmo, sendo mais provável que não o fizesse (também pelo que acima referimos).
Do mesmo modo, não nos mereceu credibilidade o depoimento da testemunha BP…, que foi funcionária no restaurante, mas já lá não trabalhava, tendo-se reformado, quando a generalidade dos factos que relatou aconteceram; tudo indica que não tinha conhecimento direto dos factos, usando mesmo uma linguagem que sugere estar a relatar o que lhe terá sido contado bastante mais tarde, mas não o que presenciou; inclusivamente, referiu que, enquanto o casal “viveu junto”, a D. H… não os ajudava, não lhes dava nada, numa versão dos factos contrária à que foi relatada pelas demais testemunhas que a este respeito foram ouvidas, mormente as duas outras testemunhas que eram funcionárias do restaurante (AL… e VB…) na mesma altura.
Assim, mantém-se inalterada, neste particular, a decisão da matéria de facto.
2.ª questão - Enquadramento jurídico
Na sentença recorrida, teceram-se as seguintes considerações de direito:
Entende o Embargante que nenhum pagamento lhe pode ser exigido, pelo facto de a Embargada ter recebido valores superiores à quantia exequenda, de € 16.800.
Ora, tendo em conta o que atrás se expôs, facilmente se conclui que a sua tese não merece acolhimento.
Com efeito, por sentença proferida nos autos de regulação das responsabilidades parentais, foram fixados alimentos a favor dos filhos do Embargante e da Embargada (então, todos menores de idade) e a pagar pelo primeiro, por transferência bancária. Para além disso, decidiu-se que determinadas despesas, relacionadas com a saúde, a educação e a formação dos filhos, seriam suportadas em partes iguais por ambos os pais. Ora, o Embargante, alegando agora que, à data, não tinha condições económicas para prestar alimentos aos filhos, conformou-se com o decidido, tendo admitido nos presentes autos que nunca cumpriu a obrigação que lhe foi imposta, pelo meio indicado na respetiva decisão, ou seja, por transferência bancária.
Ainda assim e seguindo os ditames da boa fé, poder-se-ia concluir que os alimentos teriam sido pagos por outro meio, resultante do acordo entre as partes, caso a prova apontasse no sentido da verificação de tal acordo – o que, no caso, não acontece.
Para além disso e conforme se referiu, não colhe a tese do Embargante de que, quer a doação do imóvel aos filhos do casal, quer a entrega das rendas do mesmo imóvel à Embargada visassem o pagamento das pensões de alimentos. Restaria, pois, entender que a mãe do Embargante teria assumido e feito sua a obrigação do filho de prestar alimentos aos seus filhos para se concluir pela liquidação integral dos mesmos, o que, como se viu, não resulta da prova produzida. Aliás, referindo várias testemunhas (incluindo NS…) que a avó pagava consultas e outras despesas dos netos – que constituíam também obrigação do Embargante, para além do pagamento da pensão de alimentos em valor fixo – não seria possível concretizar qual o valor dos bens alimentares que foram entregues, assim como não se sabe quais os valores em dinheiro entregues para apoio de outras despesas e imputá-los ao valor de € 450 mensais das pensões de alimentos. Tal significa, pois, que o facto de os pais do Embargante e, após a morte do pai, a sua mãe ter prestado apoio económico à Embargada, para os seus filhos – em valores variáveis e sem regularidade fixa – não desonera o Embargante das suas obrigações.
Resta, assim, concluir que o pedido do Embargante deve improceder. (…)
O objeto do recurso circunscreve-se essencialmente à impugnação da decisão da matéria de facto, pretendendo o Apelante que fosse alterada nos termos acima apreciados e que, em conformidade, se alterasse a decisão, com a procedência da “oposição à execução e à penhora” e a extinção da instância executiva.
Recaía sobre o Embargante o ónus de provar os factos vertidos nos pontos 1., 2. e 3. impugnados (e fazer contraprova do constante do ponto 24.), na perspetiva de poderem eventualmente vir a ser considerados factos extintivos do direito de crédito cujo pagamento coercivo está a ser exigido na ação executiva de que os presentes embargos constituem apenso e para cuja efetivação foi efetuada a penhora (cf. art. 342.º, n.º 2, do CC). Como se viu, o Apelante não logrou fazer essa prova, improcedendo as conclusões da alegação de recurso.
Não tendo sido suscitadas nas mesmas outras questões jurídicas, nem se vislumbrando que se possam verificar quaisquer questões de conhecimento oficioso que ponham em crise a sentença recorrida, impõe-se negar provimento ao recurso.
Vencido o Apelante, é responsável pelo pagamento das custas processuais (artigos 527.º e 529.º, ambos do CPC).
*
III - DECISÃO
Pelo exposto, decide-se negar provimento ao recurso e, em consequência, confirmar a sentença recorrida e condenar o Apelante no pagamento das custas do recurso.
D.N.

Lisboa, 22-10-2020
Laurinda Gemas
Gabriela Cunha Rodrigues
Arlindo Crua