Acórdão do Tribunal da Relação de Lisboa | |||
Processo: |
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Relator: | RUI VOUGA | ||
Descritores: | DIREITO AO ARRENDAMENTO USUCAPIÃO | ||
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Nº do Documento: | RL | ||
Data do Acordão: | 01/21/2014 | ||
Votação: | UNANIMIDADE | ||
Texto Parcial: | S | ||
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Meio Processual: | APELAÇÃO | ||
Decisão: | PROCEDENTE | ||
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Sumário: | I. Segundo o entendimento perfilhado pelo tribunal “a quo” na sentença recorrida -, conquanto se não tivesse feito prova directa de que o “locado” abrange o referido barracão, nem que deixe de abranger o mesmo barracão, como ainda assim não deixou de se provar que a Ré passou a utilizar o barracão desde a data do início de vigência do aludido arrendamento sem oposição de ninguém, ou seja, que o faz desde 1959, que por volta de 1980 aí instalou uma cozinha e, para tanto, fez obras que todos os AA. presenciaram, só tendo contra elas reagido, pela primeira vez, em 2003, “as regras da experiência comum determinam que a única explicação possível para uma ocupação de um espaço ao qual só se acede pelo locado, sem oposição de ninguém durante décadas, e depois de instalada uma cozinha durante 13 anos, reside no facto de esse mesmo espaço ter sido arrendado juntamente com o resto do locado”. II. A decisão absolutória proferida constitui, portanto, o corolário lógico da fundamentação fáctico-jurídica aduzida, independentemente do acerto ou desacerto desta. III. A esta luz, ainda que o tribunal “a quo” não pudesse, à luz da matéria factual apurada, concluir pela inclusão do “barracão” ulteriormente convertido em “cozinha” no objecto do arrendamento que vigora entre as partes desde 1959, estar-se-ia apenas perante um erro de julgamento e não perante uma hipótese de oposição entre os fundamentos e a decisão passível de gerar nulidade da sentença. IV. Permanecendo improvada a tese da extensão do objecto do arrendamento da fracção correspondente ao rés-do-chão-esquerdo do imóvel ao mencionado barracão sito nas traseiras desse rés-do-chão, ulteriormente convertido pela Ré) em cozinha, a Ré não logra obstar à condenação na entrega do correspondente espaço físico aos Autores/Apelantes (art. 1311º-2 do Cód. Civil). V. A mera circunstância de os Autores/Apelantes (e os seus antecessores jurídicos) não se terem oposto, durante décadas, à utilização feita pela Ré do aludido barracão, bem como à ulterior transformação deste em cozinha, não paralisa, em nome do instituto do abuso de direito, o exercício do direito dos Autores de pedir o reconhecimento do seu direito de propriedade sobre o espaço físico em questão e a consequente condenação da Ré a restituir-lho, já que – como se sabe – a acção de reivindicação não prescreve pelo decurso do tempo (art. 1313º do Cód. Civil). VI. Só assim não seria se o direito do arrendatário se revestisse de natureza real, caso em que se poderia, eventualmente, hipotizar a constituição, por usucapião, dum arrendamento do espaço físico correspondente ao aludido barracão, constituído a favor da ora Ré. VII. Simplesmente, o arrendamento não possui, entre nós, a natureza de direito real (tese abraçada, na doutrina nacional, por um único Autor – ANTÓNIO MENEZES CORDEIRO – e que é vivamente repudiada por todos os demais civilistas, especialmente pelos mestres coimbrões – ANTUNES VARELA, PIRES DE LIMA e HENRIQUE MESQUITA – que tiveram especial protagonismo no processo legislativo que culminou no actual Livro III do Código Civil de 1966, diploma nesta parte quase integralmente ainda em vigor na sua versão originária) e, como tal, é insusceptível de ser adquirido por usucapião. | ||
Decisão Texto Parcial: | Acordam na Secção Cível da Relação de Lisboa: Em 1/7/2005, MC (viúva), PA (divorciado), JA (solteiro), AA (solteiro), JR (viúvo), MR (divorciada), FA (viúvo), MP e marido JP, MP e marido VP, CA e mulher MA, MG e marido VG, DR e mulher LR, AC e mulher MC, FM e marido MM intentaram (no então Tribunal da Comarca de S...) acção declarativa de condenação com processo comum na forma ordinária contra a sociedade comercial “RS, LDA.”, pedindo a condenação da Ré: - a reconhecer que os Autores são donos e legítimos proprietários do espaço ocupado pelo barracão e onde a R. indevidamente construiu a cozinha; - a repor o espaço como se encontrava quando o ocupou; - a