Acórdão do Tribunal da Relação de Lisboa | |||
Processo: |
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Relator: | MANUEL JOSÉ RAMOS DA FONSECA | ||
Descritores: | CONVITE AO APERFEIÇOAMENTO ALTERAÇÃO DOS FACTOS INSUFICIÊNCIA DA MATÉRIA DE FACTO DECLARAÇÕES CO-ARGUIDO PROCESSO EQUITATIVO TRÁFICO DE ESTUPEFACIENTES AGRAVADO AVULTADA COMPENSAÇÃO REMUNERATÓRIA BANDO | ||
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Nº do Documento: | RL | ||
Data do Acordão: | 04/22/2025 | ||
Votação: | UNANIMIDADE | ||
Texto Integral: | S | ||
Texto Parcial: | N | ||
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Meio Processual: | RECURSO PENAL | ||
Decisão: | NÃO PROVIDO | ||
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Sumário: | I – Quando no corpo da fundamentação de motivação, assim como em sede de conclusões inerentes, o recorrente não cuida de enunciar as especificações legais, nenhum convite a aperfeiçoamento se justifica, sim há lugar a rejeição por manifesta improcedência – art.s 412.º/2a)b); 420.º/1a)CPP. II – “Alteração” remete para a ideia de modificação, mudança ou variação, pelo que a alteração dos factos, seja ela substancial ou não substancial, pressupõe, desde logo, uma mudança factual. Não tendo acontecido qualquer alteração de factos, uma outra maneira de encarar juridicamente os factos já constantes da acusação não conduz necessariamente a uma alteração de qualificação jurídica – art. 358.º/1/3CPP III – O vício de insuficiência para a decisão da matéria de facto provada – art. 410.º/2a)CPP – não se confunde com o eventual erro de qualificação jurídica dos factos. Isto é, quando o Tribunal entende que aqueles factos são integradores de qualificativa diferente. Só estamos perante o vício da insuficiência para a decisão da matéria de facto provada, quando o Tribunal, podendo, não esgotou os seus poderes de indagação em matéria de facto. IV – O art. 345.º/4CPP tão só proíbe a valoração como meio de prova das declarações de um co-arguido em prejuízo de outro co-arguido quando aquele se recura ao contraditório, mas não impede que parcela dessas declarações assumam a qualidade de confissão integral em sem reservas por parte do declarante, nem impedem que por outros meios de prova o Tribunal firma convicção com relação àqueles demais co-arguidos. V – O direito ao contraditório, à defesa e ao processo equitativo ficam assegurados quando, na impossibilidade ou inexigibilidade humana da datação efetiva da conduta ofensiva, se fixarem balizas que permitam a verificação por via de individualização. É dizer a imprecisão pode existir, mas não pode chegar ao ponto de tornar impossível qualquer defesa. VI – Para que opere a qualificativa da alínea c) do art. 24.º DL15/93-22janeiro – tráfico de estupefacientes agravado pela obtenção ou procura de obtenção de avultada compensação remuneratória – não é absolutamente necessário conhecer o valor mais ou menos exato do montante pecuniário de tal compensação, mas sim compreender a realidade inerente à circunstância. VII - Para que opere a qualificativa da alínea j) do art. 24.º DL15/93-22janeiro – tráfico de estupefacientes agravado pela atuação do agente como membro de bando destinado à prática reiterada dos crimes previstos nos art.s 21.º e 22.º – para além da prova duma convergência comparticipativa com vista à realização do resultado, exige-se que a atuação se enquadre não só numa repetição de factos criminosos mas sim numa prática reiterada de crimes em que os diversos colaboradores, inseridos numa orgânica ainda incipiente, reconhecem, todavia, a existência de uma liderança de facto a que se subordinam. | ||
Decisão Texto Parcial: | ![]() | ||
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Decisão Texto Integral: | Acordam os Juízes, em conferência, na 5.ª Secção Penal do Tribunal da Relação de Lisboa: I- RELATÓRIO 1. Decisão recorrida No âmbito destes autos, mediante Acórdão datado e depositado a 28maio2024 (ref.s 57295082 e 57301649), julgada procedente a acusação, foram os Arguidos AA condenado na pena de 8 (oito) anos e 6 (seis) meses de prisão pela prática, como autor material e na forma consumada, de um crime de tráfico de estupefacientes agravado, p.p. pelos art.s 21.º e 24.º, als. c) e j) DL15/93-22janeiro, por referência às tabelas anexas I-C, II-A e I-C; BB condenada na pena de 6 (seis) anos e 2 (dois) meses de prisão pela prática, como autora material e na forma consumada, de um crime de tráfico de estupefacientes agravado, p.p. pelos art.s 21.º e 24.º, als. c) e j) DL15/93-22janeiro, por referência à tabela anexa I-C; CC condenada na pena de 6 (seis) anos e 2 (dois) meses de prisão pela prática, como autora material e na forma consumada, de um crime de tráfico de estupefacientes agravado, p.p. pelos art.s 21.º e 24.º, als. c) e j) DL15/93-22janeiro, por referência à tabela anexa I-C; DD condenada na pena de 5 (cinco) anos de prisão, suspensa na execução por 5 (cinco) anos, acompanhada de regime de prova (art.s 50º;53.ºCP) pela prática, como autora material e na forma consumada, de um crime de tráfico de estupefacientes, p.p. pelo art. 21.º DL15/93-22janeiro, por referência à tabela anexa I-C; EE condenada na pena de 4 (quatro) anos de prisão, suspensa na execução por 5 (cinco) anos, acompanhada de regime de prova (art.s 50º;53.ºCP) pela prática, como autora material e na forma consumada, de um crime de tráfico de estupefacientes, p.p. pelo art. 21.º DL15/93-22janeiro, por referência à tabela anexa I-C. 2. Recursos Inconformados com o referido Acórdão, do mesmo e junto do Tribunal a quo interpuseram individuais recursos os Arguidos CC (entrado a 24junho2024 - ref.s 5787637 e 5787638) AA (entrado a 27junho2024 - ref. 5793743) BB (entrado a 28junho2024 - ref. 5795384) motivando-os e delimitando-os no objeto com as conclusões que se transcrevem: (SIC, com exceção da formatação do texto, da responsabilidade do Relator, o que vale para todas as demais situações de idêntica natureza) (Nos termos do art. 412.º/1CPP as conclusões devem ser um resumo das razões do pedido. Por isso, devem ser concisas, precisas e claras a fim de que se tornem fácil e rapidamente apreensíveis pelo Tribunal ad quem. As conclusões da recorrente não cumprem, sequer minimamente, estes ditames, uma vez que são, em lata medida, simples cópia da motivação, essa já de sim não dotada de síntese exigível. Contudo, porque é possível determinar as questões a decidir e o sentido da sua pretensão – independentemente da necessidade, quando for caso, de rejeição por manifesta improcedência, optou-se por não formular convite a aperfeiçoamento, ao que não é indiferente o facto de os autos revestirem natureza urgente.) i) Conclusões no Recurso da Arguida CC “I - A recorrente foi condenada a uma pena de 6 (seis) anos e 2 (dois) meses de prisão pelo crime de tráfico de estupefacientes agravado, p. e p. pelo art. 21º e 24º al. c) e j) do Decreto-lei 15/93 de 22/01. II - Não se conformando a arguida com o douto Acórdão, uma vez que considera que a aplicação da lei não foi devidamente efetuada, dele vem interpor recurso. III - Contra a arguida CC não existia qualquer indício da prática de qualquer crime quando se iniciou a investigação e assim, nem era suspeita. IV - A mesma só foi identificada pela arguida DD após o 1º interrogatório judicial de arguido detido, a qual estava representada por advogado e na qual nada disse quanto á arguida CC, e que após este interrogatório foi sujeita a “novo interrogatório” de forma informal quando era transportada para o Estabelecimento Prisional, sem estar acompanhada por advogado, perante agentes da Polícia Judiciária. V - Por outro lado, a arguida DD mentiu em tribunal pois, deu duas versões contraditórias que em nada coincidem. VI - Ora, as declarações prestadas pela arguida DD no transporte para o Estabelecimento Prisional são inválidas, são nulas, no entanto, foi considerada como prova para as diligências seguintes. VII - A prova obtida posteriormente não pode ser validada uma vez que se iniciou com prova proibida. VIII - É de salientar que o Tribunal a quo, acabou por admitir que a diligência efetuada posteriormente ao 1º interrogatório pela arguida DD, a fls. 194/195 dos autos é nula; IX - Ora, se a prova obtida através de diligência que veio a ser considerada nula pelo tribunal a quo e que deu origem ao desenvolvimento do inquérito está ferida de nulidade, toda a prova obtida através de prova proibida terá que forçosamente ser considerada nula. X - O que se provou em sede de audiência de julgamento foi que a arguida CC era namorada do arguido AA e que transportou para o aeroporto de ... uma vez a arguida DD e uma vez a arguida EE, XI - Contrariamente ao alegado pelo Tribunal a quo, não se provou em momento algum que a arguida CC transportou sempre as arguidas DD e EE ao aeroporto, pois em momento algum foi referido esse facto. XII - Nada nos autos nos diz que a arguida CC soubesse qual o conteúdo das malas. XIII - A arguida DD mentiu perante o tribunal quando afirmou que fez o transporte de produto estupefaciente por medo, uma vez que tinha sido agredida a mando do arguido AA, e posteriormente deu uma versão completamente diferente. XIV - Ora, como se pode verificar, a sua versão dos factos não merece qualquer credibilidade, pois quem inventa uma agressão, pode inventar outros factos! XV - Relativamente ao que foi apreendido em casa da arguida CC, existiam 2 balanças, no entanto, uma das balanças estava avariada e por isso não funcionava, facto que não foi revelado por qualquer testemunha. XVI - A outra balança, como foi referido pela arguida, era do namorado e que a arguida CC utilizava para pesar shisha, facto que também não foi valorado! XVII - No que respeita aos telemóveis, conforme declarações da arguida, tinha em sua casa 5 telemóveis, no entanto, 3 estavam avariados e nem sequer funcionavam, e assim, XVIII - Tinha 2 telemóveis que utilizava, no entanto, não se provou que tenha utilizado para cometer crimes, pois as conversas telefónicas referem-se a shisha (escuta telefónica no dia 27-072023), que consumia. XIX - Há que salientar que nenhuma testemunha, nomeadamente, o Inspetor chefe da Polícia Judiciária FF, o Inspetor da Polícia Judiciária GG e o Inspetor da Polícia Judiciária HH, viram algo de ilícito a ser cometido pela arguida CC. XX - Das escutas telefónicas, não se vislumbra que tenham existido factos ilícitos, pois não é referido em momento algum explicitamente que houve qualquer transação de produto estupefaciente, pois a conversação entre a arguida CC e o arguido AA, no dia ........2023, diz-nos que quando falam em dinheiro referiam-se ao depósito que fez de uma dívida relativa ao seu amigo que jogava futebol em ... tinha para consigo. XXI - A arguida CC negou que tivesse alguma coisa a ver com o negócio do arguido AA. XXII - Relativamente ás imagens de vídeo vigilância no aeroporto de ..., não se visualiza a arguida CC a cometer qualquer crime. XXIII - No que respeita á qualificação jurídica do crime de tráfico de estupefacientes, em primeiro lugar, verificamos que a intervenção da arguida CC, a ter cometido algum crime, não teve intervenção de relevo nos presentes autos. XXIV - Em segundo lugar há que ter em consideração a qualidade do produto que é Haxixe, trata-se de droga “leve”. XXV - Em terceiro lugar, a agravação deve-se ao facto de o Tribunal a quo considerar que está em causa uma quantia avultada, no entanto, essa quantia nunca foi recebida nem transportada pela arguida CC, pois não se provou que a mesma tenha obtido lucros e muito menos avultados. XXVI - Assim, tendo em consideração que o tribunal a quo, condenou a arguida CC pelo crime de tráfico de estupefacientes agravado, essa condenação não tem sustentação em factos, pois esses não existem. XXVII – Deve assim a arguida ser absolvida, no entanto, se assim não for o entendimento de V. Exa., deverá ser aplicado o “princípio in dúbio pro réu”; XXVIII - E em momento algum, deve ser condenada no crime de tráfico de estupefacientes agravado. XXIX - Há que considerar o facto de que a arguida trabalha e vive dos seus rendimentos. XXX - Tem dois filhos menores a seu cargo. XXXI - Está familiar, social e profissionalmente inserida. XXXII - A arguida não tem antecedentes criminais. XXXIII - O Acórdão recorrido não faz a melhor, nem a mais correta interpretação do art.º 127º do CPP, pois em caso de dúvida deveria ter aplicado e não aplicou o Princípio “In dúbio pro réu”. XXXIV - Não está preenchido o elemento subjetivo do crime, pois não existe dolo, uma vez que a arguida CC não tinha conhecimento da natureza e características do produto estupefaciente. XXXV - O tribunal a quo admitiu a nulidade, nos termos do artigo 119º, nº 1, al. c) do Código de Processo Penal, relativo ao depoimento da arguida DD, em virtude de as declarações da mesma terem sido efetuadas sem a presença do advogado, no entanto, valorou provas nulas por dependerem dessa prova e afetar as provas subsequentes. XXXVI - E se se entender que a arguida CC deve ser condenada, há que ter em consideração relativamente á pena a aplicar, as exigências de prevenção geral que são elevadas, no entanto, relativamente ás necessidades de prevenção especial, temos que ter em conta que a arguida CC não tem antecedentes criminais, o que desde logo, faz com que as exigências de prevenção especial sejam diminutas. XXXVII - Verifica-se que não atuou com dolo direto; XXXVIII - Em termos de ilicitude, o grau de ilicitude é mediano, dado o seu grau de participação. XXXIX - E assim, a ser condenada, entende-se que deve ser em pena de prisão inferior a 5 anos e, consequentemente, suspensa na sua execução, pois as finalidades da punição se podem realizar com a simples censura e ameaça da pena de prisão. Pelo exposto, e nos mais de direito que V. Ex.as. mui doutamente suprirão, deve o presente recurso ser declarado procedente e em consequência: - Ser o douto Acórdão recorrido revogado; Assim fazendo, V. Exas. estareis a realizar total, inteira, devida e costumada JUSTIÇA!” ii) Conclusões no Recurso do Arguido AA (vale aqui o teor da nota que supra se consignou quanto à caraterização qualificativa das conclusões apresentadas) (SIC, condições supra) “1.ª Ora, desde logo, entende o arguido recorrente que o Acórdão recorrido padece de nulidade por violação do disposto no artigo 379º, n.º1, al. b) e c) do Código de Processo Penal, porquanto o Tribunal ad quo procedeu à alteração da qualificação jurídica dos factos constantes da acusação, aditando à condenação do arguido a agravação da al. j) do artigo 24º do Decreto-Lei n.º 15/93, de 22 de Janeiro, sem dar cumprimento ao disposto no artigo 358º do Código de Processo Penal, mormente procedendo à sua comunicação, e conceder, caso nesse seguimento fosse requerido, prazo para preparação da defesa. 2.ª Na verdade, a dilatação das circunstâncias agravantes no âmbito da qualificação jurídica, contrariamente àquilo que entende o Tribunal ad quo, consubstancia uma verdadeira alteração não substancial de factos, nos termos do n.º 3 do artigo 358º do Código de Processo Penal, através do qual o legislador determinou que a alteração da qualificação jurídica no decurso da audiência de discussão de julgamento, configura uma alteração não substancial dos factos, impondo a necessidade de ser comunicada ao arguido e de lhe ser concedido, assim o pretenda, prazo para apresentação de defesa, o que não se verificou. 3.ª A alteração da qualificação jurídica, sem ter havido qualquer impacto ao nível factual, é bastante a ordenar o cumprimento do disposto no artigo 358º do Código de Processo Penal, o que não sucedeu. 4.ª E este inovador e inesperado enquadramento jurídico, configura uma autêntica alteração da qualificação jurídica, por aditamento de uma segunda agravante, e, portanto, uma alteração não substancial dos factos, obviamente com forte impacto em sede de fixação da medida da pena, pelo que haveria sempre lugar à sua comunicação ao arguido, com abertura para a possibilidade de se lhe conceder prazo para disso se defender, nos termos do disposto no artigo 358º, n.º 3 do Código de Processo Penal. 5.ª Pois, o arguido, não teve qualquer possibilidade de se defender dessa desacertada imputação, que ora lhe é apontada; O arguido não pôde, ao abrigo dos seus direitos, mormente o disposto no artigo 61º, n.º1, al. g) do Código de Processo Penal, carrear prova que abalasse tal consideração; O arguido não teve oportunidade de exercer de forma alguma o seu direito de defesa e demonstrar que o caminho que o Tribunal recorrido se preparava para tomar partia de pressupostos e considerações erradas; Enfim, o arguido nada sabia, nada pode fazer e de nada se pode defender, vendo-se agora perante a imputação de uma caracterização do objectivo e de uma inferência do subjectivo que lhe fora impedida de rebater. 6.ª O arguido delineou e estruturou a sua defesa sempre assente nos factos constantes do Despacho de Acusação e na qualificação jurídica que lhes foi atribuída e mantida ao longo de todo o desenvolvimento do processo, o que não sucedeu perante a nova qualificação jurídica dos factos que ora se sustenta a existência da figura de bando; sobre esta nova, inesperada e alegada realidade o arguido em momento algum se pronunciou e se defendeu. E não o fez porque nunca isso lhe foi comunicado e lhe foi dada essa oportunidade de defesa. 7.ª E esta alteração e adição da subsunção jurídica dos factos imputados ao arguido tem imediato reflexo nas suas garantias de defesa, emergindo em seu prejuízo, pois, assiste-se agora a uma dupla agravação do crime praticado, por preenchimento de duas alíneas do artigo 24º do Decreto-Lei n.º 15/93, de 22 de Janeiro, totalmente dispares entre si e com fundamentos e factos distintos na sua génese, onde a agravação do crime de tráfico imputado não se prende agora somente com a obtenção de avultadas compensações remuneratórias, como o coloca parte de numa estrutura organizada, dentro do conceito de bando e que obviamente, acentua a ilicitude dos factos praticados e a medida da culpa do arguido, com influência, negativa, na fixação da pena concretamente aplicável, exponenciando-a. 8.ª Por tudo isto, o Tribunal ad quo omitiu diligencias essenciais a assegurar as garantias de defesa do arguido, mormente a comunicação da alteração jurídica, não tendo dado cumprimento ao disposto no artigo 358º do Código de Processo Penal. O Tribunal ad quo suportou a condenação do arguido numa agravante da qualificação jurídica que não fora alvo de possibilidade de defesa. 9.ª A ausência de comunicação ao arguido da referida alteração e adição da qualificação jurídica antes da prolação do Acórdão condenatório, com a consequente impossibilidade de exercício do direito de defesa, em violação do disposto no artigo 358º do Código de Processo Penal e artigo 32º da Constituição da República Portuguesa, consubstancia uma nulidade da sentença, nos termos do disposto no artigo 379º, n. º1, al. b) e c) do Código de Processo Penal. 10.ª Aliás, é inconstitucional por violação do artigo 32º, n.º 1 e 5 da Constituição da República Portuguesa, a interpretação do artigo 358º, n.º 3 do Código de Processo Penal, segundo a qual a alteração da qualificação jurídica dos factos descritos na acusação, com o aditamento de uma nova agravante do tipo criminal, não impõe previamente a sua comunicação ao arguido, com a possibilidade, se ele o requerer, de concessão de prazo para defesa. 11.ª Depois, para além do Acórdão recorrido padecer da nulidade prevista no artigo 379º, n. º1, al. b) e c) do Código de Processo Penal, assenta ainda em prova proibida por força do disposto no artigo 345º, n.º 4 do Código de Processo Penal. 12.ª As declarações prestadas pela arguida EE vislumbraram-se conflituantes com aquilo que o arguido recorrente já tinha esclarecido ao Tribunal, prejudicando a sua defesa e quando houve lugar para exercer, pelo mandatário do arguido recorrente, o tão necessário contraditório, fazendo operar um processo justo e equitativo, a arguida EE não o permitiu, tendo feito silêncio a tudo o que lhe fora perguntado. 13.ª No entanto, de forma totalmente inesperada e em violação do artigo 345º, n.º 4 do Código de Processo Penal, o Tribunal recorrido valorou, integralmente, as declarações da arguida EE, tendo assentado como provados factos resultantes daquelas declarações que foram prestadas, mas nunca contraditadas pela defesa do arguido recorrente, mormente, o que dispõe o ponto 11 da matéria de facto provada, no que à entrega da mala directamente ao arguido recorrente concerne. 14.ª Com efeito, o Tribunal ad quo em plena contradição e violação do determinado pelo citado artigo 345º, n.º 4, do Código de Processo Penal, e já sobejamente entendido e assumido pela nossa Doutrina e Jurisprudência, valorou declarações prestadas pela arguida EE, em claro prejuízo do arguido recorrente, e que não foram alvo de contraditório pela defesa, o que configura uma autentica proibição de prova, nos termos do disposto no artigo 125º do Código de Processo Penal, o que, expressamente, se invoca. 15.ª Assim, sucumbindo, por configurar prova proibida, as declarações da arguida EE no que ao arguido recorrente concerne, não sobrevive suporte probatório que sustente os factos constantes do ponto 11 da matéria de facto provada, pelo que, deverá ser tido como não escrito. 16.ª Pelo que, por tudo isto, o Acórdão recorrido assenta em prova proibida, nos termos dos artigos 345º, n.º 4 e 125º do Código de Processo Penal, devendo, por isso, baixarem os presentes autos ao Tribunal de Primeira Instância, para expurgação da matéria de facto que tiver assento naquele proibição, mormente a dada como provada no ponto 11 da fundamentação de facto, o que se requer. 17.ª Aliás, é inconstitucional por violação dos artigos 3º, n.º 2, e 32º, n.ºs 1 e 5, da Constituição da República Portuguesa, a interpretação do artigo 345º, n.º 4 do Código de Processo Penal, segundo a qual, as declarações de co-arguido em prejuízo de outro co-arguido, poderão ser valoradas em detrimento deste, mesmo quando o declarante se recusar a responder as perguntar formuladas pela defesa, no exercício do contraditório. 18.ª E mais, sem prejuízo de tudo o que invocámos e arguimos, parece-nos ainda e igualmente que o Acórdão recorrido – mesmo que não merecesse aquelas criticas que lhe apontámos - no que à demonstração da figura do bando concerne, condenando o arguido ao abrigo da al. j) do artigo 24º do Decreto-Lei n.º 15/93, de 22 de Janeiro, padece do vicio de insuficiência para a decisão da matéria de facto provada, nos termos do disposto no artigo 410º, n.º 2, al. a), do Código de Processo Penal. 19.ª Pois, este novo enquadramento jurídico dos factos operado pelo Tribunal ad quo, no que ao preenchimento da agravante da al. j) do artigo 24º do Decreto-Lei n.º 15/93, de 22 de Janeiro – noção de bando – concerne, não tem qualquer respaldo na matéria de facto dada como provada, ferindo o Acórdão recorrido do vicio de insuficiência para a decisão da matéria de facto dada como provada, nos termos e para os efeitos do disposto no artigo 410º, n. º1, al. a) do Código de Processo Penal. 20.ª É já sobejamente sabido que, a figura do bando, configurando algo mais do que a co-autoria, distingue-se desta por aqui existir uma conduta adoptada com o sentimento de pertença a um grupo concreto, e cuja finalidade seria a de praticar reiteradamente crimes; é este especialíssimo requisito que nos permite considerar que a actuação de determinados agentes já vai mais além do que uma mera co-autoria, agindo já em bando. 21.ª Pois, seja na co-autoria como no bando, coexistem a pluralidade de agentes que agem de forma voluntária, concertada, em colaboração mútua e estrutura de funções, contudo na co-autoria os agentes não o fazem com o sentimento de pertença a um grupo direccionado à prática de crime, o que já se verifica no conceito de bando. 22.ª E a verdade é que da matéria de facto dada como provada, apenas resulta, no ponto 1, a acção conjunta do arguido com as arguidas BB e CC, apenas se retira que o arguido agiu juntamente com a sua mãe, a arguida BB, e a sua namorada, a arguida CC, num claro panorama de co-autoria, mas jamais da existência da figura de bando. 23.ª O facto de o arguido ter praticado o crime de tráfico de estupefacientes juntamente com a sua mãe e companheira, apenas poderá, com rigor, demonstrar uma situação de co-autoria entre todos, mas jamais a ultrapassar esta consideração com vista à inclusão como membro de um bando. 24.ª Pois, a demonstração da existência de um bando, tem de ir mais além do que as meras vontades dos agentes direccionadas no mesmo sentido – a prática de crimes – e a divisão de tarefas/funções entre si, pois ficando apenas demonstrado este circunstancialismo – decisão conjunta e divisão de tarefas na consumação do crime 21 Ponto 1 da matéria de facto dada como provada do Acórdão recorrido. – parece-nos, não ser possível ultrapassar o patamar da comparticipação criminosa, sob a forma de co-autoria. 25.ª Aliás, assim não fosse e estar-se-ia a dar ao Julgador carta branca para a arbitrariedade e insegurança jurídica, abrindo a possibilidade de perante factos semelhantes, uns fossem considerados praticados no âmbito de uma co-autoria e os outros, de forma agravada, fossem considerados praticados no âmbito de um bando. Bastasse, o encontro de vontades e a pratica conjunta do crime e não seria possível traçar uma fronteira entre estas duas figuras da comparticipação criminosa, que acarretam, ao nível da ilicitude e culpa consequências mais ou menos agravadas, estabelecendo-nos num campo de absoluta subjectividade. 26.ª E da matéria de facto provada e constante do Acórdão recorrido, não é possível ultrapassar-se a mera co-autoria entre os arguidos para a prática do crime de tráfico de estupefacientes, sendo, incapaz de se concluir ou demonstrar a existência entre todos de um bando. 27.ª O Tribunal recorrido em parte alguma deu como provado que os arguidos agiam sob égide maior do que própria vontade direccionada à prática de crimes, para os quais assumiam diversas funções. 28.ª Portanto, nada ao nível factual permite perceber, acompanhar e alcançar a qualificação jurídica operada pelo Tribunal ad quo, a qual não suporta qualquer base probatória e, por sua vez, factual, sendo claramente o resultado de uma ponderação e decisão sem qualquer reflexo na matéria de facto dada como provada. 29.ª O acervo probatório e por sua vez, a própria matéria de facto provada são totalmente infrutíferos a definir, fundamentar e suportar aquilo que o Tribunal ad quo decide em sede de alteração, diga-se adição, da qualificação jurídica dos factos provados. Não se extrai da matéria de facto dada como provada factualidade que suporte, minimamente, o preenchimento da al. j) do artigo 24º daquele diploma legal, mormente que o arguido era membro de um bando, cujo objectivo era a prática do crime de tráfico de estupefacientes, pelo que não poderia o Tribunal recorrido considerar circunstâncias de facto, com efeitos na qualificação jurídica, que não têm assento na respectiva matéria de facto provada. 30.ª Pelo que, face a isto, entende o arguido recorrente que, tendo o Tribunal ad quo alcançado a alteração da qualificação jurídica, com adição à condenação do arguido da al. j) do artigo 24º, considerando que o arguido configurava um membro de um bando destinado à pratica do crime de tráfico de estupefacientes, sem qualquer respaldo dessa alegada realidade na matéria de facto dada como provada, ocorre vicio de insuficiência para a decisão da matéria de facto dada como provada, nos termos da al. a) do n.º 2 do artigo 410º do Código de Processo Penal que, assim, expressamente se argui. 31.ª E mais, no cumprimento e para efeitos do preceituado no artigo 412º n.º 3 alínea a) do Código de Processo Penal, o arguido, ora recorrente, considera terem sido incorrectamente julgados os pontos 1, 9, 10, 19, 23, al. a) e b), 31 e 32 da matéria de facto dada como provada no douto acórdão recorrido. 32.ª No cumprimento do preceituado no artigo 412º, n.º 3, alínea b) do Código de Processo Penal, na óptica do arguido ora recorrente, todo o acervo probatório carreado e descrito no Acórdão recorrido, apresenta-se incapaz para sustentar o entendimento de que: i. O arguido recorrente era o destinatário final daquele produto estupefaciente transportado de ... para a ilha de ..., e que uma vez na sua posse iria proceder à sua venda, lucrando na ordem dos cento e quarenta mil euros, conforme consta dos pontos 1, 19 e 31 da matéria de facto dada como provada; ii. Nas viagens realizadas pela arguida EE, nos dias ... de ... de 2022, ... de ... de 2022 e ... de ... de 2023, aquela transportou, dentro da mala, produto estupefaciente, mormente haxixe com o peso de 23 e 28 quilos, conforme consta dos pontos 9, 10 e 32 da matéria de facto dada como provada; e iii. O produto estupefaciente - 341.739 gramas de produto estupefaciente MDMA, grau de pureza 25.2%, suficiente para 861 doses individuais para consumo - e o valor de 1810,00€ (mil e oitocentos e dez euros), encontrados e apreendidos na residência do arguido sita na ... na sequência de uma busca domiciliária realizada no dia ... de ... de 2023, pertenciam ao arguido recorrente. 33.ª Ora, desde logo, o Tribunal ad quo, à margem de tudo aquilo que foi dito pelo arguido recorrente e à margem de todo o acervo probatório carreado, considerou que o arguido seria o destinatário final daquele produto estupefaciente para o vender, pelo dobro do seu valor. 34.ª Sucede que, esse entendimento não resulta, de forma directa ou indirecta, do acervo probatório carreado, o qual vislumbra-se, claramente infrutífero a alcançar aquele desiderato. 35.ª Não existem transcrições de escutas telefónicas que façam qualquer ligação entre o arguido e eventuais compradores/consumidores ou sequer que permitam o alerta dessa possível actividade, mas tão-só o seu contacto com as co-arguidas que não permitem, pois, considerar qualquer acto de venda; Não existem relatórios de vigilâncias que traduzam o contacto nesse âmbito do arguido com terceiros; e das duas buscas domiciliarias efectuadas às residências do arguido, não foram apreendidos quaisquer objectos que permitam a presunção, sequer, de actos de venda, não se apreendeu balança, produto de corte, sacos de plástico, facas ou outros objectos conotados à actividade de tráfico, nem tão pouco a forma de acondicionamento do produto estupefaciente ali encontrada sugeria a sua preparação com vista à venda. 36.ª A prova pericial carreada reporta-se somente ao relatório de exame pericial feito ao produto estupefaciente apreendido à arguida DD, no dia ... de ... de 2023 é também inteiramente estranho à alegada intenção e concretos actos de venda. 37.ª O mesmo se diga da prova testemunhal, a qual se apresenta totalmente irrelevante a dar como provados quaisquer actos de venda e a assentar o que se diz nos pontos 1, 19, 23, al. a) e 31 da matéria de facto dada como provada. 38.ª Já relativamente às declarações dos co-arguidos, BB, CC, DD, EE - e sem prejuízo daquilo que invocámos em sede de capítulo de proibição de prova relativamente às declarações prestadas pela arguida EE, que tendo sido tidas em conta em violação do disposto no artigo 345º, n.º 4 do Código de Processo Penal, constituem prova proibida impossível de serem valoradas e considerar-se-ão, no que referem ao arguido recorrente, como inexistente – ainda, assim, todas elas foram incapazes de demonstrar quaisquer actos de venda, em momento algum foi mencionado que o arguido, uma vez na posse daquele estupefaciente, iria vende-lo, que essa era a segunda tarefa que lhe cabia no âmbito da cadeia do narcotráfico. 39.ª E para além desse entendimento não resultar, de prova directa, parece-nos que também não poderá ser o resultado de prova indirecta obtida mediante as regras da experiência comum e da normalidade, por não existir qualquer ponto de partida que permita ser feito esse juízo de inferência. Os meios de prova carreados, seja numa apreciação isolada ou conjugada, não permitem percorrer esse caminho de inferência. 40.ª Parece-nos, assim, resultar claro que, o que o Tribunal recorrido dá como provado nos pontos 1, 23, al. a) e 31 da matéria de facto, relativamente à acção típica de venda, no que ao arguido recorrente concerne, não emerge, de uma apreciação isolada, conjugada, directa ou indirecta dos meios de prova carreados; O que o Tribunal ad quo da como provado nos pontos 1, 23, al. a) e 31 da matéria de facto assente não tem qualquer suporte probatório, sendo o resultado de um caminho ponderatório afastado das regras do direito probatório, em violação do disposto no artigo 127º do Código de Processo Penal, e bem assim, probatoriamente desapoiados. 41.ª E mais, analisando com alguma atenção a matéria de facto dada como provada, nomeadamente os pontos 1 e 2, torna-se notória a debilidade probatória por referência à acção típica da venda, pois o Tribunal ad quo começa por dar como provado e considera que o arguido iria vender o produto estupefaciente transportado, contudo, posteriormente mostra-se incapaz de conseguir apurar actos concretos e parece-nos que consciente da lacuna probatória para o efeito, não consegue traduzir essa venda de forma especifica, não tendo, igualmente, abordado isso em sede de fundamentação. 42.ª Para além de tudo isto, de não se ter conseguido reunir prova no que concerne à acção típica de venda, obviamente que menos prova se fez relativamente à consideração que o Tribunal assentou no ponto 1 – o arguido iria vender aquele produto estupefaciente pelo dobro do valor (!!!). 43.ª Na verdade inexistem nos autos elementos de prova bastantes a corroborar a tese do Tribunal ad quo, motivo pelo qual deverão ser tidos como não provados os pontos 1, 23, al. a) e 31 da matéria de facto dada como provada, no que à verificação da acção típica da venda concerne, e portanto não tendo sido carreados elementos de prova que fragilizem as declarações apresentadas pelo arguido recorrente, que assumiu tratar-se de um mero intermediário na angariação de pessoas que faziam o transporte de estupefacientes de ... para a ilha de ..., parece-nos que as mesmas merecerão credibilidade. 44.ª E nesse seguimento, o decaimento dos factos constantes dos pontos 1, 23, al. a) e 31 da matéria de facto dada como provada, no que à venda respeita, impacta directamente no entendimento sobre os eventuais lucros obtidos com esta actividade criminosa. 45.ª E o caminho do Tribunal ad quo no alcance dos lucros resultantes daquela actividade criminosa, parece-nos ter sido o seguinte: o arguido venderá o produto estupefaciente e, portanto, terá um lucro de cento e quarenta e mil euros, face ao número de doses apurado e ao seu valor de mercado. Assim, o Tribunal recorrido partindo do entendimento que o arguido dedicava-se também a venda do estupefaciente transportado, considerou a sua venda a doses individuais e alcançou, pela multiplicação o eventual lucro. 46.ª Contudo, falhando a sua qualidade de vendedor, parece-nos que o apuramento dos eventuais lucros, tal e qual, é realizado pelo Tribunal ad quo terá de decair, não sendo aceitável que se impute ao arguido o lucro de cento e quarenta mil euros quando a sua função era somente de intermediar os transportes, com o contacto com os correios de droga, pagamento das passagens aéreas e controlo da viagem. 47.ª Na verdade, como se sabe e resulta das regras da experiência comum e da normalidade, um vendedor de estupefacientes obterá um lucro bastante mais elevado do que aquele intermediário que apenas diligencia pela angariação de transportadores do estupefaciente, e em que regra geral recebe um valor fixo por cada transporte bem-sucedido. 48.ª Assim, parece-nos claro que, não se tendo apurado que o arguido vendia o produto estupefaciente, mas tão-só participava na agilização do seu transporte, não se lhe poderá imputar o lucro dessa eventual venda à dose unitária, sob pena de violação da presunção da inocência. Haveria de se ter apurado o concreto lucro que o arguido recebia por cada transporte, o qual a acusação e investigação foi totalmente incapaz de o fazer. 49.ª A par de que, apesar de se saber que face à sua função de angariador de transportadores, fosse substancialmente inferior, ficou, igualmente, por se concretizar - o lucro que o arguido recebia tinha em conta os quilos de estupefacientes transportados? Qual a percentagem? Ou era um valor fixo? Recebia sempre ou só com o sucesso da operação?- o que obviamente, impactará na desagravação do crime de tráfico de estupefacientes, no que concerne à al. c) do artigo 24º. 50.ª Com efeito, salvo todo o devido respeito e douto suprimento de Vossas Excelências, andou mal o Tribunal ad quo quando deu como provado o que consta do ponto 1, 19, 23, al. a) e 31 da matéria de facto dada como provada, no que refere à acção típica da venda e ao seu valor implícito, pelo que deverão ser tidos como parcialmente não provados. 51.ª Contudo, ainda que se considere, por mera cautela e dever de patrocínio, que efectivamente o arguido iria posteriormente proceder à venda daquele produto estupefaciente transportado, ainda assim, os presentes autos, mormente a prova recolhida, não permite alcançar, a obtenção de avultados lucros, justificando a agravação do crime de tráfico de estupefacientes, nos termos da al. c) do artigo 24º do Decreto-Lei n.º 15/93, de 22 de Janeiro. 52.ª O Tribunal ad quo, novamente num desenvolvimento intelectual que não fora fundamentado e assim não conhecemos, assume e convence-se que o arguido vendia aquele produto estupefaciente à dose individual e, portanto, ao consumidor final, obtendo um lucro na ordem dos cento e quarenta mil euros. Assumindo ainda que o preço de venda, seria o preço de mercado do consumidor, o que não tem qualquer respaldo assento probatório ou sequer logico, resultante das regras da experiência comum e da normalidade. 53.ª Ficou, assim, por se apurar, em concreto, por quanto é que iria vender aquele produto e de que forma, isto é, se venderia ao consumidor final em doses individuais para consumo ou se por outro lado, face aos quilos transportados, faria uma venda a retalho. 54.ª A forma de venda do estupefaciente, seja a dose ou a quantidades mais elevadas, afectará directamente o lucro que dali se poderá retirar, mais alto ou mais baixo respectivamente; contudo, o esclarecimento tao necessário ao apuramento do lucro, não foi carreado aos autos – não se apuraram quaisquer actos de venda e consequentemente, muito menos se apurou relativamente aos seus moldes, mormente a que preço venderia. 55.ª Pelo que, parece-nos que o lucro que o Tribunal ad quo alcança mediante o número de doses apreendido e o seu valor de mercado é claramente violador da presunção da inocência e do princípio in dúbio pro reo, imputando ao arguido uma realidade muito mais gravosa e sem qualquer apoio probatório. 56.ª Depois, salvo melhor entendimento, ainda que se admita que o arguido, depois de diligenciar pelo transporte procedia à sua venda, parece-nos que tendo em conta a normalidade das coisas neste tipo de crimes e a sua posição na hierarquia, a sua venda nunca ocorreria ao consumidor/comprador final, em doses unitárias, mas sim uma venda a retalho, onde fossem vendidos os variados quilos, ao invés das concretas doses e portanto onde o estupefaciente é vendido mais barato. 57.ª Assim, ainda que as regras da experiência comum e da normalidade nos empurrem para uma venda a retalho, onde o arguido escoava o estupefaciente mediante a venda de quilos e não de doses, e, portanto, com um lucro sempre mais diminuto face ao que lhe é imputado, a verdade é que ficará sempre toda a dúvida sobre os contornos da alegada venda e por sua vez ficará sempre por se descobrir qual o concreto lucro o arguido obteria. 58.ª Com efeito, por tudo isto, nada se sabendo e nada sendo possível saber, quer de forma directa ou indirecta, parece-nos que o Tribunal ad quo não dispunha de elementos probatórios suficientes a clarificar o lucro, muito menos no valor de cento e quarenta mil euros, pelo que, deverão ser considerados como não provados os pontos 19 e 31 da matéria de facto dada como provada, no que aos avultados lucros concerne, sob pena de violação da presunção da inocência e do principio in dúbio pro reo. 59.ª Assim ocorrendo, como é de esperar, deverá operar-se à requalificação jurídica dos factos, com a eliminação da agravante prevista na al. c) do artigo 24º do Decreto-Lei n.º 15/93, de 22 de Janeiro, por não se ter conseguido apurar os concretos lucros e consequentemente ser a pena aplicada ao arguido revista e atenuada. 60.ª Pelo que, por tudo isto, estamos em crer que andou mal o Tribunal ad quo quando deu como provados os factos 1, 19, 23, al. a) parte final e 31 da matéria de facto, devendo ora Vossas Excelências na plenitude do conhecimento jurídico e rigoroso cumprimento da Justiça, dar como não provados aqueles factos, deixando de imputar ao arguido a pratica de um crime de trafico de estupefaciente, na modalidade típica da venda e assumir lucros, por sua conta, na ordem dos cento e quarenta mil euros, dando por preenchida a agravante da al. c) do artigo 24º do Decreto-Lei n.º 15/93, de 22 de Janeiro, com reflexo na pena concretamente aplicada, diminuindo. 61.ª À semelhança, do que acabamos de expor, igualmente o Tribunal ad quo não dispunha de acervo probatório bastante a dar como provado o que assentou nos pontos 9, 10, 31 e 32 da matéria de facto dada como provada no Acórdão recorrido, no que ao transporte de estupefaciente pela arguida EE concerne. 62.ª Ora, dos meios de prova carreados aos autos apenas é possível extrair-se o seguinte: nos dias ... de ... de 2022 e ... de ... de 2023, a arguida viajou entre ... e a..., transportando consigo malas com o peso de 23 e 28 quilos, respectivamente. 63.ª Contudo, ao nível do conteúdo daquelas malas, que o Tribunal ad quo a pontos 9, 10, 31 e 32 da matéria de facto dada como provada afirma tratar-se de haxixe – 23 e 28 quilos de haxixe – a verdade é que, nada foi possível de se apurar a esse respeito. 64.ª Aliás, em parte alguma da investigação e porque a mesma só se iniciou já depois das viagens realizadas pela arguida EE terem sido feitas, foram encontradas as malas, abertas e por consequência, encontrado ali aquele produto estupefaciente que o Tribunal ad quo da como verificado, com o peso de 23 ou 28 quilos. Aquelas malas nunca foram vistas e abertas e portanto, nunca foi confirmado o seu conteúdo. 65.ª A investigação e por sua vez, o leque probatório dá-nos apenas conta das viagens realizadas e do peso das respectivas malas, mas nunca traduz o exacto conteúdo daquelas malas, se efectivamente transportavam haxixe ou, hipoteticamente, outro tipo de droga ou até outros objectivos ilícitos e no limite, se tudo o que ali se encontrava era ilícito, ou se também continha roupas, produtos de higiene e demais objectos comuns de serem transportados em viagens. 66.ª Veja-se que, do exame da bagagem apreendida à arguida DD no dia ... de ... de 2023, a fls. 33 a 51, constata-se que para além do estupefaciente, a mala continha ainda roupas, pelo que o peso total da mala, não correspondia ao peso efectivo do produto estupefaciente. 67.ª E, portanto, parece-nos que, com ou sem declarações da arguida EE e face aos meios de prova carreados, ou melhor, à sua insuficiência, não se pode e consegue extrapolar para o entendimento de que dentro daquelas malas continham somente haxixe com o peso de 23 e 28 quilos e que, assim, naquelas datas e circunstâncias de tempo, modo e lugar, a arguida EE transportou, sob direcção do arguido AA, haxixe com o peso de 23 e 28 quilos. 68.ª No entanto, ainda que novamente por mera cautela e dever de patrocínio se considere, com um recurso forçado as regras da prova indirecta que face aos contactos da arguida EE, com a arguida DD e ao arguido recorrente, se possa alcançar, com alguma crença e razoabilidade o transporte, naquelas datas, de estupefaciente – o que nos levanta serias duvidas - ficará sempre por conseguir ser ultrapassada a duvida sobre o real peso do estupefaciente transportado, carecendo, sempre, a matéria de facto dada como provada de ser aperfeiçoada em conformidade. 69.ª E portanto, por tudo isto, parece-nos que, também aqui o que se deixou assente nos pontos 9, 10, 31 e 32 da matéria de facto dada como provada, por referência ao transporte pela arguida EE de 23 e 28 quilos de haxixe, é o resultado de presunções vagas e sem qualquer suporte probatório, em plena violação das regras do Direito Probatório, da presunção da inocência e do principio do in dúbio pro reo, pelo que, deverão ser expurgados da matéria de facto assente, com reflexo na ilicitude e medida da culpa do arguido e consequentemente na pena aplicada. 70.ª Com efeito, neste sentido, pugnamos, novamente, junto de Vossas Excelências pela reposição da legalidade, em cumprimento e respeito por um processo e condenação justa, o direito à presunção da inocência e do principio do in dúbio pro reo, devendo ser ordenada a eliminação parcial dos pontos 9, 10, 31 e 32 da matéria de facto dada como provada, no que concerne ao transporte de haxixe pela arguida EE e respectivo peso, por não ser possível ser ultrapassada a duvida relativamente a este circunstancialismo. 71.ª Por fim, considerou o Tribunal ad quo que tudo o que fora encontrado no decorrer da busca domiciliária à residência do arguido recorrente sita na ..., no dia ... de ... de 2023 e portanto três dias após a fuga do arguido, nomeadamente as ) 341.739 gramas de produto estupefaciente MDMA, grau de pureza 25.2%, suficiente para 861 doses individuais para consumo e o valor de 1810 euros em dinheiro derivado do negócio de tráfico de estupefacientes, dos quais 1500 euros iriam ser entregues à arguida DD, pertenciam, efectivamente, ao arguido recorrente. 72.ª Contudo, para o efeito, parece-nos não ter sido devidamente valorado o seguinte circunstancialismo: i. No dia ... de ... de 2023, o arguido recorrente foge da sua casa, na sequência de uma iminente abordagem policial; ii. No dia 15 de Fevereiro de 2023, os OPC determinam a realização de uma busca domiciliária à residência do arguido que tinha fugido no dia ... de ... de 2023; iii. Resulta das declarações do arguido, as quais, como temos vindo a certificar, merecem credibilidade e valoração, apresentando-se claras e sinceras, que a sua casa era frequentada pelo individuo de nome ..., que ali recepcionava as pessoas que transportavam as malas e procedia ao respectivo pagamento, sendo, assim o ponto de encontro entre os correios de droga e diga-se o dono da droga; e iv. Esse acesso pelo ... era livre, fazendo uso da mesma e até dispondo de uma chave da sua residência. 73.ª Ora, como se vislumbra e contrariamente, àquilo que seria esperado e comumente ocorrido nestas concretas situações, a busca à residência do arguido, apenas ocorreu no dia ... de ... de 2023, ou seja, cerca de três dias depois da sua fuga. 74.ª Pelo que, durante três dias consecutivos, a residência do arguido ficou desocupada; O arguido não mais retornou à sua residência e facto é que, também não foram efetuadas quaisquer vigilâncias à mesma durante todos aqueles dias, de forma a certificar a eventualidade do arguido ali regressar, para uma eventual localização e interceção, como, de outra banda, também não se sabe se mais alguém teve, durante aqueles dias, acesso à mesma. 75.ª E, portanto, desconhece-se se, no intermeio destes dois momentos – fuga e busca – alguém, efetivamente, acedeu à casa do arguido e ali, abrigou objetos e bens que lhe pertenciam, utilizando a casa como armazém, como esconderijo. 76.ª Para alem disso, resultam das declarações do arguido, as quais não apresentam motivos a serem desconsideradas, que apesar daquela casa estar arrendada pelo arguido recorrente, ali vivendo, a verdade é que a mesma também era frequentada pelo tal .../Tio que se servia, igualmente, da mesma para os fins que julgasse necessários, no âmbito da atividade que tentava levar a cabo. 77.ª Assim, a ocorrência de uma fuga em tudo inesperada e, portanto, impreparada e a ausência de uma imediata busca à sua residência, aliadas às declarações do arguido, que como vimos, não expressam razões à sua descredibilização, parece-nos vir quebrar qualquer juízo de presunção que pudesse retirar-se da posse/arrendamento daquela habitação pelo arguido, isto é, que sendo o arguido arrendatário daquele locado, tudo o que ali se encontrava era seu. As declarações do arguido, conjugadas com o lapso de tempo ocorrido entre a fuga e a efectiva busca à sua residência, quebra, a título de contra-indício, qualquer juízo de inferência. 78.ª E, portanto, existe, assim, todo um circunstancialismo que nos empurra para a dúvida e cujo acervo probatório não permite ser ultrapassado; Tudo isto conjugado – o lapso de tempo ocorrido entre a fuga e a busca e a frequência da casa por outra pessoa, nomeadamente, pelo dono da droga transportada - parece-nos levar a que não seja possível ser ultrapassada a duvida sobre a propriedade do produto estupefaciente e do dinheiro no valor de 1810€ apreendida na casa do arguido, impedindo que seja formado qualquer juízo de convicção nesse sentido. 79.ª Com efeito, vimos perante Vossas Excelências, igualmente, pugnar pela purificação da matéria de facto dada como provada, tendo-se como não escrito o ponto 23, al. a) e b) da matéria de facto dada como provada, sob pena de violação do principio do in dúbio pro reo, operando-se, reflexamente à ponderação da pena concretamente aplicada, com vista à sua diminuição. 80.ª O Tribunal recorrido na valoração e ponderação de direito dos factos dados como assente, foi excessivamente castigador, tendo permitido e até solidificado, com a igual agravação da al. j) do artigo 24º, a manutenção da imputação ao arguido da prática de um crime de tráfico de estupefacientes agravado, p. e p. pelo artigo 21º e 24º, al. c) e j) do Decreto-Lei n.º 15/93, de 22 de Janeiro. 81.ª Consideramos que não se encontram cumpridos os requisitos essenciais ao preenchimento do crime de tráfico agravado. 82.ª A actividade de tráfico que define o objecto deste nosso processo, contrariamente ao entendido e determinado pelo Tribunal ad quo, não espelha uma gravidade tal que daí possa alcançar-se a constatação de uma violação do bem jurídico protegido exponenciada, exasperada ou - no dizer técnico-jurídico – agravada, face à modalidade base da acção típica. 83.ª Assim, desde logo, dando aqui por reproduzido tudo o que acima invocámos, o Tribunal ad quo não deu como provada qualquer base factual que permita enquadrar e qualificar os factos à luz da al. j) do artigo 24º, considerando o arguido como membro de um bando e por sua vez, exponencie a fixação da pena concretamente aplicável. 84.ª Depois, relativamente à agravante da al. c) do artigo 24º do Decreto-Lei n.º 15/93, de 22 de Janeiro, parece-nos com todo o devido respeito, que os eventuais lucros que o arguido obteve ou obteria com a prática desta criminosa, são insuficientes a enquadrar a sua actividade como um crime de tráfico de estupefacientes agravado, estando em crer que sempre dever-se-ia qualificar como crime de tráfico de estupefacientes na sua modalidade base. 85.ª Ora, desde logo, ficou por se apurar que tipo de venda ia ocorrer, se o arguido ia vender ao quilo e quantos quilos ou por outro lado efectivamente à dose, pelo que a consideração de cento e quarenta mil euros a título de lucro imputada ao arguido parte de uma premissa totalmente errada, insustentado, inverificada e ainda violadora do in dúbio pro reo, na medida em que o Tribunal recorrido perante uma lacuna factual assumiu o quadro mais prejudicial ao arguido. 86.ª E mais, resultando provado que o arguido desenvolvia a sua actividade criminosa juntamente com a sua mãe e companheira, respectivamente arguidas BB e CC, e assente nas regras da experiência comum e da normalidade, parece-nos que haveria de se apurar, em concreto o lucro que obteve ou obteria o arguido, com a prática deste crime de tráfico de estupefacientes, o que não se logrou. 87.ª Desconhece-se que lucro, de forma exacta, concreta e individual, obteve ou obteria o arguido com a prática do crime de trafico de estupefacientes, desconhece-se o valor que seria obtido pela venda daquele estupefaciente, pois conforme temos vindo a defender, consoante o tipo de venda, diferente será o lucro obtido e desconhece-se que lucro concreto dessa alegada venda caberia ao arguido. 88.ª A par de que, das buscas domiciliarias realizadas à residência do arguido, descritas nos pontos 23 e 26 da matéria de facto dada como provada, também não resultou a demonstração e consequente apreensão de qualquer bem de valor, ou sequer a presença de elevadas quantidades de dinheiros, que permitissem, por si só, preencher a al. c) do artigo 24º. 89.ª Os bens e objectos que foram encontrados e apreendidos em casa do arguido, não apresentam qualquer sinal de riqueza que pudesse justificar e suportar o entendimento de que aquela actividade permitia a obtenção de avultados lucros. 90.ª Para além de que, todo o dinheiro apreendido na residência do arguido, não é de todo cabal a ser considerado avultado lucro. Melhor, as quantidades de estupefaciente e o dinheiro apreendido tem tudo menos condição de avultado. 91.ª Pelo que, permitimo-nos perceber que os lucros obtidos pelo arguido pela actividade de tráfico de estupefacientes, apesar de não se poderem entender diminutos, também não permitem abrir porta à sua condenação pela prática de um crime de tráfico de estupefacientes agravado, por preenchimento da al. c) do artigo 24º - obter avultadas compensações remuneratórias. 92.ª A par de que, o valor de mercado do veículo considerado produto do crime de tráfico de estupefacientes, é expressivo do seu distanciamento do eventual ganho de avultados lucros, cifrando-se em 22.388 euros e, portanto, estamos em crer que não permite situar e considerar aquela actividade ilícita elevadamente lucrativa, a alcançar o seu enquadramento à luz do artigo 24º do Decreto-Lei n.º 15/93, de 22 de Janeiro, configurando como um crime de gravidade excepcional e extraordinariamente elevada. 93.ª Pelo que, a gama e valor da viatura cuja propriedade é imputada ao arguido, aliada a tudo aquilo que foi encontrado e apreendido na sua residência, parece-nos vir espelhar a sua capacidade financeira, demonstrando que os lucros obtidos pela prática da actividade de tráfico não seriam extraordinariamente grandes, a permitir o enquadramento dos factos na previsão legal do artigo 24º, mormente da sua alínea c). 94.ª Assim, dos concretos contornos apurados, parece-nos, salvo douto suprimento de Vossas Excelências, que não estamos perante um crime de gravidade excepcional e extraordinariamente elevada, substancialmente mais elevada do que aquela (já por si elevada) que corresponde ao tipo base do artigo 21º, pelo que, não tem qualquer suporte logico, mas essencialmente, fático a qualificativa jurídica agravante, pela al. c), do crime de tráfico de estupefacientes, pelo que desde já, pugnamos pela sua alteração e inclusão à luz do artigo 21º do Decreto-Lei n.º 15/93, de 22 de Janeiro. 95.ª Qualquer que seja a perspectiva, a actividade de tráfico que enforma o objecto deste processo jamais tem contornos (alegados ou susceptíveis de se anteverem provados) susceptíveis de suportarem a sua classificação jurídico-penal no âmbito da letra do artigo 24.º do Decreto-Lei n.º 15/93, de 22 de Janeiro, ou seja, como tráfico agravado, devendo ora Vossas Excelências, em cumprimento dos princípios penais, reporem a legalidade, requalificando juridicamente os factos à luz do artigo 21º do Decreto-Lei n.º 15/93, de 22 de Janeiro, permitindo a condenação do arguido pela prática de um crime de tráfico de estupefacientes, na sua modalidade base, com imediato reflexo na fixação da pena aplicada. 96.ª O Tribunal, ao determinar a medida concreta da pena, foi excessivamente punitivo, ultrapassando tanto a medida da culpa quanto as necessidades de prevenção especial. 97.ª Os factos pelos quais o arguido foi julgado e condenado não são de todo expressivos de uma tendência de personalidade e muito menos de uma afirmação de sentido de vida, tratando-se, pelo contrário, de um desvio acidental de um percurso que se tolda por princípios e valores compatíveis com uma sã manutenção da vida em sociedade. 98.ª O arguido tem actualmente 25 anos de idade e apresenta uma personalidade multifacetada, marcada pelo seu sentido de responsabilidade e dedicação à família, além do mais, o arguido é primário, não averba quaisquer antecedentes criminais e, regista um percurso de vida saudável, marcado por um comportamento exemplar, quer ao nível pessoal, quer ao nível profissional e familiar, conforme os factos dados como provados nos pontos 34 e 45 do douto Acórdão recorrido. 99.ª No meio prisional encontra-se o arguido a frequentar o projecto Activa o teu Potencial – Promoção de Competências Empreendedoras em Jovens Reclusos, desde .../.../2024, e não regista quaisquer sanções disciplinares, o que demonstra por si só, uma atitude de mudança, o facto de frequentar o projecto, sendo certo e sabido que nem todos os arguidos querem e desejam frequentar estas iniciativas, sendo altamente relevante esta atitude de frequência no projecto pelo arguido, conforme os factos dados como provados no ponto 43 do douto Acórdão recorrido. 100.ª A pena aplicada deverá ser suspensa na sua execução, por se nos afigurar evidente que a simples ameaça de pena de prisão (aliada à reclusão preventiva sofrida) se revela adequada e suficiente para acautelar os fins das penas. 101.ª O arguido (i) é absolutamente primário; (ii) a actividade criminosa limita-se a um único acto ilícito; (iii) o arguido encontra-se familiarmente inserido, dispondo de uma família coesa e estável; (iv) possui uma concreta oportunidade de continuar a trabalhar onde trabalhou nos últimos anos; (vi) encontra-se profissional e socialmente inserido; (vii) desde a sua detenção, o arguido não apresentou quaisquer sinais de desobediência ou desrespeito pelas normas prisionais e/ou pelos outros reclusos ou guardas; e (vi) o arguido tem vindo a apresentar um comportamento exemplar. 102.ª Parece-nos, saldo melhor opinião que no presente caso e na actual fase da vida do arguido é possível a formulação de um juízo de prognose favorável no sentido de que a simples censura dos factos e a ameaça de regressar à prisão realizariam de forma adequada as finalidades da punição. 103.ª Este risco e oportunidade que pode eventualmente ser dada ao arguido, poderá ser, a todo o tempo revertível, sendo o Tribunal soberano, esta é uma decisão cujo mesmo sempre poderá revogar. 104.ª Pelo que, parece-nos, salvo todo o devido respeito que, estabelecendo-se a pena abaixo dos 5 (cinco) anos de prisão, deverão Vossas Excelências, sapientes e experientes Juízes Desembargadores, suspender a sua execução, na garantia de que, eventualmente incumprida a condição que lhe estará subjacente, pode sempre ser revertida a oportunidade, com uma decisão revogatória do regime de suspensão. Por tudo quanto deixamos exposto, Ressalvado o doutíssimo suprimento de Vossas Excelências, Venerandos Senhores Juízes Desembargadores deste Tribunal da Relação de Lisboa, deverá: I. Ser reconhecido que o Acórdão recorrido padece da nulidade a que aludem conjugadamente as alíneas b) e c) do n.º 1 do art. 379º do Código do Processo Penal; II. Ser reconhecido que o Acórdão valorou prova proibida nos termos do n.º 4 do art. 345º e 125º do Código do Processo Penal; III. Ser reconhecido que o Acórdão recorrido padece do vicio a que alude a al. a) do n.º 2 do art.º 410º do Cód. do Processo Penal; Subsidiariamente, IV. Ser alterada a matéria de facto em termos tais que se passe a considerar o arguido um mero angariador e coordenador de pessoas que aceitavam transportar haxixe entre o ...e a ..., nos ...; V. Ser alterada a qualificação jurídica dos factos, estabelecendo-a no âmbito da modalidade base do crime de trafico de estupefacientes, portanto, no art. 21º do Decreto-Lei n.º 15/93, de 22 de Janeiro; Em todo o caso, VI. Considerar-se que a pena de 8 (sete) anos e 6 (seis) meses aplicada ao arguido é excessiva, reduzindo-a e fixando-a dentro do patamar dos 5 (cinco) anos; e VII. Suspender-se a pena de prisão, pelo máximo legal, sob condição de cumprimento de um apertado regime probatório, de acordo com a previsão conjugada dos artigos 52º e 53º do Código Penal. Porquanto, só assim farão a costumada Justiça!” iii) Conclusões no Recurso da Arguida BB (vale aqui o teor da nota que supra se consignou quanto à caraterização qualificativa das conclusões apresentadas) (SIC, condições supra) I. “Nos termos da sentença, ora objeto de recurso, a Recorrente foi condenada na pena de 6 (seis) anos e 2 (dois) meses de prisão pela prática do crime de tráfico de estupefacientes agravado, o que discorda integralmente, pois baseou-se em factos irreais e faz uma errónea interpretação do direito. II. O tribunal a quo considerou incorrectamente julgado provado os factos 1, 2, 25. III. A Arguida referiu em sede de audiência de julgamento, com gravação integrada no sistema citius no dia 14-05-2024 das 11:30 às 11:45, que nada tem a ver com as situações de tráfico de estupefacientes descrita na acusação, que não conhece nem nunca viu as co-arguidas DD ou EE ou o Tio, que embora conheça a coarguida CC, por ser namorada do seu filho AA, mas que nunca entregou ou verificou esta com malas de viagem que estariam em sua casa. IV. Ainda foi confrontada com uma escuta que teria falado com a coarguida CC, ao que esta referiu expressamente que o dinheiro que foi apreendido de € 900,00, é seu, que enviou-o para o filho, nos …, para o ajudar na sobrevivência (alimentação) e também justificou que tem a viatura na sua titularidade, que é um carro para a família, e que foi obtido com as suas poupanças que trouxe de ..., atendendo que sempre trabalhou, nomeadamente em limpezas, mesmo não tendo contrato de trabalho. V. A Arguida é primária, não registando averbado no seu certificado de registo criminal nenhuma condenação, sendo uma pessoa humilde, que não tem estudos, pois não sabe ler nem escrever, apenas escreve o seu nome. VI. A prova ali produzida – maxime os concretos meios de prova adiante elencados – importante para a boa decisão da causa e que impunham certamente uma decisão diferente, nomeadamente a absolvição da Arguida e no máximo, o enquadramento do comportamento da arguida na previsão do tráfico de menor gravidade, p. e p. pelo art. 25º, alínea a) do D.L. nº 15/93, de 22/01, com reflexos óbvios na determinação da medida da pena. VII. Relativamente à matéria dada como provada nos pontos 1, 2 e 25 dos factos provados do acórdão recorrido entende a recorrente que os mesmos resultam de uma deficiente e errada apreciação das declarações prestadas pela arguida (que se encontram gravadas no sistema integrado citius entre as 11h30 e as 11h45, nomeadamente porque não é liquido que a arguida actuasse da forma tal qual é descrita naqueles pontos. VIII. Relativamente à viatura apreendida no presente processo e que é propriedade da arguida, tendo sido comprada com as suas poupanças advenientes de ..., não atendeu o Tribunal a quo às declarações da arguida (que se encontram gravadas entre as 11:30 e as 11:45) nas quais explicou que comprou viatura para uso da família e que foi com dinheiro seu, bem como explicou que a quantia de 900 € que foi apreendida ao seu filho AA foi esta que lhe entregou, fruto do seu trabalho em limpezas, para o ajudar na sua sobrevivência, ora tal facto, apesar de se revelar de extrema importância para aferir a proveniência do dinheiro, não resultava do auto de apreensão elaborado pelas autoridades policiais e junto aos autos, nem de qualquer outro elemento de prova junto aos autos ou produzida em julgamento. IX. Para além do Tribunal a quo ter ignorado de forma infundada as declarações desta arguida na parte em que este explicou a origem do dinheiro, que relatou em audiência de julgamento de forma isenta, credível e imparcial que o dinheiro apreendido ao arguido AA era seu e que foi com dinheiro seu, proveniente de ..., que adquiriu a sua viatura, tendo o Tribunal a quo alheando-se por completo da prova que a arguida produziu em julgamento, bem como de todas as evidências que apontavam que aquele dinheiro nunca poderia ter resultado da actividade de tráfico, muito embora não tenha sido carreada para o processo qualquer prova, ainda que indiciária, que assim o demonstrasse, violando assim o art. 127º do CPP. X. Por mera cautela de patrocínio, tal situação jamais poderia configurar a prática do crime previsto no art. 21.º do D.L. 15/93, mas sim o art. 25.º do referido Decreto-lei, conforme o entendimento vertido no douto aresto do STJ, de 12/10/2006, também disponível em www.dgsi.pt, “mesmo lidando com a posse de “droga dura”, até já em quantidade apreciável, não fica afastada a hipótese de aplicação do art. 25º do D.L. 15/93, repostando-se ao tráfico de menor gravidade, já que não se limita a prever bagatelas, condutas sem gravidade, tendo em conta que a moldura penal, em parte coincidente com a do artigo 21º, pode ir até aos 5 anos de prisão». XI. Só se poderá concluir que existe matéria de facto suficiente – considerada ou a considerar – para se concluir (ou pelo menos para se duvidar) que a arguida não perpetrou grande tráfico, nem sequer médio, mas sim pequeno tráfico, preenchendo a sua conduta de forma correcta e proporcional o tipo privilegiado o art. 25º do D.L. nº 15/93 de 22/01, mais favorável ao arguido, na medida em que prevê uma moldura penal que vai de 1 a 5 anos de pena de prisão, reforçando assim a possibilidade de suspender a execução da pena de prisão. XII. Como tal, Tribunal a quo também não poderia ter considerado como moldura abstracta a pena de prisão de 4 a 12 anos, mas antes a de 1 a 5 anos de prisão, de acordo com o art. 25º, alínea a) do D.L. n.º 15/93 de 22/01 e consequentemente não determinou correctamente a medida da pena, pois partiu de uma moldura abstracta da pena de prisão errada. XIII. O douto acórdão recorrido ao não considerar o que se deixou exposto supra, tanto quanto à matéria de facto como parte da matéria de direito, violou os preceitos dos artigos 21º e 25º, alínea a) do D.L. n.º 15/93 de 22/01, 32º, nº 2 da C.R.P. (principio do in dubeo pro reo) e 40º, 41º, 71º do C.P. XIV. Acresce que, e sem prescindir de tudo o que se deixou exposto nomeadamente no que concerne à discordância da arguida quanto à sua condenação, e sem conceder quanto ao tipo legal de crime aqui em causa, considera esta que a pena concretamente aplicada é manifestamente exagerada e excessiva, na medida em que ultrapassa a medida da culpa da arguida para além de não atender às necessidades de prevenção especial que o caso requer, nomeadamente de ressocialização, violando os art. 40º, nº 1 e 2 e 71º ambos do CP. XV. Os pontos 1, 2, e 25 dos factos dados como provados no Acórdão do Tribunal “a quo”, que são aqueles que pretensamente sustentam a condenação da Recorrente, constituem considerações conclusivas do Tribunal que foram indevidamente incluídas no elenco dos factos provados, pois nada é dito de facticamente concreto quanto ao suposto produto estupefaciente (em relação ao qual nada se provou), ao lugar, ao tempo, à motivação da sua alegada prática, ao grau de participação que o pretenso agente neles teve e quaisquer outras circunstâncias relevantes para a determinação da sanção que lhe deve ser aplicada, logo, inexistem factos que fundamentem a aplicação ao arguido de uma pena. XVI. Como tal, a indevida inclusão no elenco dos factos provados de considerações conclusivas não pode senão subsumir-se à circunstância de que o Tribunal “a quo” violou o n.º 2 do artigo 374.º do CPP, consubstanciando uma nulidade processual atípica, que extravasando o âmbito do artigo 379.º do CPP, deverá levar a que se dê como não escrito os referidos pontos 1, 2 e 25 (nesse sentido, o Doutíssimo Acórdão do Supremo Tribunal de Justiça de 05/02/2009 (Processo 08P3629, in dgsi.pt)), daí decorrendo a absolvição da Arguida. XVII. O tipo legal constante do n.º 1 do artigo 21.º do Decreto-Lei n.º 15/93, de 22 de Janeiro, que aprovou o regime jurídico aplicável ao tráfico e consumo de estupefacientes e substâncias psicotrópicas, exige a demonstração, por um lado, que a arguida tenha praticado uma das condutas ali tipificadas e, por outro, que essas condutas se tenham verificado em relação a substâncias ou preparações compreendidas nas tabelas I a III anexas àquele diploma, porém, no caso sub judice não houve, quanto à Recorrente, a apreensão de qualquer produto que seja sequer susceptível de ser considerado estupefaciente, nada foi apreendido na casa da arguida, nada foi apreendido no carro da arguida nem à pessoa da Arguida. XVIII. Nos autos não há senão meras alusões a alegados produtos e alegadas transacções, o que significa apenas que pode haver indícios, mas não há factos susceptíveis de demonstrar a violação do tipo legal por parte da arguida, pois inexistindo provas da existência de substâncias ou preparações compreendidas nas tabelas I a III anexas ao Decreto-Lei n.º 15/93, de 22 de Janeiro, não pode ser alcançado um juízo de certeza, nem sequer de probabilidade, uma vez que não há qualquer prova da materialidade do crime. XIX. E não se diga que os indícios promovidos à categoria de factos dados como provados no Acórdão decorrem das regras de experiência comum e ou da livre apreciação da prova, pois em matéria de tão transcendental importância para os direitos, liberdades e garantias dos cidadãos como é a subsunção criminal, o recurso a critérios de normalidade para recortar uma determinada realidade fáctica fundamental para a integração de categorias normativas não é admissível, exigindo-se a certeza da materialidade dos factos, pelo que os factos dados como provados em 1, 2, 25, que aludem a substância estupefaciente por parte da Recorrente, não foram correctamente julgados e devem ser dados como não provados por inexistência de prova. XX. Uma vez que os pressupostos de facto onde se funda o Acórdão do Douto Tribunal “a quo” são diversos dos que fundamentam o presente recurso, resta constatar que os elementos do tipo disposto no artigo 21.º ou 25.º do Decreto-Lei n.º 15/93, de 22 de Janeiro, que aprovou o regime jurídico aplicável ao tráfico e consumo de estupefacientes e substâncias psicotrópicas, não se verificaram, não estando em causa a aplicação de qualquer outro normativo penal, devendo a Arguida ser absolvida. XXI. A motivação da sentença, nos termos do artigo 374. o, n, °2, in fine, do referido diploma, constar que as declarações dos co-arguidos - verificados os supostos premonidos nas conclusões 1ª e 3ª, isto é, a circunstância da coarguição - contribuíram irrestritamente para a formação da convicção do Tribunal, verifica-se uma situação de nulidade do julgamento, por violação do disposto nos artigos 323 alínea j) e 327 n.° 2, entre outros, todos do Código de Processo Penal. XXII. De notar que no n.º 1 do artigo 91.º, nas als. b) e c), e por identidade (parcial) de razões, também os assistentes e as partes civis estão impedidos de depor como testemunhas, interessados que também são no mesmo desfecho, é assim a especial posição do arguido que dita o impedimento do mesmo a depor como testemunha dado o seu estatuto especial, nada porém obstando a que preste declarações, nomeadamente para se desonerar ou atenuar a sua responsabilidade. XXIII. É assim que o mesmo Tribunal professou o entendimento de que é inconstitucional, por violação do art. 32,º, n.º 5, da CRP, a norma extraída com referência aos art.º' 133.º, 343.º e 345.º do CPP, no sentido em que confere valor de prova às declarações proferidas por um co-arguido em prejuízo do outro co-arguido quando, a instâncias deste outro co-arguido, o primeiro se recusa a responder, no exercício do direito ao silêncio, bem como pronunciou este Supremo Tribunal de Justiça considerando que está vedado ao tribunal valorar as declarações de um co-arguido, proferidas em prejuízo de outro coarguido quando, a instâncias deste, o primeiro se recusa a responder, no exercício do direito ao silêncio, sob pena de violação do art. 32º, n.º 5 da CRP." , Cfr. ainda o Ac. do STJ de 7-2-01 (proc. n.º 4/00-3) quando refere que "As declarações que os arguidos prestem estão tuteladas na sua produção e no seu âmbito pelo estatuto próprio do arguido, devendo ser sujeitas ao princípio do contraditório na medida em que afectem o co-arguido, não valendo contra este se esse contraditório não puder ser estabelecido, mormente pela oposição do arguido produtor da prova” e é exactamente esse o sentido da alteração introduzida pelo nº4 do artigo 345.º do Código de Processo Penal quando proíbe a utilização com meio de prova das declarações de um co-arguido em prejuízo de outro co-arguido quando aquele declarante se recusar a responder ás perguntas que lhe forem feitas pelo juiz ou jurados ou pelo presidente do tribunal a instâncias do Ministério Público; advogado do assistente ou do defensor oficioso. XXIV. Conclui-se, assim, que o depoimento da coarguida em detrimento e contradição com a versão da Recorrente em causa foi incorrectamente provado, não tendo fundamento a declaração de que se encontra provado o facto escrito sob o nº1, 2 e 25. XXV. As circunstâncias de agravação, que, como tal, integram o tipo agravado, e pertencem, num certo limite, ainda à tipicidade, adensam a ilicitude revelando maior contributo na dimensão do perigo para os bens jurídicos que as incriminações dos tráficos de estupefacientes se destinam a tutelar. XXVI. A agravação supõe, pois, uma exasperação do grau de ilicitude já definido e delimitado na muito ampla dimensão dos tipos base - os artigos 21º, 22º e 23º do referido Decreto-Lei, e consequentemente, uma dimensão que, referenciada pelos elementos específicos da descrição das circunstâncias, revele um quid específico que introduza uma medida especialmente forte do grau de ilicitude que ultrapasse consideravelmente o circulo base das descrições tipo. XXVII. O crime base tipificado no artigo 21 do diploma em causa está delineado para assumir uma função de defesa social ou protecção da comunidade perante a actividade de tráfico que se projecta numa dimensão mediana utilizando recursos e propondo meios e objectivos que não apresentam grande traço de dissemelhança perante o perfil que apresenta, normalmente, a patologia criminal deste tipo, e por exclusão de partes a densificação das circunstâncias que apresentam a nota de diferença em sede de carga de ilicitude relevante terá de apresentar-se como algo que apresenta natureza de excepcionalidade ou pelo menos revela, no que respeita a esta circunstância concreta, um procura de avultados proventos económicos, ou seja, ganhos que projectam o agente para um nível superior próprio das grandes organizações a nível nacional ou internacional e resultados de uma dimensão superior em termos financeiros. XXVIII. Reportando-nos á decisão supracitada dir-se-á que o acto ilícito tem de apresentar uma projecção de especial saliência, avaliada por elementos objectivos que revertem, necessariamente, á intensidade (mais que à duração) da actividade conjugada com as quantidades de produto e montantes envolvidos nos "negócios" - o que aponta para operações ou "negócios" de grande tráfico, longe, por regra, das configurações da escala de base típicas e próprias do «dealer de rua» urbano e suburbano ou do seu sucedâneo no espaço rural. XXIX. A Recorrente sempre trabalhou durante a sua vida, em limpezas, num restaurante, o que a levou a poupar e a compra de uma viatura à volta de € 20.000,00 não é sequer um valor elevado! XXX. O que caracteriza uma boa exposição factual são os critérios de exposição e esses são simples: quem, o quê, onde, como, quando e porquê, sendo que a data, local, comportamentos concretos levados ao pormenor possível mas tendencialmente esgotante de um agir humano, os meios utilizados e circunstâncias da acção, circunstâncias envolventes relevantes, o que – no “pedaço de vida” – possa ser juridicamente relevante e permita o processo mental de todos – acusador, defesa e tribunal – no descortinar se esse agir humano “cabe” no tipo, permite aferir da ilicitude, culpa, maior ou menor perigosidade da acção, desvalor do resultado, o habitual. (…..). XXXI. Neste tipo de crimes onde a intensidade do agir humano está no centro da definição de um tipo penal muito amplo (maus-tratos, violência doméstica, tráfico de droga), a precisa indicação e concretude dos factos necessários à integração no tipo é elemento essencial do julgamento. E é, na sequência, o cerne do direito de defesa, pelo que a alegação factual – em qualquer imputação penal - não pode ser facilitada pelo uso de formas gerais, imprecisas, sem individualização de cada um dos factos, com utilização de fórmulas “vagas, imprecisas, nebulosas, difusas, obscuras”, nestes tipos de crime a exigência é muito maior dada a amplitude do tipo penal. XXXII. Não se podem considerar como “factos” as imputações genéricas, em que não se indica o lugar, nem o tempo, nem a motivação, nem o grau de participação, nem as circunstâncias relevantes, mas um conjunto fáctico não concretizado, pois a aceitação dessas afirmações para efeitos penais inviabiliza o direito de defesa e, assim, constitui uma grave ofensa aos direitos constitucionais previstos no art.º 32.º da Constituição, por isso, será de ter por não escrita aquela imputação genérica, “ a arguida BB de entregar, na sua casa, as mala com produto estupefaciente às raparigas que aceitavam o transporte .” XXXIII. E, feita uma leitura cuidada da decisão recorrida (e da acusação que lhe está na base), esse mínimo não foi cumprido, os factos não estão datados ou temporalmente delimitados em períodos de tempo aceitáveis, o(s) local(ais) não estão definidos minimamente, o modo e circunstâncias da acção nem são referidos – incluindo a identificação e quantidade aproximada do estupefaciente – e isolada ou no conjunto não permitem a percepção do que é imputado e o accionar de mecanismos de defesa. XXXIV. Assim quanto aos factos 1), 2) e 25) deverá ser retirado o nome da arguida ora recorrente, devendo ter-se como não escritos por violação irreparável do acusatório, contraditório e das garantias de defesa em processo penal – artigo 32º do Constituição da República Portuguesa. XXXV. Tudo o resto que consta dos factos dados como provados é quase surreal: dispor de telemóveis, fazer chamadas por telemóvel, recebê-las, contactar com pessoas, frequentar os mesmos locais, não são actividades ilícitas e ser escutada a falar sobre estupefacientes, a referir a sua qualidade e falar na sua aquisição não são igualmente actividades ilícitas, sendo que a concretização desses diálogos é que é uma actividade ilícita e essa concretização não pode ser dispensada e nenhuma jurisprudência a dispensa. XXXVI. O que não se pode fazer – e foi isso que se fez – é presumir a posse e tráfico a partir de escutas telefónicas. É a perversão do sistema!Isto porquanto as escutas telefónicas não são um meio de prova, são um meio de obtenção de prova, mas são uma forma de obter prova, não são a prova de tráfico, desta forma a absolvição da arguida impõe-se. XXXVII. Das provas recolhidas em investigação, não pode existir qualquer referência de que a arguida utilizasse o veículo para práticas ilícitas, logo nunca recaiu nenhuma suspeita sobre esta, por essa mesma razão a recusar a devolução do veículo, está a violar o estabelecido no artigo 178.º, n.º 1, do Código de Processo Penal. XXXVIII. Face ao caso em concreto não existe qualquer ligação efectiva que o valor que foi usado para adquirir o referido veículo tenha proveniência da pratica de tráfico de estupefacientes e não fazendo sentido a apreensão do mesmo dever-se-á proceder á sua devida restituição à ora recorrente. XXXIX. No caso concreto tem necessariamente de existir uma dúvida quanto á prática pela Recorrente dos factos conforme vêm descritos no Acórdão que levaram à sua condenação, e esta dúvida sempre terá que privilegiar a Arguida e Recorrente, em prol do principio in dúbio pró réu, nos termos do art. 32.º n.º2 do CRP. XL. Não existindo um ónus de prova que recaia sobre os intervenientes processuais e devendo o tribunal investigar autonomamente a verdade, deverá este não desfavorecer o arguido sempre que não logre a prova do facto; isto porque o princípio in dubio pro reo, uma das vertentes que o princípio constitucional da presunção de inocência (art. 32.º, n.º 2, 1.ª parte, da CRP) contempla, impõe uma orientação vinculativa dirigida ao juiz no caso da persistência de uma dúvida sobre os factos: em tal situação, o tribunal tem de decidir pro reo. XLI. É falso que a arguida tenha assim agido de forma livre, voluntária e consciente, sabendo que as suas condutas eram proibidas e punidas por lei. XLII. A douta DECISÃO recorrida violou o disposto no n.º 1 do artigo 347º e artigo 181º, ambos do Código Penal, os artigos 21º e 27º da Constituição da República Portuguesa, os artigos 254º, 255º e 256º, todos do Código de Processo Penal, pelo que deve ser revogada e substituída por outra que absolva a Arguida, ora Recorrente, do crime pelo qual foi condenada. XLIII. Sem conceder do pedido de absolvição da Recorrente formulado nos artigos anteriores, por mera cautela e dever de patrocínio se considera a pena aplicada de 6 anos e 2 meses de prisão efectiva é manifestamente excessiva atendendo à jurisprudência existente, atendendo que a Recorrente, pessoa humilde, analfabeta, agora com 49 anos de idade não tem antecedentes criminais e ponderadas as circunstâncias do crime e a personalidade da recorrente, caso esta não fosse absolvida, deveria ter-se aplicado uma pena até 5 anos de prisão e suspensa na sua execução. TERMOS EM QUE E NOS DEMAIS DE DIREITO DEVE SER DADO PROVIMENTO AO PRESENTE RECURSO E, POR VIA DELE, SER REVOGADA A SENTENÇA RECORRIDA E, EM CONSEQUÊNCIA, SER A RECORRENTE ABSOLVIDA DO CRIMES DE QUE FOI CONDENADA, E CASO ASSIM NÃO SE ENTENDA QUE SEJA REDUZIDA A MEDIDA DA PENA APLICADA AOS LIMITES MINIMOS LEGAIS, COM A APLICAÇÃO DE UMA PENA ATÉ 5 ANOS DE PRISÃO SUSPENSA NA SUA EXECUÇÃO. FAZENDO-SE, ASSIM, A HABITUAL E NECESSÁRIA JUSTIÇA “ 3. Respostas aos recursos I- Do Ministério Público Regularmente admitidos os recursos (a 9julho2024 - ref. 57575078), o Ministério Público junto do Tribunal a quo respondeu individualmente aos mesmos nos termos infra, com formulação de concretas e individuais conclusões, pugnando no sentido de que a decisão recorrida não merece censura, na possível súmula e nos termos que se transcrevem (SIC, com exceção do itálico) Resposta ao Recurso da Arguida CC (vale aqui, ainda que para a sede de resposta, o teor da nota que supra se consignou quanto à caraterização qualificativa das conclusões apresentadas) 1. Como questão prévia: No requerimento de recurso que apresenta, a recorrente não refere as normas jurídicas que, em seu entender, foram violadas pela decisão recorrida quanto à matéria de facto nem de direito. 2. Assim, pugnamos pela procedência da questão prévia, consequentemente deve ser em rejeitado o recurso interposto pelo recorrente quanto à matéria de facto impugnada, nos termos dos artigos 412.º n.º 1, 2, 3 e 6, 417.º n.º 6 b) e artigo 420.º, n.º 2 do Código do Processo Penal. 3. Nestes autos as declarações prestadas pela arguida, espontaneamente, que são ouvidas pelo órgão de polícia criminal, enquanto é conduzida ao estabelecimento prisional, em carro de órgão de polícia criminal, nesta situação, uma vez que se trata de declarações proferidas fora do processo, já não será de aplicar o artigo 356.º, n.º 7, mas sim o artigo 129.º do Código do Processo Penal. Contudo este artigo não se aplica quanto aos casos em que a fonte de ouvir dizer é o arguido, que é o caso dos autos. 4. Pelo exposto não se vislumbra que tenha sido postergado qualquer direito material ou processual da recorrente, digno de relevo em termos de nulidade ou de mera irregularidade. 5. Contudo sendo nula a referida prova, tal prova não vem elencada na acusação pública como meio de prova. Aquelas informações que foram fornecidas pela arguida DD e que consta do auto de diligência de fls. 194/194 não foram conditio sine qua non da descoberta dos factos que envolve a recorrente nem das diligências de investigação e de prova que quanto à mesma foram realizadas nos autos, pois que tais factos e diligências sempre seriam alcançados/produzidos independentemente daquele auto. Pelo que deve improceder a pretensão da recorrente. 6. Quanto à prova cumpre dizer que a prova feita em Tribunal foi devidamente ponderada pelo Tribunal recorrido, que aplicou corretamente ao caso a lei aplicável, e encontrou o sancionamento devido, termos em que nenhuma censura merece o douto acórdão. 7. A recorrente não tem razão, pois o acórdão impugnado não merece qualquer censura, pois que não enferma de omissões, nulidades ou vícios. A decisão recorrida mostra-se lógica, conforme às regras de experiência comum e é fruto de uma adequada apreciação da prova, segundo o princípio consagrado no artigo 127.º do Código do Processo Penal. 8. O acórdão refere claramente os meios de prova que serviram para o tribunal formar a sua convicção, garantindo que nele se seguiu um processo lógico e racional na apreciação da prova, não omitindo a fundamentação no sentido da valoração das provas e da razão lógica da condenação do recorrente, não constituindo, portanto, uma decisão ilógica, arbitrária, contraditória ou materialmente violadora das regras da experiência comum. 9. A recorrente limita-se a expor o seu julgamento dos factos, divergente daquele que foi feito pelo Tribunal, e tendo, como se verificou, este formado a sua convicção com provas não proibidas por lei, prevalece a convicção do tribunal sobre aquela que formulou o recorrente.Ao contrário do que defende o recorrente o Tribunal não fez um juízo critico valorativo atentatório dos essenciais princípios da justiça, da legalidade, da dignidade da pessoa humana, da razoabilidade, da proporcionalidade e do espírito ressocializador ínsito à matriz do nosso estado de direito democrático e às finalidades das penas - “Fins das penas”. 10. Na verdade, o douto acórdão recorrido como já referimos, não merece qualquer censura porque fez correta aplicação do direito à matéria de facto provada, nem violou qualquer disposição legal, pelo que deve ser mantido nos seus precisos termos. 11. A livre apreciação que, se por um lado se afasta de um sistema de prova legal (baseada em regras legais predeterminantes do seu valor), por outro, não admite também uma apreciação fundada apenas na convicção íntima e subjetiva do julgador. 12. Ao contrário do pretende defender a recorrente a livre apreciação da prova significa que o tribunal está vinculado ao dever de perseguir a verdade material do caso concreto que é trazido à sua apreciação, de tal modo que esta, embora livre, há de ser motivada e controlável, quer pelos destinatários da decisão quer pelas instâncias de recurso. Por isso se exige a explicitação do percurso lógico do julgador na decisão sobre a matéria de facto, que está na génese da sua convicção. A consequência deste sistema reflete-se, desde logo, na possibilidade de o tribunal formar a sua convicção na base do depoimento de uma testemunha, em desfavor do testemunho contrário, e fundar a convicção no depoimento de um mero declarante em desfavor de prova testemunhal, esta, em abstrato, com maior dignidade probatória. 13. No caso concreto consideraram-se também as máximas indiciárias fazendo-se relevar o tipo de testemunhos prestados que, juntamente com os pontos cristalizados do lastro de coincidência, não temos dúvidas que os arguidos AA, BB e CC agiam no contexto de rede de tráfico de estupefacientes de haxixe, com o objetivo de fazer o transporte de mais de uma dezenas de quilos desse produto em malas de porão do continentes para .... 14. É ainda de referir a recorrente nem sequer indicou especificadamente os pontos de que discorda, nem que outras provas poderiam impor decisão diversa, apenas manifesta a sua discordância em relação à valoração da prova feita pelo tribunal recorrido, afirmando que só os depoimentos da coarguida DD é insuficiente para sua condenação. 15. Contudo, no presente caso, a recorrente, fazendo no corpo da motivação as especificações previstas no artigo 412.º, n.º 3 do Código do Processo Penal, o que fez, realmente, foi uma interpretação alternativa da prova produzida em audiência, o que sendo compreensível, não é relevante como impugnação da matéria de facto, porque, por um lado, isso corresponderia à reapreciação global da prova produzida, o que, como vimos, não é admissível em sede de recurso, e, por outro ainda, porque corresponde à mera contraposição das suas convicções à do tribunal recorrido. 16. Ainda que assim não fosse, o tribunal, na fundamentação da matéria de facto explicou, com clareza e detalhadamente, o caminho lógico que percorreu para dar como provada aquela matéria e esse caminho foi razoável e corresponde a uma das soluções plausíveis (diremos mesmo, a mais plausível), segundo as regras da experiência. Deve, pois, improceder o recurso. 17. Também não vislumbramos na decisão recorrida qualquer dos vícios previstos no artigo 410., n.º 2 do Código do Processo Penal, que são de conhecimento oficioso e têm que resultar do próprio texto da decisão recorrida, por si só ou conjugado com as regras da experiência comum. 18. Da sua análise podemos concluir que nele se seguiu um processo lógico e racional na apreciação da prova. No caso concreto, não aquilatamos a existência de erro quanto à matéria de facto, quer em termos impugnação ampla, quer restrita, sem que se tivesse vislumbrado qualquer irregularidade relevante. 19. Neste caso específico, nem sequer estamos perante uma verdadeira impugnação da matéria de facto, pois o recorrente não cumpriu nenhum dos pressupostos exigidos pelo disposto no artigo 412.º nº 3 do Código do Processo Penal. O recurso deve improceder quanto à impugnação da matéria de facto. 20. E, tendo, como se verificou, formado a sua convicção com provas não proibidas por lei e seguindo todo um processo lógico e de acordo com as regras da experiência comum, prevalece a convicção do tribunal sobre aquela que formula o Recorrente. 21. Por todo o exposto, o douto acórdão recorrido não merece qualquer censura porque fez correta aplicação do direito à matéria de facto provada, nem violou qualquer disposição legal, pelo que deve ser mantido nos seus precisos termos. Em concreto, o tribunal recorrido fixou a matéria de facto, no estrito cumprimento do artigo 374.º, n.º 2 do Código do Processo Penal, ao contrário do que defende a recorrente. 22. Portanto, a determinação da pena concreta foi feita dentro destes limites legais. A pena concreta não ultrapassou a medida da culpa, e atendeu às exigências da prevenção geral e especial. 23. Perante este quadro a pretensão do arguido/recorrente no sentido da redução de pena não deve proceder, não devendo ser alterada, já que se situa junto ao limite mínimo da pena, muito aquém do seu meio, e longínqua do limite máximo. 24. Assim, no caso concreto, atendendo a toda a factualidade, entendemos que não se verificam circunstâncias suscetíveis de mitigar a responsabilidade da arguida, concluindo que a pena aplicada é justa e adequada, sendo de manter, não violou quaisquer preceitos legais. 25. No caso vertente a factualidade sob colação revela-se particularmente censurável, visto que a conduta da recorrente denotou total, absoluto e reiterado desrespeito pelas normas penais vigentes, e principalmente os tráficos de droga constituem, hoje, nas sociedades desenvolvidas, um dos fatores que provocam maior perturbação e comoção social, tanto pelos riscos (e incomensuráveis danos) para bens e valores fundamentais como a saúde física e psíquica de milhares de cidadãos, especialmente jovens, com as fraturas devastadoras nas famílias e na coesão social primária, os comportamentos desviantes conexos sobretudo nos percursos da criminalidade adjacente e dependente, como pela exploração das dependências que gera lucros subterrâneos, alimentando economias criminais, que através de reciclagem contaminam a economia legal. 26. O reconhecimento do fenómeno e da comoção social que provoca, faz salientar a necessidade de acautelar as finalidades de prevenção geral na determinação das penas como garantia da validade das normas e de confiança da comunidade, mas, do mesmo passo, não podem ser descuradas as finalidades de reinserção dentro do modelo de prevenção especial. 27. Por fim sempre se dirá que, no caso “sub judice”, a simples censura do facto e a ameaça da prisão, subjacentes à suspensão de execução da pena, não atingem, de forma adequada e suficiente, as finalidades da punição. Portanto, a prognose feita no caso do arguido destes autos, só poderia ser negativa. 28. Pelo exposto consideramos que a pena de 6 anos e 2 meses de prisão efetiva à arguida é justa, adequada e necessária ao crime cometido e à personalidade evidenciada por aquela, pelo que o Tribunal a quo, ao aplicar tal pena, não violou o disposto nos artigos 40.º, 70.º e 71.º e 77.º, todos do Código Penal, embora o recorrente não alegue, como consequência, o recurso não merece provimento. Vossas Excelências, melhor saberão fazendo, JUSTIÇA!” ii) Resposta ao Recurso do Arguido AA (vale aqui, ainda que para a sede de resposta, o teor da nota que supra se consignou quanto à caraterização qualificativa das conclusões apresentadas) 1. “Ao contrário do defende o recorrente não estamos perante uma mera alteração da qualificação jurídica, há apenas a indicação de uma nova qualificativa (al. j) além da al. c) do artigo 24.º trafico agravado por qual o arguido vinha acusado, pois quanto os factos se mantêm intocados, e também não se procede a uma qualificação jurídica diversa da que constava da acusação, pelo que entendemos que essa alteração não é equiparada pelo legislador à alteração não substancial dos factos – n.º 3 do artigo 358.º do Código do Processo Penal, visto que o arguido se defendeu em relação a todos os elementos de facto e normativos pelos quais foi julgado, não há qualquer agravamento da moldura penal. 2. Pelo que deve improceder, assim, o recurso do arguido, sendo de manter na íntegra a decisão recorrida, o acórdão recorrido padece de nulidade por violação do disposto no artigo 379º, n.º 1, al. b) e c) do Código de Processo Penal. 3. Não tem razão o recorrente quando alega que o Tribunal recorrido valorou, integralmente, as declarações da arguida EE, tendo assentado como provados factos resultantes daquelas declarações que foram prestadas, mas nunca contraditadas pela defesa do arguido recorrente. Parece de óbvia conformidade ao direito, que o Tribunal possa, e deva ponderar as declarações de coarguidos no processo penal. 4. Tal possibilidade decorre, desde logo, do artigo 125.º citado, conjugado com outras normas de onde resulta essa possibilidade. E sem que disto resulte qualquer inconstitucionalidade, como tem vindo a afirmar o Tribunal Constitucional, sobretudo desde 2004. 5. Ao nível a que estamos aqui, no entanto, a questão que se coloca é mais a de credibilidade do que a de admissibilidade, o que sempre dependerá da prudência com que o decisor souber avaliar cada declaração no contexto da prova, deixando esse juízo absolutamente clarificado na motivação da decisão. Ou seja, 6. A admissibilidade do depoimento do arguido como meio de prova em relação aos demais coarguidos não colide minimamente com o catálogo de direitos que integram o estatuto inerente àquela situação e está adequada á prossecução de legítimos e relevantes objetivos de política criminal nomeadamente no que toca á luta contra criminalidade organizada, como é o caso em apreço. 7. Nem faria grande sentido excluir do acervo probatório uma prova que assenta no princípio de que os arguidos, principais atores nos factos, terem o direito a deles falarem, independentemente de a sua versão colher, ou não [conclusão que já decorre de pressupostos diversos], em obediência ao escopo do processo que terá de ser sempre a busca da verdade, ou da verdade material como se vai dizendo. 8. Ao remeter-se ao silêncio em julgamento quando lhe foram formuladas questões pela defesa do coarguido AA– fase privilégio para a produção de prova -, a arguida que em depoimento prestado perante a juíz presidente do coletivo inculpou os demais na prática de atos ilícitos está a impedir que estes, perante o Tribunal que os julga e tem o poder de decisão final sobre a prova e culpabilidade, se defendam daquelas alegações com instrumento de igual valia . 9. Mais do que isso, está a impedir o próprio Tribunal de fazer essa avaliação de forma íntegra, inviabilizando a que possa chegar à imagem total do facto sem a colocação de sucessivos filtros que acabam por adulterar aquela e podem deturpa-lhe a visão. 