restituir aos Autores o espaço em causa, livre e desocupado de pessoas e bens; - a remover o toldo da fachada principal, por exceder o espaço arrendado; - a remover o reclame luminoso situado junto do primeiro andar; - a indemnizar os Autores, caso lhes seja indeferido o pedido de subsídio camarário para obras no prédio, devido às obras efectuadas pela Ré, no valor que deixarem de receber e cuja quantificação se relega para execução de sentença se não for quantificável. Para tanto, alegaram, em síntese, que: - São donos e proprietários da fracção autónoma designada pela letra “B” do prédio sito na Av. ..., nº ..., ..., em S..., descrita na Conservatória do Registo Predial de S... sob o nº ... e inscrita na respectiva matriz predial sob o artigo ..., da freguesia de S...; - Por escritura pública outorgada em .../2/1959, o anterior proprietário e antecessor dos ora Autores, GC, deu de arrendamento à sociedade “RS, LDA” (anterior denominação da sociedade ora Ré), para o exercício da restauração, a fracção em causa, composta de uma divisão grande (onde se situava a cozinha e a sala de refeições) e um páteo; - Na traseira da referida fracção, foram construídos dois barracões, que serviam para arrecadação de cereais, pipas de vinho e vasilhame; - Um desses barracões passou a ser utilizado pela Ré, por mera tolerância dos Autores, para aí guardarem pipas de vinho, vasilhames e cereais; - Em 2000, a Ré, abusivamente e sem qualquer título que a legitimasse para a prática de tais actos, transformou o dito barracão em cozinha, apesar de tal espaço não estar incluído no objecto do contrato de arrendamento, tendo para o efeito deitado uma parede abaixo, ligando o páteo ao barracão; - Essa cozinha construída pela Ré no aludido barracão ocupa o terreno pertencente aos ora Autores; - Ademais, essa obra feita pela Ré, por ser clandestina e ilegal, impede os Autores de auferir subsídios camarários para a realização de obras no imóvel; - A Ré colocou ainda um toldo publicitário na fachada principal do imóvel, que excede as medidas do espaço arrendado e da porta da entrada do restaurante e retira visibilidade e claridade à fracção contígua (...), ocupando ilegitimamente esta fracção, também pertencente aos Autores; - Finalmente, a Ré colocou um reclame luminoso na frontaria do prédio, junto do 1º andar, sem para tanto estar autorizada pelos Autores. A Ré contestou, por excepção e por impugnação. Defendendo-se por excepção, invocou que o objecto do contrato de arrendamento celebrado em 1959 (entre o anterior proprietário do imóvel e a ora Ré) abrange toda a área do imóvel que a Ré ocupa e sempre ocupou, nomeadamente a área reivindicada pelos Autores, com única entrada pelo nº ... da Av. ..., não havendo qualquer outro acesso para a área reivindicada. Defendendo-se por impugnação, a Ré alegou que: - imediatamente após o início de vigência do arrendamento e ainda em 1959, a Ré, a fim de adaptar a casa (que antes servia de armazém para arrecadação de cereais) ao ramo da restauração, realizou nela as seguintes obras: a) construção duma abertura rectangular de acesso ao páteo, aproveitando a porta existente, que era estreita e que retirou, facilitando a comunicação; b) cobertura do páteo com telha, a fim de evitar humidades e infiltrações de água das chuvas e a incomodidade desta, na passagem para o anexo (actual cozinha); c) colocação de toldo e de reclame luminoso inferior, na fachada externa do prédio; - No início do arrendamento, a cozinha estava instalada na própria sala de refeições e constava apenas duma bancada com fogão e lava-loiças; - Por a mesma ser pequena para o volume de refeições servidas, por causa da incomodidade do local onde ela estava instalada e devido aos fumos e cheios que empestavam a sala de refeições, a Ré instalou essa cozinha, com os apetrechos e equipamentos necessários, na divisão que antes era usada como adega para fazer e servir petiscos. Os Autores não responderam à contestação. Findos os articulados, foi proferido (em 1/6/2007: cfr. fls. 97/100) Despacho Saneador com valor de Sentença, que julgou imediatamente improcedentes todos os pedidos formulados pelos Autores, deles absolvendo a Ré. Tendo os Autores interposto recurso de Apelação desse Saneador/Sentença, na parte atinente à ocupação pela Ré, com ou sem título, do espaço reivindicado, esta Relação – por Acórdão proferido em 29/1/2009 (exarado a fls. 131/135) – anulou essa decisão, a fim de a mesma ser substituída por outra