10. Claro que isto é mais evidente quando não concorram para a prova dos factos muitos outros meios de prova. O que não é o caso dos autos em que temos outros meios de prova, – com as próprias declarações em julgamento do recorrente que “foi a DD que lhe pediu para marcar as três viagens da EE, o que fez, recebendo por cada uma dessas viagens o mesmo valor de 400,00 €. Confirmou que nessas três vezes recebeu a EE em ..., que não foi ele que procedeu à recepção efectiva das malas nem ao pagamento dos 1.500,00 €, mas sim o “...” que se deslocou ao encontro deles e tratou das coisas directamente com a EE”. – As mensagens que constam de: – fls. 1479 a 1480, trocadas entre ela própria e o arguido AA (que tratava por queto) no dia ........2023, referindo que nessa altura o acordo era que ainda trouxesse a mala com algo ilícito pelo valor de 1.500,00 €, o que acabou por desistir de fazer, fazendo apenas uma “viagem de teste”. – fls. 1527, 1528, 1529 e 1530 trocadas entre ela própria e a arguida EE (que tratava por ...) no dia ........2023, dizendo que não se recorda; – fls. 1544 a 1546 (fotograma n.º 87, 88, 89), e transcrições trocadas entre ela própria e a arguida EE, no dia ........2023, dizendo que não sabia que a CC era a namorada do AA; 11. Assim ao abrigo do princípio da livre apreciação (artigo 127.º do Código do Processo Penal), toda esta prova foi valorada, não estando o Tribunal recorrido impedido de o fazer, pois assenta na liberdade [entendida como universo de permissões] e não no arbítrio do próprio Tribunal. 12. Ao contrário do que o recorrente quer transmitir a coarguida apenas se recusou a responder a questões já tinham sido respondidas, mas que a defesa insistiu novamente em questionar. 13. Sendo, como tal, indiferente a recusa responder daí que não se impõe, como tal, que seja a decisão expurgada desse meio de prova [quantos aos coarguidos]. 14. Pelo que deve ser julgado improcedente o recurso do arguido quanto ao alegado vicio de insuficiência para decisão da matéria de facto dada como provada, nos termos doa artigo 410.º, n.º 2 al. a) do Código do Processo Penal. 15. Quanto à prova cumpre dizer que a prova feita em Tribunal foi devidamente ponderada pelo Tribunal recorrido, que aplicou corretamente ao caso a lei aplicável, e encontrou o sancionamento devido, termos em que nenhuma censura merece o douto acórdão. 16. A recorrente não tem razão, pois o acórdão impugnado não merece qualquer censura, pois que não enferma de omissões, nulidades ou vícios. A decisão recorrida mostra-se lógica, conforme às regras de experiência comum e é fruto de uma adequada apreciação da prova, segundo o princípio consagrado no artigo 127.º do Código do Processo Penal. 17. O acórdão refere claramente os meios de prova que serviram para o tribunal formar a sua convicção, garantindo que nele se seguiu um processo lógico e racional na apreciação da prova, não omitindo a fundamentação no sentido da valoração das provas e da razão lógica da condenação do recorrente, não constituindo, portanto, uma decisão ilógica, arbitrária, contraditória ou materialmente violadora das regras da experiência comum. 18. A recorrente limita-se a expor o seu julgamento dos factos, divergente daquele que foi feito pelo Tribunal, e tendo, como se verificou, este formado a sua convicção com provas não proibidas por lei, prevalece a convicção do tribunal sobre aquela que formulou o recorrente. Ao contrário do que defende o recorrente o Tribunal não fez um juízo critico valorativo atentatório dos essenciais princípios da justiça, da legalidade, da dignidade da pessoa humana, da razoabilidade, da proporcionalidade e do espírito ressocializador ínsito à matriz do nosso estado de direito democrático e às finalidades das penas - “Fins das penas”. 19. Na verdade, o douto acórdão recorrido como já referimos, não merece qualquer censura porque fez correta aplicação do direito à matéria de facto provada, nem violou qualquer disposição legal, pelo que deve ser mantido nos seus precisos termos. 20. A livre apreciação que, se por um lado se afasta de um sistema de prova legal (baseada em regras legais predeterminantes do seu valor), por outro, não admite também uma apreciação fundada apenas na convicção íntima e subjetiva do julgador. 21. Ao contrário do pretende defender a recorrente a livre apreciação da prova significa que o tribunal está vinculado ao dever de perseguir a verdade material do caso concreto que é trazido à sua apreciação, de tal modo que esta, embora livre, há de ser motivada e controlável, quer pelos destinatários da decisão quer pelas instâncias de recurso. Por isso se exige a explicitação do percurso lógico do julgador na decisão sobre a matéria de facto, que está na génese da sua convicção. A consequência deste sistema reflete-se, desde logo, na possibilidade de o tribunal formar a sua convicção na base do depoimento de uma testemunha, em desfavor do testemunho contrário, e fundar a convicção no depoimento de um mero declarante em desfavor de prova testemunhal, esta, em abstrato, com maior dignidade probatória. 22. No caso concreto consideraram-se também as máximas indiciárias fazendo-se relevar o tipo de testemunhos prestados que, juntamente com os pontos cristalizados do lastro de coincidência, não temos dúvidas que os arguidos AA, BB e CC agiam no contexto de rede de tráfico de estupefacientes de haxixe, com o objetivo de fazer o transporte de mais de uma dezenas de quilos desse produto em malas de porão do continentes para .... 23. É ainda de referir a recorrente apenas indicou os pontos da matéria de facto que considera incorretamente julgados, mas não indica que outras provas poderiam impor decisão diversa, apenas manifesta a sua discordância em relação à valoração da prova feita pelo tribunal recorrido, alegando erro na sua valoração pelo Tribunal recorrido. 24. Contudo, no presente caso, o recorrente, fazendo no corpo da motivação as especificações previstas no artigo 412.º, n.º 3 do Código do Processo Penal, o que fez, realmente, foi uma interpretação alternativa da prova produzida em audiência, o que sendo compreensível, não é relevante como impugnação da matéria de facto, porque, por um lado, isso corresponderia à reapreciação global da prova produzida, o que, como vimos, não é admissível em sede de recurso, e, por outro ainda, porque corresponde à mera contraposição das suas convicções à do tribunal recorrido. 25. Ainda que assim não fosse, o tribunal, na fundamentação da matéria de facto explicou, com clareza e detalhadamente, o caminho lógico que percorreu para dar como provada aquela matéria e esse caminho foi razoável e corresponde a uma das soluções plausíveis (diremos mesmo, a mais plausível), segundo as regras da experiência. Deve, pois, improceder o recurso. 26. Também não vislumbramos na decisão recorrida qualquer dos vícios previstos no artigo 410., n.º 2 do Código do Processo Penal, que são de conhecimento oficioso e têm que resultar do próprio texto da decisão recorrida, por si só ou conjugado com as regras da experiência comum. 27. Da sua análise podemos concluir que nele se seguiu um processo lógico e racional na apreciação da prova. No caso concreto, não aquilatamos a existência de erro quanto à matéria de facto, quer em termos impugnação ampla, quer restrita, sem que se tivesse vislumbrado qualquer irregularidade relevante. 28. Neste caso específico, nem sequer estamos perante uma verdadeira impugnação da matéria de facto, pois o recorrente não cumpriu nenhum dos pressupostos exigidos pelo disposto no artigo 412.º nº 3 do Código do Processo Penal. O recurso deve improceder quanto à impugnação da matéria de facto. 29. E, tendo, como se verificou, formado a sua convicção com provas não proibidas por lei e seguindo todo um processo lógico e de acordo com as regras da experiência comum, prevalece a convicção do tribunal sobre aquela que formula o Recorrente. 30. Por todo o exposto, o douto acórdão recorrido não merece qualquer censura porque fez correta aplicação do direito à matéria de facto provada, nem violou qualquer disposição legal, pelo que deve ser mantido nos seus precisos termos. Em concreto, o tribunal recorrido fixou a matéria de facto, no estrito cumprimento do artigo 374.º, n.º 2 do Código do Processo Penal, ao contrário do que defende o recorrente. 31. Ao contrário do que “aguerrida” defesa do recorrente defende, não temos dúvidas que os arguidos AA, BB e CC agiam no contexto de rede de tráfico de estupefacientes de haxixe, com o objetivo de fazer o transporte de mais de uma dezenas de quilos desse produto em malas de porão do continentes para ... (em quilos que rondam, pelo menos, seguramente a média do que foi apreendido arguida DD, pois isso mesmo reflecte o facto de as malas de porão da arguida EE serem de peso superior a 20 quilos, no caso de 23 e 28 kilos), minimamente organizada, em que cada um tinha o seu papel e poder de decisão, o que já vinham fazendo pelo menos desde Junho de 2022, agindo num grupo constituído por três pessoas, cada um com o seu papel e poder de decisão, e ainda com o objetivo de obterem um vantagem elevada fruto dessa atividade. 32. Pelo não restam dúvidas que o recorrente praticou o criem de trafico agravado p. e p. pelos artigos 21.º e 24.º al. c) e j) do Decreto-lei n.º 15/93 de 22.02. 33. Portanto, a determinação da pena concreta foi feita dentro destes limites legais. A pena concreta não ultrapassou a medida da culpa, e atendeu às exigências da prevenção geral e especial. 34. Perante este quadro a pretensão do arguido/recorrente no sentido da redução de pena não deve proceder, não devendo ser alterada, já que se situa junto ao limite mínimo da pena, muito aquém do seu meio, e longínqua do limite máximo. 35. Assim, no caso concreto, atendendo a toda a factualidade, entendemos que não se verificam circunstâncias suscetíveis de mitigar a responsabilidade da arguida, concluindo que a pena aplicada é justa e adequada, sendo de manter, não violou quaisquer preceitos legais. 36. No caso vertente a factualidade sob colação revela-se particularmente censurável, visto que a conduta do recorrente denotou total, absoluto e reiterado desrespeito pelas normas penais vigentes, e principalmente os tráficos de droga constituem, hoje, nas sociedades desenvolvidas, um dos fatores que provocam maior perturbação e comoção social, tanto pelos riscos (e incomensuráveis danos) para bens e valores fundamentais como a saúde física e psíquica de milhares de cidadãos, especialmente jovens, com as fraturas devastadoras nas famílias e na coesão social primária, os comportamentos desviantes conexos sobretudo nos percursos da criminalidade adjacente e dependente, como pela exploração das dependências que gera lucros subterrâneos, alimentando economias criminais, que através de reciclagem contaminam a economia legal. 37. O reconhecimento do fenómeno e da comoção social que provoca, faz salientar a necessidade de acautelar as finalidades de prevenção geral na determinação das penas como garantia da validade das normas e de confiança da comunidade, mas, do mesmo passo, não podem ser descuradas as finalidades de reinserção dentro do modelo de prevenção especial. 38. Por fim sempre se dirá que, no caso “sub judice”, a simples censura do facto e a ameaça da prisão, subjacentes à suspensão de execução da pena, não atingem, de forma adequada e suficiente, as finalidades da punição. Portanto, a prognose feita no caso do arguido destes autos, só poderia ser negativa. 39. Mesmo que fosse aplicado ao recorrente uma pena 5 anos, face à postura do arguido, refletida nos próprios factos, e bem assim na sua conduta aquando da sua abordagem inicial, com a fuga da polícia, quer durante o julgamento, com a não assunção da sua inteira responsabilidade, revelando uma atitude de indiferença e irrelevância do seu papel, denotam que, afinal, existem necessidade de prevenção especial que devem ser acauteladas com firmeza. 40. Assim, entendemos que tal circunstância é também reveladora de que as necessidades de prevenção especial se evidenciam. Caso contrário o Tribunal a quo estava a “branquear” de forma desadequada um comportamento do arguido e com consequência trágicas e com isso se dar um sinal errado de benevolência desproporcionada. 41. Pelo exposto consideramos que a pena de 8 anos e 6 meses de prisão ao arguido é justa, adequada e necessária ao crime cometido e à personalidade evidenciada por aquela, pelo que o Tribunal a quo, ao aplicar tal pena, não violou o disposto nos artigos 40.º, 70.º e 71.º e 77.º, todos do Código Penal, e, como consequência, o recurso não merece provimento. Vossas Excelências, melhor saberão fazendo, JUSTIÇA!“ iii) Resposta ao Recurso da Arguida BB “(vale aqui, ainda que para a sede de resposta, o teor da nota que supra se consignou quanto à caraterização qualificativa das conclusões apresentadas) 1. Não tem razão a recorrente quando alega que o Tribunal recorrido valorou, integralmente, as declarações da arguida EE, tendo assentado como provados factos resultantes daquelas declarações que foram prestadas, mas nunca contraditadas pela defesa do arguido recorrente. Parece de óbvia conformidade ao direito, que o Tribunal possa, e deva ponderar as declarações de coarguidos no processo penal. 2. Tal possibilidade decorre, desde logo, do artigo 125.º citado, conjugado com outras normas de onde resulta essa possibilidade. E sem que disto resulte qualquer inconstitucionalidade, como tem vindo a afirmar o Tribunal Constitucional, sobretudo desde 2004. 3. Ao nível a que estamos aqui, no entanto, a questão que se coloca é mais a de credibilidade do que a de admissibilidade, o que sempre dependerá da prudência com que o decisor souber avaliar cada declaração no contexto da prova, deixando esse juízo absolutamente clarificado na motivação da decisão. Ou seja, 4. A admissibilidade do depoimento do arguido como meio de prova em relação aos demais coarguidos não colide minimamente com o catálogo de direitos que integram o estatuto inerente àquela situação e está adequada á prossecução de legítimos e relevantes objetivos de política criminal nomeadamente no que toca á luta contra criminalidade organizada, como é o caso em apreço. 5. Nem faria grande sentido excluir do acervo probatório uma prova que assenta no princípio de que os arguidos, principais atores nos factos, terem o direito a deles falarem, independentemente de a sua versão colher, ou não [conclusão que já decorre de pressupostos diversos], em obediência ao escopo do processo que terá de ser sempre a busca da verdade, ou da verdade material como se vai dizendo. 6. Mais do que isso, está a impedir o próprio Tribunal de fazer essa avaliação de forma íntegra, inviabilizando a que possa chegar à imagem total do facto sem a colocação de sucessivos filtros que acabam por adulterar aquela e podem deturpa-lhe a visão. 7. Claro que isto é mais evidente quando não concorram para a prova dos factos muitos outros meios de prova. O que não é o caso dos autos em que temos outros meios de prova, que vão contra a alegação da recorrente de que nada tem a ver com atividade da traficância, nomeadamente as mensagens trocadas com DD e que constam de fls. 1527, 1528, 1529 e 1530 dos autos, na qual não restam dúvidas que foi a arguida BB, ora recorrente, que procedeu à entrega da mala de porão à arguida EE. - com as próprias declarações em julgamento do recorrente que “foi a DD que lhe pediu para marcar as três viagens da EE, o que fez, recebendo por cada uma dessas viagens o mesmo valor de 400,00 €. Confirmou que nessas três vezes recebeu a EE em ..., que não foi ele que procedeu à recepção efectiva das malas nem ao pagamento dos 1.500,00 €, mas sim o “...” que se deslocou ao encontro deles e tratou das coisas directamente com a EE” - com as próprias declarações em julgamento do recorrente que “foi a DD que lhe pediu para marcar as três viagens da EE, o que fez, recebendo por cada uma dessas viagens o mesmo valor de 400,00 €. Confirmou que nessas três vezes recebeu a EE em ..., que não foi ele que procedeu à recepção efectiva das malas nem ao pagamento dos 1.500,00 €, mas sim o “...” que se deslocou ao encontro deles e tratou das coisas directamente com a EE”. - Quanto ao veículo automóvel é anda de salientar que a recorrente juntamente com a arguida CC, para não o arguido, seu filho AA não correr o risco de perder o veículo a favor do Estado, decidiu não só retirá-lo de circulação (estacionando-o em parques de estacionamento afastados da residência), como passar para o nome da mãe, a arguida BB. Isto mesmo resulta das escutas telefónicas – sessão 5344, de fls. 1338 e 1339, sessão 7203, de fls. 1348 e 1350, sessão 7214 de fls. 1351 a 1352, sessão 7663, de fls. 1353 a 1355, sessão 7782, de fls. 1356 a 1358, sessão 26 de fls. 1362 a 1365, sessão 34 de fls. 1366 a 1369, sessão 41 de fls. 1370 a 1373 e sessão 3117 de fls. 1374 a 1376 e sessão 3202 de fls, 1376 a 1379. - As mensagens que constam de: - fls. 1479 a 1480, trocadas entre ela própria e o arguido AA (que tratava por queto) no dia ........2023, referindo que nessa altura o acordo era que ainda trouxesse a mala com algo ilícito pelo valor de 1.500,00 €, o que acabou por desistir de fazer, fazendo apenas uma “viagem de teste”. - fls. 1527, 1528, 1529 e 1530 trocadas entre ela própria e a arguida EE (que tratava por ...) no dia ........2023, dizendo que não se recorda; - fls. 1544 a 1546 (fotograma n.º 87, 88, 89), e transcrições trocadas entre ela própria e a arguida EE, no dia ........2023, dizendo que não sabia que a CC era a namorada do AA; 8. Assim ao abrigo do princípio da livre apreciação (artigo 127.º do Código do Processo Penal), toda esta prova foi valorada, não estando o Tribunal recorrido impedido de o fazer, pois assenta na liberdade [entendida como universo de permissões] e não no arbítrio do próprio Tribunal. 9. Pelo que deve ser julgado improcedente o recurso da recorrente quanto ao alegado vicio de insuficiência para decisão da matéria de facto dada como provada, nos termos doa artigo 410.º, n.º 2 al. a) do Código do Processo Penal. 10. Quanto à prova cumpre dizer que a prova feita em Tribunal foi devidamente ponderada pelo Tribunal recorrido, que aplicou corretamente ao caso a lei aplicável, e encontrou o sancionamento devido, termos em que nenhuma censura merece o douto acórdão. 11. A recorrente não tem razão, pois o acórdão impugnado não merece qualquer censura, pois que não enferma de omissões, nulidades ou vícios. A decisão recorrida mostra-se lógica, conforme às regras de experiência comum e é fruto de uma adequada apreciação da prova, segundo o princípio consagrado no artigo 127.º do Código do Processo Penal. 12. O acórdão refere claramente os meios de prova que serviram para o tribunal formar a sua convicção, garantindo que nele se seguiu um processo lógico e racional na apreciação da prova, não omitindo a fundamentação no sentido da valoração das provas e da razão lógica da condenação do recorrente, não constituindo, portanto, uma decisão ilógica, arbitrária, contraditória ou materialmente violadora das regras da experiência comum. 13. A recorrente limita-se a expor o seu julgamento dos factos, divergente daquele que foi feito pelo Tribunal, e tendo, como se verificou, este formado a sua convicção com provas não proibidas por lei, prevalece a convicção do tribunal sobre aquela que formulou o recorrente. 14. Ao contrário do que defende o recorrente o Tribunal não fez um juízo critico valorativo atentatório dos essenciais princípios da justiça, da legalidade, da dignidade da pessoa humana, da razoabilidade, da proporcionalidade e do espírito ressocializador ínsito à matriz do nosso estado de direito democrático e às finalidades das penas - “Fins das penas”. 15. Na verdade, o douto acórdão recorrido como já referimos, não merece qualquer censura porque fez correta aplicação do direito à matéria de facto provada, nem violou qualquer disposição legal, pelo que deve ser mantido nos seus precisos termos. 16. A livre apreciação que, se por um lado se afasta de um sistema de prova legal (baseada em regras legais predeterminantes do seu valor), por outro, não admite também uma apreciação fundada apenas na convicção íntima e subjetiva do julgador. 17. Ao contrário do pretende defender a recorrente a livre apreciação da prova significa que o tribunal está vinculado ao dever de perseguir a verdade material do caso concreto que é trazido à sua apreciação, de tal modo que esta, embora livre, há de ser motivada e controlável, quer pelos destinatários da decisão quer pelas instâncias de recurso. Por isso se exige a explicitação do percurso lógico do julgador na decisão sobre a matéria de facto, que está na génese da sua convicção. A consequência deste sistema reflete-se, desde logo, na possibilidade de o tribunal formar a sua convicção na base do depoimento de uma testemunha, em desfavor do testemunho contrário, e fundar a convicção no depoimento de um mero declarante em desfavor de prova testemunhal, esta, em abstrato, com maior dignidade probatória. 18. No caso concreto consideraram-se também as máximas indiciárias fazendo-se relevar o tipo de testemunhos prestados que, juntamente com os pontos cristalizados do lastro de coincidência, não temos dúvidas que os arguidos AA, BB e CC agiam no contexto de rede de tráfico de estupefacientes de haxixe, com o objetivo de fazer o transporte de mais de uma dezenas de quilos desse produto em malas de porão do continentes para .... 19. É ainda de referir a recorrente apenas indicou os pontos da matéria de facto que considera incorretamente julgados, mas não indica que outras provas poderiam impor decisão diversa, apenas manifesta a sua discordância em relação à valoração da prova feita pelo tribunal recorrido, alegando erro na sua valoração pelo Tribunal recorrido. 20. Contudo, no presente caso, o recorrente, fazendo no corpo da motivação as especificações previstas no artigo 412.º, n.º 3 do Código do Processo Penal, o que fez, realmente, foi uma interpretação alternativa da prova produzida em audiência, o que sendo compreensível, não é relevante como impugnação da matéria de facto, porque, por um lado, isso corresponderia à reapreciação global da prova produzida, o que, como vimos, não é admissível em sede de recurso, e, por outro ainda, porque corresponde à mera contraposição das suas convicções à do tribunal recorrido. 21. Ainda que assim não fosse, o tribunal, na fundamentação da matéria de facto explicou, com clareza e detalhadamente, o caminho lógico que percorreu para dar como provada aquela matéria e esse caminho foi razoável e corresponde a uma das soluções plausíveis (diremos mesmo, a mais plausível), segundo as regras da experiência. Deve, pois, improceder o recurso. 22. Também não vislumbramos na decisão recorrida qualquer dos vícios previstos no artigo 410., n.º 2 do Código do Processo Penal, que são de conhecimento oficioso e têm que resultar do próprio texto da decisão recorrida, por si só ou conjugado com as regras da experiência comum. 23. Da sua análise podemos concluir que nele se seguiu um processo lógico e racional na apreciação da prova. No caso concreto, não aquilatamos a existência de erro quanto à matéria de facto, quer em termos impugnação ampla, quer restrita, sem que se tivesse vislumbrado qualquer irregularidade relevante. 24. Neste caso específico, nem sequer estamos perante uma verdadeira impugnação da matéria de facto, pois o recorrente não cumpriu nenhum dos pressupostos exigidos pelo disposto no artigo 412.º nº 3 do Código do Processo Penal. O recurso deve improceder quanto à impugnação da matéria de facto. 25. E, tendo, como se verificou, formado a sua convicção com provas não proibidas por lei e seguindo todo um processo lógico e de acordo com as regras da experiência comum, prevalece a convicção do tribunal sobre aquela que formula o Recorrente. 26. Por todo o exposto, o douto acórdão recorrido não merece qualquer censura porque fez correta aplicação do direito à matéria de facto provada, nem violou qualquer disposição legal, pelo que deve ser mantido nos seus precisos termos. Em concreto, o tribunal recorrido fixou a matéria de facto, no estrito cumprimento do artigo 374.º, n.º 2 do Código do Processo Penal, ao contrário do que defende o recorrente. 27. Ao contrário do que a recorrente defende, não temos dúvidas que os arguidos AA, BB e CC agiam no contexto de rede de tráfico de estupefacientes de haxixe, com o objetivo de fazer o transporte de mais de uma dezenas de quilos desse produto em malas de porão do continentes para ... (em quilos que rondam, pelo menos, seguramente a média do que foi apreendido arguida DD, pois isso mesmo reflete o facto de as malas de porão da arguida EE serem de peso superior a 20 quilos, no caso de 23 e 28 kilos), minimamente organizada, em que cada um tinha o seu papel e poder de decisão, o que já vinham fazendo pelo menos desde ..., agindo num grupo constituído por três pessoas, cada um com o seu papel e poder de decisão, e ainda com o objetivo de obterem um vantagem elevada fruto dessa atividade. 28. Pelo não restam dúvidas que a recorrente praticou o crime de trafico agravado p. e p. pelos artigos 21.º e 24.º al. c) e j) do Decreto-lei n.º 15/93 de 22.02 e não o de menor gravidade previsto no artigo 25.º do mesmo diploma legal 29. Portanto, a determinação da pena concreta foi feita dentro destes limites legais. A pena concreta não ultrapassou a medida da culpa, e atendeu às exigências da prevenção geral e especial. 30. Perante este quadro a pretensão da arguida/recorrente no sentido da redução de pena não deve proceder, não devendo ser alterada, já que se situa junto ao limite mínimo da pena, muito aquém do seu meio, e longínqua do limite máximo. 31. Assim, no caso concreto, atendendo a toda a factualidade, entendemos que não se verificam circunstâncias suscetíveis de mitigar a responsabilidade da arguida, concluindo que a pena aplicada é justa e adequada, sendo de manter, não violou quaisquer preceitos legais. 32. No caso vertente a factualidade sob colação revela-se particularmente censurável, visto que a conduta do recorrente denotou total, absoluto e reiterado desrespeito pelas normas penais vigentes, e principalmente os tráficos de droga constituem, hoje, nas sociedades desenvolvidas, um dos fatores que provocam maior perturbação e comoção social, tanto pelos riscos (e incomensuráveis danos) para bens e valores fundamentais como a saúde física e psíquica de milhares de cidadãos, especialmente jovens, com as fraturas devastadoras nas famílias e na coesão social primária, os comportamentos desviantes conexos sobretudo nos percursos da criminalidade adjacente e dependente, como pela exploração das dependências que gera lucros subterrâneos, alimentando economias criminais, que através de reciclagem contaminam a economia legal. 33. O reconhecimento do fenómeno e da comoção social que provoca, faz salientar a necessidade de acautelar as finalidades de prevenção geral na determinação das penas como garantia da validade das normas e de confiança da comunidade, mas, do mesmo passo, não podem ser descuradas as finalidades de reinserção dentro do modelo de prevenção especial. 34. Por fim sempre se dirá que, no caso “sub judice”, a simples censura do facto e a ameaça da prisão, subjacentes à suspensão de execução da pena, não atingem, de forma adequada e suficiente, as finalidades da punição. Portanto, a prognose feita no caso do arguido destes autos, só poderia ser negativa. 35. Mesmo que fosse aplicado ao recorrente uma pena 5 anos, face à postura do arguido, refletida nos próprios factos, e bem assim na sua conduta aquando da sua abordagem inicial, com a fuga da polícia, quer durante o julgamento, com a não assunção da sua inteira responsabilidade, revelando uma atitude de indiferença e irrelevância do seu papel, denotam que, afinal, existem necessidade de prevenção especial que devem ser acauteladas com firmeza. 36. Assim, entendemos que tal circunstância é também reveladora de que as necessidades de prevenção especial se evidenciam. Caso contrário o Tribunal a quo estava a “branquear” de forma desadequada um comportamento do arguido e com consequência trágicas e com isso se dar um sinal errado de benevolência desproporcionada. 37. Pelo exposto consideramos que a pena de 6 anos e 2 meses de prisão ao arguido é justa, adequada e necessária ao crime cometido e à personalidade evidenciada por aquela, pelo que o Tribunal a quo, ao aplicar tal pena, não violou o disposto nos artigos 40.º, 70.º e 71.º e 77.º, todos do Código Penal, e, como consequência, o recurso não merece provimento. Vossas Excelências, melhor saberão fazendo, JUSTIÇA!” 4. Tramitação subsequente Recebidos os autos nesta Relação, o processo foi com vista ao Digníssimo Procurador-Geral Adjunto, o qual, sem acréscimos, acompanhando a posição exarada pelo Ministério Público na 1.ª instância, emitiu parecer (a 9setembro2025 - ref. 22017389) pugnando pela improcedência dos recursos interpostos. Este parecer foi notificado para efeito de eventual contraditório, existindo resposta dos recorrentes AA e BB. Efetuado o exame preliminar, foi determinado que o recurso seja julgado em conferência. Colhidos os vistos legais e realizada a conferência, cumpre apreciar e decidir. II – FUNDAMENTAÇÃO 1. Apreciação do recurso A) Acórdão recorrido Dada a sua relevância para o enquadramento e melhor compreensão do infra a decidir em termos de delimitação do objeto global de recurso, urge, desde já, aqui verter a factualidade que o Tribunal a quo deu como provada e não provada, a motivação de facto e de direito, e ainda, por fim, os fatores de determinação da medida concreta das penas. a. Factos provados “Da acusação pública: 1. O arguido AA, também conhecido como “...”, “...”, ou “...”, natural de ... e da mesma nacionalidade, resolveu, juntamente com a sua mãe, a arguida BB, e a sua namorada, a arguida CC, pelo menos desde ..., dedicarem-se à detenção e transporte de quilos de canábis-resina, vulgo haxixe, de ... para ..., ..., em viagens de avião, com o uso de “correios de droga”, para aqui venderem tal produto estupefaciente pelo dobro do valor. 2. O arguido AA tratava de controlar as chegadas das “correios de droga” a ..., de lhes entregar 1500 euros por cada viagem realizada e enviar os bilhetes de avião por aplicação de telemóvel, a arguida BB de entregar, na sua casa, as malas com produto estupefaciente às raparigas que aceitavam o transporte, e a arguida CC de as conduzir, com as malas de porão, ao aeroporto de ... no carro do arguido, de matrícula ---15--- e de controlar a entrega das malas de porão às companhias aéreas e a entrada das “correios de droga” na área reservada aos passageiros. 3. Para não ser apanhado com haxixe em seu poder, o arguido AA, entre Junho de 2022 e Junho de 2023, usou a aplicação ..., difícil de ser detectada pela polícia, e fez uso de diversos números de telemóvel, a saber: a) ... (que usava designadamente para marcar viagens para correios de droga); b) ... e ... (que usava designadamente para controlar as correios de droga e enviar passagens aéreas pela aplicação ...); c) … (indicado para o ...); d) ... (que usava para contactar a arguida CC, sua namorada, e a sua mãe); e) E ainda os números ..., ... e ..., que usava designadamente para contactar os senhorios das casas de ... que usava para receber as correios de droga. 4. O arguido AA abordou assim raparigas também naturais de ..., às quais propôs o transporte de malas de porão com quilos de haxixe, em viagens aéreas de ... para ..., com contrapartidas económicas de receberem mil e quinhentos euros por cada viagem, e sendo os bilhetes de avião e despesas de alojamento custeadas pelo arguido. 5. Assim o arguido, tendo sido colega de liceu, na zona de ..., da arguida DD, quando a encontrou, no início de 2022, logo idealizou usá-la para o transporte de malas com haxixe, pelo que a convenceu a fazer a viagem. 6. A arguida DD, que usava designadamente o telemóvel com o n.º ... – que lhe veio a ser apreendido a ... de ... de 2023 - aceitou transportar haxixe numa mala de porão, e a ... de ... de 2022, ao arguido AA levou esta arguida para o aeroporto de ..., tendo a arguida viajado de ... para ..., no voo da ..., sem qualquer custo para a arguida, transportando uma mala de porão com produto estupefaciente. 7. A arguida DD, já em ..., na madrugada de ... de ... de 2022, foi ter com um indivíduo conhecido do arguido AA, na ..., que dizia querer ser tratado como “tio”, o qual ficou com a mala de porão, com produto estupefaciente, que a arguida trouxera para ...; a arguida recebeu mil e quinhentos euros. 8. A arguida DD, para também não correr riscos directos com as viagens de ... para ..., e com contrapartida que não foi possível apurar, resolveu contactar outras raparigas para transportarem o produto estupefaciente, isto com o acordo do arguido AA, que passara a tratar por “...” ou “...”, ou “...”, designadamente pela aplicação .... 9. A arguida DD convenceu assim, por três vezes, a ... de ... de 2022, ... de ... de 2022 e ... de ... de 2023, a arguida EE a viajar de avião de ... para ..., transportando de cada vez uma mala de porão com quilos de haxixe, o que era do conhecimento de EE. 10. Com a contrapartida de a arguida EE ter recebido mil e quinhentos euros por cada viagem; a ... de ... de 2022 a mala que transportou para ... no voo da ... foi-lhe entregue pela arguida BB e em casa desta, na ..., tendo a arguida BB colocado perfume tanto na arguida EE como na mala, para disfarçar o cheiro do haxixe; a mala de porão que transportou a ... de ... de 2022 no voo da ... pesava 23 quilos, e a que transportou a ... de ... de 2023 no voo da ... pesava 28 quilos, tendo neste caso a arguida CC, que transportara sempre a arguida para o aeroporto no veículo de matrícula ---15---, pago o excesso de peso da bagagem. 11. A arguida EE, que usava o telemóvel ..., viajou assim naquelas datas para ... e aqui foi encontrar-se sempre com o arguido AA, que controlava a chegada da mesma; da primeira encontraram-se na encontraram-se na ..., da segunda vez na ..., em ..., e da terceira vez na …, em ... - ficando sempre o arguido AA na posse das malas de porão com produto estupefaciente. 12. Todas as viagens acima referidas, de ambas as arguidas, foram custeadas pelo arguido AA, que fez reservas através do seu mail ..., e o arguido indicou um dos seus telemóveis, n.º ..., para contactos das companhias aéreas. 13. No início de ... de 2023, a arguida DD prontificou-se a fazer, ela mesma, um transporte de produto estupefaciente, e depois de contactos para o telemóvel do arguido AA com o n.º ..., este informou a arguida DD que no dia ... de ... de 2023, ao fim da tarde, ia a arguida CC a casa da arguida, para a levar ao aeroporto de ..., com uma mala; o arguido enviou o bilhete de avião à arguida DD pela aplicação ..., por aquele telemóvel. 14. A arguida foi então transportada pela arguida CC, que conduzia um veículo ligeiro de passageiros de matrícula ---15---, marca “...”, de cor preta, até ao aeroporto; veículo pertença do arguido AA, que tivera a matrícula estrangeira ... até ... de ... de 2023, sempre segurada em nome do arguido desde ... de ... de 2023. 15. A arguida CC acompanhou a arguida DD até ao check-in a transportar a mala de porão com produto estupefaciente, e colocou-a no tapete para aferir o peso; após o que controlou a entrada da arguida DD na porta de embarque; isto depois de naquele mesmo dia ... de ... de 2023, a arguida CC, pelas 21:33 horas, ter levantado dinheiro numa caixa ATM do aeroporto, para as despesas de táxi e alimentação da arguida DD em .... 16. Entretanto a arguida DD tinha recebido uma mensagem do arguido AA, pelo telemóvel ..., a informar que a morada para a entrega da mala era na ..., em .... 17. A arguida DD viajou assim de ... para ..., no dia ... de ... de 2023 com a mala de porão que a arguida CC entregara, mas chegada a ..., pelas 23:40 horas, estava em curso uma ação de fiscalização no ... pela Polícia Judiciária, que visionava os passageiros junto à recolha das bagagens de porão do voo …, proveniente do aeroporto … – .... 18. A arguida DD chamou a atenção pela sua postura inquieta, pelas 23:50 horas daquele dia, junto ao tapete de recolha de bagagem; e quando levantou a mala de porão, de cor castanha, tipo troley, que o arguido AA lhe fez entregar pela arguida CC, foi abordada pela polícia. 19. Foi então realizada uma revista à referida bagagem de porão, tendo-se detectado e apreendido oito embalagens envoltas em plástico de cor preta contendo no seu interior 184 placas de canabis-resina, vulgo haxixe, com o peso total de 17.868,352 gramas, grau de pureza entre 23,6% e 33,4% de THC, perfazendo o total de 104736 doses unitárias para consumo, com o valor, no mercado local do tráfico e consumo de tal produto estupefaciente, de cento e quarenta mil euros. 20. Foram ainda apreendidos à arguida DD um telemóvel “...” da marca ..., modelo “XR”, contendo no seu interior um cartão SIM, bem como foram apreendidos uma etiqueta correspondente ao voo ..., com o registo nº ..., respeitante ao passageiro AA, destino ..., ticket; uma mala, tipo trólei, da marca “...”, de cor acastanhada; uma camisola da marca “...”, cor de rosa; uma meias calças, cor rosa claro; duas capas/mantas de cor preta. 21. A arguida DD acompanhou a polícia ao local de entrega do produto estupefaciente, na ..., em ..., e telefonou ao arguido AA dizendo que não encontrava o local. 22. O arguido AA surgiu então naquela ..., tendo saído para a rua e dirigiu-se para a arguida DD; mas vendo também os vultos de pessoas, logo fugiu, a correr, para parte incerta, apesar das ordens de paragem dos polícias que estavam a vigiar o local. 23. O domicílio do arguido AA sito na ... de …de 2023, tendo sido apreendidos: a. 341.739 gramas de produto estupefaciente MDMA, grau de pureza 25.2%, suficiente para 861 doses individuais para consumo, que o arguido destinava a venda a terceiros; b. 1810 euros em dinheiro derivado do negócio de tráfico de estupefacientes, dos quais 1500 euros iriam ser entregues à arguida DD; c. uma etiqueta de mala de viagem, via aérea, com o registo ..., relativa ao passageiro “...” e voo ...; d. um contrato de arrendamento do local buscado, tendo como senhorio II e como inquilino o arguido AA; e. uma embalagem de cartão SIM da ..., n.º ..., e um suporte de cartão SIM n.º ... da mesma operadora de telemóveis; f. um talão de depósito da ... de 1900 euros, em nome de JJ, assinado pelo arguido AA; g. um talão do mesmo banco, de um depósito de 450 euros, assinado pelo arguido AA, para a contra da arguida CC; h. um talão do mesmo banco, de um depósito de 450 euros, assinado pelo arguido AA, para a contra de KK; i. um bilhete electrónico relativo á reserva …, em nome da arguida CC, data de ... de ... de 2023; j. um telemóvel de marca “...”, com os IMEI ... e .... 24. O arguido AA manteve-se escondido em locais incertos de ..., até que foi localizado a ... de ... de 2023 na ... LL, .... 25. Entretanto, para ocultar bens adquiridos com os proventos do tráfico de estupefacientes, conseguiu, com o apoio da arguida BB, registar o veículo de matrícula ---15---, no valor de 22.388 euros, em nome desta, em ... de ... de 2023, e deu ordem para o mesmo não circular na via pública. 26. Esta residência oculta do arguido AA foi alvo de busca, a ... de ... de 2023, sendo encontrado e apreendido: a. em revista ao arguido, um telemóvel da marca ..., modelo Galaxy A04s, de cor preta, contendo inserido um cartão SIM da operadora ...; b. na busca, um telemóvel da marca ..., modelo iPhone 12, de cor azul, com o IMEI ..., com o qual o arguido contactava designadamente as arguidas, e que teve designadamente associados o telemóvel ..., com o qual o arguido indicava as moradas para receber as correios de droga, e o telemóvel ..., com o qual e através da ... o arguido AA controlava aquelas correios e fazia o envio de passagens aéreas; c. um cartão SIM da operadora NOS, que se encontrava no interior do telemóvel da marca ... atrás referido; d. um telemóvel da marca ..., modelo 105, de cor cinzenta, e respetiva caixa de origem; e. outro cartão SIM da operadora ..., que se encontrava no interior do telemóvel da marca ... atrás referido; f. uma caixa de cartão correspondente a um telemóvel da marca ...; g. uma embalagem de papel da operadora ...; h. uma embalagem de papel da operadora NOS, correspondente ao cartão SIM com o número ...; i. uma embalagem de papel da operadora ..., correspondente ao cartão SIM com o número ...; j. e 965 euros em notas, provenientes do negócio de tráfico de estupefacientes. 27. A polícia descobriu o veículo de matrícula ---15--- no parque de estacionamento da C.P. da ..., sendo ali apreendido a ... de ... de 2023. 28. A ... de ... de 2023 a residência da arguida CC na ..., foi alvo de busca, aí sendo apreendido: a. duas balanças de precisão, no móvel da sala; b. um telemóvel marca ..., com a referência ..., em cima da cama da arguida; c. três telemóveis da marca ...; d. uma embalagem de cartão SIM, da ..., associada ao n.º ...; e. 1195 euros em dinheiro, proveniente do negócio de tráfico de estupefacientes; f. um conjunto de fato de treino da ..., similar ao usado pela arguida quando conduziu a arguida DD ao aeroporto de ...; g. revistada a arguida CC, foi-lhe apreendido o telemóvel Iphone n.º ..., IMEI ..., com o qual contactava, para além do n.º ..., os outros arguidos, no negócio de tráfico de estupefacientes. 29. A ... de ... de 2023 a residência da arguida BB na ...foi buscada e aí foi encontrada uma chave do veículo de matrícula ---15---, veículo que foi então apreendido, estando estacionado no parque de estacionamento da estação da C.P. da .... 30. Efectuada revista à arguida EE na MM, na ..., a ... de ... de 2023, foi-lhe apreendido o telemóvel Iphone associado ao n.º ..., com o qual contactara designadamente a arguida DD, aquando da realização das viagens. 31. Os arguidos AA, BB e CC actuaram voluntária, livre e conscientemente, bem sabendo que todas as suas condutas eram proibidas por lei penal, sabendo as qualidades estupefacientes das drogas que detiveram e fizeram transitar, designadamente pelas arguidas DD e EE, com o intuito de obterem elevado lucro com a venda em ...; drogas que o arguido AA aqui recebeu, e também ia receber em ... para outra traficância posterior não fora a ultima intervenção policial; o arguido AA mais também conhecia as qualidades estupefacientes da substância que detinha no seu domicílio da Rua …, em ..., também sabendo que o seu comportamento era proibido por lei penal 32. As arguidas DD e EE actuaram voluntária, livre e conscientemente, bem sabendo que a sua conduta era proibida por lei penal, sabendo as qualidades estupefacientes das drogas que detiveram, e fizeram transitar, em viagens de avião, entre ... e .... Dos antecedentes criminais, situação pessoal, familiar, profissional e económica do arguido AA: 33. O arguido AA não tem antecedentes criminais. 34. AA, actualmente com 25 anos de idade, à data do início da alegada prática dos factos, encontrava-se integrado no agregado familiar de origem, composto pela progenitora, NN, 48 anos, desempregada, pelo padrasto, OO, e pelas irmãs KK, 27 anos de idade, …, e PP, 10 anos, estudante. 35. O agregado familiar reside num apartamento arrendado, que pertence ao ..., de tipologia T4, situado num ..., no concelho da …, que apresenta uma dinâmica social adequada, sem registo de problemáticas de maior relevo. 36. A situação socioeconómica do agregado é descrita como adequada, vivendo atualmente dos rendimentos do padrasto e da irmã mais velha do arguido, bem como do subsídio de desemprego que a progenitora recebe. Segundo a progenitora do arguido os rendimentos suportam de forma folgada as despesas mensais do agregado, não sendo conhecidos dificuldades a este nível. 37. De acordo com o arguido, este encontrava-se a residir em ..., há cerca de seis meses, antes de ser preso preventivo, no Estabelecimento Prisional de ..., à ordem dos presentes autos, em ... de ... de 2023. 38. AA tem uma filha, atualmente com 5 anos de idade, fruto de uma relação afetiva que iniciou quando tinha cerca de 16 anos e terminou quanto tinha 21 anos de idade, tendo o casal vivido em união facto cerca de dois anos, onde de permaneceram integrados no agregado familiar do arguido. Atualmente a filha reside com a progenitora, mantendo o arguido contacto com esta pontualmente e sempre que possível. 39. QQ, à data da alegada prática dos crimes, refere que se encontrava em prospeção de mercado, para trabalhar na ... (…), atividade que desenvolvia em território …. Segundo o próprio, habilitado com 12.º anos de escolaridade, desde cedo que desenvolvia atividade laboral, mesmo quando ainda estudava. A sua primeira experiência profissional situa-se por volta dos 16 anos de idade, no setor da …. Aos 19 anos de idade, quando abandonou os estudos, alegadamente por necessidade de ajudar financeiramente o agregado familiar, trabalhou numa empresa de distribuição de … e mais tarde na distribuição de …). 40. Na comunidade não há registo de informações relacionadas com o arguido. A progenitora do arguido e também coarguida nos presentes autos, é descrita na comunidade como sendo uma mulher ativa e que se envolve na ajuda a terceiros, procurando ativamente emprego quando se encontra em situação de desemprego, aceitando trabalhar mesmo em situações temporárias. 41. O arguido encontra-se preso preventivamente, no Estabelecimento Prisional de ..., desde .../.../2023, à ordem dos presentes autos. 42. Segundo informações dos Serviços de Acompanhamento da Execução da Pena, o arguido não se encontra integrado em programas terapêuticos e não foi ainda submetido a testes de despiste toxicológico. 43. Em meio prisional encontra-se a frequentar o projeto “Ativa o teu Potencial – Promoção de Competências Empreendedoras em Jovens Reclusos”, desde .../.../2024, e não regista sanções disciplinares. 44. Relativamente à sua atual condição jurídica, o arguido apresenta diminuta consciência crítica, verbalizando que a sua reclusão está a ter um impacto ao nível familiar, por se encontrar longe da família, apesar desta o visitar mensalmente. De acordo com a progenitora do arguido, a irmã mais nova deste, com quem tem uma grande proximidade, quando soube da reclusão de AA, começou a apresentar sintomatologia de um quadro depressivo encontrando-se a frequentar consultas de .... 45. AA é um indivíduo sem antecedentes criminais que, aparentemente, regista um percurso de vida adequado, quer ao nível pessoal, quer ao nível profissional e familiar. O arguido regista, em meio livre, um suporte familiar minimamente adequado, apesar da mãe ser coarguida nos presentes autos. 46. O arguido, apesar de detentor de competências pessoais e sociais, demarcar-se totalmente da sua situação jurídico-penal, não pretendendo exercer qualquer avaliação crítica face à mesma, centrando as consequências da reclusão em si e na família. 47. Face à avaliação efetuada, em termos de necessidades de reinserção social e em caso de condenação, importaria que o mesmo fosse sujeito a um processo de forte controle comportamental que permitisse a interiorização de regras e limites, no sentido de reforçar as suas competências pessoais e sociais, necessárias ao exercício de uma consciencialização das regras em sociedade e respeito pelo direito vigente. Dos antecedentes criminais, situação pessoal, familiar, profissional e económica da arguida RR: 48. A arguida RR não tem antecedentes criminais. 49. O agregado familiar de origem da arguida SS é composto pela própria, com 48 anos, desempregada, pelo companheiro OO, com 50 anos, …, pelas filhas KK, 28 anos de idade, … (desempregada), e PP, 10 anos, estudante, e dois netos (com 6 anos e 7 meses). 50. À data dos factos o agregado familiar era igual, apenas acrescido do co-arguido AA. 51. A arguida constituiu família com o actual companheiro há dezasseis anos, com quem tem uma filha. 52. Os dois filhos mais velhos são fruto da primeira relação afectiva da arguida tida em .... 53. O agregado familiar reside num apartamento arrendado, há dez anos, onde foram alojados através dos serviços de acção social. 54. O apartamento localiza-se numa zona onde proliferam fenómenos delinquenciais associados à criminalidade, mas que reúne as condições de saneamento básico, conforto e privacidade. 55. A arguida é natural de ..., onde se desenvolveu junto dos pais e dez irmãos, que subsistiram da venda de … e de …. 56. À época a escola era pouco valorizada, designadamente em contextos familiares pobres, como foi o caso do seu, pelo que não ingressou no sistema de ensino. 57. BB encontra-se desempregada desde julho de 2021. 58. A última actividade profissional que desempenhou foi em … numa ... onde permaneceu três anos. 59. Ao fim deste tempo não lhe renovaram o contrato de trabalho. Simultaneamente, trabalhava a tempo parcial, num … como …. 60. A arguida mantém o trabalho a tempo parcial (6h às 10H), num …, como …, sem vínculo à entidade patronal. 61. A arguida, desde tenra idade, começou a ajudar os pais no …. 62. Iniciou atividade profissional por conta de outrem em ... onde se encontra há dezanove anos, circunscrevendo-se a sua experiência à actividade de …. 63. A arguida SS aufere o valor mensal de rendimentos global de € 1.050/mês (subsídio de desemprego e remuneração do …). 64. No agregado familiar o valor dos rendimentos líquidos do agregado é de € 1.010 (subsídio de desemprego da filha mais velha e abonos de família dos três menores). 65. O valor total das despesas/encargos fixos do agregado é de 14€/mês com a habitação e 319€/mês com alimentação, consumos de energia, água e comunicações; para a aquisição de gás beneficiam de apoio social. 66. Para além do rendimento do agregado familiar supra identificado, acresce o rendimento, variável, do companheiro da arguida, …, que, de acordo o referido, trabalha de forma informal - biscates. 67. Nos tempos livres, a arguida privilegia os momentos de convívio com a família e vizinhos. 68. A arguida não apresenta problemáticas de saúde. Dos antecedentes criminais, situação pessoal, familiar, profissional e económica da arguida CC: 69. A arguida CC não tem antecedentes criminais. 70. A arguida tem 40 anos. 71. A arguida tem dois filhos, com 15 e 10 anos de idades, ambos estudantes. 72. A dinâmica relacional com os filhos tem sido difícil, sendo que a situação está a ser acompanhada pela ... da ..., no âmbito da qual perdeu a guarda da filha, a qual terá sido entregue à guarda do pai e da avó paterna. 73. O processo de socialização de CC decorreu na ..., num bairro com problemáticas sociais e criminais. É a única filha do relacionamento dos progenitores. 74. Na sequência do pai ter emigrado para ... quando a arguida tinha cerca de um ano de idade e, entretanto, ter falecido, a mãe encetou novo relacionamento afetivo. Desta união nasceu um filho. 75. Neste contexto, CC descreve a dinâmica familiar como positiva, quer a nível afectivo, quer a nível financeiro. 76. Em termos afectivos, a arguida iniciou um relacionamento afectivo aos 17 anos de idade (...). Desta união nasceu o seu filho, TT. 77. Aos 22 anos de idade (...) encetou nova relação marital, a qual perdurou até ..., relação que findou, na sequência do companheiro ter sido condenado a pena de prisão e a relação ter entrado em desgaste emocional. Têm uma filha em comum, UU. 78. Em ... estabeleceu relação de namoro com AA (coarguido). 79. A arguida reside (tal como à data dos factos) num quarto uma casa clandestina da avó materna, situada num bairro conhecido como um enclave migrante e conoctado com problemas de exclusão social e criminalidade. 80. A arguida tem o 9.º ano de escolaridade, e tem investido na sua formação profissional, na área da …: Certificado de Qualificações, datado de .../.../2011, Certificado de curso de …, datado de .../.../2022 Certificado de …, datado de ... de ... de 2022, Certificado de Formação Profissional de …, datado de .../.../2021, Certificado de …, datado de .../.../2022, Certificado de …, datado de .../.../2022. 81. A arguida é ... e trabalha por conta própria. 82. Paralelamente, quando convocada efectua … “...”. 83. Relativamente à data dos factos constantes nos autos a situação profissional era idêntica à descrita. 84. Aos 15 anos de idade, CC terá integrado o Programa …, ao abrigo do mesmo terá trabalhado durante o período de Verão. 85. Aos 18 anos de idade começou a trabalhar na área da …, seguindo-se trabalhos de …. 86. Em ... terá ingressado na empresa “...”, com funções de empregada administrativa, tendo sido rescindido o contrato, em data que não foi possível apurar, mas que se situa no ano de 2022. 87. Atendendo, que nesse mesmo ano terá efetuado vários cursos na área da …, começou a trabalhar na área por conta própria. 88. O valor do seu rendimento líquido por semana varia entre 300,00 euros/500,00, euros. 89. A arguida despende 100,00 euros com a habitação, 350,00 euros com despesas de manutenção fixas e alimentação, 15,98 euros com ginásio e 118,00 euros com crédito com a aquisição de viatura própria, 27,00 euros para a explicação da filha, 20,00 euros para a actividade do filho (...) e 43,00 euros para a actividade física da filha (...). 90. CC não elenca dificuldades relacionais com terceiros, quer em termos da rede familiar, quer da rede profissional. 91. Verbalizou, deslocar-se cerca de três vezes por mês à Ilha de ... para visitar o namorado, AA (coarguido) que se encontra sujeito a medida de coação de prisão preventiva no Estabelecimento Prisional de .... 92. Os seus tempos livres são dedicados à frequência diária do ginásio. 93. Relativamente à data dos factos constantes nos autos a situação era idêntica, com a excepção das deslocações ao Estabelecimento Prisional de .... para visitar o namorado, AA (coarguido). 94. A arguida não apresenta problemáticas de saúde. Dos antecedentes criminais, situação pessoal, familiar, profissional e económica da arguida DD: 95. A arguida DD não tem antecedentes criminais. 96. DD, de 26 anos, …, reside com a progenitora, …, com 60 anos de idade, na morada dos autos há cerca de onze anos. 97. A arguida tem dois irmãos uterinos emigrados em ... com quem mantém contactos regulares através dos meios eletrónicos disponíveis. 98. Estabelece igualmente com o pai um relacionamento gratificante. 99. À data dos factos supra DD estabelecia relação de namoro de alguns meses com VV, tendo, no contexto da mesma, acontecido a actual gestação. 100. A arguida está grávida e o parto está previsto para meados do próximo mês de .... Entretanto, o relacionamento terá terminado. 101. A relação entre os pais da arguida não terá passado pela coabitação, não obstante, o progenitor ter-se-á mantido presente na sua vida até ao presente, numa relação de proximidade gratificante. 102. Tinha três anos de idade quando a mãe refez a sua vida afectiva, passando a conviver com o padrasto até aos treze anos. 103. Em adolescente a arguida foi afectada ao agregado de uma tia materna na sequência de denúncia de alegados abusos sexuais do padrasto, tendo retornado ao agregado materno após a ida do padrasto para o país de origem (…). 104. O agregado da arguida reside na habitação há cerca de onze anos. O apartamento, arrendado, é descrito como tendo boas condições de habitabilidade e conforto, e está inserido em zona urbana indiferenciada, sem conotação a problemáticas sociais específicas. 105. Com uma trajetória escolar algo irregular, com falta de estudo e de empenho, DD veio a obter equivalências ao 9º ano de escolaridade através da frequência de Curso de Educação e Formação – … já com dezoito anos de idade. 106. Não pretendeu prosseguir os estudos. 107. DD trabalha no restaurante ..., em ... há dois anos, como …, com contrato de trabalho a termo incerto desde .../.../2022. 108. A arguida beneficia de integração laboral gratificante, quer na relação com colegas quer com superiores hierárquicos. 109. DD teve experiências de trabalho em diferentes áreas, como ... em …, nas …, sendo que neste último caso manteve vínculo formal. 110. As mudanças de trabalho foram uma opção sua, motivada pela procura de melhores condições remuneratórias. 111. A arguida aufere 90,00 € de rendimento líquido. 112. O agregado familiar tem como despesas fixas mensais: 1300€. 113. Relativamente à data dos factos constantes nos autos a situação económica e profissional do agregado era igual. 114. DD admite algum descontrolo na gestão dos recursos financeiros à data dos factos, justificando que “queria ter os que as outras tinham” (sic). 115. As rotinas da arguida centrar-se-ão, no presente, na actividade laboral e na vida familiar, atendendo, nomeadamente, a que está grávida da primeira filha, estando o parto previsto para .../.../2024. 116. DD continua a trabalhar em regime rotativo de folgas (3 dias de trabalho / três dias de folga) entre as 9h00 e as 22h30 ou entre as 9h30 e as 23h00, deslocando-se entre a zona de residência e o ...). 117. O apartamento da família está inserido em malha urbana indiferenciada, na ..., sem conotação a problemáticas sociais específicas. 118. Relativamente à data dos factos constantes nos autos a situação era idêntica à descrita. 119. DD mantinha convívios regulares com amigos, em ambientes de diversão na ..., como o coarguido AA que conhece desde adolescência, enquanto estudante no mesmo Agrupamento escolar ou a coarguida EE, com residência próxima da sua há vários anos e uma rede de amizades comum. Dos antecedentes criminais, situação pessoal, familiar, profissional e económica da arguida EE: 120. Por sentença proferida em ........2016, e transitada em julgado em ........2016, no âmbito do Processo Comum Singular n.º 1755/13.8..., que correu termos em ..., foi a arguida EE condenada pela prática, em ........2013, de 1 (um) crime de furto simples, p. e p. pelo artigo 203.º, n.º 1 do C.P., na pena de 90 dias de multa, substituída por trabalho a favor da comunidade, extinta pelo cumprimento. 121. Por sentença proferida em ........2017, e transitada em julgado em ........2017, no âmbito do Processo Comum Singular n.º 754/13.4..., que correu termos em ..., foi a arguida EE condenada pela prática, em ........2013, de 1 (um) crime de furto simples, p. e p. pelo artigo 203.º, n.º 1 do C.P., na pena de 100 dias de multa, substituída por trabalho a favor da comunidade, extinta pelo cumprimento. 122. A arguida EE é divorciada, tem um filho menor com dois de idade. 123. A arguida viveu na sua juventude em casa de uma tia. 124. A arguida tem cinco irmãos. 125. A arguida tem o 6.º ano de escolaridade, trabalha desde os 16 anos, em bares. 126. À data dos factos o seu filho tinha meses, o pai do filho estava preso e a arguida estava desempregada. 127. A arguida emigrou para a ..., onde trabalha como …, em dois trabalhos diferentes, com contrato de trabalho, auferindo um total de cerca de 2.000,00 €. 128. A arguida estuda à noite. 129. Vive em casa de amigos que a apoiam desde que foi viver para a .... 130. A sua pretensão é que o seu filho vá residir consigo na ..., estando a diligenciar por isso, nomeadamente com a inscrição do mesmo na escola de lá.” b. Factos não provados a. “O arguido tinha residência incerta em .... b. Nas circunstâncias referidas em 7. a arguida DD recebeu o bilhete de avião de regresso, via telemóvel, pela aplicação “...”. c. O veículo mencionado em 27. foi apreendido no parque de estacionamento da .... d. Na residência da arguida BB nas circunstâncias de tempo e lugar referidas em 29. foram apreendidos: uma balança de precisão, no móvel da sala; e um telemóvel marca ..., com a referência ..., em cima da cama da arguida. e. Nas circunstâncias referidas em 22. o arguido AA quando pegou na mala verificou que estava leve.” c. Motivação “Em sede de valoração da prova, a regra fundamental é a constante do artigo 127.º do Código de Processo Penal, segundo a qual a prova é apreciada “segundo as regras da experiência e a livre convicção do Tribunal”. Este princípio da livre apreciação da prova traduz-se na ideia de que o Tribunal baseia a sua decisão sobre a realidade de um facto na íntima convicção que formou a partir do exame e da ponderação das provas produzidas. Relevante, na apreciação da prova produzida neste julgamento, é ter presente que a lei admite presunções judiciais, que são as ilações a que o julgador chega a partir de um facto conhecido para firmar um facto desconhecido, nos casos e termos em que é admitida a prova testemunhal (artigos 349.º a 351.º do Código Civil). Como é natural, a actividade dos juízes, enquanto julgadores, não pode ser a de meros espectadores, receptores de depoimentos, já que a sua actividade judicatória há-de ter, necessariamente, um sentido crítico. Para se considerarem provados factos não basta que as testemunhas chamadas a depor se pronunciem sobre as questões num determinado sentido, para que o juiz necessariamente aceite esse sentido ou versão. Por isso, a actividade judicatória, na valoração dos depoimentos, há-de atender a uma multiplicidade de factores, que têm a ver com as garantias de imparcialidade, as razões de ciência, a espontaneidade dos depoimentos, a verosimilhança, a seriedade, o raciocínio, as lacunas, as hesitações, a linguagem, o tom de voz, o comportamento, os tempos de resposta, as coincidências, as contradições, o acessório, as circunstâncias, o tempo decorrido, o contexto sociocultural, a linguagem gestual (inclusive, os olhares) e até saber interpretar as pausas e os silêncios dos depoentes, para poder perceber e aquilatar quem estará a falar a linguagem da verdade e até que ponto é que, consciente ou inconscientemente, poderá estar a ser distorcida, ainda que, muitas vezes, não intencionalmente. Isto é, a percepção dos depoimentos só é perfeitamente conseguida com a imediação das provas, sendo certo que, não raras vezes, o julgamento da matéria de facto não tem correspondência directa nos depoimentos concretos, resultando antes da conjugação lógica de outros elementos probatórios, que tenham merecido a confiança do tribunal. Enfim, a livre apreciação que, se por um lado se afasta de um sistema de prova legal (baseada em regras legais predeterminantes do seu valor), por outro, não admite também uma apreciação fundada apenas na convicção íntima e subjetiva do julgador. A livre apreciação da prova significa que o tribunal está vinculado ao dever de perseguir a verdade material do caso concreto que é trazido à sua apreciação, de tal modo que esta, embora livre, há-de ser motivada e controlável, quer pelos destinatários da decisão quer pelas instâncias de recurso. Por isso se exige a explicitação do percurso lógico do julgador na decisão sobre a matéria de facto, que está na génese da sua convicção. Concretizando: O arguido AA, prestou declarações, referindo que conhecia um indivíduo que tratava por “...” e/ou “Tio”, morador no bairro da ..., o qual – sabendo que uma das “ocupações profissionais” do arguido era comprar viagens na Internet para quem precisasse (a par de outras, como comprar carros no estrangeiro para revender, alugar motas e mochilas para a ...) – lhe pediu a partir de inícios de ... para comprar viagens para si, para a sua família e para outras pessoas, recebendo por cada compra de viagem a quantia de cerca de 10,00/20,00 €. Disse que esse “...” um dia perguntou-lhe “se conhecia alguém que quisesse fazer viagens, que ele pagava para essas pessoas fazerem as viagens”, tendo o arguido respondido que ia ver. Por cada uma dessas viagens as pessoas receberiam 1.500,00 €. Explicou que comentou esta abordagem com um amigo, que na altura “namorava” com a DD, o qual por sua vez comentou com esta. Então, disse que um dia foi abordado pela DD que lhe referiu que “queria fazer isso”, tendo o arguido falado com o “...” que iria então dizer a data em que tal viagem ocorreria. Disse que ainda questionou a DD se tinha a certeza se queria mesmo fazer aquele tipo de viagens porque “isso” não era brincadeira, o que a DD ainda assim aceitou. Nessa sequência, diz, a mando do “...” comprou a passagem para a DD e, no dia da viagem, porque o carro do tal amigo que era namorado da DD estava avariado, levou-a ao aeroporto. Referiu que no regresso dessa viagem a DD encontrou-se consigo, trazendo dinheiro para lhe pagar as despesas da viagem, mas ao contrário do que acontecia das outras vezes, a diferença que lhe foi entregue não era apenas de 10,00/20,00 €, mas de cerca de 400,00 €, tendo questionado o “...” da razão desse acréscimo ao que este lhe respondeu que era uma compensação pela ajuda – não só por ter comprado a viagem mas também por ter arranjado uma pessoa para fazer a viagem naquelas circunstâncias. Referiu que sabia que estas viagens tinham a ver com o transporte de malas que continham algo de “errado”, mas não sabia precisamente o quê. Disse que em ... veio a ... passar uns dias com um amigo e viu nesta ilha a viabilidade de exercer aqui o seu negócio e aluguer de motas da ..., altura em que decidiu que viria viver para cá para implementar esse negócio. Nessa altura, o “...” sabendo que o arguido vinha viver para ... propôs-lhe que pagaria a renda da casa ao arguido (cerca de 400,00 €) em contrapartida de o arguido permitr que fosse em sua casa que as pessoas que transportavam as malas ficassem quando chegassem a ... , sendo que a esse local “...” teria total acesso para se encontrar com essas pessoas, sendo este que recebia a mala e fazia o pagamento. Esclareceu que o “...” também tinha casa em ... mas foi esta a proposta que lhe fez, negando o arguido que fosse o destinatário da mala e que fosse ele que efectuasse o pagamento às pessoas que realizavam o transporte. Relativamente ao transporte da DD ao aeroporto na última viagem pela sua namorada, CC, referiu que foi o arguido que lhe pediu para ir buscar a DD a casa, dizendo que, ao que sabe, a mala já estava com a DD. Disse que foi a DD que lhe pediu para marcar as três viagens da EE, o que fez, recebendo por cada uma dessas viagens o mesmo valor de 400,00 €. Confirmou que nessas três vezes recebeu a EE em ..., que não foi ele que procedeu à recepção efectiva das malas nem ao pagamento dos 1.500,00 €, mas sim o “...” que se deslocou ao encontro deles e tratou das coisas directamente com a EE. Referiu que comprou o carro com a matrícula AX no estrangeiro para a sua mãe (com dinheiro dela e da irmã), mas como não era legalmente possível colocá-lo imediatamente no nome da mãe, só o fez mais tarde, em .... Questionado sobre a fuga no momento em que a DD se aproxima de si com a mala, referiu que fugiu porque a DD lhe disse para fugir e que acabou por o fazer instintivamente. Quanto aos depósitos constantes dos documentos bancários que foram apreendidos na residência da ... – nos valores de 1.900,00 €, 450,00 €, e 450,00 € – disse que o primeiro era para proceder ao pagamento do arranjo de um carro, o segundo era para pagar dívidas às finanças e o terceiro era para o pagamento de multas/coimas. Em relação ao dinheiro (1.810,00€) e MDMA apreendidos nessa residência referiu que não eram seus, mas sim do “...”, pois que, como já referira, o mesmo tinha livre acesso àquela casa. Relativamente aos inúmeros cartões de telemóvel que foram apreendidos, explicou que estava sempre a mudar de cartão por causa da Internet. Referiu que o dinheiro apreendido na residência de S. LL - 965,00 € - era seu, correspondente a uma fatia de dinheiro que tinha trazido do continente para abrir o seu negócio em ..., não sendo dinheiro que lhe tivesse sido entregue pelo “...” para pagamento de nenhuma das viagens que comprou. Confrontado com a escuta telefónica da sessão 424 (conversação entre AA e CC, no dia ........2023), e transcrita a fls. 1321 e 1322, referiu que a conversa sobre o amigo guineense que lhe ia trazer “notas maiores” e os depósitos que falava com CC tinham que ver, quanto ao primeiro com uma dívida que esse seu amigo que jogava futebol em ... tinha para consigo, e lhe ia pagar em dinheiro, e quanto aos depósitos tinha a ver com depósitos feitos em caixas multibanco e os limites de notas que é possível depositar dessa forma. O arguido foi ainda confrontado com o teor da mensagem de voz remetida à arguida DD, em ........2024, e que se encontra transcrita a fls. 1480, confirmando que transmitiu à DD o seguinte: O arguido foi ainda confrontado com fls. 644 a 647 dos autos, que dizem respeito aos seus extractos de remunerações da ..., tendo referido que em ...1.../2018trabalhou para a ..., em 2018 trabalhou 3 meses para a ..., em ...1.../2019 e início de ... trabalhou para a ..., em ... trabalhou ainda para a ..., e em ..., nos primeiros três meses trabalhou para a .... Esclareceu que, paralelamente, alugava motas e mochilas para a ..., embora isso não venha declarado. A arguida RR, mãe do arguido AA, prestou declarações, e disse que não conhece a EE, nem a DD, nem o “...”. Explicou que o carro com a matrícula AX foi comprado pelo seu filho AA no estrangeiro com dinheiro seu pois o mesmo era para ficar em seu nome e para ser ela própria a dona e quem, apesar de não ter carta de condução nem ter expectativa de a tirar, pois não tem escolaridade para isso, decidiria quem usaria o referido carro. Disse que o carro foi comprado com dinheiro seu e da sua filha WW, a qual essa sim, está neste momento a tirar a carta de condução, e fará uso do carro, mas que sendo ela a mãe o carro ficaria em nome dela, o que foi feito logo que foi possível passar o nome do arguido AA para o seu nome. Explicou que o carro não era guardado na zona onde residiam, na ..., por receio que algo pudesse acontecer ao carro por morarem ciganos na mesma zona, e era por isso que o mesmo estava estacionado numa garagem, só o indo buscar em caso de necessidade (mesmo estando a sua filha WW grávida e fazendo uso do carro também o companheiro dessa sua filha). Confrontada com a escuta telefónica da sessão 4666 (conversação entre BB e CC, no dia ........2023), e transcrita a fls. 1327, 1328 e 1329, a mesma negou que tivesse ouvido e dito este excerto: Ainda quanto a esta sessão, e sobre o dinheiro que o arguido AA tinha consigo na casa de S. LL (os 965,00 €) e se era a isso que se referia nesta escuta quando disse: a arguida BB referiu que enviou 900,00 € em dinheiro para o seu filho por uma pessoa de cabo verde que veio para cá, porque ele precisava pois estava a passar fome. Foi confrontada com a sessão 3117 (conversação entre BB e KK, no dia ........2024), e transcrita a fls. 1374 a 1376, onde dizem: Referiu que disse isto porque o carro era dela (BB) e não obstante o carro poder ser usado por pessoas da família a CC namorava há muito pouco tempo com o AA. A arguida CC, namorada do arguido AA, prestou declarações, referindo que apenas conhece a DD e a EE de vista, por frequentarem os mesmos bares. Admitiu que o arguido AA lhe pediu para levar a arguida DD ao aeroporto, naquela última viagem, e que apenas carregou a mala da DD (que esta trouxe pela sua mão da sua própria casa), dentro do aeroporto, até à passadeira do check in, porque ela referiu que estava magoada num braço. Disse, ainda, que a DD lhe pediu 20,00 € para comer, razão pela qual levantou dinheiro nesse valor e lhe entregou, a título de empréstimo, e que, ao que sabe a DD devolveu ao AA. Disse que não pagou parque no aeroporto porque não demorou mais do que 15 minutos. Perguntada, referiu que o AA também lhe pediu, numa outra vez, que levasse a EE ao aeroporto, tendo ido buscar esta arguida à porta da casa da DD e conduzindo-a ao aeroporto. Admitiu, que dessa vez, pagou o excesso de bagagem da EE, porque ela estava atrasada e a CC é que tinha cartão. Confrontada com a escuta telefónica da sessão 4666 (conversação entre BB e CC, no dia ........2023), e transcrita a fls. 1327, 1328 e 1329, a mesma referiu que apenas transmitiu o que tinha sabido pelo advogado e pelo AA. Negou que tivesse alguma coisa a ver com o negócio do AA e que recebesse algum valor em contrapartida. Disse que não conhecia o “...”. Disse que sabia que o AA trabalhava para a ..., que foi com o arguido comprar o carro com a matrícula AX ao estrangeiro, que andou nesse carro, uma ou outra vez, até passar para o nome da BB, que diz que era a verdadeira proprietária (quem lhe entregou o dinheiro para a compra). Confrontada com a existência de escutas telefónicas em que o AA lhe dizia que ela podia usar o carro, caso precisasse, (nomeadamente sessão 26, conversação entre CC e AA, no dia ........2023, e transcrita a fls. 1362 a 1365), afirmou que sendo a dona do carro a mãe do AA, a mesma não permitiu. Disse que sabia que o AA comprava viagens para outras pessoas. Confrontada com as fls. 476 e ss., onde constam as imagens do aeroporto, reiterou que não se recorda de ter estado mais de 10 minutos dentro do aeroporto nem de ter pago o parque. Foi confrontada com a escuta telefónica da sessão 131 (conversação entre CC e AA, no dia ........2023), e transcrita a fls. 1305, em que falam de dinheiro e “dois e meio”, a arguida explicou que essa referência tinha a ver com multas da arguida , e que o arguido AA a estava a ajudar como pagar as multas, tal como está concretizado na escuta telefónica da sessão 134 e transcrita a fls. 1306 a 1311. Foi também confrontada com a escuta telefónica da sessão 10826 (conversação entre CC e ..., no dia ........2023), e transcrita a fls. 1359 a 1361, em que a mesma referiu que os 400,00 € eram dívidas de shisha. Foi ainda confrontada com a escuta telefónica da sessão 5704 (conversação entre CC e AA, no dia ........2023), e transcrita a fls. 1344 e 1347, em que falam de “cem”, “cento e cinquenta”, “coiso da nossa cor” referiu que estava a referir-se a shisha, e que o arguido AA estava a explicar-lhe como dividi-la. Explicou que “...” é um nome que se usa para tratar as pessoas mais velhas em ..., e que já ouviu tratarem BB por esse nome. Disse que as balanças de precisão que tinha em sua casa eram para pesar shisha, que consumia. Explicou que tinha vários telemóveis em sua casa (cerca de cinco), mas apenas dois funcionavam. A arguida DD referiu que foi abordada pelo arguido AA (que já conhecia desde a adolescência, da escola), num bar, quando estava com umas amigas, e que ele lhe disse que tinha um negócio que consistia em entregar uma mala nos .. a uma pessoa de confiança. Explicou que, nessa altura, não fez caso e nem sequer falaram em valores. Dias depois, voltaram a encontrar-se e o AA voltou a propor o mesmo negócio, ao que a arguida disse que sim. No entanto, depois de ter pensado melhor, mandou-lhe mensagem a dizer que não queria, ao que o AA lhe respondeu que já estava tudo tratado para a viagem, que já tinha gasto dinheiro, o que a fez então aceitar fazer a viagem, mas sem trazer nada na mala, ou seja, seria uma mera viagem de reconhecimento, de teste. Disse, assim, que recebeu o bilhete da viagem através do arguido, por mensagem, e que foi ele quem a levou para o aeroporto trazendo a mala, momento em que lhe pediu para mostrar o conteúdo da mala e assim confirmar que não tinha nada de ilegal no seu interior. Frisou que, só assim, depois desta verificação, é que aceitou pegar na mala e trazê-la para ..., o que fez, tendo o arguido AA entregue 20,00 € para as despesas de táxi. Aqui chegada, como combinado, avisou o AA que lhe deu as indicações da morada para onde se deveria dirigir, o que fez, onde se encontrou com uma pessoa que o AA tratava por “Tio”. Disse que o “Tio” não deu qualquer importância à mala, não lhe entregou qualquer dinheiro, apenas a levou a passear pela ilha no dia seguinte., tendo depois regressado ao continente, não falando de nada do negócio do AA. Referiu que havia combinado previamente com o AA que assim que chegasse ao continente iriam encontra-se pessoalmente, o que fez, altura em que ele insistiu que fizesse uma viagem com uma mala sem ser em modo “teste”, o que recusou. Esclareceu que se seguiram muitos encontros com o AA, em que este insistia com ela para que fizesse a dita viagem com a mala, a troco de 1500,00 €, foi sempre negando, até que o AA lhe pediu, em alternativa, que arranjasse amigas que o quisessem fazer. Disse que foi nessa sequência que contactou a EE, explicou-lhe todos os procedimentos destas viagens, passando a estabelecer os contactos entre a EE e o AA (a justificação desta intermediação era porque o AA achava que era mais fácil ser a DD a falar com a EE do que ser ele próprio). Referiu, assim, que a EE fez uma primeira viagem como a sua, de teste. Referiu que nessa primeira viagem, ao que sabe (não estava presente), alguém foi buscar a EE a sua casa, e levou-a para o aeroporto, e que esta uma vez chegada a ... a contactou para saber a morada onde se deveria dirigir, sendo que o AA deu a morada à arguida DD que a transmitiu à EE . Disse que a partir daí não sabe de mais nada dessa viagem. Explicou que voltou a fazer a mesma abordagem à EE mais duas vezes, porque se sentiu pressionada pelo AA, tanto mais que foi agredida em finais de ... depois de ter recusado participar nestes contactos, e associou essa agressão à recusa que fez, razão pela qual começou a sentir receio e a fazer o que o AA pedia. Assim, tratou, nos mesmos termos de mais duas viagens da EE, sendo o ponto de ligação entre o AA e a EE, não recebendo qualquer contrapartida por isso. Quanto à viagem que fez em ... e na qual foi interceptada referiu que o AA continuava a dizer que ela “o tinha deixado na mão”, e que lhe tinha dado prejuízo por não ter trazido a mala com “conteúdo” na primeira viagem que fez, em ..., pelo que teria de vir e trazer uma mala, desta vez com algo no seu interior, recebendo apenas 1000,00 €, pois os 500,00 € eram para compensar os prejuízos. Disse que recebeu o cartão de embarque por mensagem, que quem a foi buscar a casa foi a CC (que não sabia que era namorada do AA), a qual trazia a mala no carro, no porta bagagens, e que lhe disse que estavam atrasadas por causa da “Tia ...”. Esclareceu que não tinha nenhum problema ... nos membros superiores (que a impedissem de carregar a mala) e que a CC levou a mala até ao tapete do check in por decisão da própria CC, a qual lhe deu 20,00€ para apanhar o táxi em .... Continuou, dizendo que depois de ser interceptada pela Polícia Judiciária, e como estava a demorar muito tempo, recebeu uma chamada do AA a perguntar se já tinha chegado. Referiu que já tinha recebido por mensagem a morada onde entregar a mala. Explicou que, como aceitou colaborar com a polícia, acedeu em proceder à entrega controlada da mala. Assim, disse ao AA (que não sabia que estava em ...) para dizer à pessoa que iria receber a mala na morada que tinha recebido para sair para rua porque estava a ter dificuldades em encontrar a casa. Nessa sequência, assim feito, quando chegou perto da pessoa com a mala, a mesma fugiu. Referiu que não disse nada naquele momento da entrega da mala. Acrescentou que nessa altura reconheceu o AA como a pessoa que estava pronta para receber a mala. Foi confrontada com o teor das mensagens que constam de: - fls. 1479 a 1480, trocadas entre ela própria e o arguido AA (que tratava por queto) no dia ........2023, referindo que nessa altura o acordo era que ainda trouxesse a mala com algo ilícito pelo valor de 1.500,00 €, o que acabou por desistir de fazer, fazendo apenas uma “viagem de teste”. - fls. 1527, 1528, 1529 e 1530 trocadas entre ela própria e a arguida EE (que tratava por ...) no dia ........2023, dizendo que não se recorda; - fls. 1544 a 1546 (fotograma n.º 87, 88, 89), e transcrições trocadas entre ela própria e a arguida EE, no dia ........2023, dizendo que não sabia que a CC era a namorada do AA; - fls. 505 – transcrição do fotograma 33 – trocadas entre ela própria e o arguido AA (que tratava por XX) no dia ........2023 – dizendo que não se ofereceu para fazer qualquer transporte. - fls. 515, no fotograma 55 - 4ª mensagem e fls. 535 e fls. 537 (fotograma 108) – trocadas entre ela própria e a arguida EE, nos dias ........2023 e ........2023 – referindo que nunca recebeu dinheiro pela colaboração na intervenção da EE. Referiu que pediu um empréstimo de 100,00 € à EE, daí uma transferência que a mesma lhe fez. A arguida EE, prestou declarações, confessando os factos que lhe são imputados na acusação pública. De forma espontânea, livre, esclarecida e coerente, explicou que estava a passar por dificuldades, por estar desempregada, com dívidas, tinha um filho menor doente a seu cargo, e através da DD aceitou fazer as três viagens de ... para ..., trazendo em cada viagem uma mala de porão contendo droga no seu interior, a qual entregou sempre directamente ao AA, e este por sua vez, como contrapartida lhe deu 1.500,00 € para si e 100,00 € para entregar à DD, de cada uma das vezes. Disse que antes de cada viagem lhe era dado dinheiro para o táxi, no aeroporto, pela pessoa que a conduzia até lá. Referiu que não estabelecia contacto directo com o AA, a não ser quando o encontrava pessoalmente em ..., e que todos os contactos sobre os dias da viagem, bilhetes, horários, locais onde deveria esperar para ser conduzida ao aeroporto, moradas onde se devia deslocar para a entregar as malas lhe eram dadas por mensagem pela arguida DD. Esclareceu que já conhecia o AA, antes de fazer estas viagens, e que duas das vezes em fez estas viagens as malas de porão que trouxe lhe foram entregues pela mãe do AA, a arguida BB (que reconheceu em audiência de julgamento), em casa da própria, e que pelo menos duas vezes foi a CC que a levou ao aeroporto. Esclareceu que em ... nunca esteve com outra pessoa a não ser o AA, não sabendo quem é o “.../Tio”. Disse ainda que sempre que entregou as malas de porão ao arguido AA era ele que ficava com as mesmas ao seu dispor. A testemunha FF, Inspector Chefe da Polícia Judiciária de ..., relatou que, além do alerta da equipa cinotécnica da ..., a postura da nervosa da arguida DD chamou a atenção daquela polícia, o que levou à sua abordagem. Explicou que a arguida foi sempre colaborante, prestando todos os consentimentos, e propondo-se a fazer a entrega controlada da mala ao destinatário da mesma aqui em .... Disse, assim, que foi nessas circunstâncias que se deslocaram para a ... – local onde deveria ser entregue a mala segundo as indicações que a arguida recebera – de onde saiu de uma das residências o arguido AA, o qual, ao aperceber-se da presença da polícia fugiu. Disse que não fizeram no imediato a busca àquela residência de onde o arguido saiu porque tiveram que fazer as diligências para apurar da sua identidade, o que só foi feito quando a arguida identificou aquela pessoa como sendo o AA. Referiu que não se recorda se a porta da residência de onde o AA saiu ficou fechada ou não. Disse que uns dias depois fizeram busca na residência da .... Confirmou o que apreendeu de relevante nessa residência, nomeadamente dinheiro e droga. Porque questionado disse que não procedeu à apreensão de malas de porão que existiam na casa porque não achou relevante, dado que a mala de porão com relevo era a mala que já estava apreendida (e que fora trazida pela arguida DD). A testemunha GG, Inspector da Polícia Judiciária de ..., confirmou que fez a abordagem à arguida DD e acompanhou a entrega controlada da mala, não tendo ouvido a arguida DD proferir quaisquer palavras dirigidas ao alegado receptor da mala, que se veio a apurar ser o arguido AA. A testemunha HH, Inspector da Polícia Judiciária, ouvido enquanto testemunha de defesa, referiu que procedeu à busca na residência da ..., confirmando que não acharam relevante procede à apreensão de qualquer mala de porão e mochila que ali existisse (ao que se recorda pelo menos uma mala de porão e uma mochila), nos mesmo termos em que fez o seu colega, pois que a mala com relevo para a prova já estava apreendida (a mala de porão apreendida à arguida DD). A testemunha YY, proprietário da casa sita na ...Disse que, para além do AA, apenas se terá apercebido que a casa era frequentada esporadicamente por uma namorada do mesmo. Explicou que foi com acompanhou a Polícia Judiciária na busca realizada, sendo que teve que abrir a porta com as suas chaves porque a porta estava fechada, acrescentado que só mudou a fechadura dias depois da busca. As testemunhas ZZ e AAA, amigos do arguido AA, depuseram sobre as condições pessoais e profissionais do arguido. O primeiro disse que o arguido sempre trabalhou, quer alugando, quer comprando carros e revendendo, quer na …, e ainda comprando viagens para pessoas no bairro (nomeadamente para o “...”). O segundo referiu que tinha uma parceria com o arguido em que divulgava as motas que o arguido alugava na …, sabendo que o arguido também compara e revendia carros. A testemunha BBB, amiga da arguida EE, referiu que viveu com ela entre ... e ..., esclarecendo que a dada altura a arguida entrou numa situação económica muito debilitada, na sequência de ter ficado desempregada, com um filho menor a seu cargo, recém nascido, sendo que a partir dessa altura deixou de pagar as despesas mensais (de renda de casa, de luz, água, gás, e mesmo alimentação) que era suportado pela testemunha. A testemunha CCC, amiga da arguida EE, que vive e trabalha actualmente com a mesma na ..., contextualizou a dinâmica de vida da arguida naquele país, descrevendo onde vivem, onde trabalham, quanto ganham, a composição do agregado familiar, as perspectivas de vida da arguida e o suporte social de que a mesma beneficia. Todas as testemunhas depuseram de forma coerente, credível e objectiva. Atendeu-se à prova documental, nomeadamente: - Auto de notícia e de detenção da arguida DD de fls. 2 a 7; - Termo de abertura de bagagem da arguida DD de fls. 8; - Auto de diligência policial de fls. 9 a 14, realizada no dia ........2023 – de onde resulta que a porta da residência do arguido sita na …, em ..., se encontra fechada; - Ficha de registo automóvel de fls. 15 – veículo ..-..-VX; - Auto de teste rápido e pesagem de fls. 18 – que confere 184 placas de canábis resina com o peso de 18.365 gramas; - Auto de revista e apreensão de fls. 19 a 20 à arguida DD;; - Talão de registo de bagagem, fls. 21 (em folha suporte); - Termo de consentimento para visualização de telemóvel da arguida DD de fls. 22; - Dados extraídos do telemóvel da arguida DD, fls. 23 a 27; - Exame da bagagem de fls. 33 a 51, com fotogramas 46 fotogramas); - Auto de diligência de fls. 150/1 datado de ........2023; - Auto de busca e apreensão na casa da …, em ..., fls. 152/61, com a apreensão de produto estupefaciente MDMA, e 1840 euros em dinheiro, na casa habitada pelo arguido AA no centro de ..., fls. 105 – o produto estupefaciente foi apreendido no quarto e o dinheiro foi apreendido na cozinha; - Documentos apreendidos na casa sita …, em ..., tais como: - Contrato de arrendamento celebrado entre o arguido AA e II quanto à casa na …, em ..., de fls. 154/5; - Talão de bagagem de fls. 156 (folha de suporte); - Cartões de telemóvel de fls. 157; - Talões de depósito de fls. 158/60; - Bilhete electrónico de fls. 161. - Auto de teste rápido e pesagem e despistagem de fls. 162 – de 256,6 gramas de MDMA; - Fotografia do produto estupefaciente MDMA encontrado na …, em ..., casa do arguido AA, de fls. 163; - Exame do telemóvel da arguida DD, fls. 217 a 220; - Reserva do bilhete de avião da arguida DD, fls. 221 e verso, com referência ao mail e telemóvel do arguido AA – informação da ... remetida por e-mail; - Informação do contrato de seguro do veículo de matrícula ---15---, fls. 297/9, em nome do arguido AA; - Informação do ... quanto às moradas do arguido AA, fls. 234 /5 – e-mail do ...; - Auto de visionamento de imagens de fls. 458 a 484, relativo às arguidas DD e CC, dia ... de ... de 2023, capturadas no aeroporto de ...; - Informação de transferência de propriedade do veículo ..., do arguido AA para a arguida BB – fls. 485, 918 e 919; - Auto de visionamento do telemóvel apreendido à arguida DD, fls. 486 a 545; - Análise de documentos bancários de fls. 635 (depósitos bancários da ... nos valores de 1.900,00 €, 450,00 € e 450,00 €. - Informação da ... quanto ao arguido AA, fls. 644/7 – extracto de remunerações; - Informação da ... quanto à arguida CC, fls. 648/9 – extracto de remunerações; - Auto de diligência quanto ao arguido AA, fls. 660, do dia ........2023; - Auto de revista e apreensão ao arguido AA, fls. 668, no dia ........2023; - Auto de busca e apreensão ao domicílio do arguido na ... LL, ..., fls. 669/72, no dia ........2023. - Auto de diligência quanto ao veículo do arguido de matrícula ---15---, fls. 753/4, no dia ........2023, visualização do veículo num parque de estacionamento subterrâneo junto à estação da ...; - Informação da ... quanto às viagens da arguida EE, fls. 826/7 – viagens de ... de ... de 2022, ... de ... de 2023, com mala de porão de 23 kg e 28 kg, respectivamente; - Remessa do produto para o Laboratório de Polícia Científica, fls. 885/6; - Ficha de registo automóvel de matrícula ---15---, fls. 918/9, onde se vê que o veículo foi importado e foi-lhe atribuída a matrícula portuguesa em ........2023, sendo o arguido AA o primeiro proprietário em ..., e tendo sido registado em nome de BB em .... - Informação da ... quanto à arguida EE, fls. 1034/5; - Auto de diligência de fls. 1127/8, de ........2023; - Auto de busca e apreensão em casa da arguida BB de fls. 1131 a 1133; - Recibo de estacionamento no parque de estacionamento da ... do veículo de matrícula ---15---, datado de ... de ... de 2023, fls. 1140; - Ficha de inspecção periódica do veículo ---15---, ainda com matrícula estrangeira, fls. 1144; - Auto de busca e apreensão do veículo de matrícula ---15---, fls. 1151 a 1158, no dia ........2023, no parque de estacionamento da estação da ... – composto pela declaração aduaneira do veículo, reportagem fotográfica e guia de entrega do veículo; - Auto de busca e apreensão em casa da arguida CC, sita na ..., fls. 1185 a 1209, com fotografia das balanças de precisão a fls. 1207; - Auto de revista da arguida CC, com apreensão do telemóvel ..., fls. 121/3; - Auto de revista da arguida EE, fls. 1258 e termo de consentimento para visualização de telemóvel de fls. 1259; - Auto de exame ao telemóvel da arguida CC, ..., modelo Iphone, fls. 1272/3; - Auto de exame ao telemóvel apreendido ao arguido AA a ... de ... de 2023, marca ..., cartão SIM da ..., n...., com o qual contactava a arguida CC, fls. 1381/6; - Auto de exame ao telemóvel da arguida EE, fls. 1387/8; - Auto de visionamento de conteúdo do telemóvel da arguida DD, com mais ampliação, a fls. 1473 a 1568; - Avaliação do veículo de matrícula ---15---, a fls. 1571/2 - Dados relativos a escutas telefónicas: designadamente fls. 333/9, 380/7, 401, 437, 455, 547/8, 551 a 561, 576, 693/7, fls. 740/52, 761, 766, 813 a 823, 871/81, 897/8, 916/7, 939/50, 977/85, 1044/52, 1277/86, auto de transcrição de comunicações de fls. 1304 a 1379, com realce para as sessões 126, 131, 134, 135, 142, 144, 424, 430, 445, 4504, 4509, 4666, 4839, 4877, 4918, 4929, 5025, 5344, 5356, 5704, 7203, 7214, 7663, 7782, 10826, 26 de fls. 1362/5, 34 de fls. 1366/8, 36 de fls. 1369, 41 de fls. 1370/3, 3117 de fls. 1374/6, 3202 de fls. 1376/9. Valorou-se também a prova pericial, mais precisamente ao relatório de exame pericial n.º ...-BTX, fls. 1073 (canábis resina – de onde resulta que o peso total deste produto que foi apreendido à arguida DD foi de um total 17.868,352 gramas – MATERIAL PARA EXAME) e ao relatório de exame pericial n.º ...-, fls. 1074 (MDMA). Assim, analisando toda esta prova conjugadamente, temos que as declarações do arguido AA não nos merecem qualquer credibilidade quando o mesmo declina um efectivo envolvimento na rede de tráfico de estupefacientes que se apurou existir e ser formada por três elementos essenciais – o arguido, a sua mãe, BB e a sua namorada, CC. É mais do que evidente da conjugação da prova que o arguido AA tinha efectiva capacidade de decisão, quer na escolha dos “correios de droga”, quer nas entregas das malas de porão com droga que eram feitas por si, ou pela sua mãe na casa que tinha no continente, pelo transporte desses “correios” até ao aeroporto, por si ou pela sua namorada, a arguida CC, com um controlo efectivo da mala de porão até ser colocada no tapete de check in, nos recebimento da droga em ..., determinando os locais de entrega e, por três vezes, sendo ele o efectivo destinatário dessas malas e o pagador dos transportes. Também o relatado pela arguida BB, quando nega todo e qualquer envolvimento com os factos não tem qualquer sustentabilidade. Além da arguida EE ter referido, com firme convicção e seriedade, que foi a arguida BB (que reconheceu em audiência de julgamento) que lhe entregou por duas vezes a mala de porão que depois entregou ao AA em ... a troco de 1.500,00 €, existem outros elementos de prova que corroboram esta versão, nomeadamente as mensagens trocadas com DD e que constam de fls. 1527, 1528, 1529 e 1530 onde consta o seguinte: Não restam dúvidas que foi a arguida BB que procedeu à entrega da mala de porão à arguida EE. A versão da arguida CC, limitando-se a dizer que apenas transportou as arguidas DD e EE ao aeroporto, a pedido do arguido AA, e que não tem qualquer envolvimento com os factos não colhe. Além das declarações desta arguida serem contraditórias com as da arguida DD, quando esta refere que foi a própria CC que transportou a mala até ao tapete do check in por sua livre iniciativa, pois que foi ela que trouxe a mala no carro quando a foi buscar, negando que estivesse com qualquer problema ..., tal versão é de facto a única compatível com a descrição que a própria CC fez ao dizer que quando foi buscar a DD foi ela que colocou a mala de porão no porta bagagem. Então se estava com um problema ... no braço, não pediu, logo aí ajuda à arguida CC? As declarações da CC são contraditórias com as da DD na parte em que ambas explicam a razão da entrega de 20,00 € no aeroporto. De facto, a DD relatou que os 20,00 € eram para apanhar o táxi em ... (ou seja, o mesmo modus operandi da arguida EE, que tão cristalinamente descreveu o esquema delineado pelos arguidos AA, BB e CC). Só esta efectiva participação da arguida CC justifica que a mesma tenha pago o excesso de bagagem da EE numa das viagens que a mesma fez. Também não mereceu qualquer credibilidade a justificação da arguida CC quanto ao objecto da escuta telefónica da sessão 5704 (conversação entre CC e AA, no dia ........2023), e transcrita a fls. 1344 e 1347, em que falam de “cem”, “cento e cinquenta”, “coiso da nossa cor”, com estando a referir-se a shisha. Ora, temos que atentar à conversação no seu todo e de facto pode ler-se E mais à frente, diz E ainda: Ora, é nítido que não estão a referir-se a shisha, tanto mais que o arguido diz que aquilo a que se estão a referir foi pago pelo arguido e é para entregar a outra pessoa, sendo que a dada altura a arguida diz que vem falar pessoalmente sobre o assunto com o arguido. A arguida DD referiu nada saber sobre as entregas das malas de porão em casa do arguido AA pela mãe do mesmo. Aliás, quando confrontada com a transcrição da mensagem de fls. fls. 1527, 1528, 1529 e 1530 referiu que não se recorda, o que não convenceu minimamente o Tribunal, pois que há uma expressão curiosa da arguida quando diz “Conta lá isso como deve ser”, sendo que no decurso da conversação se depreende que a arguida DD também já estivera na numa situação semelhante da arguida EE em casa da BB. Quanto à explicação dada no sentido de que primeira viagem que fez, em ..., foi apenas um teste, assim como a viagem da arguida EE em ..., esta versão não só não é credível de acordo com as regras da experiência comum, como é totalmente descredibilizada não só pelas declarações do arguido AA – que se demarca da origem e conteúdo da mala de porão, mas que admite que a arguida DD efectivamente viajou com uma mala de porão do “...”, tanto que a levou ao aeroporto – como pela declarações da arguida EE que referiu que a sua viagem, da primeira vez, não foi de teste, nem foi isso que lhe foi explicado pela DD. Isto mesmo resulta também da análise das mensagens trocadas e transcritas nos autos quer entre o arguido AA e DD, quer entre a DD e a EE. Além do mais, a versão da arguida DD no sentido que de se negava a colaborar com o arguido AA, e que a dada altura só o fez porque relacionou um agressão de que foi alvo com essa recusa, também não merece qualquer credibilidade não só pela conjugação das declarações dos arguidos AA e EE e sandar e bem assim todas as mensagens trocadas entre os três de onde se resulta uma à vontade e efectivo interesse da arguida DD em participar de forma activa no esquema do arguido AA. Relativamente à propriedade do veículo AX não restam quaisquer dúvidas ao Tribunal que o mesmo foi adquirido pelo arguido AA com dinheiro seu, para uso próprio, e, às vezes da namorada, a arguida CC, o que apenas deixou de acontecer dada a situação decorrente destes autos, em que o arguido, juntamente com as arguidas BB e CC, para não o arguido não correr o risco de perder o veículo a favor do Estado, decidiu não só retirá-lo de circulação (estacionando-o em parques de estacionamento afastados da residência), como passar para o nome da mãe, a arguida BB. Isto mesmo resulta das escutas telefónicas – sessão 5344, de fls. 1338 e 1339, sessão 7203, de fls. 1348 e 1350, sessão 7214 de fls. 1351 a 1352, sessão 7663, de fls. 1353 a 1355, sessão 7782, de fls. 1356 a 1358, sessão 26 de fls. 1362 a 1365, sessão 34 de fls. 1366 a 1369, sessão 41 de fls. 1370 a 1373 e sessão 3117 de fls. 1374 a 1376 e sessão 3202 de fls, 1376 a 1379, destacando-se os seguintes trechos: Não temos dúvidas que os arguidos AA, BB e CC agiam no contexto de rede de tráfico de estupefacientes de canábis, com o objectivo de fazer o transporte de mais de uma dezena de quilo desse produto em malas de porão do continentes para ... (em quilos que rondam, pelo menos, seguramente a média do que foi apreendido à arguida DD, pois isso mesmo reflecte o facto de as malas de porão da arguida EE serem de peso superior a 20 quilos, no caso de 23 e 28 kilos), minimamente organizada, em que cada um tinha o seu papel e poder de decisão, o que já vinham fazendo pelo menos desde .... Isso mesmo decorre da escuta telefónica da sessão 4666 (conversação entre BB e CC, no dia ........2023), e transcrita a fls. 1327, 1328 e 1329. Aliás nesta escuta e nas outras a que já fizemos alusão, denota-se que as arguidas BB e CC tinham total conhecimento dos estupefacientes que o arguido detinha, do dinheiro, das pessoas envolvidas nesta actividade e das consequências que adviriam pelo facto de o arguido AA ter sido apanhado, pelo facto de a DD ter falado, o que é percetível quando se referem à necessidade de justificar o dinheiro apreendido, de esconder o carro AX e de mudar de proprietário. A negação pelos arguidos AA e BB da alcunha “Tia ...” como sendo o nome pelo qual era tratada BB, além de descredibilizada pela co-arguida CC, resulta de inúmeras escutas telefónicas em que é o próprio arguido a referir-se à sua mãe como “Tia ...” ou “...” – vide sessões transcritas e que constam de fls. 1324, 1334, 1336, 1366, 1399. Sem margens para quaisquer dúvidas realça-se a escuta telefónica da sessão 4929, em que o arguido AA pede à arguida CC o número de telefone da ”...” e esta lhe dá como sendo o ... – vide fls. 1334 – que foi precisamente o número de telemóvel de BB que esteve sob escuta. A versão do arguido AA de que o produto estupefaciente e o dinheiro encontrados e apreendidos na residência da …, ... eram do “...” não mereceu qualquer assentimento, não só porque toda a sua versão relativamente à participação/ existência dessa “...” nas entregas das malas de porão e que foram relatadas pelo arguido foram desmentidas pela arguida EE, como também o próprio senhorio, a testemunha II, referiu não ter conhecimento de qual mais alguém tivesse acesso à casa, a não ser a namorada do arguido esporadicamente. Nem sequer se pode equacionar que esses objectos (dinheiro e droga) foram colocados na residência porque a porta ficou aberta aquando da fuga do arguido porque como resulta de fls. 11 e 12, das fotografias 1, e 2, a porta da residência estava fechada e da escuta telefónica da sessão 4666 (conversação entre BB e CC, no dia ........2023), e transcrita a fls. 1327, 1328 e 1329,resulta que as arguidas sabiam da existência daquela droga e do dinheiro, tanto que a arguida BB logo disse que ia justificar o dinheiro. Daí a resposta dada à matéria de facto dos pontos 1, 2, 3, 4, 5, 6, 7, 8, 9, 10, 11, 12, 13, 14, 15, 16, 17, 18, 19, 20, 21, 22, 24, 25, 31 e 32 e não provada da alínea a), b) e e). Para prova dos factos 23, 26, 27, 28, 29, 30, além do que supra se disse, atendeu-se mais pormenorizadamente aos autos de revista e busca e autos de apreensão supra mencionados, não se tendo provado, da consulta desses autos o que resulta das alíneas c) e d). Atendeu-se também aos relatório periciais supra descritos. No que diz respeito aos factos que integram os elementos subjectivos do ilícito de tráfico de estupefaciente agravado quanto aos arguidos AA, BB e CC, o tribunal baseou-se na forma como os arguidos actuaram nas regras da experiência comum, porquanto ao agirem da forma descrita não podiam deixar de saber que a sua conduta era proibida e punida por lei penal, agindo num grupo constituído por três pessoas, cada um com o seu papel e poder de decisão, conforme descrito em 1 e 2, e ainda com o objectivo de obterem um vantagem elevada fruto dessa actividade. Qualquer pessoa colocada nessas circunstâncias saberia, e os arguidos não demonstraram ser diferentes dos cidadãos comuns. Também as arguidas DD e EE, por referência aos elementos subjectivos do crime de tráfico de estupefacientes do artigo 21.