que enunciasse os factos tidos por assentes e procedesse à elaboração da Base Instrutória (por ter considerado que os factos alegados pelos Autores na PI, no que respeita ao espaço alegadamente ocupado pela Ré, sem para tanto dispor de título que legitimasse essa ocupação, haviam sido impugnados pela Ré, estando, portanto, controvertidos – o que impedia o conhecimento imediato do mérito da acção). Em cumprimento de tal decisão, o tribunal de 1ª instância seleccionou os factos assentes e os controvertidos (cfr. fls. 141/146), posto o que o processo foi instruído e teve lugar a audiência de discussão e julgamento, finda a qual foi proferida Sentença (datada de 24/2/2012) que julgou a acção totalmente improcedente, por não provada, e, consequentemente, absolveu a Ré do pedido. Inconformados com o assim decidido, os Autores apelaram da referida sentença, tendo rematado as concernentes alegações com as seguintes conclusões: (...) A Ré/Apelada contra-alegou, pugnando pelo não provimento da Apelação dos Autores e formulando as seguintes conclusões: (...) Corridos os vistos legais, cumpre apreciar e decidir. O OBJECTO DO RECURSO Como se sabe, sem embargo das questões de que o tribunal ad quem possa ou deva conhecer ex officio, é pelas conclusões com que o recorrente remata a sua alegação (aí indicando, de forma sintéctica, os fundamentos por que pede a alteração ou anulação da decisão recorrida: art. 690º, nº 1, do C.P.C.) que se determina o âmbito de intervenção do tribunal ad quem [1] [2]. Efectivamente, muito embora, na falta de especificação logo no requerimento de interposição, o recurso abranja tudo o que na parte dispositiva da sentença for desfavorável ao recorrente (art. 684º, nº 2, do C.P.C.), esse objecto, assim delimitado, pode vir a ser restringido (expressa ou tacitamente) nas conclusões da alegação (nº 3 do mesmo art. 684º) [3] [4]. Por isso, todas as questões de mérito que tenham sido objecto de julgamento na sentença recorrida e que não sejam abordadas nas conclusões da alegação do recorrente, mostrando-se objectiva e materialmente excluídas dessas conclusões, têm de se considerar decididas e arrumadas, não podendo delas conhecer o tribunal de recurso. Por outro lado, como meio impugnatório de decisões judiciais, o recurso visa tão só suscitar a reapreciação do decidido, não comportando, assim, ius novarum, i.é., a criação de decisão sobre matéria nova não submetida à apreciação do tribunal a quo. Ademais, também o tribunal de recurso não está adstrito à apreciação de todos os argumentos produzidos em alegação, mas apenas – e com liberdade no respeitante à indagação, interpretação e aplicação das regras de direito (art. 664º, 1ª parte, do C.P.C., aplicável ex vi do art. 713º, nº 2, do mesmo diploma) – de todas as “questões” suscitadas, e que, por respeitarem aos elementos da causa, definidos em função das pretensões e causa de pedir aduzidas, se configurem como relevantes para conhecimento do respectivo objecto, exceptuadas as que resultem prejudicadas pela solução dada a outras (art. 660º, nº 2, do C.P.C., ex vi do cit. art. 713º, nº 2). No caso sub judice, emerge das conclusões da alegação de recurso apresentada pelos Autores ora Apelantes que o objecto da presente Apelação está circunscrito a 2 (duas) questões: a) Se a sentença recorrida padece da nulidade prevista na al. c) do nº 1 do art. 668º do CPC (manifesta contradição entre a fundamentação invocada e a decisão proferida); b) Se, perante a matéria factual apurada pelo tribunal “a quo”, a presente acção não podia deixar de ser julgada procedente, por provada, reconhecendo-se que os Autores/Apelantes são os proprietários do imóvel em questão e condenando-se a Ré a abrir mão do espaço por ela ocupado, dado não ter logrado provar que esse espaço se encontra compreendido no objecto do contrato de arrendamento por ela celebrado em 1959 com o então proprietário do imóvel. MATÉRIA DE FACTO Factos Considerados Provados na 1ª Instância: Devidamente ordenados, segundo uma sequência lógica e cronológica, os factos que a sentença recorrida elenca como provados são os seguintes: (...) Factos Considerados Não Provados na 1ª Instância. Dentre os factos controvertidos incluídos na base instrutória, o tribunal a quo considerou não provados os seguintes: (...) O MÉRITO DA APELAÇÃO 1) Se a sentença recorrida padece da nulidade prevista na al. c) do nº 1 do art. 668º do CPC (manifesta contradição entre a fundamentação invocada e a