º do D,.L 15/93, agiram de forma que não podiam ignorar que as suas condutas eram proibidas e punidas por lei, como aliás admitiram. Relativamente à ausência de antecedentes criminais/antecedentes criminais dos arguidos (factos provados nos pontos 33, 48, 69, 95 e 120) o tribunal tomou em consideração o Certificado de Registo Criminal junto aos autos a ref. 5709294, 5709295, 5709296, 5709317, todas de 03.05.2024, ref. 57229451, de ........2024 Por fim, quanto à sua situação económica, pessoal, familiar dos arguidos (factos 34 a 47, 49 a 68, 70 a 94, 96 a 119 e 121 a 130 dos factos provados) atendeu-se aos relatórios sociais de ref. 5720106, de ........2024, de 5722020, de 12.05.2024, de 5722772 e 5722784, ambos de 13.05.2024, conjugado com as declarações dos arguidos que nesta parte mereceram credibilidade (com excepção da exclusividade dos rendimentos apenas do trabalho lícito declarado, quanto aos arguidos AA, BB e CC) e ainda com os depoimentos das testemunhas de defesa arroladas pelos arguidos.” d. Enquadramento jurídico dos factos “Os arguidos os arguidos AA, BB e CC, vêm acusados da prática, em autoria material e na forma consumada, de 1 (um) crime de tráfico estupefacientes, agravado, previsto e punido no artigo 21.º, n. 1, e 24.º, al. c), do DL 15/93, de 22 de Janeiro. As arguidas DD e EE, vêm acusadas da prática, em autoria material e na forma consumada, de 1 (um) crime de tráfico de estupefacientes, previsto e punido no artigo 21.º, n. 1, do DL 15/93, de 22 de Janeiro. O artigo 21.º, n.º 1, do D.L. n.º 15/93, de 22/01, dispõe da seguinte forma: «Quem, sem para tal estar autorizado, cultivar, produzir, fabricar, extrair, preparar, oferecer, puser à venda, vender, distribuir, comprar, ceder ou por qualquer título receber, proporcionar a outrem, transportar, importar, exportar, fizer transitar ou ilicitamente detiver, fora dos casos previstos no artigo 40º, plantas, substâncias ou preparações compreendidas nas tabelas I a III é punido com pena de prisão de 4 a 12 anos.». Com este artigo visa proteger-se e tutelar sobretudo a saúde e a segurança públicas. É um crime de perigo na medida em que não exige para a respectiva consumação, a efectiva lesão dos bens jurídicos tutelados; crime de perigo comum uma vez que a norma protege uma pluralidade de bens jurídicos, designadamente de carácter pessoal – embora todos eles possam ser reconduzidos a um mais geral: a saúde pública; crime de perigo abstracto porque não pressupõe nem o dano nem o perigo de um dos concretos bens jurídicos protegidos pela incriminação, mas apenas a perigosidade da acção para as espécies de bens jurídicos protegidos. Para que se ponham em causa tais valores jurídicos de forma penalmente relevante, têm que estar reunidos vários elementos constitutivos. Conclui-se serem os seguintes, os elementos objectivos deste tipo de ilícito: - Não possuir autorização emitida pelas autoridades e nos termos que constam no Capítulo II do Decreto-Lei nº 15/93 de 22 de Janeiro; - praticar qualquer uma das condutas descritas - cultivar, produzir, fabricar, extrair, preparar, oferecer, puser à venda, vender, distribuir, comprar, ceder ou por qualquer título receber, proporcionar a outrem, transportar, importar, exportar, fizer transitar ou ilicitamente detiver; - tratar-se de plantas, substâncias ou preparações constantes nas tabelas I a III, publicadas em Anexo àquele diploma legal; - a posse do produto estupefaciente não se destinar ao consumo do agente. No que tange ao elemento subjectivo, exige-se o dolo, ou seja, o conhecimento por parte do agente da natureza e características do produto estupefaciente objecto da acção e de que a sua acção é proibida por lei. O artigo 24.º do D.L. n.º 15/93, de 22/01 prevê que “As penas previstas nos artigos 21.º e 22.º são aumentadas de um quarto nos seus limites mínimo e máximo se: a) As substâncias ou preparações foram entregues ou se destinavam a menores ou diminuídos psíquicos; b) As substâncias ou preparações foram distribuídas por grande número de pessoas; c) O agente obteve ou procurava obter avultada compensação remuneratória; d) O agente for funcionário incumbido da prevenção ou repressão dessas infracções; e) O agente for médico, farmacêutico ou qualquer outro técnico de saúde, funcionário dos serviços prisionais ou dos serviços de reinserção social, trabalhador dos correios, telégrafos, telefones ou telecomunicações, docente, educador ou trabalhador de estabelecimento de educação ou de trabalhador de serviços ou instituições de acção social e o facto for praticado no exercício da sua profissão; f) O agente participar em outras actividades criminosas organizadas de âmbito internacional; g) O agente participar em outras actividades ilegais facilitadas pela prática da infracção; h) A infracção tiver sido cometida em instalações de serviços de tratamento de consumidores de droga, de reinserção social, de serviços ou instituições de acção social, em estabelecimento prisional, unidade militar, estabelecimento de educação, ou em outros locais onde os alunos ou estudantes se dediquem à prática de actividades educativas, desportivas ou sociais, ou nas suas imediações; i) O agente utilizar a colaboração, por qualquer forma, de menores ou de diminuídos psíquicos; j) O agente actuar como membro de bando destinado à prática reiterada dos crimes previstos nos artigos 21.º e 22.º, com a colaboração de, pelo menos, outro membro do bando; l) As substâncias ou preparações foram corrompidas, alteradas ou adulteradas, por manipulação ou mistura, aumentando o perigo para a vida ou para a integridade física de outrem.” Vejamos se a conduta dos arguidos AA, BB e DDD preenche algumas destas qualificativas, nomeadamente a que lhe vem imputada, a da alínea c). Na interpretação do artigo 24.º «… e das suas várias alíneas, deve partir-se do pressuposto de que estamos perante um crime de gravidade excecional e extraordinariamente elevada, substancialmente mais elevada do que aquela (já de si elevada) que corresponde ao tipo base do artigo 21.º» - cf. PEDRO PATTO, Comentário das Leis Penais Extravagantes, Volume 2, Universidade Católica Editora, ..., pág. 500 -, pelo que deve entender-se, no que respeita à al. c), do artigo 24.º, que o conceito de avultada compensação remuneratória pressupõe montante especialmente elevado mesmo para o que é comum verificar-se em actividades de tráfico abrangidas pelo artigo 21.º do DL 15/93, traduzindo, assim, a maior ilicitude do facto do agente e a consequente agravação da medida abstrata da pena. Assim, para apuramento do montante da compensação remuneratória envolvida no tráfico relevam desde logo as quantias efetivamente obtidas ou pretendidas obter pelo agente em contrapartida de actos de cedência de produto estupefaciente, máxime o valor por que o vendeu/ou venderia, mas importam também, para além ou em alternativa àquelas, “…vários fatores indiciários, como a qualidade e quantidade dos produtos estupefacientes praticados, o volume das vendas, a duração da atividade, o nível de organização e logística ou o grau de inserção do agente na [eventual] rede clandestina”, atendendo “…à posição que o agente ocupa no negócio (“se é dono ou intermediário”), se aufere uma quantia fixa e regular, ou ocasional”, cf. Vaz Patto est. citado, p. 502. Alcançada a ordem de grandeza do montante, ainda que aproximada, que o agente obteve ou visava obter com a conduta típica, estará então o tribunal em condições de avaliar se tal montante pode reputar-se elevado, enquanto circunstância agravante do crime de tráfico de estupefacientes. Ora, no caso concreto apurou-se o que consta dos pontos 1, 2 3, 4 6, 7, 8, 9 10, 11, 12, 14, 15, 19, 22, 23, 24, 25, 26, 27, 28, 29 e 31 dos factos provados, de onde resulta que o lucro que os arguidos AA, BB e CC obtiveram e/ou visavam obter é elevado. Como expusemos na fundamentação da matéria de facto, estamos a falar, seguramente, de pelo menos cinco viagens em que a média dos quilos transportada em cada viagem ronda os quilos que foram apreendidos na última viagem, em que o produto daria para 104736 doses, num valor que rondaria os 104.000,00 €. Ora, num espaço fechado como é esta ilha, tão fustigada pelo consumo de produtos estupefacientes, que se inica precisamente neste tipo de drogas e passa depois para drogas mais pesadas, e em que muitas das vezes a escassez faz variar os preços, inflacionando-os, o que aumenta substanciosamente os lucros, não temos quaisquer dúvidas de que está preenchida esta agravante quanto a estes arguidos. Uma ressalva para dizer que nenhuma dúvida nos suscita a imputação desta agravante à arguida CC pelo Ministério Público na acusação pública (tal como decorre dos factos objetivos e subjetivos imputados e provados ) apesar de, por aquilo que nos parece ser um mero lapso de escrita, no final acusar a arguida além do crime de tráfico nesta forma agravada, também a acusar do crime de tráfico do artigo 21.º do D.L. 15/93. Mas não é apenas esta al. c) que se tem por verificada quanto aos arguidos AA, BB e CC (e não sendo uma havendo qualquer alteração substancial de factos mas apenas de enquadramento jurídico, num complemento no plus da agravante, que não afecta as garantias de defesa dos arguidos, nos termos do artigo 358.º, n,.º 3 do C.P.P. e como tal não há que fazer qualquer comunicação à defesa). De facto, atentemos na circunstância qualificativa prevista na al. j) do artigo 24.º do DL n.º 15/93 – actuação como membro de bando. Esta alínea inspira-se directamente no art. 3.º, n .º 5, al. a), da Convenção das Nações Unidas contra o Tráfico Ilícito de Estupefacientes e Substâncias Psicotrópicas (Viena, 1988), segundo a qual “as Partes asseguram que os seus tribunais e outras autoridades competentes possam ter em consideração as circunstâncias factuais que conferem particular gravidade às infracções estabelecidas de acordo com o n.º 1 do presente artigo, tais como (…) a participação na infracção de uma organização criminosa à qual o agente pertença”. À data da publicação deste diploma não existia uma definição legal do conceito de “organização criminosa”, que só veio a ser esclarecido no art. 2.º da Convenção das Nações Unidas contra a Criminalidade Organizada Transnacional, de 15.11.2000 («Convenção de Palermo»), que inspirou a Decisão-Quadro 2008/841/JAI do Conselho, de 24-10-2008, relativa à luta contra a criminalidade organizada, pelos recortes conceptuais das definições de «grupo criminoso organizado» e de «grupo estruturado». Um grupo criminoso não estruturado, fora desta definição, deixou de se poder incluir no conceito de grupo criminoso organizado, na aceção da «Convenção de Palermo». É o que sucede com o conceito de “bando”, objeto de elaboração jurisprudencial pelo Supremo Tribunal de Justiça, sendo a punição agravada pelo facto de existir um grupo criminoso que não reúne as características do grupo criminoso estruturado, cujos membros praticam de forma reiterada, conjuntamente com, pelo menos, outro elemento do grupo, crimes de tráfico, o que vai além dos limites da autoria. Estando provado que agiam com tarefas muito concretas, em grupo, com estas características numa cadeia de distribuição de produto estupefaciente, os arguidos devem ser punidos em função da qualificativa prevista na al. j) do art. 24.º do DL n.º 15/93, de 22-01. Assim, para efeitos da qualificativa a que alude a alínea j) do artigo 24.º do D.L. n.º 15/93, a noção de «bando» é algo que se distingue da simples co-autoria, por um lado, indo além dela, e da associação criminosa, por outro, que não chega a atingir. A noção de "bando" visa todas as situações de pluralidade de agentes, actuando de forma voluntária, concertada e de colaboração mútua, com um princípio de estruturação de funções (estruturação incipiente), que, embora mais graves do que a mera comparticipação, não podem ser ainda consideradas associações criminosas, por não existir uma organização suficientemente caracterizada, com níveis e hierarquias e com uma relativa diversidade e especialização de funções de cada um dos membros ou aderentes (cfr. v. g., os acórdãos do STJ, de 29/6/95, in CJ, 1995, tomo II, pág. 253; de 18/12/97, rec. n° 918/97; e de 30/9/99, CJ (STJ), VII, tomo III, pág. 162). Não se pode ignorar que na factualidade provada encontram-se elementos que permitem qualificar os arguidos como “um bando que se dedicava à prática reiterada de actividade de tráfico de estupefacientes”. Em primeiro lugar, não se pode olvidar que a organização dos arguidos vai ao ponto de haver uma distribuição de tarefas: temos quem se dedique essencialmente a contactar os correios de droga/tratar da logística das viagens e dos pagamentos, e ainda do recebimento do produto em ... (o arguido AA), quem procedia à entrega das malas com a droga às pessoas escolhidas pelo arguido AA (a arguida BB) e quem transportava essas pessoas até ao aeroporto, lhes dava o dinheiro paras as despesas de táxi e controlava todo o percurso da mala até à largada da mesma no tapete do check in (a arguida CC). Ademais resulta das escutas telefónicas e das mensagens trocadas e que supra analisamos, que externamente se apresentavam como um grupo organizado, seguindo estratégias definidas, procurando desenvolver a sua atividade de modo “organizado”, com vista a potenciar o lucro, procurando ludibriar a actuação das forças de segurança e de investigação criminal (seja trocando constantemente de telemóvel, seja procurando ocultar bens adquiridos com os lucros obtidos com o crime praticado). Tudo isto, revela, afinal, que os arguidos exerciam a sua actividade delituosa de tráfico de estupefacientes de modo profissional, com um mínimo de organização e esquematizada o que aponta, de acordo, também, com o entendimento jurisprudencial, no sentido da agravação da alínea j). Concluindo, tendo em conta a matéria de facto que foi dada como provada, não restam dúvidas que com as suas condutas os arguidos AA, BB e CC preencheram os elementos objectivos e subjecticos, como autores materiais e na forma consumada, de 1 (um) crime de tráfico de estupefacientes agravado, p. e p. pelo artigo 21.º, n.º 1 e 24.º, al. c) e j) do D.L. 15/93 de 22/01, por referência à tabela I-C e II-A (esta para o arguido EEE) anexa ao diploma. Por fim, as arguidas DD e EE com as suas actuações preencheram os elementos objectivos e subjectivos, em autoria material e na forma consumada, de 1 (um) crime de tráfico de estupefacientes, p. e p. pelo artigo 21.º, n.º 1 do D.L. 15/93 de 22/01, por referência à tabela I-C anexa ao diploma. Refira-se ainda que não existem factos susceptíveis de consubstanciarem causas de exclusão da ilicitude, da culpa ou da punibilidade dos arguidos.” e. Determinação da medida da pena “Cumpre determinar a pena concretamente aplicável aos arguidos AA, BB e CC (autores de um crime de tráfico de estupefacientes agravado) e DD e EE (autoras de um crime de tráfico de estupefacientes) pela prática dos crimes acima analisado, atendendo à pena abstractamente aplicável, aos critérios de escolha e medida da pena e às suas finalidades. Quanto às finalidades das penas, estabelece o artigo 40.º, n.º 1 do Código Penal que “A aplicação de penas e de medidas de segurança visa a protecção de bens jurídicos e a reintegração do agente na sociedade.” A protecção dos bens jurídicos, sendo estes determinados por referência à ordem axiológica jurídico-constitucional, implica a rejeição de uma limitação da intervenção penal assente numa qualquer ordem transcendente e absoluta de valores, fazendo assentar a referida legitimação unicamente em critérios funcionais de necessidade (e de consequentemente utilidade) social. Por isso a aplicação da pena não mais pode fundar-se em exigências de retribuição ou de expiação da culpa, sem qualquer potencial de utilidade social, mas apenas em propósitos preventivos de estabilização contrafáctica das expectativas comunitárias na validade da norma violada. – Cfr. Figueiredo Dias, Revista Portuguesa de Ciência Criminal, Ano 1, Fascículo 1, 1991, Aequitas, Editorial Notícias, página 17 e 18. Subjacente à protecção jurídica de bens jurídicos está a chamada finalidade de prevenção geral positiva que juntamente com a prevenção especial positiva ou ressocialização constituem as finalidades das penas no nosso ordenamento jurídico. A pena tem por fundamento e limite a medida da culpa, não podendo ultrapassá-la (cfr. artigos 40.º, n.º 2 e 71.º, n.º 1 do Código Penal). Na verdade, “(…) à culpa, a que se reconhece a dignidade de pressuposto irrenunciável de toda e qualquer punição, caberá a função, única mas nem por isso menos decisiva, de determinar o limite máximo e em todos os casos inultrapassável da pena (…)” in Manuel Lopes Maia Gonçalves, “Código Penal Português, Anotado e Comentado”, Almedina, 2004, 16ª edição, pág. 176. Para a determinação da medida concreta da pena, nos termos do artigo 71.º do Código Penal, atender-se-á à culpa do agente e às exigências de prevenção, ponderando ainda todas as circunstâncias que, não fazendo parte do tipo de crime, depuserem a favor do agente ou contra ele, considerando nomeadamente as circunstâncias previstas nas diversas alíneas do artigo 71.º, n.º 2 do Código Penal. O limite superior da pena é pois o da culpa do agente. O limite mínimo é o que resulta da aplicação dos princípios de prevenção geral positiva segundo os quais a pena deve neutralizar o efeito negativo do crime na comunidade e fortalecer o seu sentimento de justiça e de confiança na validade das normas violadas, além de constituir um elemento dissuasor. Daí para cima, a medida exacta da pena é a que resulta das regras da prevenção especial de socialização; é a medida necessária à reintegração do indivíduo na sociedade. Ao crime de tráfico de estupefacientes corresponde, em abstrato, a pena de prisão de 5 (cinco) a 15 (quinze) anos de prisão (art. 21.º do Decreto-Lei n.º 15/93, de 22 janeiro). Ao crime de tráfico de estupefacientes agravado corresponde, em abstrato, a pena de prisão de 5 (cinco) a 15 (quinze) anos de prisão (art. 21.º e 24.º, al. j) do Decreto-Lei n.º 15/93, de 22 janeiro). Da pena a aplicar ao arguido AA: No caso presente, as exigências de prevenção geral, quanto ao crime de tráfico de estupefacientes, são elevadíssimas face à enormidade do flagelo da droga, sendo necessário desincentivar eficazmente a sua comissão. Relativamente ao crime de detenção de arma proibida, as necessidades são medianas. Quanto às necessidades de prevenção especial, o facto de o arguido não ter antecedentes criminais, induziria à partida a considerarmos que as mesmas seriam reduzidas. Contudo, o certo é que a postura do arguido, reflectida nos próprios factos, e bem assim na sua conduta aquando da sua abordagem inicial, com a fuga da polícia, quer durante o julgamento, com a não assunção da sua inteira responsabilidade, revelando uma atitude de indiferença e irrelevância d« seu papel, denotam que, afinal, existem necessidade de prevenção especial que devem ser acauteladas com firmeza. Valorando, então, os diferentes factores de determinação da pena a que se referem as diversas alíneas do n.º 2 do art. 71.º do Código Penal, no caso em apreço, verifica-se que: - Actuou com dolo directo (facto desfavorável ao arguido). - Em termos de ilicitude, o grau de ilicitude é elevado sendo aqui de relevar a natureza, a quantidade e qualidade do produto estupefaciente detido e transaccionado. - não confessou a sua efectiva e real participação nos factos, sendo que aquilo que admitiu nada de relevo contribui para a descoberta da verdade material. - a ausência de antecedentes criminais. - a inserção familiar e social não o afastou deste mundo e não lhe serviu de âncora, antes pelo contrário, pois foi nesse seio que desenvolveu esta actividade de forma organizada - não manifestou qualquer arrependimento. - não tem qualquer passado de consumo de drogas. Tudo ponderado, o Tribunal considera adequada, justa e proporcional a aplicação ao arguido AA de uma pena de 8 (oito) anos e 6 (seis) meses de prisão pela prática do crime de tráfico de estupefacientes agravado. Da pena a aplicar ao arguido BB: No caso presente, as exigências de prevenção geral são elevadas como já referido. Quanto às necessidades de prevenção especial, à semelhança do arguido AA, não obstante a ausência de antecedentes criminais, o certo é que a postura da arguida que decorre de toda a prova que foi produzida e está traduzida nos factos, aliada ao total alheamento de qualquer censura da sua conduta ou da conduta de qualquer dos envolvidos, faz com que as exigências de prevenção especial não sejam de descurar. Valorando, então, os diferentes fatores de determinação da pena a que se referem as diversas alíneas do n.º 2 do art. 71º do Código Penal, no caso em apreço, verifica-se que: - Atuou com dolo directo e intenso (facto desfavorável à arguida); - Em termos de ilicitude, o grau de ilicitude é elevado, sendo aqui de relevar a natureza, a quantidade e qualidade do produto estupefaciente detido e transaccionado. - A arguida não confessou os factos, antes pelo contrário, tentou sempre bloquear o acção da justiça, em conjunto com a arguida CC, pretendendo ocultar a proveniência do dinheiro e bem assim do veículo AX; - a ausência de antecedentes criminais; - a inserção familiar e social não a afastou deste mundo e não lhe serviu de âncora, antes pelo contrário, pois foi nesse seio que desenvolveu esta actividade de forma organizada - não manifestou qualquer arrependimento; - não tem qualquer passado de consumo de drogas. Tudo ponderado, o Tribunal considera adequada, justa e proporcional a aplicação à arguida BB de uma pena de 6 (seis) anos e 2 (dois) meses de prisão pela prática do crime de tráfico de estupefacientes agravado. Da pena a aplicar ao arguido CC: As exigências de prevenção geral são elevadas como já referido. As necessidades de prevenção especial, tal como o arguido AA e a arguida BB não são de descura, não obstante a ausência de antecedentes criminais, pois que demonstrou total alheamento de qualquer censura da sua conduta ou da conduta de qualquer dos envolvidos, faz com que as exigências de prevenção especial não sejam de descurar. Valorando, então, os diferentes fatores de determinação da pena a que se referem as diversas alíneas do n.º 2 do art. 71º do Código Penal, no caso em apreço, verifica-se que: - Actuou com dolo directo e intenso (facto desfavorável à arguido). - Em termos de ilicitude, o grau de ilicitude é elevado, sendo aqui de relevar a natureza, a quantidade e qualidade do produto estupefaciente detido e transaccionado. - A arguida não confessou os factos, antes pelo contrário, tentou sempre bloquear o acção da justiça, em conjunto com a arguida BB pretendendo ocultar a proveniência do dinheiro e bem assim do veículo AX. - a ausência de antecedentes criminais; - a inserção familiar e social não a afastou deste mundo e não lhe serviu de âncora, antes pelo contrário, pois foi nesse seio que desenvolveu esta actividade de forma organizada - não manifestou qualquer arrependimento; - não tem qualquer passado de consumo de drogas. Tudo ponderado, o Tribunal considera adequada, justa e proporcional a aplicação à arguida CC de uma pena de 6 (seis) anos e 2 (dois) meses de prisão pela prática do crime de tráfico de estupefacientes agravado.” F. Dos objetos apreendidos A aplicação de penas não esgota, por vezes, as consequências possíveis da prática de um crime. In casu, com as penas aplicadas concorrem, ainda, outras consequências do crime. Quanto ao produto estupefaciente apreendido, atento o disposto nos artigos 35.º, n.º 2, 36.º, n.º 2 e 62.º., n.º 6 do D.L. 15/93, de 22.01, declaro-o perdido a favor do Estado, bem como as amostras cofre – artºs.35º, nºs.1 e 2 e 62º, nº.6, do DL 15/93, de 22.1 e determino a sua destruição. Quanto aos telemóveis, roupas (fato de treino, meias calças, mantas e toalhas), mala troley e balanças de precisão apreendidos, porque utlizados na prática dos crimes ou porque vantagens dos mesmos – declaram-se perdidos a favor do Estado, nos termos dos artigos 109.º, n.º 1 do Código Penal, e pertencerão ao domínio privado regional (artº.24º, al.h), § 2º do Estatuto Político Administrativo da Região Autónoma dos Açores), pelo que deverão ser entregues à Direcção de Serviços do Património, da Direção Regional do Orçamento e Tesouro, no âmbito da Vice Presidência do Governo Regional, acompanhada de uma relação de bens de teor idêntico ao termo de entrega que deverá constar dos autos, se tiverem valor económico, pois que se não o tiverem deverão ser destruídos. Quanto ao veículo automóvel da marca ... com a matrícula ---15---, e bem assim toda a sua documentação original apreendida, é declarada perdida a favor do Estado, nos termos dos artigos 110.º, n.º 1, al. b) e 111.º, do Código Penal e artigo 36.º, n.º 1 do Decreto-lei n.º 15/93, de 22 de janeiro, porque são vantagens da prática dos crimes praticados pelos arguidos. Todo o dinheiro apreendido é declarado perdido a favor do Estado e terá o destino a que alude o artigo 39.º, n.º 1 do DL 15/93, de 22.1. Quanto aos demais objectos apreendidos como talões de embarque, documentos bancários, bilhete electrónico, contrato de arrendamento e que estejam em folha de suporte assim devem permanecer, porque constituem meio de prova. 2. Questão Prévia - Da (in)admissibilidade da junção de documentos com as alegações de recurso O art. 410.º/1CPP estabelece que sempre que a lei não restringir a cognição do Tribunal ou os respetivos poderes, o recurso pode ter como fundamento quaisquer questões de que pudesse conhecer a decisão recorrida. A FFF aquando da interposição de recurso (entrado a 28junho2024 - ref. 5795384) juntou aos autos três documentos. Quais sejam: um extrato bancário, de reporte a 1agosto2022 até ..., emitido a ...; 1 declaração do ..., datada de ... atestando que se encontra inscrita desde ...; um extrato bancário, emitido a .... Impõe-se decidir sobre a respetiva admissibilidade nesta fase do processo. O art. 355.ºCPP, reportando no seu n.º 1 a regra do princípio da imediação em processo penal, estabelece no seu n.º 2 a excecionalidade de que podem valer em julgamento as provas contidas em atos processuais cuja leitura, visualização ou audição em audiência sejam permitidas, constituindo jurisprudência firme a que sustenta que “os documentos que se encontram juntos aos autos consideram-se examinados e produzidos em audiência, independentemente de nesta ter sido feita a respetiva leitura e menção em ata, pois estando os documentos juntos ao processo e neles se alicerçando a acusação, óbvio é que não podia o arguido razoavelmente alhear-se do que deles constava e dispensar-se de contrariar a prova que contra si deles pudesse resultar”. (neste sentido, Paulo Pinto de Albuquerque, in Comentário do Código de Processo Penal à luz da Constituição da República e da Convenção Europeia dos Direitos do Homem, 3.ª ed., p. 891, nota 3; respetivamente, rel. Juízes Conselheiros Lopes de Melo e Martins Ramires, Acórdãos do Supremo Tribunal de Justiça, respetivamente de 25fevereiro1993 e de 19novembro1997, proc. 043287 e proc. 97P290, acessíveis in www.dgsi.pt/jstj; rel. Juiz Desembargador Martins Simão, Acórdão do TRÉvora, de 3março2015, NUIPC 420/02.6PATVR.E1, acessível in www.dgsi.pt/jtre e rel. Juiz Conselheiro Nunes de Almeida, Acórdão do Tribunal Constitucional, n.º 87/99, de 9fevereiro1999, Proc. 44/98, acessível in www.Tribunalconstitucional.pt). Por seu turno, resulta do art. 165.ºCPP que o momento próprio para a junção de documentos tem termo final aquando do encerramento da audiência de julgamento em 1.ª instância – sendo que in casu a última audiência com produção de prova é a de 21maio2024 e o Acórdão de 28maio2024 - o que se compreende uma vez que cabe aos aí julgadores a apreciação de toda a prova concernente a uma determinada causa, sendo que essa apreciação tem de ser feita com pleno cumprimento quer do princípio do contraditório, quer do princípio da imediação. Acresce que, no seu âmago, o recurso é um remédio jurídico, o que significa que a reapreciação de segmentos decisórios, por um Tribunal Superior, se terá de fundar na invocação da existência de algo de concretamente errado na decisão proferida em 1.ª instância. (sobre a questão, ainda que em modo algo divergente entre si, cfr. rel. Juízes Conselheiros João Cura Mariano e Pedro Machete, Acórdãos do Tribunal Constitucional, respetivamente n.º 90/2013 e n.º 289/..., de 7fevereiro2013 e de 28maio..., Proc. 357/12 e Proc. 973/19, acessíveis in www.tribunalconstitucional.pt, este último com interessante posição de Manuel da Costa Andrade em sede de voto de vencido) Daqui resulta, o que vale salientar desde já, que por assumir o legislador tratamento específico da questão ao nível do CPP, não se pode pela via do art. 4.ºCPP, quanto à valoração de documentos juntos depois do encerramento do julgamento em 1.ª instância, recorrer ao regime previsto no art. 651.ºCPC, por referência ao art. 425.ºCPC. Com a junção de tal documento, propõem-se a FFF demonstrar que a viatura ---15---, registada a seu favor desde 16março2023, foi por si adquirida com montantes próprios, fruto do seu trabalho. Vejamos. Estando a viatura em causa apreendida nos autos desde ... de ... de 2023, sendo a mesma suscetível de declaração de perdimento, só após o Acórdão do Tribunal a quo e em sede de recurso opera junção de documentos, dois destes emitidos com data anterior a 21maio2024 e a 28maio2024 – os extratos bancários - e um outro – a declaração do ... – com data posterior mas atestando situação que já se verificaria naquelas datas. Apreciando em concreto, à luz dos princípios supra expostos, dir-se-á que a junção de documentos que não foram submetidos à apreciação do julgador de 1.ª instância, quando o podiam ter sido, não é admissível em sede de recurso, por postergação quer dos princípios acima mencionados quer, essencialmente, por se traduzir no aportar de uma nova dimensão de prova. Mais, não se está perante quadro de exceção, mormente pela via de superveniência do documento ou necessidade do documento revelada pelo julgamento de 1.ª instância (sobre os conceitos inerentes à questão, ainda que em lugar paralelo, cfr. rel. Juízes Conselheiros Vasques Dinis e Catarina Serra, Acórdãos do Supremo Tribunal de Justiça, respetivamente de 10dezembro2009 e de 30abril2019, NUIPC 848/06.2TTLSB.S1 e NUIPC 22946/11.0T2SNT-A.L1.S2, acessíveis in www.dgsi.pt/jstj) Em conclusão, tem-se por inadmissível a junção dos documentos apresentados com o requerimento de interposição de recurso, pelo que, consequentemente, não serão considerados. 3. Objeto do recurso Os recursos são o meio processual mediante o qual, através da sujeição a uma reapreciação de substância por um Tribunal Superior, se corrigem os erros cometidos na decisão judicial penal. (neste sentido, Leal-Henriques e Simas Sanos, in Recursos Penais, 9ª ed., ..., 2020, p. 25) Servem para apreciar questões e não razões, do mesmo modo que não visam criar decisões sobre matéria nova. O que nos leva diretamente a uma inicial conclusão, a qual passa por um princípio de economia de meios: cabendo percecionar se a solução jurídica aplicada à concreta situação é, ou não, a correta, quando não houver lugar a reparo na forma e na matéria da decisão, resta ao Tribunal Superior confirmar a mesma, não lhe cabendo a prática do ato, que sempre será inútil, de acrescentar argumentação ao que já de forma fundamentada e acertada se mostre decidido. Os recursos são remédios de soluções inadequadas, não são acrescentos a decisões corretas. A fronteira do poder cognitivo do Tribunal ad quem estabelece-se entre o quanto é firmado nas conclusões extraídas pelo recorrente da sua fundamentação de motivação – como sintetização/condensação das razões da sua discordância com a decisão recorrida - e o quanto integre questões de conhecimento oficioso, tais quais as nulidades insanáveis, ou que não se mostrem sanadas, que afetam o processado e os vícios decisórios ao nível da matéria de facto emergentes da simples leitura do texto da decisão recorrida, por si só ou conjugada com as regras da experiência comum (art. 410.º/2CPP) e que obstam à apreciação do mérito do recurso, mesmo que este se encontre limitado à matéria de direito. (arts. 402.º;403.º;412.º/1CPP) (Pereira Madeira, in Código de Processo Penal comentado, António Henriques Gaspar, José Santos Cabral, Eduardo Maia Costa, António Oliveira Mendes, António Pereira Madeira e António Pires da Graça, 2014, p. 1299) (jurisprudência fixada pelo Acórdão do Plenário da Secção Criminal do Supremo Tribunal de Justiça, n.º 7/95, rel. Juiz Conselheiro Bernardo Fisher Sá Nogueira, 19outubro1995, in DR I-Série-A, 28dezembro995 e Acórdão do Plenário da Secção Criminal do Supremo Tribunal de Justiça, n.º 10/2005, rel. Juiz Conselheiro Armindo dos Santos Monteiro, 20outubro2005, in DR I-Série-A, 7janeiro2005, acessíveis in www.stj.pt/uniformizacao-de-jurisprudencia) “As relações conhecem de facto e de direito (art. 428.ºCPP) devendo por isso, subsumir o direito aos factos”. (nesta específica expressão, Acórdão do Supremo Tribunal de Justiça, rel. Juiz Conselheiro Pires da Graça, 16maio2012, NUIPC 30/09.7GCCLD.L1.S1, acessível in www.dgsi.pt/jstj) O recurso interposto de uma Sentença abrange toda a decisão (art. 402.º/1CPP) e mesmo que opere limitação do recurso a uma parte da decisão tal não prejudica o dever de o Tribunal ad quem retirar da procedência daquele as consequências legalmente impostas relativamente a toda a decisão recorrida (art. 403.º/3CPP). Mais, salvo se se fundar em motivos estritamente pessoais, o recurso interposto por um dos arguidos, em caso de comparticipação, aproveita aos restantes (art. 402.º/2a)CPP). Resumindo, havendo tão só recurso em matéria de facto, a Relação conhece do objeto do recurso, e se modificar a matéria de facto, extrai as consequências jurídicas decorrentes; sendo o recurso de facto e de direito, conhece de ambos; sendo o recurso somente de direito, conhece do recurso, sem prejuízo do disposto no art. 410.º/2/3CPP; havendo vários recursos da mesma decisão, dos quais alguns versem sobre matéria de facto e outros exclusivamente sobre matéria de direito, são todos julgados conjuntamente pelo Tribunal competente para conhecer da matéria de facto (art. 414.º/8CPP). Ou seja: a função do Tribunal ad quem perante o objeto do recurso, quando possa conhecer de mérito, é a de proferir decisão que dê resposta cabal a todo o thema decidendum que o convocou. Aqui chegados, há que decidir sobre a ordem de conhecimento dos recursos e das questões individuais contidas em cada um dos mesmos. No caso concreto dos autos, quanto ao recurso interposto pela GGG começaremos, porque tal se impõe, pela sua rejeição, uma vez que o mesmo é manifestamente improcedente – quer no que tange pretensão de recurso de matéria de facto, quer no que respeita à matéria de direito. Seguir-se-á a apreciação dos demais recursos interpostos, em relação aos quais impõem os art. 368.º;369.ºCPP - por remissão do art. 424.º/2CPP -, que o Tribunal da Relação conheça das questões que constituem o delimitado objeto do recurso pela seguinte ordem: a) das que obstem ao conhecimento do mérito da decisão; b) das questões referentes ao mérito da decisão, desde logo, as que se referem à matéria de facto, começando pela impugnação alargada, se deduzida, nos termos do art. 412.ºCPP, a que se seguem os vícios enumerados no art. 410.º/2CPP; c) das questões relativas à matéria de direito. Os Arguidos BB e AA reportam os seus recursos como sendo de matéria de facto e de matéria direito. Infra veremos que efetivamente assim o não são, pois em termos de matéria de facto merecem ser rejeitados por serem manifestamente improcedentes. Dir-se-á que estes recursos, no que tange à matéria de direito, cumprem minimamente as regras do art. 412.º/2a)CPP. Seguindo este alinhamento metodológico e de sistematização, no caso concreto e atentas as conclusões apresentadas em sede de motivação dos diferenciados recursos interpostos, as questões sobre que importa decidir resumem-se a: - Da nulidade do Acórdão, por alteração de qualificação jurídica dos factos sem contraditório – art.s 379.º/1b);c) e 358.º/1CPP - Do vício de insuficiência para a decisão da matéria de facto provada – art. 410.º/2CPP - Dos recursos de matéria de facto - Da violação das regras de fundamentação, da livre apreciação da prova e do princípio de presunção de inocência / in dubio pro reu - interligação a nulidades - Da valoração de prova proibida - Da qualificação jurídica dos factos - Da escolha e determinação concreta da pena 1.ª questão: - Recurso interposto pela Arguida CC - Da global manifesta improcedência Neste ponto cumpre começar por uma nota prévia. Qual seja a de que o interposto recurso seria em si mesmo merecedor de rejeição por via de decisão sumária. Contudo, estando em presença uma situação de pluralidade de recursos, em que acresce a virtualidade de benefício inerente ao art. 402.º/2a)CPP, a decisão será tomada em conferência. (sobre a questão, cfr. o Acórdão do Supremo Tribunal de Justiça, rel. Juiz Conselheiro Oliveira Mendes, 2maio2018, NUIPC 736/03.4TOPRT.P2.S1, acessível in www.dgsi.pt/jstj onde se pode ler em sumário que “a lei adjetiva penal na al. b) do n.º 6 do art. 417.º ao textuar que “após exame preliminar, o relator profere decisão sumária, sempre que o recurso deva ser rejeitado” prevê, tão-só, os casos e situações de rejeição do recurso, ou seja, de rejeição total, não também os casos e situações de rejeição parcial.) A interposição de recursos, assim como a inerente tramitação, obedece a regras técnicas, determinadas na lei processual, que todos os intervenientes, devem respeitar. Se o não fazem, sibi imputet, contendo a lei formas de responsabilização respetivas. Não pode o Tribunal substituir-se à atividade dos recorrentes, como não tem que ser permissivo ou que suprir eventuais insuficiências dos profissionais do foro. Aos juízes compete julgar em prazo razoável e com qualidade. Aos recorrentes, através dos seus defensores/mandatários, compete preparar as respetivas peças processuais também com a necessária qualidade técnica, não se podendo uns substituir aos outros, só assim tendo sentido o princípio do patrocínio obrigatório. A figura da rejeição do recurso destina-se a potenciar a economia processual, numa ótica de celeridade e de eficiência, com vista a obviar ao reconhecido pendor para o abuso de recursos. Consagrado que está no CPP a cindibilidade do recurso (princípio que se colhe os art.s 403.º/1; 410.º/1 e 412.º/2), a possibilidade de rejeição dos recursos pode operar em duas diversas vias: a) rejeição formal que se prende com a insatisfação dos requisitos prescritos no art.412.º/2CPP; b) rejeição substantiva que ocorre quando é manifesta a improcedência do recurso. Na expressiva afirmação relembrada pelo Juiz Conselheiro Cid Geraldo (Acórdão do Supremo Tribunal de Justiça, 23junho2022, NUIPC 38/20.1PKSNT.L1.S1, acessível in www.dgsi.pt/jstj) “A manifesta improcedência verifica-se quando, atendendo à factualidade apurada, à letra da lei e à jurisprudência dos tribunais superiores, é patente a sem razão do recorrente. A possibilidade de rejeição liminar, em caso de improcedência manifesta, tem em vista moralizar o uso do recurso.” , situação esta que igualmente se regista nas “decisões sumárias” proferidas nos termos do art. 78.º-A da Lei do Tribunal Constitucional (Lei28/82-15novembro, na redação da Lei13-A/98-26fevereiro), as quais gradualmente vêm assumindo uma maior relevância na jurisprudência do Tribunal Constitucional, no que respeita quer aos pressupostos do recurso de constitucionalidade, quer a julgamentos de mérito, quando é manifesta a falta de fundamento do recurso. (cfr., sobre a questão www.tribunalconstitucional.pt/tc/decsumarias/) (A lei não define o conceito de manifesta improcedência mas os Tribunais Superiores têm vindo a pronunciar-se sobre a questão, com destaque para o Supremo Tribunal de Justiça que considera que um recurso deve ser rejeitado quando em exame necessariamente perfunctório a que se procede no visto preliminar se puder concluir, face à alegação do recorrente, à letra da lei e às posições da jurisprudência sobre as questões suscitadas, que está votado ao insucesso. Isabel Pais Martins (Acórdão do Supremo Tribunal de Justiça, de 3novembro2011, NUIPC 2/00.7TBSJM.P2.S1, acessível in www.dgsi.pt/jstj) dá-nos conta que “[a] manifesta improcedência do recurso significa que este, pelos termos em que se encontra motivado ou pelo objecto que o recorrente lhe define, se apresenta imediatamente insubsistente, sendo claro, patente e de primeira leitura que é manifestamente destituído de fundamento (cf. v.g. Ac. do STJ de 26-01-2005, Proc. n.º 3998/04 - 3.ª).”Como escreve Simas Santos (Acórdão do Supremo Tribunal de Justiça de, 9novembro2000, processo 00P2693, acessível in www.dgsi.pt/jstj) (também em Acórdão de 18abril2002, processo n.º 02P1082) “2 - Deve considerar-se como manifestamente improcedente o recurso quando é clara a inviabilidade do recurso, como sucede, v.g., quando o recorrente pede a diminuição da pena "atendendo ao valor das atenuantes" e não vem provada nenhuma circunstância atenuante; quando é pedida a produção de um efeito não permitido pela lei; quando toda a argumentação deduzida assenta num patente erro de qualificação jurídica; ou quando se pugna no recurso por uma solução contra jurisprudência fixada ou pacífica e uniforme do STJ e o recorrente não adianta nenhum argumento novo. 3 - Pode dizer-se que o recurso é manifestamente improcedente quando no exame necessariamente perfunctório a que se procede no visto preliminar, se pode concluir, face à alegação do recorrente, à letra da lei e às posições da jurisprudenciais sobre as questões suscitadas, que aquele recurso está votado ao insucesso.” Com este mesmo alcance ponderou Maria Leonor Esteves (acórdão do Tribunal da Relação de Évora, 3março2015, NUIPC 115/11.0TAVVC.E1, acessível in www.dgsi.pt/jtre), quando reporta que “[o] que na verdade releva é o bem-fundado, a solidez ou o apoio legal, doutrinário ou jurisprudencial, da argumentação usada para atacar a decisão de que se recorre. Existirá manifesta improcedência sempre que seja inequívoco que essa argumentação de modo nenhum pode conduzir ao efeito jurídico pretendido pelo recorrente.”) Tal é, manifestamente e como se vem a explicar, o caso do presente recurso, sobre matéria de facto, o que força a conclusão da sua manifesta improcedência, o que cabe declarar desde já. (neste sentido, Juiz Conselheiro Pires da Graça, Acórdão do Supremo Tribunal de Justiça, de 7abril2010, NUIPC 2792/05.1TDLSB.L1.S1, acessível in www.dgsi.pt/jstj, onde nos é dito que “[é] de rejeitar o recurso, quando se revele manifestamente improcedente nos termos dos artigos 412º nº 1 e 414º nº 3 e 420º nº 1 do CPP., pois a manifesta improcedência constitui um fundamento de rejeição do recurso de natureza substancial, visando os casos em que os termos do recurso não permitem a cognição do tribunal ad quem, ou quando, versando sobre questão de direito, a pretensão não estiver minimamente fundamentada, ou for claro, simples, evidente e de primeira aparência que não pode obter provimento.”) Descendo ao concreto, dir-se-á que lida a peça processual trazida pela HHH aos autos, na sua ótica com intensão recursiva, vislumbra-se que a mesma – em apertada síntese – como que pretende convocar quatro questões, quais sejam as de nulidade de prova, por uso de prova proibida; questão de reporte a impugnação da matéria de facto, que, a final, funda no in dubio pro reu; problemática de subsunção dos factos ao direito, entendendo não estar em presença a forma atuacional dolosa; e medida da pena. Como já se teve oportunidade de dizer, as motivações colhidas na dita peça processual são praticamente idênticas às conclusões. O que no caso não determinando razão bastante para convite, certo é que conduz em si mesmo a uma outra vertente, qual seja a da plena omissão de referência de normas jurídicas violadas ao nível da parte em que se versa matéria de direito, assim como inexistência concreta de cumprimento de ónus de especificação com relação ao recurso de matéria de facto. Vejamos separadamente, uma vez que as razões conducentes à rejeição são diferenciadas. Comecemos pelo recurso de matéria de facto, a que se refere o art. 412.