decisão proferida). Os Autores/Apelantes assacam à sentença recorrida a nulidade prevista na al. c) do nº 1 do art. 668º do CPC (contradição entre os fundamentos e a decisão), sustentando que os fundamentos invocados deveriam ter conduzido a uma decisão diferente da proferida. Quid juris ? «Entre os fundamentos e a decisão não pode haver contradição lógica; se, na fundamentação da sentença, o julgador seguir determinada linha de raciocínio, apontando para determinada conclusão, e, em vez de a tirar, decidir noutro sentido, oposto ou divergente, a oposição será causa de nulidade da sentença»[5]. Porém, «esta oposição não se confunde com o erro na subsunção dos factos à norma jurídica ou, muito menos, com o erro na interpretação desta: quando, embora mal, o juiz entende que dos factos apurados resulta determinada consequência jurídica e este seu entendimento é expresso na fundamentação, ou dela decorre, encontramo-nos perante o erro de julgamento e não perante oposição geradora de nulidade; mas já quando o raciocínio expresso na fundamentação aponta para determinada consequência jurídica e na conclusão é tirada outra consequência, ainda que esta seja a juridicamente correcta, a nulidade verifica-se»[6] [7]. «Apenas ocorre a nulidade da sentença prevista na alínea c) do nº 1 do art. 668º do Cód. Proc. Civil, quando os fundamentos invocados pelo juiz deveriam logicamente conduzir ao resultado oposto ao que vier expresso na sentença»[8] [9]. Por isso, «a inexactidão dos fundamentos de uma decisão configura um erro de julgamento e não uma contradição entre os fundamentos e a decisão»[10]. «Se a decisão em referência está certa ou não, é questão de mérito, que não de nulidade da mesma»[11]. «Não se está perante nulidade de sentença se se configura erro de julgamento»[12]. A sentença recorrida fundamentou juridicamente a improcedência da presente acção de reivindicação no entendimento segundo o qual o espaço físico reivindicado pelos Autores (o barracão actualmente utilizado pela Ré como cozinha, e que antes era usado para guardar pipas de vinho e fazer petiscos) estaria afinal compreendido no objecto do contrato de arrendamento celebrado em 1959, entre o antecessor jurídico dos ora Autores (como senhorio) e a ora Ré (como arrendatária), pelo qual aquele deu de arrendamento a esta a parte do rés-do-chão do prédio sito na Av. ..., nº ..., ..., ..., em S..., com o número ... de polícia, composto de uma grande divisão e pátio que lhe corresponde. Isto porque – segundo o entendimento perfilhado pelo tribunal “a quo” na sentença recorrida -, conquanto se não tivesse feito prova directa de que o “locado” abrange o referido barracão, nem que deixe de abranger o mesmo barracão, como ainda assim não deixou de se provar que a Ré passou a utilizar o barracão desde a data do início de vigência do aludido arrendamento sem oposição de ninguém, ou seja, que o faz desde 1959, que por volta de 1980 aí instalou uma cozinha e, para tanto, fez obras que todos os AA. presenciaram, só tendo contra elas reagido, pela primeira vez, em 2003, “as regras da experiência comum determinam que a única explicação possível para uma ocupação de um espaço ao qual só se acede pelo locado, sem oposição de ninguém durante décadas, e depois de instalada uma cozinha durante 13 anos, reside no facto de esse mesmo espaço ter sido arrendado juntamente com o resto do locado”. A decisão absolutória proferida constitui, portanto, o corolário lógico da fundamentação fáctico-jurídica aduzida, independentemente do acerto ou desacerto desta. A esta luz, ainda mesmo que – como sustentam os ora Apelantes – o tribunal “a quo” não pudesse, à luz da matéria factual apurada, concluir pela inclusão do “barracão” ulteriormente convertido em “cozinha” no objecto do arrendamento que vigora entre as partes desde 1959, estar-se-ia apenas perante um erro de julgamento (e não perante uma hipótese de oposição entre os fundamentos e a decisão). Efectivamente, «o erro de interpretação dos factos e ou do direito ou na aplicação deste constitui erro de julgamento, e não o vício de nulidade decorrente de contradição entre os fundamentos e a decisão a que alude a alínea c) do nº 1 do artigo 668º do Código de Processo Civil» - Acórdão do STJ de 31/5/2005 (Proc. nº 05B1730; Relator: SALVADOR DA COSTA; texto integral acessível in www.dgsi.pt). «É que o vício de nulidade a que se reporta o aludido normativo só ocorre quando os fundamentos de facto e ou de direito invocados