º/3/4/6CPP. De acordo com o art. 431.ºCPP “Sem prejuízo do disposto no artigo 410.º, a decisão do tribunal de 1.ª instância sobre matéria de facto pode ser modificada: a) Se do processo constarem todos os elementos de prova que lhe serviram de base; b) Se a prova tiver sido impugnada, nos termos do n.º 3, do artigo 412.º; ou c) Se tiver havido renovação da prova.” Por outro lado, dispõe o art. 412.º/3CPP que “Quando impugne a decisão proferida sobre matéria de facto, o recorrente deve especificar: a) Os concretos pontos de facto que considera incorretamente julgados; b) As concretas provas que impõem decisão diversa da recorrida; c) As provas que devem ser renovadas.” E, no seu n.º 4 que “Quando as provas tenham sido gravadas, as especificações previstas nas alíneas b) e c) do número anterior fazem-se por referência ao consignado na ata, nos termos do disposto no n.º 2 do artigo 364º, devendo o recorrente indicar concretamente as passagens em que se funda a impugnação.” Logo entre o ponto 2 e 3 da motivação a HHH define que vem interpor recurso nesse âmbito, o que situa até ao ponto 38 da motivação. Em termos de conclusões tal inculca nas referências III a XXXII. Cumpre desde já firmar que é inequívoco propósito do legislador delimitar a viabilidade técnica desta vertente recursiva, em moldes de somente a permitir quando haja uma identificação do concreto erro de julgamento ocorrido, bem como dos específicos meios de provas que concretamente o demonstram e imponham solução diferenciada. Daí a exigência do ónus de tríplice especificação. (neste sentido cfr. o Acórdão do Supremo Tribunal de Justiça, rel. Juiz Conselheiro Simas Santos, 9março2006, Proc. nº 06P461, acessível in www.dgsi.pt/jstj; Germano Marques da Silva, in Forum Justitiae, Maio 99 “o recurso sobre a matéria de facto não significa um novo julgamento, mas antes um remédio para os vícios do julgamento em 1ª instância”; Damião Cunha, in O Caso Julgado Parcial, Publicações Universidade Católica, 2002 em sentido idêntico sustenta que os recursos “…são entendidos como juízos de censura crítica e não como «novos julgamentos»). Tal identificação concreta e especificamente apontada do erro de julgamento, por via da indicação dos pontos de facto incorretamente julgados e dos meios de prova que impõem decisão diversa da recorrida é verdadeiramente essencial para que o Tribunal de recurso possa conhecer do mérito da impugnação da decisão da matéria de facto. Para esse efeito, deve este Tribunal Superior verificar se os pontos de facto questionados têm suporte na fundamentação da decisão recorrida, avaliando e comparando especificadamente os meios de prova indicados nessa decisão e os meios de prova indicados pela recorrente e que esta considera imporem decisão diversa. Assim dizendo, a especificação dos concretos pontos de facto traduz-se na indicação dos factos individualizados que constam da sentença recorrida e que se consideram incorretamente julgados, sendo que a especificação das concretas provas só se satisfaz com a indicação do conteúdo específico do meio de prova (v.g. segmentos dos depoimentos e quais os suportes técnicos em que eles se encontram, com referência às concretas passagens gravadas) ou de obtenção de prova e com a explicitação da razão pela qual essas provas impõem decisão diversa da recorrida. Finalmente, a especificação das provas que devem ser renovadas implica a indicação dos meios de prova produzidos na audiência de julgamento em 1.ª instância cuja renovação se pretenda, dos vícios previstos no artigo 410.º/2CPP e das razões para crer que aquela permitirá evitar o reenvio do processo (cfr. art. 430.º CPP). Não basta a este respeito, como é evidente, o lançar de opinião sobre a credibilidade de testemunho, invocações sobre funcionalidade de parafernália ligada habitualmente ao tráfico de estupefacientes, ou simples sindicar do teor de escutas telefónicas, sem que em momento algum se indique quais os concretos factos em causa ou as provas que têm a virtualidade impositiva. O que se impunha era que a HHH, para além de ter indicado as provas, explicasse, com base nelas, os motivos pelos quais o Tribunal recorrido não poderia ter considerado provados os factos elencados. Com efeito, no sentido de cumprir o referido ónus deve “…o recorrente explicitar «por que razão essa prova “impõe” decisão diversa da recorrida. Este é o cerne do dever de especificação. O grau acrescido de concretização exigido visa precisamente impor à recorrente que relacione o facto individualizado que considera incorretamente julgado (…)”. (neste sentido cfr. o Acórdão do Supremo Tribunal de Justiça, rel. Juiz Conselheiro João Silva Miguel, 18fevereiro2016, NUIPC 9/13.4PATVR.R1.S1, acessível in www.dgsi.pt/jstj, ou o Acórdão do Tribunal da Relação de Coimbra, rel. Juiz Desembargador Luís Teixeira - 12julho2023, NUIPC 982/20.6PBFIG.C1, acessível in www.dgsi.pt/jtrc, onde expressamente se foca que o requisito do art. 412.º/3b)CPP “só é observado se, para além da especificação das provas, o recorrente explicitar os motivos e em que termos essas provas indicadas impõem decisão diversa da decisão do tribunal, de modo a fundamentar e tornar convincente que tais provas impõem decisão diferente” (…) sendo que tal “exigência corresponde, de algum modo, àquela que é exigida ao julgador para fundamentar os factos provados e não provados, porque do mesmo modo que o julgador tem o dever de fundamentar as decisões, também o recorrente tem que fundamentar o recurso.”. Daí que “não cumpre tal requisito a mera negação dos factos, a discordância quanto à valoração feita pelo tribunal recorrido quanto à prova produzida, considerações e afirmações genéricas, a invocação de dúvidas próprias, sem que se analise o teor dos depoimentos das testemunhas indicados nas respetivas passagens da gravação, com a indicação dos motivos por que tal facto ou factos devem ser dados como provados ou não provados.”) (muito recentemente, ainda que sobre matéria processual civil, mas com necessária chamada à colação pelo lugar paralelo, cfr. o Acórdão 148/2025do Tribunal Constitucional, rel. Juíza Conselheira Maria Benedita Urbano, 18fevereiro2025, publicado no D.R. 2.ª S, 27março2025, acessível in www.dre.pt ou em www.trinalconstitucional.pt) Impunha-se que a HHH evidenciasse claramente o erro de julgamento, sendo que, quanto à prova gravada, tinha obrigatoriamente de o ter feito por referência ao consignado na ata, nos termos do disposto no 364.º/3CPP, devendo indicar concretamente as passagens em que se funda a impugnação. Volvendo ao caso dos autos, é inequívoco que em momento algum a HHH indica quais os concretos factos provados, ou não provados, que convoca como incorretamente julgados, muito menos reporta quais as provas que impõem decisão diversa da recorrida, sendo que nada aponta para os efeitos de especificações exigidas quanto a gravação de prova. Ou seja, a HHH não cumpriu o exigido tríplice ónus, pelo que este Tribunal de Recurso está impedido de modificar a matéria de facto, designadamente, com fundamento na prova gravada. Poderia, ainda assim, a mera omissão de tais indicações nas conclusões do recurso conduzir à formulação de convite para as completar, nos termos do art. 417.º/3CPP, se tais indicações constassem da motivação. De facto, declarou, com força obrigatória geral, o Tribunal Constitucional (Acórdão 320/2002, rel. Juiz Conselheiro Sousa Brito, 9julho2020, processo 754/01, publicado no DR, I-A, de 7outubro2002. acessível in www.dre.pt ou em www.trinalconstitucional.pt), a inconstitucionalidade, por violação do art. 32.º/1CRP, da norma do art. 412.º/2CPP interpretada no sentido de que a falta de indicação nas conclusões da motivação, de qualquer das menções contidas nas alíneas a), b) e c) tem como efeito a rejeição liminar do recurso do recorrente, sem que ao mesmo seja facultada a oportunidade de suprir tal deficiência. No caso presente, porém, a falta de indicação das referidas menções não surge apenas nas conclusões da motivação, mas também na própria estrutura da motivação. Ora, não constando globalmente de toda a motivação, nem sequer é admissível o convite para correção, visto o aperfeiçoamento previsto naquela última norma não permitir a modificação do âmbito do recurso que tiver sido fixado na motivação (art. 417.º/4CPP). Como tal, à luz desta plena insuficiência, não pode este Tribunal ad quem usar do expediente de convidar a recorrente a corrigir as conclusões uma vez que esta “apresenta uma motivação com deficiências de fundo já que contra o que expressamente impõe a lei, não se preocupa minimamente em satisfazer as suas exigências, como acontece com a indicação dos suportes técnicos que documentem a sua discordância quanto ao decidido quanto à matéria de facto” (neste sentido, cfr. os Acórdãos do Supremo Tribunal de Justiça, rel. Juiz Conselheiro Santos Carvalho, 15julho2004 - processo 04P2360, e rel. Juiz Conselheiro Simas Santos, 9março2006, processo 06P461, acessíveis in www.dgsi.pt/jstj, Acórdão do Tribunal da Relação de Guimarães, rel. Juiz Desembargador Cruz Bucho, 25junho2007, processo 743/06-1, in www.dgsi.pt/jtrg e Acórdão do Tribunal Constitucional 140/2004, rel. Juiz Conselheiro Mota Pinto, 10março2004, processo 565/2003, in DR, II, de 17abril2004, acessível in www.dre.pt ou em www.trinalconstitucional.pt, segundo o qual “Não é inconstitucional a norma do artigo 412°, nº 3 do CPP interpretada no sentido de que a falta, na motivação e nas conclusões de recurso em que se impugne matéria de facto, da especificação nela exigida tem como efeito o não conhecimento da matéria e a improcedência do recurso, sem que ao recorrente tenha sido dada oportunidade de suprir tais deficiências”). Por conseguinte, desde já se decide não conhecer do mérito do recurso interposto pela HHH quanto à impugnação ampla da matéria de facto, o que constitui motivo da sua rejeição nesta parte, em conformidade com disposto no art. 420.º/1a)CPP. (neste sentido cfr. o Acórdão desta 5.ª secção do Tribunal da Relação de ..., rel. Juiz Desembargador Manuel Advínculo Sequeira, 5desembro2024, NUIPC 591/21.2PBPDL.L1-5, acessível in www.dgsi.pt/jtrl) Passemos à parte do recurso de matéria de direito, a que se refere o art. 412.º/2CPP. Diz-nos o art. 412.º/2CPP que “Versando matéria de direito, as conclusões indicam ainda: a) As normas jurídicas violadas; b) O sentido em que, no entendimento do recorrente, o tribunal recorrido interpretou cada norma ou com que a aplicou e o sentido em que ela devia ter sido interpretada ou com que devia ter sido aplicada; e c) Em caso de erro na determinação da norma aplicável, a norma jurídica que, no entendimento do recorrente, deve ser aplicada.” Antecedendo o ponto 39 da motivação, a HHH assinala que efetua motivação de recurso quanto à matéria de Direito, o que faz até ao ponto 49 da motivação. Em termos de conclusões tal inculca nas referências XXXIII até à XXXIX. No art. 412.ºCPP “estabelecem-se os requisitos da motivação, sendo patente que a lei é aqui particularmente exigente (...) quanto à estruturação das alegações. E esta tomada de posição da lei através deste artigo é secundada por outras disposições, determinando a não admissão ou a rejeição do recurso, não só quando falte a motivação mas ainda quando esta for manifestamente improcedente ou quando, versando o recurso matéria de direito, a motivação não contenha as indicações das al. a) b) c) do nº. 2 (...). É, portanto uma matéria a que haverá que prestar particular cuidado, pois o Código denota o intuito de não deixar prosseguir recursos inviáveis ou em que os recorrentes não exponham com clareza o sentido das suas pretensões.”(neste sentido, Maia Gonçalves, in CPP anotado) Tal não representa um qualquer quadro de preconceito formalista do legislador, mas sim somente impedir que, em prol da necessidade duma global justiça que sempre se quer célere, o Tribunal ad quem, em atuação que sempre seria contralegem por consubstanciar a prática de vero ato inútil, se tenha que debruçar sobre matérias que o recorrente sequer foi capaz de expor como algo concretamente errado. (sobre essa celeridade a imprimir em sede de recurso, cfr. o ponto III.7.c) do exórdio ou, como hoje se designa, exposição de motivos ao DL 78/87-17fevereuiro que aprovou o CPP) Trata-se duma “norma imperativa, que tem de ser observada rigorosamente na motivação para se não prejudicar a celeridade que caracteriza o processo penal”(neste sentido o Acórdão do Supremo Tribunal de Justiça, rel. Juiz Conselheiro Sá Ferreira, processo 045400, 12maio1994, acessível in CJ/STJ, Ano II, T2, p.189 ou in www.dgsi.pt/jstj). Numa outra vertente, não se esqueça que tal exigência – tal ónus imposto pelo art. 412.º/2CPP - em si mesma não é de dificuldade acrescida. Estamos perante fase processual em que é sempre exigida a intervenção de Advogado, não podendo a HHH, ao nível do específico ato de interposição de recurso, como que pleitear por si, ao invés do que sucede nas situações do art. 98.ºCPP. Daí a figura da rejeição do recurso que “funcionará sempre que faltar a motivação ou for manifesta a sua improcedência”. (neste sentido, Cunha Rodrigues, in Jornadas de Direito Processual Penal, CEJ, p. 385/386) De facto, tendo a HHH que indicar expressamente os vícios da decisão recorrida, assim assumindo uma das formas de delimitação do recurso, a motivação do recurso consiste diretamente na indicação daqueles vícios que se traduzem em erros in procedendo ou in judicando. E daí que a invocada e imputada injustiça cometida pelo Tribunal a quo só releva quando resulta de violação do direito material que tem de ser precisamente indicado para ser objeto de apreciação pelo Tribunal ad quem. Tudo a forçar a conclusão de que quando se exige a indicação da norma jurídica violada, nas conclusões (como se exige na motivação, a qual consabidamente náo é suscetível de convite ao aperfeiçoamento), tal representa o headline dos fundamentos do recurso, nos quais hão-de expor-se as razões que se invocam em favor da eventual violação, criticando-se o modo porque o Tribunal a interpretou e a aplicou face à matéria de facto que considerou provada e também quanto aos outros temas controversos de direito no recurso interposto. São as conclusões que permitem aos sujeitos processuais envolvidos discutir as razões pelo recorrente aduzidas e contrapor as suas e, do mesmo passo, possibilitam ao Tribunal ad quem a adequada ponderação das posições por todos assumidas – em respeito pelos princípios da igualdade de armas e de lealdade processual, dominantes num processo penal contraditório - , contribuindo, assim, para a correta e conscienciosa decisão do mérito. Tudo a assim ser porque não se pode, em momento algum, olvidar que o thema decidendum do recurso se determina pelas conclusões da alegação do recorrente. (sobre tal cfr. o supra dito em termos de fronteira do poder cognitivo do Tribunal ad quem) Descendo ao concreto, a virtualidade e validade de uma valoração de prova, o enquadramento jurídico dos factos, a escolha e determinação da pena, indubitavelmente são matéria de direito. O que força a obrigação de a HHH indicar as normas jurídicas violadas pelo Acórdão recorrido nessas matérias, assim como o sentido em que o Tribunal a quo interpretou a norma em causa ou com que a aplicou e o sentido em que ela devia ter sido interpretada ou com que devia ter sido aplicada, o que se exige contido quer em sede de motivação, quer em sede de conclusões. Lida a motivação, bem como as conclusões – praticamente ipsis verbis e, como tal a merecer a crítica já supra firmada – de reporte ao que a HHH diz ser recurso de matéria de Direito, certo é que o formalismo jurídico exigido não se mostra cumprido, uma vez que nenhum comando legal é reportado como concretamente violado em termos daquela que é a matéria em causa. É que não basta referir – e são estas as únicas referências normativas – que “[o] Acórdão recorrido não faz a melhor, nem a mais correta interpretação do art.º 127º do CPP, pois em caso de dúvida deveria ter aplicado e não aplicou o Princípio “In dúbio pro réu” ou que “[o] tribunal a quo admitiu a nulidade, nos termos do artigo 119º, nº 1, al. c) do Código de Processo Penal, relativo ao depoimento da arguida DD, em virtude de as declarações da mesma terem sido efetuadas sem a presença do advogado, no entanto, valorou provas nulas por dependerem dessa prova e afetar as provas subsequentes.” sem que se consiga deslindar a que trecho concreto tal se reporta ou a que provas concretas tal se dirige, qual o sentido aplicado em que tal violação operou e que sentido concreto pretendido se visa. Ou seja, a HHH invoca um determinado quadro, mas sequer o concretiza e muito menos afere os comandos legais de referência. De tudo isso se alheou a HHH na sua peça de recurso, como se colhe da leitura da motivação e das conclusões supra transcritas. Face a tais omissões, mais que patentes, não se justifica um convite à HHH para corrigir as conclusões, pois aqui - como ali, no supra, já referido – a maleita é idêntica na motivação propriamente dita, o que geraria sempre um quadro de convite não legalmente previsto. É dizer que in casu, a recorrente, no que respeita a todos os temas referidos no recurso que apresentou, não indicou as normas jurídicas pretensamente violadas nas conclusões, e não o tendo feito também previamente, como se impunha, no texto da motivação, fica o recurso destituído do sentido pretendido pela HHH, em plena violação do art. 412.º/1/2a);b)CPP, omissão a qual determina a manifesta improcedência do recurso, nos termos do art. 420.º/1a)CPP e, por conseguinte, igualmente desde já se decide não conhecer do mérito do recurso interposto pela HHH quanto à matéria de direito. Tal impõe, como infra se delimitará, a condenação da HHH recorrente nos termos previstos nos art.s 513.º/1;514.º/1;524.ºCPP, e Tabela III anexa de reporte aos art.s 1.º;2.º;3.º/1;8.º/9, acrescidas dos encargos previstos no art. 16.º, ambos RCP (DL34/2008-26fevereiro e alterações subsequentes), bem como no pagamento de uma importância entre 3 (três) UC e 10 (dez) UC (que não são meras custas judiciais, tendo natureza sancionatória), por força do disposto no art. 420.º/3CPP. 2.ª questão: - Recurso interposto pela III da BB - Recurso interposto pelo AA - Da rejeição do recurso de matéria de facto A Arguida BB define que vem interpor recurso nesse âmbito, reportando em concreto que o faz com relação aos pontos de facto provados 1, 2 e 25. No mais, reporta que outros deveriam ser tidos como provados – não indicando quais. Por seu turno, invoca o AA (desde a p. 40 à p. 74 da sua motivação – com tentativa de condensação nas conclusões 31.ª a 79.ª) que pretende interpor recurso de matéria de facto reportando em concreto que o faz com relação aos pontos de facto provados 1, 9, 10, 19, 23, al. a) e b), 31 e 32. Posteriormente subdivide tal pretensão em três subgrupos, os quais sumaria como referentes a: “i. O arguido recorrente era o destinatário final daquele produto estupefaciente transportado de ... para a ilha de ..., e que uma vez na sua posse iria proceder à sua venda, lucrando na ordem dos cento e quarenta mil euros, conforme consta dos pontos 1, 19 e 31 da matéria de facto dada como provada; ii. Nas viagens realizadas pela arguida EE, nos dias ... de ... de 2022, ... de ... de 2022 e ... de ... de 2023, aquela transportou, dentro da mala, produto estupefaciente, mormente haxixe com o peso de 23 e 28 quilos, conforme consta dos pontos 9, 10 e 32 da matéria de facto dada como provada; iii. O produto estupefaciente - 341.739 gramas de produto estupefaciente MDMA, grau de pureza 25.2%, suficiente para 861 doses individuais para consumo - e o valor de 1810,00€ (mil e oitocentos e dez euros), encontrados e apreendidos na residência do arguido sita na ..., na sequência de uma busca domiciliária realizada no dia ... de ... de 2023, pertenciam ao arguido recorrente.” Com reporte ao recurso da Arguida toda a referência, cumpre desde já firmar, é feita através duma mescla de situações e institutos jurídicos, sem que se vislumbre o cumprimento da exigência de sequência lógica de alegação, mas antes se constate – à saciedade – um lançar de situações como que em mera busca de enquadramento. Enquadramento que nada tem a ver com o instituto do recurso da matéria de facto, mas sim com um escrever, por escrever, com vista a que o Tribunal Superior algo encontre. E, na certeza de que assim é, até a III repete – como já criticamente supra o referimos – nas conclusões o que disse na motivação. Não é esse o modo técnico que se exige num recurso, como não o é o de lançamento, que a III faz, duma mistura de citações jurisprudenciais e doutrinárias que não se mostram enquadradas, a que acresce o culminar da referência no ponto 113 da motivação – repetido na conclusão XLII – aos crimes de resistência e coação sobre funcionário (art. 347.ºCP) e injúria (art. 181.ºCP), assim como quadros de violação de exigências no âmbito de detenção (art. 254.º a 256.ºCPP), clamando a Arguida que o Acórdão do Tribunal a quo violou tais artigos, pelo que deve tal decisão ser substituída por outra que a absolva. Um maior cuidado de labor é o mínimo que se exige a quem tem a obrigação de defender os direitos da III. Por seu turno, o recurso do AA – que padece da mesma maleita de incapacidade de síntese que se estende da fundamentação de motivação às conclusões, como resumo daquela, que o não é -, estrutura-se numa argumentação muito mais próxima duma sui generis contestação a acusação, tantas são as questões levantadas em termos de hipotéticos e supostos comportamentos que entende deveriam ser de ponderar, mas que nada têm a ver com o concreto do que cumpre trazer à colação em sede de recurso, visto o mesmo como remédio de soluções inadequadas e não como campo do hipotético, académico ou conjetural. Adiante e descendo agora ao pretendido recurso de matéria de facto. Valem aqui os considerando expendidos supra acerca da forma técnica como um recurso desta natureza tem que ser interposto. Quanto à pretensão de adição de factos provados por parte da III, que sequer são indicados, perante o nada alegado, nada pode ser dito. O saimento de pretensão é, assim, simplesmente direto. No mais, a III refere as suas declarações como razão a impor uma decisão diversa da recorrida, reportando nos pontos 6.º, 18.º e 20.º da motivação, repetidos em moldes ipsis verbis , como tal sem condensação, nos pontos III, VII e VIII das conclusões, que as mesmas estão no sistema citius na audiência de ..., entre as 11h30 e as 11h45. Não sendo a exclusividade da referência às suas pessoais declarações qualquer razão impeditiva do recurso de matéria de facto, podendo até tal ser em si mesmo o bastante para se aferir um quadro de erro de julgamento, diretamente se diga, porém in casu a III não cumpre – sequer minimamente – o estipulado no art. 412.º/3b)CPP, mormente no que respeita ao quadro de exigência do n.º 4 dessa mesma norma processual penal. Por seu turno, o Arguido AA, pelos vistos como pretensão de cumprimento do art. 412.º/3b)CPP, afirma (fls. 42 do corpo de fundamentação da motivação e conclusão 32.ª) que, na sua ótica, “todo o acervo probatório carreado e descrito no Acórdão recorrido, apresenta-se incapaz para sustentar o entendimento de que: i. O arguido recorrente era o destinatário final daquele produto estupefaciente transportado de ... para a ilha de ..., e que uma vez na sua posse iria proceder à sua venda, lucrando na ordem dos cento e quarenta mil euros, conforme consta dos pontos 1, 19 e 31 da matéria de facto dada como provada; ii. Nas viagens realizadas pela arguida EE, nos dias ... de ... de 2022, ... de ... de 2022 e ... de ... de 2023, aquela transportou, dentro da mala, produto estupefaciente, mormente haxixe com o peso de 23 e 28 quilos, conforme consta dos pontos 9, 10 e 32 da matéria de facto dada como provada; e iii. O produto estupefaciente - 341.739 gramas de produto estupefaciente MDMA, grau de pureza 25.2%, suficiente para 861 doses individuais para consumo - e o valor de 1810,00€ (mil e oitocentos e dez euros), encontrados e apreendidos na residência do arguido sita na Rua …, na sequência de uma busca domiciliária realizada no dia 15 de ..., pertenciam ao arguido recorrente.” De facto, o requisito do art. 412.º/3b)CPP “só é observado se, para além da especificação das provas, o recorrente explicitar os motivos e em que termos essas provas indicadas impõem decisão diversa da decisão do Tribunal, de modo a fundamentar e tornar convincente que tais provas impõem decisão diferente” (…) sendo que tal “exigência corresponde, de algum modo, àquela que é exigida ao julgador para fundamentar os factos provados e não provados, porque do mesmo modo que o julgador tem o dever de fundamentar as decisões, também o recorrente tem que fundamentar o recurso.”. Daí que “não cumpre tal requisito a mera negação dos factos, a discordância quanto à valoração feita pelo Tribunal recorrido quanto à prova produzida, considerações e afirmações genéricas, a invocação de dúvidas próprias, sem que se analise o teor dos depoimentos das testemunhas indicados nas respetivas passagens da gravação, com a indicação dos motivos por que tal facto ou factos devem ser dados como provados ou não provados.” (Acórdão do Tribunal da Relação de Coimbra, rel. Juiz Desembargador Luís Teixeira, 12julho2023, NUIPC 982/20.6PBFIG.C1, acessível in www.dgsi.pt/jtrc e Acórdão do Supremo Tribunal de Justiça, rel. Juiz Conselheiro João Silva Miguel, 18fevereiro2016, NUIPC 9/13.4PATVR.R1.S1, acessível in www.dgsi.pt/jstj) Acresce uma outra exigência: havendo gravação das provas, essas especificações devem ser feitas com referência ao consignado na ata, devendo o recorrente indicar concretamente as passagens (das gravações) em que se funda a impugnação (não basta a simples remissão para a totalidade de um ou vários depoimentos), pois são essas que devem ser ouvidas ou visualizadas pelo tribunal, sem prejuízo de outras relevantes. (n.ºs 4 e 6 do art. 412.ºCPP) (cfr. Acórdão do Pleno das Secções Criminais do Supremo Tribunal de Justiça, 3/2012, rel. Juiz Conselheiro Raul Borges, 8março2012 – DR 1.ªsérie, 18abril2012, acessível in www.dre.pt - , onde fixou jurisprudência no seguinte sentido “[v]isando o recurso a impugnação da decisão sobre a matéria de facto, com reapreciação da prova gravada, basta, para efeitos do disposto no artigo 412.º, n.º 3, alínea b), do CPP, a referência às concretas passagens/excertos das declarações que, no entendimento do recorrente, imponham decisão diversa da assumida, desde que transcritas, na ausência de consignação na acta do início e termo das declarações”. “Importa, portanto, não só proceder à individualização das passagens que alicerçam a impugnação, mas também relacionar o conteúdo específico de cada meio de prova suscetível de impor essa decisão diversa com o facto individualizado que se considera incorretamente julgado, o que se mostra essencial, pois, julgando o tribunal de acordo com as regras da experiência e a livre convicção e só sendo admissível a alteração da matéria de facto quando as provas especificadas conduzam necessariamente a decisão diversa da recorrida – face à exigência da alínea b), do n.º 3, do artigo 412.º, do C.P.P., a saber: indicação das concretas provas que impõem decisão diversa da recorrida -, a demonstração desta imposição compete também ao recorrente. (referido Acórdão desta 5.ª Secção Criminal da Relação de ..., rel. Juiz Desembargador Jorge Gonçalves, 16novembro2011, NUIPC 1229/17.8PAALM.L1-5, acessível in www.dgsi.pt/jtrl) Nem a III nem o AAcumprem tal exigido tríplice ónus, pelo que este Tribunal de Recurso está impedido de modificar a matéria de facto, designadamente, com fundamento na prova gravada. De facto, sendo certo que quer a III, quer o AA indicam os factos que pretendem ver revertidos para não provados, igualmente é certo que parecendo firmar que tal se impõe, no primeiro caso perante o seu pessoal depoimento, no segundo caso perante um carrear de especulativas situações e de leituras pessoais, porém sempre olvidando a referência a que momento concreto de tal depoimento – no primeiro caso - este Tribunal ad quem se tem que fundar para alterar toda a fundamentação que então erroneamente o Tribunal a quo terá efetivado, mais quando a mesma está baseada numa concatenação de provas – a valer para ambos os casos. Ora, sem tal corelacionamento não pode este Tribunal Superior laborar sobre o mérito da questão, pois sempre estaria a deixar a sua função de julgador nos limites do thema decidendum do recurso passando à função de substituição e sanação dos erros de labor técnicos dos recorrentes. Por conseguinte, desde já se decide não conhecer do mérito dos recursos interpostos pela III e pelo AA quanto à impugnação ampla da matéria de facto, o que constitui motivo da sua rejeição nesta parte, em conformidade com disposto no art. 420.º/1a)CPP. 3.ª questão: - Recurso interposto pelo AA - Da nulidade do Acórdão, por alteração de qualificação jurídica dos factos sem contraditório – art.s 379.º/1b);c) e 358.º/1CPP Invoca o AA (desde a p. 3 à p. 21 da sua motivação – com tentativa de condensação nas conclusões 1.ª a 10.ª) que a consideração contida a fls. 66 a 69 do Acórdão - em que o Tribunal a quo chamou à colação o enquadramento da conduta dos Arguidos AA, BB e CC como também integrante na agravante da alínea j) do art. 24.º DL15/93-22janeiro, como não enquadrável em alteração substancial dos factos, mas sim como de mero enquadramento jurídico, e na consideração de que tal não afetando as garantias de defesa não exige à mesma prévia comunicação – determina violação da norma do art. 32.ºCRP, uma vez que perante alteração de qualificação jurídica – mesmo que sem alteração de factos, sem se aditar aos ou excluir dos factos já imputados, mesmo não reportada a crime diverso ou mesmo sem a agravação de limites de pena -, por a mesma ser enquadrável na alteração não substancial – por transformação do objeto do processo uma vez que é aditada uma agravante, com influência ao nível da pena -, sempre há lugar a comunicação e contraditório em prazo, face à nova e acrescida conotação, interpretação e enquadramento jurídico. Conclui pela nulidade de reporte às alíneas b) e c) do n.º 1 do art. 379.ºCPP, mais reportando a inconstitucionalidade da interpretação do art. 358.º/3CPP, por violação do art. 32.º/5CRP, “segundo a qual a alteração da qualificação jurídica dos factos descritos na acusação, com o aditamento de uma nova agravante do tipo criminal, não impõe previamente a sua comunicação ao arguido, com a possibilidade, se ele o requerer, de concessão de prazo para defesa”. Em resposta, entende o Ministério Público que, imutáveis que estão os factos objeto dos autos, como delimitados o foram pela acusação e sem aposição doutros pela defesa, sequer se está perante alteração de qualificação jurídica, por a mesma não ser diversa, sim na presença de indicação duma nova qualificativa, o que não se equipara a alteração não substancial dos factos. Pugna, assim, pelo decaimento do pretendido. Vejamos. É facto que a acusação descreve um quadro de factos imputados ao Arguido AA e conclui que os mesmos se integram no preenchimento dos elementos do tipo do art. 21.º e 24.º, al. c) DL15/93-22janeiro. São precisamente esses factos que vêm a ser objeto de prova em sede de audiência de discussão e julgamento, os quais – no que se cuida – o Tribunal a quo fundamentadamente dá como provados. Porém, ao fazer o enquadramento jurídico, o Tribunal a quo não os tem como meramente integrantes da referida alínea c), mas também da alínea j) do art. 24.º, sendo que perfilha o entendimento de que tal não integra qualquer enquadramento no lugar paralelo que o art. 358.º/3CPP confere às situações de alteração de qualificação jurídica dos factos. Decidindo. No nosso processo penal vigora o princípio da vinculação temática do Tribunal, princípio este umbilicalmente ligado às garantias de defesa do Arguido, uma vez que impede que sejam efetuadas alterações significativas do objeto do processo que possam prejudicar, ou mesmo inviabilizar, a defesa. Impõe-se por esta via que o objeto do processo, balizado pela acusação – em termos e como limite da atividade cognitiva (thema probandum) e decisória (thema decidendum) do Tribunal -, se mantenha na essência idêntico até que seja proferida a decisão final no processo - princípio da identidade -. Obviamente sem prejuízo do que seja carreado para os autos nos termos e limites do art. 339.º/4CPP. Sob pena de nulidade – art. 379.º/2b)CPP -, salvo nas excecionais situações consagradas por lei em que, respeitadas certas condições, opera viabilidade duma alteração daqueles factos (arts. 303.º, 358.º e 359.ºCPP). Acresce que o princípio da identidade tem ainda como significância que ao Tribunal cabe conhecer e julgar o objeto que lhe foi proposto na sua totalidade, de forma unitária e indivisível. Objeto do processo que, delimitado pela acusação, é constituído pelos factos concretos que da mesma constam integradores de um ou vários crimes, imputados a um concreto Arguido, limitando a atividade cognitiva e decisória do Tribunal. A decisão do Tribunal pronuncia-se, a final, sobre se aqueles concretos factos devem ser tidos como provados ou não provados, nas suas dimensões objetiva e subjetiva, subsumindo-os ou não ao tipo ou tipos legais de crime correspondentes - os indicados na acusação -, eventualmente com as alterações permitidas nos termos dos indicados art.s 358.º e 359.ºCPP, e extraindo as consequências jurídicas correspondentes, a saber, condenando ou absolvendo o Arguido. (sobre a temática, cfr. Mário Tenreiro in Considerações sobre o objeto do processo penal, Revista da Ordem dos Advogados, ano 47º, III, dezembro1987, p. 997 e ss.; Acórdão do Supremo Tribuna de Justiça, rel. Juiz Conselheiro Rodrigues da Costa, 13outubro2011, NUIPC 141/06.0JALRA.C1.S1, acessível in www.dgsi.pt/jstj) Para o quadro em presença, inexiste concreta definição do que sejam factos ou a alteração destes, mas tão só se define o que seja a alteração substancial dos factos como sendo aquela (alteração) que tiver por efeito a imputação ao Arguido de um crime diverso ou a agravação dos limites máximos das sanções aplicáveis (art. 1.ºf)CPP). Certo, contudo, o entendimento aceite de que factos, para o sentido a colher nos arts. 358.º e 359.ºCPP, sempre são os acontecimentos históricos com relevância jurídico-penal integrantes de ocorrências da vida real, eventos materiais e concretos ou mudanças operadas no mundo exterior que, de acordo com certos elementos, nomeadamente temporais, espaciais, lógicos, cronológicos, subjetivo-motivacionais, à luz da valoração social, devam ser reconduzidos a uma unidade de sentido suscetível de ser, por via substantiva, reconduzida a preceito incriminador. (sobre a delimitação, cfr. Alberto dos Reis, in Código de Processo Civil Anotado, Volume III, p. 206 e, Pedro Soares de Albergaria, in Comentário Judiciário do Código de Processo Penal, Tomo IV, p. 631). No que concerne a alteração remete o conceito para a ideia de modificação, mudança ou variação, pelo que a alteração dos factos, seja ela substancial ou não substancial, pressupõe, desde logo, uma mudança factual. O que está assente e aceite por todos – incluindo o AA - não ter acontecido no concreto dos autos. Assim sendo, o que ocorre em concreto nos autos tão só e apenas consubstancia uma outra maneira de encarar juridicamente os factos já constantes da acusação. Como tal, não tendo operado qualquer comunicação por força de inexistência duma qualquer alteração a nível da factualidade imputada no despacho de acusação, não cabe questionar se a mesma é substancial ou não, qualificativos apenas previstos para a alteração dos factos, ainda que daí resulte, na prática, a aplicação de pena mais grave. (cfr. Pedro Soares de Albergaria, in Comentário Judiciário do Código de Processo Penal, Tomo IV, p. 632) (cfr. Acórdão do Plenário das Secções Criminais do Supremo Tribunal de Justiça, para fixação de jurisprudência, então Assento 2/93, rel. Juiz Conselheiro Bernardo Fisher Sá Nogueira, 10março1993, Acórdão do Plenário das Secções Criminais do Supremo Tribunal de Justiça, para fixação de jurisprudência 4/95, rel. Juiz Conselheiro Ferreira Vidigal, de 7junho1995, Acórdão do Plenário das Secções Criminais do Supremo Tribunal de Justiça, para fixação de jurisprudência, então Assento 3/2000, rel. Juiz Conselheiro Bernardo Fisher Sá Nogueira, 13dezembro1999, todos acessíveis in www.dgsi.pt/jstj ou in www.dre.pt) (a atender que o Acórdão do Tribunal Constitucional 445/97, rel. Juiz Conselheiro Bravo Serra, 25junho1997, declarou a inconstitucionalidade, com força obrigatória geral - por violação do princípio constante do nº 1 do artigo 32º da Constituição -, a norma ínsita na alínea f) do nº 1 do artº 1º do Código de Processo Penal, em conjugação com os artigos 120º, 284º, nº 1, 303º, nº 3, 309º, nº 2, 359º, nºs 1 e 2 e 379º, alínea b) do mesmo Código, quando interpretada, nos termos constantes do acórdão lavrado pelo Supremo Tribunal de Justiça em 27 de Janeiro de 1993 e publicado, sob a dedignação de «Assento nº 2/93», na 1ª Série-A do Diário da República de 10 de Março de 1993 - aresto esse entretanto revogado pelo Acórdão nº 279/95 do Tribunal Constitucional -, no sentido de não constituir alteração substancial dos factos descritos na acusação ou na pronúncia a simples alteração da respectiva qualificação jurídica, mas tão somente na medida em que, conduzindo a diferente qualificação jurídica dos factos à condenação do arguido em pena mais grave, não se prevê que este seja prevenido da nova qualificação e se lhe dê, quanto a ela, oportunidade de defesa.”) (a considerar, igualmente que pelos Acórdãos 22/96, de 16janeiro1996 – rel. Juiz Conselheiro Messias Bento – e 596/96, de 12março1996 – rel. Juiz Conselheiro Tavares da Costa – o Tribunal Constitucional considerou apenas que era exigível que o arguido fosse prevenido da possibilidade do tribunal superior vir a qualificar os factos de forma diferente do que fizera o tribunal de 1.ª instância.) Assim o é porque nem as garantias de defesa, nem o princípio do contraditório e muito menos a estrutura acusatória do processo impõem que o Tribunal do julgamento se conserve vinculado à qualificação jurídica dada ao facto pelo Ministério Público, antes a independência dos Tribunais demanda a liberdade da qualificação jurídica. É isso precisamente que à luz do art. 339.º/4CPP se impõe quando se estabelece que - sem prejuízo do regime aplicável à alteração dos factos, questão em relação à qual unanimemente há acordo no sentido da sua não verificação - a discussão da causa tem por objeto os factos alegados pela acusação e pela defesa e os que resultarem da prova produzida na audiência de julgamento, bem como todas as soluções jurídicas, independentemente da qualificação jurídica dos factos resultante da acusação ou da pronúncia. (cfr. Paulo Pinto de Albuquerque, in Comentário do Código do Processo Penal à luz da Constituição da República Portuguesa e da Convenção Europeia dos Direitos do Homem, 2008, p. 904) Assim vista a questão, dado que o invocado art. 379.º/1b)CPP tão só reporta à situação em que a condenação cuide de factos diversos daqueles que constavam no despacho de acusação ou no despacho de pronúncia, fora dos casos e das condições previstas nos arts. 358.º e 359.ºCPP, necessariamente que a nulidade de reporte só se verificaria caso a condenação tivesse por base factos diversos dos constantes do despacho de acusação, o que, por todos aceite, não se verificou. (cfr. Acórdão do Tribunal da Relação de ..., rel. Juiz Desembargador João Abrunhosa, 22novembro2012, NUIPC 1667/10.7TDLSB.L1-9, acessível in www.dgsi.pt/jtrl; José Mouraz Lopes, in Comentário Judiciário do Código de Processo Penal, Tomo IV, p. 799; Maria João Antunes, in Direito Processual Penal, ..., p. 219 a 223) No mais, igualmente é certo, que o AA apoda a circunstancia ora em análise como integrante da nulidade do art. 379.º/1c)CPP. É dizer, uma omissão de pronúncia. Sói dizer-se que a Sentença (in casu Acórdão) deve ser autossuficiente, no sentido de conter todos os elementos indispensáveis à compreensão do juízo decisório. Se não aprecia e decide segmentos da matéria de facto ou questões jurídicas relevantes para a correta aplicação do direito à facticidade assente, enferma de incompletude que compromete a sua compreensão e aceitação. O devesse a que se reporta a norma do art. 379.º/1c)CPP comporta o significado literal de injunção, pelo que, é pacífico que ao Tribunal se impõe que se pronuncie sobre todas as questões pertinentes à decisão da causa, o que se prende com a natureza dos interesses que se visam proteger. É dizer, a nulidade por omissão de pronúncia ocorre quando o Tribunal deixe de pronunciar-se sobre questões de facto ou de direito, quer digam respeito à relação material, quer à relação processual, que lhe foram submetidas pelos sujeitos processuais (ausência de conhecimento ou de decisão sobre matérias em que a lei imponha que o juiz tome posição expressa) ou que deve conhecer oficiosamente (isto é, de que o Tribunal deva conhecer independentemente de alegação e do conteúdo concreto da questão controvertida) e que não estejam prejudicadas pela solução dada a outras (art 608.º/2CPC ex vi art 4.ºCPP) ou em que não esteja o Tribunal legalmente impedido de se pronunciar, entendendo-se por questões os assuntos juridicamente relevantes, pontos essenciais de facto ou direito em que as partes fundamentam as suas pretensões e que se traduzem nos problemas concretos a decidir (o thema decidendum) e não os simples argumentos, opiniões, pontos de vista e doutrinas, expendidos em amparo das teses em presença. Só em relação à primeira categoria, e já não em relação às demais, se podendo equacionar a possibilidade de o Tribunal ter omitido pronúncia. É dizer, a falta de apreciação das primeiras consubstancia a verificação da nulidade; o não conhecimento dos segundos será irrelevante. (neste sentido, Oliveira Mendes, in Código de Processo Penal Comentado, p. 1182, quando nos diz que “A nulidade resultante da omissão de pronúncia verifica-se quando o tribunal deixe de se pronunciar sobre questão ou questões que a lei impõe que o tribunal conheça, ou seja, questões de conhecimento oficioso e questões cuja apreciação é solicitada pelos sujeitos processuais e sobre as quais o tribunal não está impedido de se pronunciar – artº 608º, nº 2, do Código de Processo Civil, aplicável ex vi artº 4º, do CPP. Evidentemente que há que excecionar as questões cuja decisão fique prejudicada pela solução dada a outra ou outras, como estabelece o citado nº 2 do artº 608º do Código de Processo Civil”.) (igualmente, em Acórdãos do Supremo Tribunal de Justiça, Juiz Conselheiro Simas Santos, a 9março2006, processo 06P461; Juiz Conselheiro Henrique Gaspar, a 16setembro2008, processo 08P2491; Juiz Conselheiro Raúl Borges, a 15dezembro2011, NUIPC 17/09.0TELSB.L1.S1; Juiz Conselheiro Santos Cabral, a 24outubro2012, NUIPC 2965/06.0TBLLE.E1, todos acessíveis in www.dgsi.pt/jstj; Juiz Desembargador Orlando Gonçalves, Acórdão do TRCoimbra, de 9março2016, NUIPC 506/10.3GBLSA.C1, acessível in www.dgsi.pt/jtrc, citando Alberto dos Reis in Código de Processo Civil anotado, vol. V, p. 143) Concluindo, a omissão de pronúncia significa, na essência, ausência de posição ou de decisão do Tribunal em caso ou sobre matérias em que a lei imponha que o juiz tome posição expressa. Traduz-se num non liquet. (neste sentido, Juiz Conselheiro Pires da Graça, Acórdão do Supremo Tribunal de Justiça, de 27abril2011, NUIPC 20/10.7S5LSB.S1, acessível in www.dgsi.pt/jstj) Descendo ao caso concreto e delimitando finais fronteiras, não consubstanciando o encarar juridicamente os factos já constantes da acusação uma qualquer situação de alteração da qualificação jurídica, como tal a não chamar à colação o expediente de reporte ao art. 358.º/1/3CPP, a omissão in casu deste expediente nunca poderá enquadra-se numa omissão de pronuncia, sendo que se tal expediente operasse antes podia vir a consubstanciar a prática dum ato inútil. Inexiste, como tal, fundamento para nesta parte alterar nos moldes peticionados o decidido pela 1.ª instância, também porque não se verifica qualquer desrespeito do comando constitucional do art. 32.º/5CRP. 4.ª questão: - Recurso interposto pelo AA - Do vício de insuficiência para a decisão da matéria de facto provada – art. 410.º/2CPP Alega o AA que a demonstração da figura do bando, trazida aos autos pelo Tribunal a quo ao nível da qualificação jurídica dos factos, padece de insuficiência para a decisão da matéria de facto, porquanto firmando o Tribunal a quo que se limitou a uma interpretação dos factos tal qual vinham delimitados e descritos na acusação, certo é que tal plus de agravante não colhe respaldo na matéria de facto provada pois da mesma nada se colhe nesse sentido. É dizer, o enquadramento no conceito não tem sustento na matéria de facto provada e, como tal há insuficiência para a decisão da matéria de facto provada, a valer para os termos do art. 410.º/2a)CPP. Da resposta do Ministério Público, quanto à questão em apreço, nada se colhe. Os vícios reportados no art. 410.º/2CPP são vícios da decisão, não do julgamento. Sendo inerentes à matéria de facto fixada e não ao modo de a fixar, têm que ter evidência no texto da decisão, assim não se confundindo com os meros e pessoais títulos sobre as posições de apreciação de prova. A alínea a) do art 410.º/2CPP (insuficiência para a decisão da matéria de facto provada) contém um vício que se traduz numa carência de factos que suportem uma decisão de direito dentro do quadro das soluções plausíveis da causa, conduzindo à impossibilidade de ser proferida uma decisão segura de direito, sobre a mesma. É dizer que o Tribunal não dá nem como provado nem como não provado algum facto necessário para justificar a posição tomada. Ou seja, o vício em causa ocorre quando da factualidade vertida na decisão se conclui faltarem elementos que, podendo e devendo ser indagados ou descritos, impossibilitem, por sua ausência, um juízo seguro - de direito - de condenação ou de absolvição. Trata-se duma formulação incorreta de um juízo: a conclusão extravasa as premissas; a matéria de facto provada é insuficiente para fundamentar a solução de direito correcta, legal e justa. Como tal, para que ocorra o vício de insuficiência para a decisão da matéria de facto apurada é imperativo que in casu o Tribunal se demita da sua função investigatória ex officio, isto é, que, podendo fazê-lo, se abstenha de procurar conhecer de facto relevante para a determinação da sanção penal que se lhe deva cominar, mostrando-se tal prova possível. Este vício não se confunde com a insuficiência de prova para a decisão de facto proferida, questão do âmbito da livre apreciação da prova – art. 127.ºCPP -. “Se na primeira, se critica o Tribunal por não ter indagado (e depois conhecido) os factos que podia e devia, tendo em vista a decisão justa a proferir, de acordo com o objeto do processo, retenha-se; na segunda, censura-se a errada apreciação da prova levada a cabo pelo Tribunal: teriam sido dados como provados factos sem prova para tal. Como é evidente, esta segunda questão tem a ver com a impugnação da matéria de facto nos termos do artigo 412.º, n.º 3, com a reapreciação da prova e não com a verificação dos vícios do artigo 410.º, n.º 2, que hão-de ser inequivocamente visíveis no texto da decisão, sem recurso a quaisquer provas documentadas, como se sabe. .”(neste sentido, que vimos seguindo de perto, Sérgio Gonçalves Poças, in Processo Penal quando o recurso incide sobre a decisão da matéria de facto, Revista Julgar, n.º, 10, ano 2010, p. 26ss.) Continuando, dir-se-á que também não se pode confundir este vício com o eventual erro de qualificação jurídica dos factos. Isto é, quando o Tribunal entende que aqueles factos são integradores de qualificativa diferente. Só estamos perante o vício da insuficiência para a decisão da matéria de facto provada, quando o Tribunal, podendo, não esgotou os seus poderes de indagação em matéria de facto. Descendo ao concreto, a tese do Arguido AA funda-se num lapso conceptual, pois desde logo os factos são os mesmos que constavam da acusação, não outros. O que está em causa não é uma qualquer atuação do Tribunal a quo no sentido de não esgotar os seus poderes de indagação em matéria de facto, assim agindo com insuficiência em termos quantitativos, mas sim uma diferenciada apreciação da qualificação jurídica dos factos em causa, que cumprirá pela via própria sindicar se está certa, ou em erro. Daí que se se concordar inteiramente com a análise desta questão efetuada no Acórdão recorrido, a questão não terá a ver com suficiência, ou insuficiência de factos, mas sim sobre se esses factos – que já eram os da acusação – per se integram o conceito jurídico em causa. Ou seja, parte-se do facto para o Direito e, como tal estamos perante uma questão de qualificação jurídica dos factos e não insuficiência dos factos. Já na tese do Arguido – e daí o seu vício – o ponto de partida está no Direito, em relação ao qual se buscam factos que permitam uma subsunção, e daí o seu apelo à insuficiência. Improcede, assim, o peticionado pelo AA, o quanto não acarreta prejuízo face à análise infra da questão nos termos adequados: conceito de bando, visto como juridicamente preenchido, ou não, face aos factos provados. 5.ª questão: - Recurso interposto pela BB - Da violação das regras de fundamentação, da livre apreciação da prova e do princípio de presunção de inocência / in dubio pro reu - interligação a nulidades - Recurso interposto pelo AA - Da valoração de prova proibida Aqui chegados, percebida a inviabilidade de sindicância da matéria de facto em moldes de sindicância ampla, certo é que a III levanta, mesmo que num modo emaranhado, uma miríade de questões que, na sua ótica, determinam um diferente modo de oferta e aceitação da credibilidade conferida pelo Tribunal a quo aos meios de prova apresentados e analisados em sede de audiência, expondo a sua tese em detrimento daquela. Por seu turno, o AA, que como se disse subdividiu a questão em grupos de factos, em relação aos mesmos elabora posição que, no fundo, se limita à formação de convicção. Ou seja, ainda que operado o saimento dos recursos de matéria de facto, cumpre avaliar a questão à luz de violação de princípios essenciais de prova e do modo como o Tribunal a quo apresenta a sua explanação. Nessa encruzilhada de argumentos elenca a III vários fundamentos, com vista à absolvição, os quais se resumem: - no modo como o Tribunal a quo estabeleceu a valoração das suas pessoais declarações, em moldes de convicção, assim violando o art. 127.ºCPP e a ligação do mesmo à presunção de inocência que à III é conferida; - na inserção de considerações genéricas e conclusivas como factos, concretamente os indicados 1, 2 e 25, em violação do art. 374.º/2, geradora de nulidade atípica a extravasar o âmbito do art. 379.ºCPP; - no uso de declarações de co-arguida – em concreto a LLL -, com recusa a contraditório, como prova proibida. Por seu turno, o AA, em moldes de argumentação segmentada, coloca a questão de valoração de prova proibida, referindo tratar-se do uso de declarações de co-arguida – em concreto a LLL -, com recusa a contraditório. Conclui pela violação do art. 345.º/4.ºCPP, face a uso de prova proibida à luz do art. 125.ºCPP, mais reportando a inconstitucionalidade da interpretação do art. 345.º/4CPP, por violação dos art.s 3.º/2 e 32.º/1/5CRP, “segundo a qual as declarações de co-arguido em prejuízo de outro co-arguido, poderão ser valoradas em detrimento deste, mesmo quando o declarante se recusar a responder às perguntas formuladas pela defesa, no exercício do contraditório”. No mais, e nos termos da sectorização supra delineada reporta que: a) quanto aos factos provados 1, 19 e 31 inexiste prova de que seja o destinatário final do estupefaciente, para venda pelo dobro do preço, sendo mero orientador do transporte entre o continente e a ilha de ..., o que impactará a desagravação da conduta no que concerne à alínea c) do art. 24.º; b) quanto aos factos provados 19, 10, 31 e 32 inexiste prova que a LLL nas três viagens que efetuou tenha transportado haxixe com o peso de 23 e 28 kg; c) quanto ao facto provado 23 a) e b) inexiste prova de que tal estupefaciente e montante sejam seus. Porque existem postos de argumentação comuns e porque as questões estão entre si ligadas serão analisadas conjuntamente, obviamente com o uso das especificidades pessoais que a cada alegação caiba. Vista esta delimitação, começaremos pela questão do que a III tem como nulidade atípica, ao considerar os factos 1, 2 e 25, como preenchidos por considerações genéricas e conclusivas. É linear que carece de relevância jurídico-penal o recurso a expressões vagas, imprecisas, nebulosas e obscuras, sem qualquer especificação das condutas em que se concretizam as imputações – “factos” – de caráter genérico, conclusivo, abrangente e/ou difuso em que não se indica o lugar, nem o tempo, nem a motivação, nem o grau de participação, nem as circunstâncias relevantes, mas um conjunto fáctico não concretizado. É dizer, um “facto” dessa índole mais não é do que um não facto. Desde logo, em termos de prova, por serem insuscetíveis da mesma, encontram-se nos antípodas do facto notório – aquele que é do conhecimento geral, a tal ponto que aparece revestido dum carácter de certeza que dispensa o labor de convicção inerente. Sem redundância, de facto, como não facto, o facto genérico é insuscetível de ser levado ao elenco dos factos provados ou não provados. E é-o, especialmente pela inabilidade de ser apreciado em moldes que respeitem as linhas mínimas do principio do contraditório e da legalidade. Daí que verificada tal caraterização se devam ter os mesmos como não escritos, uma vez que a assim não ser o efetivo direito de defesa fica arredado, situação impensável por violadora dos princípios estruturantes do processo penal democrático como é o caso do processo equitativo, na dimensão de “justo processo” - fair trial; due process -. Destarte, o direito ao contraditório, à defesa e ao processo equitativo ficam assegurados quando, na impossibilidade ou inexigibilidade humana da datação efetiva da conduta ofensiva, se fixarem balizas que permitam a verificação por via de individualização. É dizer a imprecisão pode existir, mas não pode chegar ao ponto de tornar impossível qualquer defesa. (sobre a questão, em lugar paralelo de tipos penais, cfr. Plácido Conde Fernandes, in Jornadas Sobre a Revisão do Código Penal, Estudos, Revista do CEJ, 1.º Semestre 2008, n.º 8, p. 305, Acórdãos do Tribunal da Relação do Porto, respetivamente rel. Juiz Desembargador João Pedro Pereira Cardoso, 24novembro2021, NUIPC 304/20.6PAVLG.P1, e rel. Juiz Desembargador Pedro Vaz Pato, 11setembro2024, NUIPC 1214/20.2PIPRT.P1, acessíveis in www.dgsi.pt/jtrp, Acórdão do Tribunal da Relação de Coimbra, rel. Juíza Desembargadora Maria José Nogueira, 25fevereiro2015, NUIPC 369/03.7GAMGL.C1, acessível in www.dgsi.pt/jtrc, Acórdão do Tribunal da Relação de Évora, rel. Juiz Desembargador João Amaro, 3junho2014, NUIPC 3451/09.1TBSTB-A.L1, acessível in www.dgsi.pt/jtre) Descendo ao concreto dir-se-á que não assiste razão à III, uma vez que resulta linear do facto provado 1, uma delineação temporal – “pelo menos desde ... bem como uma delimitação atuacional – “dedicarem-se à detenção e transporte de quilos de canábis-resina, vulgo haxixe, de ... para ..., ..., em viagens de avião, com o uso de “correios de droga”, para aqui venderem tal produto”. Por seu turno do facto provado 2, resulta uma delineação de incumbências entre os Arguidos em causa, firmando-se que à III cabia “entregar, na sua casa, as malas com produto estupefaciente às raparigas que aceitavam o transporte” e no facto provado 25 descreve-se que o AA, filho da III, determinou “para ocultar bens adquiridos com os proventos do tráfico de estupefacientes, conseguiu, com o apoio da arguida BB, registar o veículo de matrícula ---15---, no valor de 22.388 euros, em nome desta, em ... de ... de 2023, e deu ordem para o mesmo não circular na via pública”. Ou seja, desde logo opera uma delimitação temporal dos factos que, é certo, se estende em pouco mais de 8 meses, se se ligar a ... – data da apreensão dos 17.868,352 gramas de haxixe, mas que se pode alongar até quase um ano – se se considerar o último ato interessante a situação de detenção do Arguido AA – ... -. Por seu turno é fixada uma concreta delineação de lugar de atuação, bem como de tarefa por parte da III. Note-se que é o próprio art. 283.º/3b)CPP quem nos firma uma delimitação de suficiência, como patamar mínimo de viabilidade de garantia de contraditório, quando determina que os factos imputados na acusação, sob pena de nulidade, têm que conter “a narração, ainda que sintética (….) incluindo, se possível, o lugar, o tempo e a motivação da sua prática.” Ora, ponderando que no âmbito das garantias da defesa sempre terá que estar presente o princípio do contraditório, em moldes que se assegure que os factos em discussão sejam delimitáveis e, como tal, suscetíveis de permitir à III o concreto conhecimento do quanto lhe é imputado, dir-se-á que não obstante se estar perante um quadro situado num período de tempo sem data especificada - mas ainda assim delimitada em balizas concretas, as quais permitem localizar e identificar bem além daquela que é uma referência mínima de concreto episódio - deve manter-se a afirmação da existência duma “singularidade” do facto quando tal seja viável de identificação pela defesa, assim permitindo pleno contraditado, se for o caso. É dizer, a identificação do facto pela defesa necessariamente tem de ser possível, para exercício do contraditório. Tal qual nos diz o Juiz Conselheiro Oliveira Mendes (Acórdão do Supremo Tribunal de Justiça, 21fevereiro2007, processo 06P4341, acessível in www.dgsi.pt/jstj), “o princípio ou cláusula geral estabelecido no n. 1 do art. 32.º da CRP significa, ao aludir a todas as garantias de defesa, que ao arguido, como sujeito processual, devem ser assegurados todos os direitos, mecanismos e instrumentos necessários e adequados para que possa, em plena liberdade da vontade, defender-se, designadamente para que possa contrariar a acusação ou a pronúncia, através de um julgamento imparcial, realizado com total independência do juiz, em procedimento leal e justo, sendo certo que a individualização e clareza dos factos objecto do processo são indispensáveis para que o arguido possa valida e eficazmente contraditar a acusação ou a pronúncia, única forma de se poder defender. Devendo, por tal, ter-se por não escritas as mencionadas imputações genéricas.” De facto, outras formas de contextualização dos factos existem, em moldes tais que a sua identificação concreta opera mesmo perante a ausência da efetiva temporalidade - há uma identificação temporal delimitada, uma localização espacial concretizada, uma referência a determinados episódios – tudo a por esta via garantir os direitos de defesa da III. Com essa contextualização, a Arguida BB pode saber a que acontecimentos concretos se refere a acusação e defender-se a respeito da sua eventual ocorrência. Como o fez, bastando para tal ouvir o seu depoimento, como este Tribunal Superior o fez (..., 11h30:02 até 11h45:11, ficheiro 20240514113001_12338451_2870234) sendo que em momento algum do seu depoimento a Arguida referiu que não sabia do que se estava a defender ou sobre que factos versava a razão da sua presença em Tribunal e posição processual nos autos. No caso dos autos é-o pelo tempo, lugar e essencialmente pelo modo, tudo por reporte a identificada pessoa – a III – que a acusação se delineou, sendo que em sede de julgamento, perante a concatenação de provas apresentadas – as declarações dos próprios Arguidos, valoradas especificadamente no quanto as normas processuais penais o permite – como infra melhor se explanará -, conjugadas com o quanto se colhe documentalmente – em especial no que se reporta a transcrição de comunicações, ou o relacionado com o veículo – o Tribunal a quo firmou a sua convicção. Podendo fazê-lo face ao concretamente colhido, em nada tendo extravasado a factologia inerente à acusação da qual se colhe uma concreta descrição e não uma inserção de considerações genéricas e conclusivas como factos. De tudo se conclui que a identificação do concreto objeto dos autos – como conjunto de episódios com delimitação temporal, espacial e de intervenção de cada um dos Arguidos - pela defesa é necessariamente possível, uma vez que a identificação do facto em causa deriva das suas descritas “singularidades”, as quais lhe fixam os contornos em termos tais que permitem a sua identificação, assim se mostrando viabilizado o exercício do contraditório. É dizer, no concreto e não obstante não ser possível reconstituir concretamente e a cada momento, com uma especificidade de bilro, qual seja cada palavra, ação e intervenção singularizada da III, certo é que não só é possível identificar o efetivo hiato temporal em que sucedeu o seu agir, como a singularização decorrente da demais descrição da sua intervenção nos factos permite à defesa - integralmente e sem que por qualquer modo se belisquem os limites mínimos dos direitos inerentes aos princípios do contraditório e da justiça equitativa - a possibilidade de contraditar se ocorreu, ou não, esse procedimento delitual. Satisfeitos os critérios da singularidade do facto, que permitem a sua identificação pela defesa, inexiste, pois, qualquer atuação em moldes de afronta dos elementares direitos constitucionalmente consagrados no art. 32.º/1/5CRP assim como do art 6.ºCEDH. Mas mais, para que dúvidas não se suscitem. Sobre tal razão de convicção o Tribunal a quo concretamente discorreu, fazendo um específico elencar das provas que estão na base da sua convicção, descrevendo-as e analisando-as, sujeitando-as a exame crítico, pelo que nenhuma afronta ao art. 374.º/2CPP operou. O que leva à improcedência da invocação de nulidade nos moldes peticionados pela III. Questão diferente é aquela que a III chama à colação, quando afirma – de forma indireta e sem concretização plena, mas ainda assim facilmente percetível porque comum a outro recurso interposto – que o Tribunal a quo se serviu, ao nível da formação de convicção, de declarações de co-arguida – estar-se-á a referir à LLL, ainda que nunca o refira - em concreto quando esta estabeleceu recusa a contraditório, o que apoda de prova proibida. O outro recurso interposto é precisamente o do AA, no qual é diretamente afirmado que o Tribunal a quo valorou declarações prestadas pela LLL, em claro prejuízo do AA e demais co-arguidos, sem prévio contraditório pela defesa, o que constitui violação do art. 345.º/4CPP. Vejamos. Quanto à validade da prova, tal qual à sua recolha, o CPP cuida das mesmas de forma específica entre os arts. 124.º e 190.º frisando ab initio que “constituem objeto de prova todos os factos juridicamente relevantes para a existência ou inexistência do crime, a punibilidade ou não punibilidade do arguido e a determinação da pena ou da medida de segurança aplicáveis” (art. 124.º/1CPP). A administração e valoração das provas cabe, em primeira linha, ao Tribunal perante o qual foram produzidas, que apreciará e decidirá sobre a matéria de facto segundo o princípio estabelecido no art. 127.ºCPP: “salvo quando a lei dispuser diferentemente, a prova é apreciada segundo as regras da experiência comum e a livre convicção da entidade competente.” Significa isto, no rigor das coisas, que o valor dos meios de prova não está legalmente pré-estabelecido, devendo o Tribunal apreciá-los de acordo com a experiência comum, com o distanciamento, a ponderação e a capacidade crítica, na “liberdade para a objetividade” (cfr. Teresa Beleza, in Revista do Ministério Público, Ano 19º, p. 40; cfr. sobre a génese do princípio, quadro histórico, fundamentos e conteúdo, António Alberto Medina de Seiça, in O Conhecimento Probatório do Co-arguido, Studia Iuridica, Universidade de Coimbra, 42, p. 162ss) Acresce que a convicção sobre a matéria de facto dada como provada terá, em regra, que resultar da prova produzida ou examinada em audiência (art. 355.ºCPP). Para tal desiderato, na audiência, o Tribunal é confrontado com um concreto caso, delimitado pelo princípio do acusatório, e com vista à apreciação do mesmo são apresentados diversos meios de prova que, pela sua natureza, serão apreciados de formas distintas. Vários critérios, operam neste campo, não cumprindo dos mesmos ora cuidar, mas somente firmar no que ora interessa em relação aos depoimentos de Arguidos que em termos de proveniência consubstanciam prova pessoal (emerge da atividade de uma pessoa - declarações e depoimentos), não estando subtraídos à livre apreciação do julgador, salvo quando apresentem confissão integral e sem reservas no julgamento (ou caiam, como ora se analisa situação de reporte ao art. 345.º/4CPP), sendo em regra produzida em sede de audiência, mas podendo resultar de recolha em momento antecedente (quando necessário seja operar confronto com declarações anteriores prestadas perante autoridade judiciária e perante defensor com informação de reporte). Ao nível da prova produzida em audiência, a mais inconstante das provas é a “prova testemunhal”, pelo pendor de subjetividade que a sua ponderação acarreta, à qual se junta a apreciação da “prova por declarações” dos sujeitos processuais - Arguidos, Assistentes e Demandantes. Assunto distinto é aquele que cuida da destrinça entre prova direta ou indireta. É linear que da prova direta se colhe a convicção imediata dum facto. Já quanto à prova indireta a mesma exige um processo mental de ilação e observação lógica a partir de factos base – indícios – com vista a formar uma convicção sobre dado facto presumido. Aqui chegados, convém ter presente que as declarações de Arguido constituem um meio de prova específico, advindo essa qualidade do facto de não lhe ser imposto sequer o dever de falar, de, falando, não lhe ser imposto o dever de verdade – o que o afasta das testemunhas, sejam elas Assistentes ou deponham em qualquer outra qualidade -, e poderem essas declarações, quando confessórias, ser valoradas até quanto ao declarante em detrimento da restante prova - por declarações -, como é o caso da confissão integral e sem reservas. Do mesmo modo, convém não olvidar que o Direito Penal assenta no princípio da culpa que, numa das suas diversas dimensões, concorre de forma decisiva, também para avaliação da chamada questão da culpabilidade e escolha/determinação da pena. Por isso mesmo as declarações do Arguido revestem uma importância nuclear no processo penal. Tal qual o exercício ao silêncio por parte do Arguido. A temática suscitada pela III e pelo AA remete-nos indiretamente para a problemática das proibições de prova, como limites que o ordenamento jurídico coloca à própria realização da Justiça, por se entender que nem todos os meios justificam os fins. A busca da verdade material não se pode fazer a qualquer custo, e daí que as proibições de prova se liguem diretamente ao essencial núcleo de salvaguarda dos direitos fundamentais, representando uma barreira ao apuramento dos factos, traduzindo consequentes limites à descoberta da verdade – são uma resposta para vícios substanciais. (cfr. Costa Andrade in Sobre as proibições de prova em processo penal, p. 83, e Figueiredo Dias, Costa Andrade, Poderes de supervisão, direito ao silêncio e provas proibidas, in Supervisão, Direito ao Silêncio e Legalidade da Prova, p.29) O art. 32.º/8CRP, sob a epígrafe Garantias de processo penal, estabelece os princípios gerais nesta matéria, definindo que são nulas todas as provas obtidas mediante tortura, coacção, ofensa da integridade física ou moral da pessoa, abusiva intromissão na vida privada, no domicílio, na correspondência ou nas telecomunicações. Nulidade esta que, desde já se estabeleça, é atendível por sistema autónomo, diferenciado do sistema das nulidades insanáveis e sanáveis a que aludem os arts. 118.ºss CPP, e daí uma das razões para o tratamento processual neste momento e não em momento antecedente. Lembre-se que a prova é proibida não só quando seja obtida mediante a lesão direta dos direitos fundamentais (art. 32.º/8CRP – 1.ª parte e art. 126.º/1CPP) mas também quando o foi sem que tenham sido observadas todas as formalidades processuais que, parecendo incorporar meras exigências formais, são, na verdade, condições essenciais para que a intervenção não seja abusiva (art. 32.º/8CRP – 2.ª parte e art. 126.º/3CPP): “O que interessa é saber se essa formalidade ainda é uma condição constitucional para a admissibilidade da prova”. (Cfr. Conde Corria, in Contributo para a Análise da Inexistência e das Nulidades Processuais Penais - A distinção entre prova proibida por violação dos direitos fundamentais e prova nula numa perspectiva essencialmente jurisprudencial, RCEJ, n.º 4 (...), p. 305 e Sandra Oliveira Silva, in Legalidade da prova e provas proibidas, RPCC, ano 21 (...), 554). Nos termos do disposto pelo art. 125.ºCPP, são admitidas para formação da convicção do julgador todas as provas que não foram proibidas. Tratando-se de declarações de Arguido, por maioria de razão, aquilo que entenda dizer sobre os factos deve poder dizer. O que significa que, por justaposição de argumentos, e até por maioria de razão, devem poder ser ponderadas essas declarações pelo Tribunal. Tanto naquilo que delas decorra a seu favor como contra. O pressuposto fundamental é, pois, o da vontade que tenha em fazê-lo. Assim que o faça, como é óbvio, pode ser ponderado o que diga. Isto é assim, independentemente da fase do processo em que estejamos. No concreto dos autos, o AA e a III fundam a sua individual – mas concomitante - pretensão por via duma suposta violação da valoração do silêncio de parte de declarações da LLL. É dizer, após esta ter respondido e prestado declarações, em que confessou integralmente e sem reservas os factos de reporte à sua atuação, ter-se-á esta recusado a prestar declarações quando a inquirição se fundava em perguntas da defesa dos demais co-arguidos, assim inviabilizando o contraditório. Temos como de óbvia conformidade ao Direito, que o Tribunal possa, e deva ponderar as declarações de co-arguidos no processo penal. Tal possibilidade decorre, desde logo, do art. 125.ºCPP, conjugado com outras normas de onde resulta essa possibilidade. É que, sendo certo que não está especificamente previsto no CPP as declarações de co-arguido como meio de prova, igualmente é certo que o art. 345.º/4CPP só lhe nega o valor probatório quando operar recusa a responder às perguntas formuladas em contrainterrogatório. É dizer, do que se trata, aqui, é de retirar valor probatório a declarações totalmente subtraídas ao contraditório. (sobre o tema, cfr. Joaquim Jorge da Cruz, in Valor probatório das declarações processuais do coarguido: (breves notas sobre a incriminação de coarguido nas fases preliminares do processo, que em julgamento exerce o direito ao silêncio), Julgar online, setembro2024; Tiago Caiado Milheiro, in Breve excurso pela prova penal na jurisprudência nacional, Julgar, 18, 2002) Ora, é precisamente esta a questão a dilucidar. E para decisão da mesma ouviu este Tribunal Superior integralmente as declarações da LLL, prestadas que foram as mesmas em dois momentos: ... (16h34:42 até 17h04:47, ficheiro 20240514170447_12338451_2870234), relativo a prestação de depoimento, onde confessou os factos, de reporte à sua atuação, integralmente e sem reservas, respondendo especificadamente a questões formuladas pelo Tribunal; e 21maio2024 (09h39:07 até 09h43:08, ficheiro 20240521094325_12338451_2870234), relativo a continuação de prestação de depoimento, onde perguntada pelo Tribunal referiu que mantinha o propósito de continuar a prestar depoimento, após o que respondeu a perguntas do Ministério Público, sendo que quando inquirida com relação a perguntas formuladas por mandatário/defensor de co-arguido – que não se vislumbra qual – invocando que já havia respondido às perguntas em causa, as quais diz estavam a ser repetidas, declarou que não mais prestava declarações. É, pois, facto, que não operou um concreto contraditório. Mas também é verdade que nenhum contraditório estava a ser feito. Simplesmente estavam, inicialmente, a ser repetidas perguntas por parte do mandatário/defensor, razão essa que parece ser a que despoletou a atitude da LLL. Ouvido o depoimento, não se estando perante o quadro factual que nos é dado a conhecer num Acórdão do Tribunal da Relação do Porto (rel. Juiz Desembargador António Gama, 1junho2016, NUIPC 1345/10.7JAPRT, acessível in www.dgsi.pt/jtrp) – em que o cessar do depor opera face a insistência e indução à recusa a depoimento – não se pode deixar de constatar a profunda mudança atitudinal da LLL entre o depoimento de ... e o de 21maio2024. No inicial, após as declarações dos demais co-arguidos, longamente foi interrogada pelo Tribunal e, quando necessário, foram repetidas perguntas em moldes de esclarecimentos, em nada a mesma tendo manifestado desconforto no depor. Interrompida a inquirição, face ao adiantado de hora a ..., retomada a inquirição a 21maio2024, iniciada esta com questões do Ministério Público nada obstou, mas logo que virada para inquirição de mandatário/defensor doutro co-arguido operou espontânea afirmação da LLL que não estaria disposta a responder a mais perguntas, o que mesmo após esclarecimento da Sr.ª Juíza Presidente, no sentido de se tratarem de situações a enquadrar, digamos, em meros esclarecimentos, concretização e retirar de dúvidas, nada a demoveu, com a curiosidade de sendo o argumento a repetição se ter recusado a responder a uma pergunta que nada de repetida o era. Fica a nota perante a estranheza atitudinal, mas da qual não podemos, nos autos, retirar mais. Certo é que, independentemente de tudo esse mais não retirável, per se o depoimento da LLL, à luz do art. 345.º/4CPP, não pode ser a base da convicção formada pelo Tribunal a quo com vista à prova dos factos relacionados com os co-arguidos. Ora, igualmente é certo que não o foi por parte do Tribunal a quo, pois tendo servido como convicção para a condenação da LLL, dado que confessou integralmente e sem reservas a sua pessoal atuação, no demais e para a prova da atuação dos outros co-arguidos não foi com base nesse depor que o Tribunal a quo firmou convicção. Vejamos. A LLL assume que efetuou transporte de produto estupefacientes, por três vezes, entre ... e .... O AA admite que foi através de contacto com a ... que marcou viagens para a LLL, por três vezes. A ... assume ter contactado a LLL para os fins em causa, afirmando que o fez a pedido do AA. Mais assumiu que quando a LLL chegava a ... a contactava a solicitar a morada de entrega. Para tanto de imediato contactava o AA que lhe indicava a morada de encontro consigo. Após o que a fornecia à LLL. Já a HHH assume que a pedido do AA levou a LLL ao Aeroporto, tendo até pago o excesso de peso da bagagem. Note-se que a HHH é namorada do AA, pelo que a única razão compreensível para pagar o excesso de bagagem de quem com este ia ter, seria o interesse do mesmo na bagagem em causa. Ora, o AA confirma que recebeu dessas três vezes a LLL em .... Nega, porém, ter recebido as malas, afirmando que foi terceiro – o dito .../Tio. .../Tio que nunca é referido pela LLL, sendo que a mesma refere que não sabe quem o mesmo seja e que não esteve com ninguém, que não o AA, em ..., o que permite valoração quanto àquela parte: não ter estado com outrem, sendo que o AA admite ter estado com a LLL. Existe, por seu turno, documentação que comprova as datas de viagem da LLL, bem como o reporte ao peso da bagagem da mesma. Não se descura, por seu turno, que a LLL reconheceu a III em sede de julgamento – quadro diferenciado de declarações -. Como não se deixa de firmar que existem conversações entre a LLL e a ... de onde decorre que o modus operandi passava pela entrega da mala em casa da III, mãe do AA, ao correio - seja a LLL, seja a ... – após o que a HHH fazia o transporte do correio e mala até ao aeroporto de ..., com controle de embarque, sendo reconhecido pelo AA que era quem em ... ia buscar o correio. Ninguém que não o AA – e por vezes a sua namorada, a HHH - era visto na residência do AA em ... – como o afirma a testemunha II -, nunca a LLL tendo estado ou visto outrem, que não o AA, em ..., reconhecendo este que com a mesma esteve nessas deslocações, tendo o AA fugido de casa quando a ... em 13fevereiro apareceu como correio, sabendo – como o confessa o AA – que os transportes eram de “algo de errado”. Acresce que o AA fazia uso de diferenciados números de telefone consoante as questões a tratar em sede de conversação. Desta conjugação de prova direta e de prova indireta, estabeleceu o Tribunal a quo a sua convicção, o que fez à luz das regras da experiência comum, firmando que os Arguidos atuavam conjuntamente. De facto, face ao apresentado naipe de prova documental, prova testemunhal e prova por declarações dos vários Arguidos, como prova direta a chamar à colação as regras da experiência da vida para a sua valoração (quanto à dos depoimentos dos arguidos, por não se tratarem de depoimentos confessórios), conjugou o Tribunal a quo a sua globalidade, pelo que à luz da normalidade, causalidade e oportunidade, determinantes da redução das causas possíveis a uma única, fortaleceu a razão que conjuntamente tudo conexiona numa presunção que reportando à naturalidade de facto (praesumptiones facti ou hominis), judicial, simples ou de experiência (das máximas de experiência), do curso ou andamento natural das coisas, da normalidade dos factos (as regras da vida; quod plerumque accidit), foi assim livremente apreciada (art. 351.ºCC). cfr. Pedro ... Lago Torres Varanda in A prova indireta e a sua fundamentação na sentença penal na era da IA, Revista Julgar Digital, online, março2025) O que nada tem a ver com inversão de ónus da prova ou errada transformação de indícios suficientes em prova, ao contrário do alegado pela III. O respeito pela presunção de inocência dos Arguidos mantém-se, assim, respeitado. Assim o é porque se à luz do art. 125.ºCPP não é ilegítimo o recurso a presunções nos termos conceptuais do art. 349.°CC - tirar de um facto conhecido para firmar um facto desconhecido - sendo admitidas as presunções judiciais nos casos e termos em que é admitida a prova testemunhal (art. 351.°CC), não estabelece a Lei um qualquer limite quantitativo. Como nos diz Cavaleiro Ferreira (in Curso de Processo Penal, volume 1, p. 333ss., assim como Vaz Serra, in Direito Probatório Material, BMJ 112.º/99) as presunções simples ou naturais são, assim, meios lógicos de apreciação das provas, são meios de convicção e encontram-se na base de qualquer juízo, pois são o produto das regras de experiência; se o juiz, valendo-se de um certo facto e das regras da experiência da vida, conclui que esse facto denuncia a existência de outro facto ou mesmo é a consequência típica desse outro facto, procede então mediante uma presunção ou regra da experiência ou de uma prova de primeira aparência. Obviamente que estas presunções não são presunções de culpa. Constituem, antes, parcelas de um processo de pensamento lógico de que o julgador não pode prescindir, sob pena de não ser a prova apreciada e valorada em toda a sua extensão. Consequentemente, sendo a decisão do julgador, devidamente fundamentada, uma das soluções plausíveis, segundo as regras da experiência, ela será inatacável, visto ser proferida em obediência à lei que impõe o julgamento segundo a livre convicção. (neste sentido, Acórdão do Supremo Tribunal de Justiça, rel. Juiz Conselheiro Souto de Moura, 17junho2010, NUIPC 1/08.0FAVRS.E1-A.S1, acessível in www.dgsi.pt/jstj) Regras de experiência na qual a cultura do julgador, o saber de vida do mesmo, a capacidade de perceção da realidade envolvente ao caso sub judice, são nucleares. Em especial porque é das mesmas que se logra firmar a presunção do facto não demonstrado diretamente, tudo a exigir que essa correlação seja forte e devidamente fundamentada, pois só assim a convicção máxima provável que, como tal nunca é certa, se pode ter como válida processualmente. (cfr. Susana Aires de Sousa, in Prova indireta e fundamentação da decisão. Anotação ao Acórdão do Tribunal da Relação de ... de 10 de julho de 2018, RPCC, A29.T2, p.406) Voltando ao concreto, o que se alcança é que o Tribunal a quo firmou a sua convicção de reporte à atuação dos demais co-arguidos, que não a LLL, não com base nas declarações de imputação desta, sim nas declarações dos próprios co-arguidos conjugadas com a documentação junta aos autos e o depor testemunhal. E, como tal, inexiste qualquer viciação atuacional por parte do Tribunal a quo, pois o mesmo ao fazer as referências que faz às declarações da Arguida Tatiana o faz em moldes de valoração da confissão da mesma e de circunstancialismo, mas não em moldes e exclusividade que sempre seria proibida à luz do art. 345.º/4CPP. O que nos leva a considerar improcedente o peticionado pela III e pelo AA, também porque não se verifica qualquer desrespeito do comando constitucional dos art.s 3.º/2 e 32.º/1/5CRP. Segue-se, na ordem de apreciação relacionada com a presente questão, o protesto da III quanto ao modo como o Tribunal a quo valorou as suas pessoais declarações, que diz serem suficientes para a formação duma convicção de inocência, pelo que ao não ter assim sido considerado operou violação do art. 127.ºCPP. Porque a questão é similar em termos de base de apreciação, serão também aqui tratados os três pontos globais de facto em relação aos quais o AA se insurge. Como já se disse, este Tribunal Superior procedeu à audição integral do depoimento da III (..., 11h30:02 até 11h45:11, ficheiro 20240514113001_12338451_2870234). Esta baseia-se em duas premissas: negação de intervenção e de conhecimento dos factos; pretensão de justificação de propriedade do veículo automóvel. Por seu turno, este Tribunal Superior igualmente procedeu à audição integral do depoimento do AA (..., 10h21:29 até 11h30:01, ficheiro 20240514102128_12338451_2870234). Esta baseia-se em duas premissas: assunção de intervenção, como intermediário – conhecedor de que o que estaria a ser transportado seria errado -, negação de propriedade que imputa a pessoa que identifica como o ..., externalização de responsabilidades na ...; pretensão de justificação de acesso de terceiros à casa de ..., mormente por parte do .... A apreciação destas questões terá sempre que ser efetuada à luz da especificidade dos autos. De facto não existindo válida impugnação da matéria de facto, como supra se elucidou, qualquer eventual violação do princípio do in dubio pro reo terá que ser vislumbrada com recurso a critério idêntico ao que se aplicaria ao conhecimento dos vícios da matéria de facto reconduzíveis ao art. 410.ºCPP. É dizer, tal violação tem que resultar evidenciada no texto da decisão recorrida, só por si ou conjugado com as regras da experiência comum. (neste sentido, Acórdão do Tribunal da Relação de Coimbra, rel. Juiz Desembargador Inácio Monteiro, 4fevereiro2015, NUIPC 42/13.6GCMBR.C1, acessível in www.dgsi.pt/jtrl, onde se pode ler que “ [a] apreciação pelo Tribunal da Relação da eventual violação do princípio in dubio pro reo encontra-se dependente de critério idêntico ao que se aplica ao conhecimento dos vícios da matéria de facto, isto é, deve ser da análise da decisão que se deve concluir pela violação deste princípio, seguindo o processo decisório, evidenciado pela análise da motivação da convicção, se se chegar à conclusão que o Tribunal, tendo ficado num estado de dúvida, decidiu contra o arguido.) A paráfrase in dubio pro reo não é atualmente um simples brocardo, adágio ou aforismo, mas um princípio fundamental no nosso direito processual probatório, decorrendo da presunção constitucional de inocência até ao trânsito em julgado de decisão condenatória (art. 32.º/2CRP) e consiste em: na dúvida sobre os factos a provar, o Tribunal decide em favor do Arguido. Existindo um laivo de dúvida, por mínimo que seja, sobre a veracidade de um facto em que se alicerça uma imputação delituosa, ninguém pode ser condenado com base nesse facto. Quando existir uma réstia de dúvida, não pode haver punição: isto é, a punição somente pode verificar-se, quando o julgador adquirir ou formar a convicção da certeza da imputação feita ao acusado, com base nas provas produzidas. Mas, para que a dúvida seja relevante para este efeito, “há-de ser uma dúvida razoável, uma dúvida fundada em razões adequadas e não qualquer dúvida”. (Figueiredo Dias, in Direito Processual Penal, I, p. 205) Dai que, como se refere em Acórdão desta 5.ª Secção do Tribunal da Relação de ... (rel. Juiz Desembargador Agostinho Torres, 1fevereiro2011, NUIPC 153/08.0PEALM.L1-5, acessível in www.dgsi.pt/jtrl) “[o] princípio in dubio pro reo, é um princípio probatório que procura solucionar um problema de dúvida em relação à matéria de facto (…); traduz o correspetivo do princípio da culpa em Direito Penal, ao garantir a não aplicação de qualquer pena sem prova suficiente dos elementos típicos, é um corolário lógico do princípio da presunção de inocência do arguido”. Este quadro deve estar sempre presente na mente do julgador, mas a este, em cada caso concreto, designadamente quando está em causa a mediação e oralidade da prova, pautado pelo princípio da livre apreciação da prova, cabe-lhe a apreciação crítica que faz dos vários elementos probatórios e em que termos os conjuga, valorando e credibilizando uns em detrimento de outros. Tal exame crítico (expressamente imposto com a revisão do CPP operada pela Lei 59/98-25agosto, através do aditamento da expressão “exame crítico das provas que serviram para formar a convicção do Tribunal” apenas deu formato de lei àquilo que era já o entendimento e a prática diária forense; a discussão passou agora para a abrangência que aquela expressão pode comportar) mais não consiste do que na enunciação das razões de ciência reveladas ou extraídas das provas administradas, a razão de determinada opção relevante por um ou outro dos meios de prova, os motivos da credibilidade dos depoimentos, o valor de documentos e exames, que o Tribunal privilegiou na formação da convicção, em ordem a que os destinatários (e um homem médio suposto pelo ordem jurídica, exterior ao processo, com a experiência razoável da vida e das coisas) fiquem cientes da lógica do raciocínio seguido pelo Tribunal e das razões da sua convicção. Dir-se-á, contudo, que o rigor e a suficiência do exame crítico haverão de ser aferidos por critérios de razoabilidade, sendo imprescindível, mas do mesmo modo bastante, que sejam percetíveis as razões da decisão e o processo lógico, racional e intelectual que lhe serviu de suporte. Mas como é evidente, a lei “não obriga os julgadores a uma escalpelização de todas as provas produzidas e muito menos a uma reprodução do tipo gravação magnetofónica dos depoimentos prestados na audiência, o que levaria a uma tarefa incomportável com sadias regras de trabalho e eficiência, e ao risco de falta de controlo pelos intervenientes processuais da transposição feita para o acórdão”(Acórdão do Supremo Tribunal de Justiça, rel. Juiz Conselheiro Lourenço Martins, 30janeiro2002, processo 3063/01-3, acessível in www.stj.pt) do mesmo modo que “a lei não exige que em relação a cada facto se autonomize e substancie a razão de decidir, como também não exige que em relação a cada fonte de prova se descreva como a sua dinamização se desenvolveu em audiência, sob pena de se transformar o acto de decidir numa tarefa impossível”. (Acórdão desta 5.ª Secção do TRLisboa, rel. Juiz Desembargador José Adriano, 2outubro2018, NUIPC 36/14.4JBLSB.L1-5, acessível in www.dgsi.pt/jtrl) Ou seja, o princípio in dubio pro reo acha-se intimamente ligado ao da livre apreciação da prova (art. 127.ºCPP) do qual constitui faceta, e este último apenas comporta as exceções integradas no princípio da prova legal ou tarifada ou as que derivem de uma apreciação arbitrária, discricionária ou caprichosa da prova produzida e ofensiva das regras da experiência comum. Tal livre valoração da prova não é uma atividade exclusivamente subjetiva assente numa inexplicável certeza no julgador causada por sentimentos ou impressões sem consistência. Esse dom inexiste. Do que aqui se fala é da viabilidade e aptidão de explicação de acordo com critérios que traduzam racionalidade, lógica e crítica, decorrentes da experiência comum, do saber científico das ciências exatas e das ciências sociais, e também da experiência profissional e pessoal do julgador. Não se descure, contudo, que existe sempre um fator humano envolvido na função jurisdicional, necessariamente a incutir em cada decisão uma vertente subjetiva inerente ao decisor (singular ou coletivo) dado que cada um coopera com o seu saber e experiência para o resultado que a final se produz. E daí a alusão do referido art. 127.ºCPP à “livre convicção” com a significância de que o julgador, obedecendo a estas regras, não aprecia a prova de forma arbitrária ou com uma valoração puramente subjetiva, pois os factos dados como provados e não provados, com base neste princípio, devem ter fundamentação suficiente com apoio na indicação e exame crítico das provas que serviram para formar a convicção, como um dos requisitos da sentença, exigidos pelo art. 374.º/2CPP. É dizer, importa o mesmo a sujeição a critérios lógicos e objetivos que determinam uma convicção racional, concreta e transmissível, pelo que o decisor tem que explicar as razões da sua decisão, e estas têm que ser sindicáveis pelo destinatário e, nesta sede, pelo Tribunal de recurso. Como linha mestra, seguem-se as palavras de Armando Leandro (Acórdão do Supremo Tribunal de Justiça, 26janeiro2000, processo 197/99-3, acessível in www.stj.pt) quando nos diz que “[a] fundamentação da decisão da matéria de facto, imposta pelo art. 374.º, n.º 2, do CPP, assume função intraprocessual e também extraprocessual muito relevante, ligada ao exercício do direito de recurso - que torna necessária a apreensão do essencial do processo lógico-formal do julgador que determinou a decisão recorrível - e à aceitação das decisões judiciais pela comunidade, a pressupor a compreensibilidade das mesmas, fonte indispensável do seu prestígio e legitimação. O dever de fundamentação deve, pois, ser cuidadosamente cumprido em harmonia com essas importantes funções, ainda que equilibradamente, por forma compatível com a natureza do princípio da livre apreciação da prova - art. 127.º, do CPP -, que pressupõe uma convicção não totalmente explicável, mas que não se confunde nunca com apreciação arbitrária da prova e não reconduzível a um mera impressão ou convencimento subjetivos do julgador. No fundo, as já referidas razões “extraídas do princípio do Estado de direito, do princípio democrático e da teleologia jurídico-constitucional dos princípios processuais” que Gomes Canotilho e Vital Moreira reportam. E.R. Vadill (La actividadd probatória en el processo penal español in La prueba en em processo penal, Centro de Estúdios Judiciales – Col. Cursos, vol 12, Ministerio de Justicia, Madrid, 1993, p. 108.) diz-nos que “Un juez profesional (…) no puede basar su sentencia en una pura e íntima conviccíon, en uma especie de corazonada, no exteriorizable ni controlable en otras instancias.” Por isso mesmo, dir-se-á que na vida judiciária há a verdade dos Arguidos e a verdade dos Ofendidos, que filtram a sua intervenção nos factos através da subjetividade inerente à qualidade humana. Há, também, a verdade das testemunhas que, assistindo, sem intervenção direta, aos factos, não se encontram menos imunes à subjetividade e afeições do que os atores principais, quantas vezes de forma inconsciente. Há, por seu turno, a verdade do julgador, que deflui das anteriores e da sua pessoal perceção, contínua e sólida visão do sentido de regra de experiência de vida, a designada verdade processual, a qual é, não raras vezes, o máximo denominador comum e de tempero das anteriores, única certeza obtida, quando a inverosimilhança destas não arreda do acolhimento do Tribunal, na sua busca incessante da verdade material histórica, que surge como a desejada perfeição no julgamento da matéria de facto. Aqui chegados, cientes da forma como tem que laborar o Tribunal em moldes de apreciação da prova, atendendo às provas que em concreto foram produzidas na audiência realizada no Tribunal a quo, considerando o modo como o mesmo fundamentou a prova em sede decisória e cientes que quer a III, quer o AA, nas suas palavras, mais não pretendem do que impor uma decisão diversa pela via da criação da dúvida sobre a prática dos factos, invocando para tanto – para além do já supra esclarecido – a III, que as suas declarações negatórias são por si mesma bastantes à sua absolvição, do mesmo modo que as suas declarações de posse e de presunção registal são bastantes à propriedade do veículo; o AA, que o destinatário do produto estupefaciente, mormente em termos de propriedade, fosse a sua pessoa – no que se entrelaça o fim de venda e o provento da mesma -, bem como que o em sua casa encontrado – produto estupefaciente e dinheiro – a si pertencesse -, há que relembrar, como já supra se delineou, que a apreciação por este Tribunal Superior sobre a eventual violação do dito princípio de livre apreciação da prova, em especial na faceta de violação do princípio in dubio pro reu, se encontra dependente de critério idêntico ao que se aplica ao conhecimento dos vícios da matéria de facto, designadamente erro notório na apreciação da prova, i.e., deve ser da análise da decisão que se deve concluir pela violação deste princípio, seguindo o processo decisório, evidenciado pela análise da motivação da convicção, se se chegar à conclusão que o Tribunal, tendo ficado num estado de dúvida, decidiu contra o arguido. Tal não significa que se pode incluir no erro notório – como parece ser o mote que o Ministério Público apõe na sede das suas individuais respostas aos recursos ora em causa - na apreciação da prova a eventual discordância da III e do AA quanto ao modo como o Tribunal a quo valorou a matéria de facto produzida perante si, em audiência, em conformidade com o disposto no art. 127.º do CPP. (sobre a distinção, Acórdão do Supremo Tribunal de Justiça, rel. Juiz Conselheiro Raul Borges, 8julho2020, NUIPC 142/15.8PKSNT.L1.S1, acessível in www.dgsi.pt/jtrg, onde de forma incisiva se diz “[e]nquanto a valoração da prova, que compete aos julgadores, e só a eles, obedece ao regime do artigo 127.º do CPP e é necessariamente prévia à fixação da matéria de facto, o vício da alínea c), bem como os demais constantes das alíneas a) e b) do n.º 2 do artigo 410.º do CPP, só surge perante o texto da decisão proferida em matéria de facto, que resultou daquela valoração da prova.(…) Estamos perante duas realidades que correspondem a dois passos distintos, sequenciais, tendo uma origem na outra: o de aquisição processual em resultado do julgamento; um outro, posterior, de consignação do que se entendeu ter ficado provado e não provado, no exercício final de um juízo decisório que se debruçou sobre a amálgama probatória carreada para os autos e dissecada/ponderada/avaliada após o exame crítico das provas, no seu conjunto e interligação, no jogo dialéctico das conexões, proximidades, desvios, disfunções, antagonismos. (…) Não se pode confundir o vício de erro notório na apreciação da prova com a valoração desta. Enquanto esta obedece ao regime do artigo 127.º do CPP e é prévia à fixação da matéria de facto, aquele – bem como os demais vícios constantes das alíneas do n.º 2 do art.º 410.º do CPP – só surgem perante o texto da decisão em matéria de facto que resultou daquela valoração da prova”. (igualmente neste sentido, cfr. Recursos Penais, Manuel Simas-Santos e Manuel Leal-Henriques, 9.º ed., p. 81) . Uma coisa é o grau de exigência que se coloca no critério de aferição, outra coisa é a inclusão. E não se confundem. Delimitando. O Tribunal a quo, imbuído da imediação, explicitou as razões da sua convicção, de forma lógica e global, com o mínimo de consciência para a formulação do juízo sobre a credibilidade dos depoimentos apreciados e, com base no seu teor, conjugado com as demais provas, alicerçou uma convicção adequada e suficiente sobre a verdade dos factos? É este, então, o caminho a seguir. In casu, temos como patente que o Tribunal a quo tomou específica e concreta posição sobre todos os factos essenciais e relevantes para a apreciação do preenchimento dos elementos do crime e dos factos que foram alegados e/ou resultaram da discussão da causa. Lida a decisão em apreço, temos para nós que o Coletivo de Juízes que compôs a audiência no Tribunal a quo, quer no exercício do poder de julgar segundo a sua livre apreciação, quer na apreciação da prova subtraída a esse princípio, quer com base nos limites da liberdade da prova à luz do art. 125.ºCPP; assentou a decisão numa fundamentação muito consistente e pormenorizada, não deixando azo a dúvidas e afastando o arbítrio. A III, bem como o AA, não concordam, é certo. Mas sem razão, pois perante a fundamentação do Acórdão este modo de discordância – baseado em dúvidas retóricas e hipóteses aventadas em abstrato somente com base na sua pessoal negação ou conjetura - de pouco vale, uma vez que a demais prova – como supra já se elucidou, depoimento de co-arguidos, prova documental e testemunhal - se impõe o estatuído no art. 127.ºCPP, tendo sido usado e aplicado tal princípio com efetiva lógica e sustentação, em moldes tais que se pode afirmar que adequada e justificadamente se impõe que se sobreponha às interessadas e subjetivas negações reveladas pela III e pelo AA. Ou seja, não só o valor dos resultados dos exames do LPC sobre a natureza do produto apreendido, teria que ser posto em causa por meio válido e adequado como a apreciação subjetiva da demais prova, em especial a que resulta da imediação e da oralidade, teria que ser afastada se a III o AA demonstrassem – cada um no que lhes coubesse - que a apreciação do Tribunal a quo não teve o mínimo de consistência. O que não é o caso. Como já várias vezes foi dito em Acórdãos desta 5.ª Secção “só sabemos que o recorrente, se fosse o julgador, teria fixado os factos de modo diferente”. E daí que fazendo jus ao que escreve Souto Moura (acórdão do Supremo Tribunal de Justiça, de 15julho2008, processo 08P418-5.ª, acessível in www.dgsi.pt/jstj) “I - Uma coisa é não agradar ao recorrente o resultado da avaliação que se faz da prova e outra é detetarem-se no processo de formação da convicção do julgador erros claros de julgamento, incluindo eventuais violações de regras e princípios de direito probatório. II - Por outro lado também não pode esquecer-se tudo aquilo que a imediação em 1.ª instância dá e o julgamento da Relação não permite: basta pensar no que, em matéria de valorização de testemunhos pessoais, deriva de reacções do próprio ou de outros, de hesitações, pausas, gestos, expressões faciais, enfim, das particularidades de todo um evento que é impossível reproduzir. III - O trabalho que cabe à Relação fazer, na sindicância do apuramento dos factos realizados em 1.ª instância, e da fundamentação feita na decisão por via deles, traduz-se fundamentalmente em analisar o processo de formação da convicção do julgador, e concluir, ou não, pela perfeita razoabilidade de se ter dado como provado o que se deu por provado – cf. Acs. de 15-02-2005 e de 10-10-2007, Procs. n.ºs 4324/04 - 5.ª e 3742/07 - 3.ª, respectivamente.” Contudo, tal não pode ser o caminho, porquanto está cumprido o dever de fundamentação da matéria de facto constante do art. 374.º/2CPP, uma vez que o Acórdão para explicitar os elementos de prova que serviram para formar a convicção dos Juízes que integraram o coletivo, o faz com base na conjugação com a experiência comum à luz da vasta produção de prova direta e indireta em sede de audiência, reportando os depoimentos prestados de forma objetiva, espontânea, lógica, com riqueza de pormenores, mais focando a conjugação de tal com o exame laboratorial e a prova documental juntos aos autos - analisados em audiência -, tudo assim a lhe permitir concluir que à luz das regras da experiência conjugada com a restante prova produzida, que o produto estupefaciente reportava ao exercício conjugado, ainda que com uma função diferente, dos Arguidos, o que caracteriza este tipo de atividade ilícita. Tais conclusões do Tribunal a quo relativas à matéria de facto estão em consonância com a prova produzida e a sua convicção está devidamente fundamentada, com enquadramento legal nos art.s 127.º, 163.º e 169.º CPP. De acordo com as regras da experiência comum, da normalidade das coisas e da lógica do homem médio, como demonstra e aprecia criticamente a motivação, é razoável e acertado o entendimento do Tribunal a quo quanto à valoração da prova e à fixação da matéria de facto. As provas existem para a decisão tomada e não se vislumbra qualquer violação ou contrariedade às normas de direito probatório, nada se revela errado, no que se incluem as regras da experiência e/ou da lógica que ensinam que está fora de qualquer dúvida razoável concluir que a III e o AA, conjuntamente com a HHH – em certa área dos factos -, bem como com as MMM e EE, noutra complementar área daqueles factos, foram coautores dos factos pelos quais se mostravam acusados, que se deram como provados e que integram o crime de tráfico de estupefacientes, cumprindo perceber, então, em que modalidade. Do que infra se cuidará. Em concreto e quanto à III, mostra-se linear da prova documental resultante, em especial da transcrição de mensagens trocadas entre a ... e a LLL a sua intervenção ao nível de guarda e entrega das malas que reportam a assumido transporte de estupefaciente. No mais e quanto à grande preocupação manifestada pela III, que o é quanto ao veículo automóvel, é cristalina a prova no sentido de aquisição do veículo pelo AA, com viagem confessada sua para aquisição no estrangeiro, em atividade à qual se diz dedicar, tendo sido o veículo segurado por si, por si utilizado, por si registado e por si apodado como “o meu carro” quando já estava no nome da III. Não se descure que só no ínterim entre ... e ..., em que andava fugido, se lembrou o AA de registar o veículo em nome da III. Nenhuma prova existe a dizer que o valor despendido para a aquisição do veículo automóvel proveio da III, sendo que nas regras da experiência comum não é aceitável que a mesma, face aos montantes que diz auferir na atividade de limpezas, possua aforro nesse sentido. Sem prejuízo de que em sede de audiência se apresentou como capaz economicamente, mas agora – sem valor como supra já se expôs, uma vez que os documentos não podem ser valorados – se quer apresentar e alegar como carecida económica e financeiramente. Contradições que são próprias. Acresce que sentido algum faz que quem não conduz, não tem carta para tanto, nem posses para tal, compre o veículo em causa. Mas já o faz quando se trata do AA que se afirma com posses para até ir para ... montar um novo negócio e ter deixado, para o serviço da atividade, o veículo no continente. A tudo acresce o teor documental que comprova o conteúdo das conversas da III com a HHH, bem como as conversas entre a HHH e o AA, todas quando já este se mostra privado da liberdade, e na fase em que o veículo se mostrava escondido, em que a III afirma que enquanto o veículo estiver no seu nome é a mesma quem manda, mas nunca diz que manda porque o veículo é seu. Não se descura, por fim, que o AA nessa conversa com a HHH, em momento em que esta já referira que a III dizia que o veículo estava em seu nome, ter referido “o meu carro”. Finalmente, para levantar final de dúvidas, cumpre referir que a afirmação registal é meramente declarativa, não constitutiva. No que tange ao AA, com relação ao grupo inicial de impugnação, decorre da linearidade do meios de prova expressados pelo Tribunal a quo – nos moldes já supra expressos em termos de fundamentação e exame crítico – que era o mesmo exclusivamente quem recebia e a quem eram entregues as malas contendo estupefaciente, e não a terceiro que sequer era contactado por quem quer que fosse e aparece como que em moldes duma referenciação que visa externalização de culpas, sendo que face aos montantes inerentes aos custos suportados, às pretensão inerentes e próprias da legis artis do negócio e à caraterísticas específicas que consubstanciam o território como o é a ilha de ... - que infra em sede de apreciação de qualificação jurídica de forma mais concretizada se expõe a razão, a qual por economia aqui se tem como reproduzida -, necessariamente que se está face a uma intenção lucrativa que as regras da experiência, em especial as colhidas pela via de prova indireta e que se mostram justificadas, conduzem a tal conclusão. É isto o quanto resulta da expressão do Tribunal a quo, o qual a fundamenta em moldes que em nada atentam com as regras de avaliação da prova. Relativamente ao segundo bloco de factos tão só se dirá que é o AA quem refere que duas das três malas que a LLL transportou tinham 23 e 28 kg de estupefaciente. Assim o é porque o que o Tribunal diz é que as mesma pesavam 23 e 28 kg que transportavam estupefaciente, nunca dizendo que era esse o concreto peso do estupefaciente. Pelo que nada mais se pode acrescentar sobre o tema, destituído que está o mesmo de realidade, a não ser nas palavras do AA, o qual lá saberá a razão da sua afirmação. Por último, com relação às questões de propriedade - que infra em sede de apreciação de qualificação jurídica de forma mais concretizada se expõe a razão, a qual por economia aqui se tem como reproduzida – somente se dirá que o AA se serve somente de especulações, hipóteses, quadros hipotéticos, conjeturas, pensamentos, suposições e suspeitas. O que, obviamente, mais não são do que a sua versão pessoal e que lhe é legítima em termos de defesa. Porém, o Tribunal a quo não só não tinha que firmar a sua convicção com base nessas virtuais realidades alternativas, como não o fez, uma vez que de forma expressa e clarividente expõe a sua razão de convicção, firmando o seu fio de raciocínio com base nas provas que, uma vez produzidas em audiência de julgamento e na consideração do objeto dos autos, livremente e em cumprimento das regras inerentes, apreciou. Concluindo, todas as expressas – também pelo modo - discordâncias da III e do AA mais não são do que a inadmissível “inversão da posição dos personagens do processo, como seja a de substituir a convicção de quem tem de julgar, pela convicção dos que esperam a decisão.” (Acórdão do Tribunal Constitucional, 198/2004, rel. Juiz Conselheiro Moura Ramos, 24março2004, acessível in www.tribunalconstitucional.pt) Nada leva, consequentemente, a concluir no sentido da necessidade de uso do princípio in dubio pro reo, uma vez que, como expressivamente afirma o Juiz Conselheiro Souto Moura (Acórdão do Supremo Tribunal de Justiça, 14abril2011, 117/08.3PEFUN.L1.S1, acessível in www.dgsi.pt/jstj)“a dúvida é a dúvida que o Tribunal teve, não a dúvida que o recorrente acha que, se o Tribunal não teve, deveria ter tido.” Inexiste, pois, fundamento para nesta parte alterar o bem decidido pela 1.ª instância, pelo que improcedem também in totum os recursos. 6.ª questão: - Recurso interposto pela BB - Recurso interposto pelo AA - Da qualificação jurídica dos factos Entende a III que a sua atuação – que tem como desprovida de dolo, questão esta que se mostra prejudicada face à não alteração de factos provados – não pode integrar mais do que um tráfico de menor importância e significância, a enquadrar no art. 25.º-DL15/93-22janeiro. Por seu turno entende o AA que a sua atuação não pode integrar mais do que um tráfico de menor importância e significância, a enquadrar no art. 21.º-DL15/93-22janeiro, uma vez que as alíneas c) e j) do art. 24.º não se mostram preenchidas. Onde enquadrar tal conduta típica, eis a questão a solucionar. O Tribunal a quo, enquadrando a ação encetada pela III e AA no âmbito do “detenção” e “transporte”, com vista à obtenção de contrapartida monetária elevada, por quem não possuía autorização para detenção e transporte da substância em causa, conhecedores da sua natureza estupefaciente e cientes do caráter penal da conduta voluntariamente encetada, firmou estar-se perante situação de crime de estupefacientes agravado, p.p. pelo art. 21.º e 24.º, als. c) DL15/93-22janeiro. Entendeu, ainda, que se estava perante quadro de factos, já constantes da acusação, a chamar à colação a alínea j), por consideração de bando. Analisando. Como bem se refere em Acórdão do Supremo Tribunal de Justiça (rel. Juiz Conselheiro Simas Santos, 18outubro2001, processo 1188/01, acessível in ou em www.pgdlisboa.pt) ”Quando o legislador prevê um tipo simples, acompanhado de um tipo privilegiado e um tipo agravado, é no crime simples ou no crime-tipo que desenha a conduta proibida enquanto elemento do tipo e prevê o quadro abstracto de punição dessa mesma conduta II - Depois, nos tipo privilegiado e qualificado, vem definir os elementos atenuativos ou agravativos que modificam o tipo base conduzindo a outros quadros punitivos. III - E só a verificação afirmativa, positiva desses elementos atenuativo ou agravativo é que permite o abandono do tipo simples.” Diz-nos o art. 21.º-DL15/93-22janeiro, sob a epígrafe tráfico e outras atividades ilícitas que “Quem, sem para tal se encontrar autorizado, cultivar, produzir, fabricar, extrair, preparar, oferecer, puser à venda, vender, distribuir, comprar, ceder ou por qualquer título receber, proporcionar a outrem, transportar, importar, exportar, fizer transitar ou ilicitamente detiver, fora dos casos previstos no artigo 40º, plantas, substâncias ou preparações compreendidas nas tabelas I a III é punido com pena de prisão de 4 a 12 anos.” Indubitável é que a conjunta conduta da III e do AA cai no matricial art. 21.º - o que o AA aceita -, na modalidade de detenção sem autorização, logo ilícita para os termos da norma, com vista a transporte de substância estupefaciente, crime este que é de perigo abstrato, ou seja, em que a simples detenção do produto, independentemente das motivações do agente para o crime se consumar, é punida em nome da relação finalística com o produto, encarado como de grande danosidade pessoal e social. Com efeito, a canábis mostra-se prevista no âmbito da Tabela Anexa I-C e a III e o AA conjuntamente detinham e visavam o transporte de tal substância, agindo dolosamente. Igualmente o Arguido AA detinha produto estupefaciente a conter nas Tabelas Anexas II-A e I-C. Porque somente a III pretende descer dois patamares – do crime agravado até ao de menor gravidade - importa então perceber se a sua conduta pode ser subsumida no art. 25.º, norma que prevê uma moldura penal mais favorável caso se entenda que a ilicitude do facto se mostra consideravelmente diminuída. A assim ser, necessariamente que operará extensão de benefício face à co-autoria. Esta norma dispõe, sob a epigrafe tráfico de menor gravidade que: “Se, nos casos dos artigos 21.º e 22.º, a ilicitude do facto se mostrar consideravelmente diminuída, tendo em conta nomeadamente os meios utilizados, a modalidade ou as circunstâncias da acção, a qualidade ou a quantidade das plantas, substâncias ou preparações, a pena é de: a) Prisão de um a cinco anos, se se tratar de plantas, substâncias ou preparações compreendidas nas tabelas I a III, V e VI;” Porque se mantém plenamente atual, há que reter ab initio a explicitação referida em Acórdão do Supremo Tribunal de Justiça (rel. Juiz Conselheiro Santos Carvalho, 23novembro2011, NUIPC 127/09.3PEFUN.S1, acessível in www.dgsi.pt/jstj) na qual se colhe que “o legislador não se contentou com uma simples diminuição da ilicitude para enquadrar o crime de tráfico de menor gravidade, pois obrigou a que fosse “consideravelmente diminuída”. Do mesmo modo, não aceitou que o tráfico que é realizado pelo agente com a finalidade de obter droga para o seu consumo seja sempre integrado no crime privilegiado do traficante-consumidor, pois que essa finalidade tem de ser “exclusiva”. Em ambos os casos, o legislador deu um sinal claro ao intérprete de que os crimes privilegiados são a excepção e nunca a regra. (…) importa não transformar o crime de tráfico de menor gravidade do art.º 25.º numa raridade jurisprudencial, faremos uma tentativa de exemplificação teórica da situação factual que configura o tipo de crime de tráfico de menor gravidade, cujo objectivo final é o de guiar a jurisprudência para alguma objectividade de critérios e para que, em casos semelhantes, as consequências jurídicas venham a ser as mesmas. (…)a avaliação de uma actividade, seja ela qual for, obriga a uma definição prévia de critérios (ou de exemplos-padrão) e, portanto, dir-se-á que o agente do crime de tráfico de menor gravidade do art.º 25.º do DL 15/93, de 22 de Janeiro, deverá estar nas circunstâncias seguidamente enunciadas, tendencialmente cumulativas: a) A actividade de tráfico é exercida por contacto directo do agente com quem consome (venda, cedência, etc.), isto é, sem recurso a intermediários ou a indivíduos contratados, e com os meios normais que as pessoas usam para se relacionarem (contacto pessoal, telefónico, internet); b) Há que atentar nas quantidades que esse vendedor transmitia individualmente a cada um dos consumidores, se são adequadas ao consumo individual dos mesmos, sem adicionar todas as substâncias vendidas em determinado período, e verificar ainda se a quantidade que ele detinha num determinado momento é compatível com a sua pequena venda num período de tempo razoavelmente curto; c) O período de duração da actividade pode prolongar-se até a um período de tempo tal que não se possa considerar o agente como “abastecedor”, a quem os consumidores recorriam sistematicamente em certa área há mais de um ano, salvo tratando-se de indivíduo que utiliza os proventos assim obtidos, essencialmente, para satisfazer o seu próprio consumo, caso em que aquele período poderá ser mais dilatado; d) As operações de cultivo ou de corte e embalagem do produto são pouco sofisticadas. e) Os meios de transporte empregues na dita actividade são os que o agente usa na vida diária para outros fins lícitos; f) Os proventos obtidos são os necessários para a subsistência própria ou dos familiares dependentes, com um nível de vida necessariamente modesto e semelhante ao das outras pessoas do meio onde vivem, ou então os necessários para serem utilizados, essencialmente, no consumo próprio de produtos estupefacientes; g) A actividade em causa deve ser exercida em área geográfica restrita; h) Ainda que se verifiquem as circunstâncias mencionadas anteriormente, não podem ocorrer qualquer das outras mencionadas no art.º 24.º do DL 15/93.” Em recensão, no crime de tráfico de estupefacientes, para se concluir no sentido de que a ilicitude do facto, para efeito de integração da conduta no tráfico de menor gravidade, está consideravelmente diminuída, é necessário avaliar globalmente a conduta do agente e olhar a imagem do Arguido que resulta da ponderação do conjunto de factos que são dados como provados. Perante esta enunciação e atendendo aos factos provados, resta dizer que de maneira alguma a detenção e transporte plural – no caso situado nas 5 remessas provadas – de estupefaciente, na espécie e quantidade em causa, entre o continente e ..., com recurso a “correio” se integre na conduta privilegiada do art. 25.ºa) pode ser enquadrada. De facto, a diminuição da ilicitude exigida pela norma, haveria de ser encontrada e justificada, num quadro factual em que claramente se percebesse um comportamento arcaico, impreparado, básico mesmo, do agente que age perante os produtos estupefacientes, que sabe serem proibidos, sem grandes elaborações intelectuais de ocultação e sem que o seu procedimento ou a quantidade ou a qualidade dos mesmos, cause repercussão significativa no meio em que desenvolve essa sua atividade, no fundo e grosso modo, o chamado vendedor de rua, ocasional e quase despreocupado, quadro fáctico que não é possível recortar nestes autos. Improcede, consequentemente, a pretensão da III, no sentido da baixa de qualificativa para o campo do art. 25.º. Resta, ainda assim, perceber se se trata de situação a manter no campo das qualificativas de reporte ao art. 24.º, ou se antes só se está perante o tipo base do art. 21.º. Questão esta similar aos recursos da Arguida BB e do AA, ainda que mais lata na esfera do desta, uma vez que também chama à colação a validade da agravante da alínea j) do art. 24.º. Nos termos do art. 24.ºc) em apreço, as penas previstas nos art.s 21.º e 22.º são aumentadas de um quarto nos seus limites mínimo e máximo, entre outras circunstâncias qualificativas, se “O agente obteve ou procurava obter avultada compensação remuneratória”. Como já supra se aflorou, o tipo desenhado no art. 24.º, com o aditamento de circunstâncias atinentes à ilicitude que agravam a pena prevista para o crime fundamental, destina-se a prevenir os casos de excecional gravidade. É dizer, aqueles casos que se constituem como um plus relativamente ao tipo-base. É este o único entendimento compatível com a observância da proporcionalidade entre a gravidade do crime em situações que merecem tratamento específico e a gravidade singular das penas nele consequentemente previstas (cfr. Comentário das Leis Penais Extravagantes, vol. II, ..., p. 500), pois se é certo que tais circunstâncias revelam uma heterogeneidade de motivos que não permite a construção de uma teoria geral sobre o fundamento da agravação, com efeito o quanto aqui cumpre ter presente são as circunstâncias ideadas como um incremento da antijuridicidade típica a ser valorada, mas que se referem ainda ao perigo e à proteção recuada suposta pela natureza e função dos crimes de perigo no caso de certos destinatários da atividade; outras às qualidades do agente, ao seu estatuto funcional ou ao lugar da infração; outras ainda à maior eficácia da atividade; ou ainda relativas à consideração de efetivos resultados danosos, não já de maior potencialidade do perigo, mas de verificação real de consequências desvaliosas. E daí que cada fundamento de agravação tenha de ser valorado per se, desde logo na específica dimensão que lhe deva ser reconhecida ainda ao nível da própria tipicidade. (neste sentido, Acórdãos do Supremo Tribunal de Justiça, respetivamente rel. Juiz Conselheiro Henriques Gaspar, processo 03P2646, 1outubro2003 e rel. Juiz Conselheiro Gabriel Catarino, NUIPC 377/15.3GAILH.S1, 4novembro2020, acessíveis in www.dgsi.pt/jstj) Sobre a circunstância agravante ora em causa (alínea c) do art. 24.º), urge delimitar o conceito de avultada compensação remuneratória, ultrapassado o entendimento inicial de que o mesmo deveria ser integrado com recurso à noção de valor consideravelmente elevado constante do art. 202.ºCP, mostra-se hodiernamente pacífica a jurisprudência que entende que o conceito normativo é de preencher "através da ponderação global de diversos factores indiciários, de índole objectiva, nomeadamente da qualidade e quantidade dos estupefacientes traficados, do volume de vendas, da duração da actividade, do seu nível de organização e de logística, do grau de inserção do agente na rede clandestina, factores que, valorados globalmente, são susceptíveis de fornecerem uma imagem objectiva e aproximada da remuneração obtida ou tentada. (neste sentido o Acórdão do Supremo Tribunal de Justiça, rel. Juiz Conselheiro Vinício Ribeiro, NUIPC 5/16.0GAAMT.S1, 10outubro2018, acessível in www.dgsi.pt/jstj) Por isso mesmo, quando o legislador qualifica a compensação económica de avultada e a toma como circunstância agravante modificativa, fá-lo na mira duma projeção de especial saliência, avaliada por elementos objetivos que revertem, necessariamente, à intensidade - mais do que à duração - da atividade, conjugada com as quantidades de produto e montantes envolvidos, o que aponta para operações ou negócios de acrescido tráfico, longe, por regra, das configurações da escala de base típicas ou do médio tráfico de distribuição intermédia. Daí que sobre o Tribunal recaia o dever de, a partir dos factos verificar se a compensação económica obtida pelo agente, ou que ele pretendia obter, ultrapassa o mero negócio rentável, sendo certo que o legislador não pretendeu usar neste domínio conceitos como os de valor elevado ou consideravelmente elevado ou o de fazer do crime modo de vida. Enfim, para o preenchimento do conceito legal avultada compensação remuneratória, não é absolutamente necessário conhecer o valor mais ou menos exato do montante pecuniário de tal compensação, mas sim compreender a realidade inerente à circunstância. Como seus elementos concretizadores deverão considerar-se a quantidade e qualidade da droga e a relação entre ela e o agente - tudo em conexão com a notoriedade, com o conhecimento geral do valor da droga no mercado, especialmente na venda a consumidores, para além da diferença entre o preço da compra e o da venda, não descurando as especificidades e as peculiaridades da área em que a atuação de tráfico se situa. Em recensão. A avultada compensação remuneratória que se obteve ou se procurava obter pode não resultar diretamente da prova do efetivo lucro conseguido ou a conseguir, mas de certos factos provados - como a quantidade de estupefaciente envolvida e as quantias monetárias implicadas pela transação -, combinados com as regras da experiência comum, não dependendo de uma análise contabilística de lucros/encargos, irrealizável, pelas características clandestinas da atividade. (neste sentido o Acórdão do Supremo Tribunal de Justiça, rel. Juiz Conselheiro Pires da Graça, NUIPC 138/09.9JELSB.L1.S2, 17abril2013, acessível in www.dgsi.pt/jstj) Volvendo ao concreto dos autos, o Tribunal a quo, como supra já se descreveu, expôs os fatores que entende concorrerem para o preenchimento do conceito normativo de avultada compensação remuneratória – número de viagens, ilação de média de peso do produto estupefaciente transportado por comparação do peso das malas, quantidade de doses e valor económico de referência, elevada especificidade do local de destino, ilha e, como tal, por si fechada e a gerar inflação de exponente mais elevado em quadros de escassez. Ou seja, o Tribunal a quo assenta a verificação da agravante em causa à luz dum patamar muito superior ao correspondente às quantias que se auferem nos negócios correntes, representando aos olhos do cidadão de condição económica média uma expressão monetária de acrescida dimensão. E não descurou – como justificadamente explana – as idiossincrasias próprias da ilha de .... O valor de €104.000,00 num só transporte é em si mesmo um valor elevado. Mas não esse o conceito a reter. O que conta é saber se da situação de “184 placas de canabis-resina, vulgo haxixe, com o peso total de 17.868,352 gramas” – se colhe o auferir, pelo menos a expectativa de auferir, quantia a caber na avultada compensação. neste sentido cfr. o Acórdão do Supremo Tribunal de Justiça, rel. Juiz Conselheiro Arménio Sottomayor, NUIPC 631/03.7GDLLE.S1, 15abril2010, acessível in www.dgsi.pt/jstj) Ainda que no concreto dos autos não se saiba qual o valor de aquisição do produto estupefaciente, sabe-se que se visava uma pretensão de obtenção de lucro, na casa do valor dobrado de aquisição, sendo que está sempre em causa um custo de transporte que implica despesa a superar €2.000,00, pois a entrega ao correio era de €1.500,00, acrescendo montante a entregar ao intermediário – como quando o foi à ... – a que acrescem as viagens de ida e volta. Como tal, não se podendo duvidar que a venda de estupefaciente constitui um negócio ilícito o qual, em geral, proporciona uma elevada remuneração a quem a tal atividade se dedica, igualmente não se duvida que o que motiva o traficante a correr os riscos inerentes a uma atividade delituosa objeto de acentuada repressão é essa mesma remuneração. A qual não será in casu pelo dito mínimo de reporte aos gastos. No concreto já se está a falar de quase duas centenas de placas de haxixe num só transporte, não descurando que o peso inerente se afigura compatível com identidade aos antecedentes transportes cujas malas ascenderam a 23 e 28Kg. Mas também não se pode deixar de considerar que o estupefaciente em causa é, em si, o que por regra é tido como menos nocivo. Quadro este que, porém, o Tribunal a quo bem desmancha, quando reporta que este é o princípio dum quadro, quadro esse que é o da passagem para as drogas duras. Drogas duras essas que fustigam de sobremaneira a sociedade da ilha em causa. Drogas as quais quando escasseiam – e escasseiam em especial quando há apreensões – geram um acentuar de preços que é conducente a um incremento de lucros. Por seu turno, a temporalidade de atuação reporta a cerca de 8 meses, no decurso dos quais se contabilizam 5 atuações de correios. O que remete para uma facilidade de escoamento do produto – independentemente de o ser por via duma teia elevada de clientes finais, ou de atuação de patamar superior e em moldes já de distribuidor ascendente, assim a determinar a existência duma avidez do mercado para tal, com consequente e inerente provento em crescendo para quem à atividade de tráfico se dedica. Neste quadro, não desconsiderando o factor quantidade de produto estupefaciente apreendido, o concreto destino do mesmo – um mercado fustigado por um grave problema de toxicodependência, a qual começa precisamente e na maioria dos casos pelo produto apresentado nos autos -, a atividade proporcionaria, seguramente, um rendimento que não se poderá qualificar de insignificante nem desprezível, a atingir seguramente um valor compensatório significativo, como é aquele a que sempre corresponde 50% do valor final de mercado, mas a também aí se situar se a casa fosse de intermediário antecedente em que o subsequente obtivesse igual proporção lucrativa. De facto, subtraindo em qualquer circunstância o valor de custo - pois de acordo com as regras de experiência comum não terá operado aquisição gratuita -, afigura-se estarmos perante valores que já autorizam a conclusão de procura de obtenção de avultada compensação remuneratória. Improcede, assim, este segmento do recurso, mantendo-se o enquadramento jurídico dos factos provados e encetados pela IIIe pelo AA no crime de tráfico de estupefacientes agravado, p.p. pelo art. 21.º e 24.º, al. c) DL15/93-22janeiro. O que se consigna sem prejuízo do quanto se determinará infra à face do recurso interposto pelo AA, quanto à integração dos factos na alínea j) do art. 24.º. De facto, não fosse essa circunstância de necessidade de apreciação da questão, como integrante do objeto dos autos e a firmar o aproveitamento inerente ao art. 402.º/2a)CPP, sempre a mesma seria aqui apreciada, pois tal não significaria que este Tribunal Superior da mesma não pudesse conhecer uma vez que se trata de questão de direito relevante cujo conhecimento não está vedado, sem prejuízo, naturalmente, do respeito pelo princípio da reformatio in pejus. (neste sentido cfr. Simas Santos e Leal Henriques, in Recursos em Processo Penal, 6.ª Ed., 2007, p. 86., qualificando tal entendimento como “tributário da concepção dos poderes de cognição do Tribunal Superior em matéria de indagação e aplicação do Direito (v.g. da qualificação jurídica), poderes só limitados pela proibição da reformatio in pejus.”; Acórdão do Supremo Tribunal de Justiça, rel. Juiz Conselheiro Raul Borges, processo 07P4197, 2abril2008, acessível in www.dgsi.pt/stj, onde se pode ler que “Mesmo quando o recorrente não ponha operativamente em causa a incriminação definida pelas instâncias, não pode nem deve o STJ - enquanto tribunal de revista e órgão por excelência e natureza, mentor de direito - dispensar-se de reexaminar a correcção das subsunções.”, quadro este extensível aos Tribunais da Relação, como se aponta no Acórdão do Tribunal da Relação do Porto, rel. Juiz Desembargador José Piedade, processo 0841369, 10setembro2008, acessível in www.dgsi.pt/jtrp). Entendeu o Tribunal a quo – nos moldes já amplamente descritos nos autos – que os factos trazidos a juízo pela acusação igualmente integravam a alínea j) do art. 24.º. Sobre tal o AAse insurge, sendo que o Ministério Público em resposta nada mais disse que o citar o Tribunal a quo. Percebamos de que lado está a razão, adiantando que está do lado do AA. Relativamente ao preenchimento da alínea j) do art. 24.º - “o agente atuar como membro de bando destinado à prática reiterada dos crimes previstos nos artigos 21.º e 22.º, com a colaboração de, pelo menos, outro membro do bando ” jurisprudencial e doutrinalmente, vem-se entendendo que o preenchimento do conceito de bando assenta numa designação de cariz criminológico, que se situa, em razão da existência de um líder, entre algo menos do que a associação e algo diferente da co-autoria. Sói dizer-se, em consequência, que nesta figura se aglutinam aquelas situações em que uma pluralidade de agentes, através duma atuação voluntária e concertada, de colaboração mútua, mas ainda assim com uma incipiente estruturação de funções, que embora mais graves - e portanto mais censuráveis - do que a mera co-autoria ou comparticipação criminosa, não são ainda assim de considerar verdadeiras associações criminosas, por nelas inexistir uma organização perfeitamente caracterizada, com níveis e hierarquias de comando e com uma certa divisão e especialização de funções de cada um dos seus componentes ou aderentes. (sobre a evolução do conceito, delimitação do mesmo e comparação, cfr. o Acórdão do Supremo Tribunal de Justiça, rel. Juiz Conselheiro Pires da Graça, NUIPC 138/09.9JELSB.L1.S2, 17abril2013, acessível in www.dgsi.pt/jstj) A figura do bando – novidade que foi a mesma no nosso ordenamento jurídico pela via do DL15/93-22janeiro – mantém-se problemática máxime perante as dificuldades de a demarcar das figuras de participação plúrima pré-existentes, de que se distancia, com o meio caminho em que se situa com relação aos crimes associativos, assim como das figuras da mera comparticipação - propriamente dita - que ultrapassa. (neste sentido, cfr. a cítica de Faria e Costa, in Comentário Conimbricense ao Código Penal, Tomo 1, em comentário ao art. 204.º/2g)CP, p. 81, ao afirmar que a importação da noção de bando talvez não tenha sido filtrada convenientemente pela crítica da adequação ao real social nacional) Sendo indubitável que a atuação dos Arguidos CC, KKK e AA, sendo conjunta, se enquadra numa convergência comparticipativa com vista à realização de certo resultado, sempre a cair no âmbito mínimo da co-autoria, necessário é que se colham dos factos concretamente provados uma atuação que se enquadre não só numa repetição de factos criminosos – mais quando se sabe que o crime de tráfico de estupefacientes, como o caso dos autos, se desenvolve através duma atuação de trato sucessivo, em execução permanente, em que a incriminação se completa nos primeiros atos de execução, por isso exaurido – mas sim também com vista à prática reiterada de crimes – in casu de tráfico de estupefacientes - , em que cada agente não tem consciência e ou intenção de pertença a um ente coletivo com personalidade distinta da sua e objectivos próprios - o que afastará a associação criminosa típica - mas em que os diversos colaboradores, inseridos numa orgânica ainda incipiente, reconhecem, todavia, a existência de uma liderança de facto a que se subordinam. E, para tanto, não basta uma qualquer situação de atuação com “tarefas muito concretas, em grupo, com estas características numa cadeia de distribuição de produto estupefaciente”, pois que ainda que assim as mesma se possam já proximamente visualizar no concreto, necessário é que se vislumbre a tal situação de liderança. É que existindo diferentes tarefas – tais quais a guarda inicial, a ajuda à deslocação do correio, ou a receção – certo é que não se pode afirmar que essa atuação seja estanque por parte de cada um dos co-arguidos, podendo operar substituições. Do mesmo modo não se pode afirmar com perentoriedade que o planeamento, ou a adesão ao mesmo, sempre inerente a uma atuação conjunta seja já tal que se possa firmar no campo duma organização de grupo, muito menos a apodar de atividade com modos profissionais. Sendo certo que alguma organização existe – o que até se torna mais fácil de perceber, como de delinear pela circunstância de se tratar de arguidos entre si ligados por laços familiares ou relacionais – igualmente é certo que não se pode afirmar que em qualquer um destes arguidos se denote um sentimento de pertença a um grupo concreto em que um deles assuma um exclusivo papel de liderança, o qual sempre nos remeteria – ainda que no lugar paralelo da associação criminosa, mas como modo delimitador negativo - para o “chefiar ou dirigir tem o sentido de comandar, governar, administrar, guiar, mandar. Promover é fomentar, impulsionar, fazer avançar. Fundar significa constituir, formar.” (cfr. Leal-Henriques e Simas Santos, in Código Penal Anotado, p. 1357) Como tal, procede, nesta parte, o recurso interposto pelo AA, o quanto aproveita às demais coautoras BB e CC. 7.ª questão: - Recurso interposto pela BB - Recurso interposto pelo AA - Da escolha e determinação concreta da pena Firmou o Acórdão do Tribunal a quo uma pena de 6 (seis) anos e 2 (meses) meses de prisão a aplicar à III. Firmou o Acórdão do Tribunal a quo uma pena de 8 (oito) anos e 6 (seis) meses de prisão a aplicar ao AA. Globalmente sustentou-se na argumentação de que o limite abstrato da pena se estendia entre 5 (cinco) anos e 15 (quinze) anos sendo que, após avaliar as necessidades de prevenção geral como significativas no âmbito dos crimes de tráfico de estupefacientes, expor que in casu as necessidade de prevenção especial não são de descurar, uma vez que ainda que destituída de antecedentes criminais a III não revela censura, mas sim alheamento ponderou: a culpa, atuada na forma de dolo direto e intenso; a ilicitude elevada, à face da natureza, quantidade e qualidade do produto estupefaciente detido e transacionado; a posição atitudinal de bloqueio à ação da Justiça; a ausência de antecedentes criminais; a relação com a inserção familiar e social e desta com a razão dos factos; a ausência de atitude contrita e a ausência de relacionamento com dependência. Entende a III que tal volume concreto de pena é excessiva, sendo pessoa humilde, analfabeta, contando 49 anos, sem antecedentes criminais, pelo que ponderando a globalidade dos factos e a personalidade que a mesma evidencia a pena a aplicar deveria ser até um máximo de 5 (cinco) anos, sendo suspensa na execução. Quanto ao AA, delimitado pelo limite abstrato duma pena que se estendia entre 5 (cinco) anos e 15 (quinze) anos, após avaliar as necessidades de prevenção geral como significativas no âmbito dos crimes de tráfico de estupefacientes, expor que in casu as necessidade de prevenção especial não são de descurar, uma vez que ainda que destituído de antecedentes criminais o AA atuou logo inicialmente em forte obstrução à Justiça, não revela censura, antes atitude de indiferença e irrelevância, ponderou: a culpa, atuada na forma de dolo direito e intenso; a ilicitude elevada, à face da natureza, quantidade e qualidade do produto estupefaciente detido e transacionado; a posição de admissão de factos, sem contributo para a descoberta da verdade material; a ausência de antecedentes criminais; a relação com a inserção familiar e social e desta com a razão dos factos; a ausência de atitude contrita e a ausência de relacionamento com dependência. Entende o AA (desde a p. 87 à p. 101 da sua motivação – com tentativa de condensação nas conclusões 96.ª a 104.ª) que tal volume concreto de pena é excessiva, desde logo porque os factos não revelam uma tendência da personalidade, muito menos um sentido de vida, sendo mero desvio acidental de pessoa sem antecedentes criminais e sem histórico de comportamento desviante, é pessoa com passado de trabalho, desde a proximidade do final de adolescência, com integração e vínculo familiar; possui bom comportamento prisional, assim pugnando deveria ser até um máximo de 5 (cinco) anos, sendo suspensa na execução. Apreciando. Entrando agora na questão de fixação da pena e considerando que a mesma se faz segundo o art. 71.ºCP, em função da culpa do agente e das exigências de prevenção (n.º 1) e atendendo-se (n.º 2) a todas as circunstâncias que, não fazendo parte do tipo de crime, depuserem a favor ou contra o agente, urge perceber se a decisão sob recurso tal percurso efetuou, em que moldes o fez e se, a final, fixou adequada e justa individual pena de prisão face ao crime perpetrado pela III. Numa simples nota inicial, quanto à questão em apreço e porque basilar para o consistente da posição assumida por este Tribunal Superior nesta matéria da fixação da medida concreta das penas, relembra-se que “[o] recurso dirigido à medida da pena visa o controlo da (des)proporcionalidade da sua fixação ou a correção dos critérios de determinação, atentos os parâmetros da culpa e as circunstâncias do caso, e não a concretização do quantum exato da pena aplicada.” (Acórdão do Tribunal da Relação do Porto, rel. Juiz Desembargador Joaquim Gomes, 2novembro2013, NUIPC 180/11.0GAVLP.P1, acessível in www.dgsi.pt/jtrp) É já longa a jurisprudência do Supremo Tribunal de Justiça no sentido de entender que a intervenção dos Tribunais de 2.ª instância ao nível da apreciação das penas fixadas pela 1.ª instância deve ser parcimoniosa, sendo disso exemplo muito recente o dito pelo Juiz Conselheiro Jorge Raposo (Acórdão do Supremo Tribunal de Justiça, 5fevereiro2025, NUIPC 2/23.9PTCHV.G1.S1, acessível in www.dgsi.pt/jstj) onde se colhe que “[o] recurso mantém o arquétipo de remédio jurídico também em matéria de pena e a sindicabilidade da medida concreta da pena em recurso abrange a determinação da pena que desrespeite os princípios gerais respectivos, as operações de determinação impostas por lei, a indicação e consideração dos factores de medida da pena, mas não abrangerá a determinação, dentro daqueles parâmetros, do quantum exacto de pena, excepto se tiverem sido violadas regras da experiência ou se a quantificação se revelar de todo desproporcionada reconhecendo-se, assim, uma margem de actuação do juiz dificilmente sindicável se não mesmo impossível de sindicar .” Atendeu o Tribunal a quo às sobreditas circunstâncias concretamente aplicáveis, que valorou corretamente enquanto agravantes ou atenuantes? Uma linha inicial cumpre esclarecer: a de que a concreta medida da pena se determina a partir do que resulta dos factos provados (e do que deles se pode deduzir) e não a partir de considerações feitas pela III ou pelo AA que não se extraem ou que não encontrem apoio nesses mesmos factos dados como provados ou, no que ora se cuida, em qualquer ponderação que seja em seu desfavor. Referimo-nos, em concreto, a uma reiterada preocupação do AA, manifestada no seu recurso, de acordo com o qual uma das fontes da sua oposição ao julgado se acolhia na agravação da concreta dosimetria da pena pela via de uma acrescida qualificativa. Ora, desde já se diga, que tal circunstância agravativa, como supra se determinou, não se verifica e, como tal, não poderia ser de considerar. Mas mais. Como se colhe do modo em que se mostra exposto o raciocínio do Tribunal a quo nunca tal agravante foi per se considerada a qualquer nível, o que se compreende por o Tribunal a quo não a ter como um vero acréscimo, mas sim como uma constatação do seu entendimento de que já dos factos objeto dos autos a mesma se retirava. Perante os factos apurados e o que deles se pode deduzir, como veremos, no essencial, estamos de acordo com as considerações feitas pelo Tribunal a quo, quanto à determinação das medidas das penas individuais que foram impostas quer à III quer ao AA, acima já transcritas, considerando a moldura abstrata (pena de prisão de 5 anos a 15 anos) do crime de tráfico de estupefacientes agravado pelos mesmos cometido em co-autoria. O alegado pela III que extravasa o que se extrai dos factos dados como provados não pode ser atendido. Nenhuma censura objetiva a tal apreciação pode ser feita à luz da justeza na mesma expressa ao nível das considerações de prevenção, geral e especial, culpa dolosa da III, consciente ilicitude de reporte aos factos encetados e considerações, positivas e negativas, da esfera pessoal da mesma. Como tal, ao contrário do que alega a III, não se vê que haja qualquer exagero na ponderação feita ao nível da fixação duma pena concreta que, ainda assim, perante os factos encetados é fixada no imediato limiar do mínimo, tão só 1 (um) ano e 2 (dois) meses desse limite e a 8 (oito) anos e 10 (dez) meses do limite máximo, como tal bem abaixo do primeiro sexto de dosimetria. O mesmo vale para o AA, quer no quanto a sua alegação extravasa o quanto se extrai dos factos dados como provados, como tal a não atender, quer no que o mesmo – numa visão, que só se aceita por o ser em termos de defesa, de valorização do positivo e de descurar do negativo - subjetivamente critica a decisão do Tribunal a quo. Para tanto, não se descure que a pena concreta aplicada, ainda assim, perante os factos encetados é fixada no subsequente limiar do mínimo, 3 (três) anos e 6 (seis) meses além desse limite e a 6 (seis) anos e 6 (seis) meses do limite máximo, como tal situada no primeiro terço dessa dosimetria. Assim, tudo ponderado, considerando o efeito previsível da pena sobre o comportamento futuro, quer da III quer do AA, olhando aos factos apurados e tendo presente o limite máximo consentido pelo grau de culpa, bem como os princípios político-criminais da necessidade e da proporcionalidade, ponderando a individualidade das condutas, julga-se, para a III, adequada e ajustada a fixada individual pena de 6 (seis) anos e 2 (meses) meses de prisão e para o AA, adequada e ajustada a fixada individual pena de 8 (oito) anos e 6 (seis) meses, que lhes foram impostas em 1.ª instância e agora se mantêm, uma vez que as mesmas favorecem a sua reinserção social, como intenção reportada no art. 42.º/1CP e 2.ºCEP. Mantidas as individuais penas de 6 (seis) anos e 2 (meses) meses de prisão e 8 (oito) anos e 6 (seis) meses de prisão, considerando o limite de pena a que se reporta o art. 50.ºCP, necessariamente que esta questão fica prejudicada, o que se consigna. Improcede, pois, totalmente a individual argumentação da Arguida BB e do Arguido AA, não tendo sido violados os princípios e normas por si chamados à colação. III – DECISÃO Nestes termos, acordam, em conferência, os Juízes que integram a 5.ª Secção deste Tribunal da Relação de ...: a. em rejeitar, in totum, o recurso interposto pela CC; b. em rejeitar, no que tange a recurso e matéria de facto, o recurso interposto pela BB; c. em rejeitar, no que tange a recurso e matéria de facto, o recurso interposto peloAA; d. no mais, em negar provimento aos recursos individualmente interpostos pela BB e pelo AA, consequentemente, confirmar na íntegra a decisão do Tribunal a quo; e. porque decaíram integralmente nas suas pretensões, e sem prejuízo de isenções subjetivas ou dispensa, há lugar ao pagamento de custas criminais a cargo dos Arguidos recorrentes CC, BB e AA, fixando-se individualmente a taxa de justiça em 4 (quatro) unidades de conta (UC), o que a coloca na mediania, uma vez que os recursos interpostos não são mínimos, do mesmo modo que não são de assaz complexidade, nos termos dos art.s 513.º/1;514.º/1;524.ºCPP, e Tabela III anexa de reporte aos art.s 1.º;2.º;3.º/1;8.º/9, acrescidas dos encargos previstos no art. 16.º, ambos RCP (DL34/2008-26fevereiro e alterações subsequentes). A rejeição integral do recurso implica a condenação individual da recorrente CC no pagamento de uma importância entre 3 (três) UC e 10 (dez) UC (que não são meras custas judiciais, tendo natureza sancionatória), por força do disposto no art. 420.º/3CPP. Esta fixa-se abaixo da mediania, ainda que seja patente a global situação de manifesta improcedência, como tal, em 5 (cinco) UC. Notifique (art. 425.º/6CPP). D.N. Lisboa, 22-04-2025 • consigna-se que desde 28outubro2024, face à necessidade de elaboração de Acórdãos nos NUIPC 99/17.0JBLSB.L1, NUIPC 184/12.5TELSB.L1, processos esses de elevada complexidade, com natureza igualmente urgente e com prazos relativos a medidas de coação a extinguirem-se, respetivamente a 4janeiro2024 e 14abril2025, o Relator se encontra em regime de exclusividade – cfr. despachos n.º 143/2024, 158/2024, 2/2025, 19/2025, 33/2025, situação esta mantida pelo despacho 47/2025, todos da Presidência do Tribunal da Relação de ..., acessíveis in https://servicos.tribunais.org.pt/servicos/distribuicao-de-processos/condicionamentos, agora com vista a elaboração de Acórdão no presente NUIPC - prazos relativos a medidas de coação a extinguirem-se, bem como no NUIPC 2949/15.7TDLSB.L1 - processos este de elevada complexidade. • o presente acórdão foi elaborado pelo relator e integralmente revisto pelos seus signatários; com datação eletrónica – art. 153.º/1CPC – e com aposição de assinatura eletrónica - art. 94.º/2CPP e Portaria 593/2007-14maio Manuel José Ramos da Fonseca Alda Tomé Casimiro Sandra Oliveira Pinto |