no acórdão conduzirem logicamente ao resultado oposto àquele que o integra o respectivo segmento decisório» (ibidem). «A nulidade prevista no art. 668º, nº 1, al. c), do C.Proc.Civil, traduzida na oposição entre os fundamentos e a decisão só se verifica quando, no processo lógico, há um vício real no raciocínio do julgador, na medida em que a fundamentação aponta num sentido e a decisão segue caminho oposto ou, pelo menos, direcção diferente; não ocorre, por isso, mesmo nos casos de erro de julgamento, quando a decisão assenta num discurso lógico irrepreensível, limitando-se a decidir no exacto sentido preconizado pela respectiva fundamentação sem qualquer quebra ou desvio de raciocínio que permita detectar a existência de visível contradição entre as premissas e a conclusão» - Ac. do STJ de 26/1/2006 (Proc. nº 05B2742; Relator: ARAÚJO DE BARROS; texto integral acessível in www.dgsi.pt). Como assim, a sentença objecto do presente recurso de apelação não enferma, obviamente, da nulidade que os Apelantes, erroneamente, lhe imputam. Eis porque a apelação improcede, necessariamente, quanto a esta 1ª questão. 2) Se, perante a matéria factual apurada pelo tribunal “a quo”, a presente acção não podia deixar de ser julgada procedente, por provada, reconhecendo-se que os Autores/Apelantes são os proprietários do imóvel em questão e condenando-se a Ré a abrir mão do espaço por ela ocupado, dado não ter logrado provar que esse espaço se encontra compreendido no objecto do contrato de arrendamento por ela celebrado em 1959 com o então proprietário do imóvel. A sentença ora sob censura fundamentou nos seguintes termos a improcedência do pedido de condenação da Ré a entregar aos Autores o barracão actualmente utilizado pela Ré como cozinha e que antes era usado para guardar pipas de vinho e fazer petiscos: “Os A.A. pedem o reconhecimento do seu direito de propriedade sobre o barracão utilizado pela R. actualmente como cozinha, e que antes era usado para guardar pipas de vinho, e fazer petiscos e a condenação da R. na sua entrega com base na falta de legitimidade para manter a ocupação. Importa decidir. Apresente acção configura uma acção de reivindicação. Esta é, claramente, uma acção real (art. 1311º, CC), em que há "um titular do direito de propriedade, que não possui, há um detentor que não é titular daquele direito, há uma causa de pedir que é o direito de propriedade e há finalmente, um fim, que é constituído pela declaração de existência da propriedade e pela entrega do objecto sobre que o direito de propriedade incide" (Manuel Rodrigues, RLJ 57º, pág. 144). Em causa requerem os A.A. a restituição e entrega de um barracão, donde a "causa de pedir não é apenas a titularidade dos factos constitutivos do direito, mas também necessariamente uma situação de desconformidade ao direito na relação com a coisa, a que a entrega deve pôr termo" (Oliveira Ascensão, Acção de Reivindicação, in Estudos em memória do Professor Doutor João de Castro Mendes, Faculdade de Direito de Lisboa, LEX, 1995, pág. 30). E é precisamente esta desconformidade que importa desde já aferir e descortinar se se verifica. E para tal importa equacionar a propriedade do barracão em apreço e analisar se este é usado (ou sobre o mesmo exercido algum acto de posse) por quem não tem um direito que lhe permita assim agir. Desde logo, a propriedade do imóvel encontra-se registada a favor dos AA, beneficiando assim estes da presunção que o registo lhes confere. Tal presunção, ilidível, não foi afastada, pois é pacifico que a propriedade pertence aos AA, e onde as dúvidas se colocam é a nível do arrendamento e sua extensão. Surge assim como inegável a propriedade do barracão por parte dos A.A.. Importa agora equacionar a ocupação deste por parte da R. e concluir se a mesma é lícita. Como refere Menezes Cordeiro, in Direitos Reais, II, INCM, 1979, pág. 848, numa “acção de reivindicação, se o autor encaminhar devidamente a demonstração do seu direito, o possuidor só pode evitar a restituição da coisa se conseguir provar uma de três coisas: - que a coisa lhe pertence, por qualquer do títulos admitidos em direito; - que tem sobre a coisa outro qualquer direito real que justifique a sua posse - v.g. usufruto, arrendamento, retenção ; - que detém a coisa por virtude de direito pessoal bastante - v.g. um direito pessoal de gozo, para quem admita essa categoria". Destarte, o que ficou demonstrado foi que a R. tem um contrato de arrendamento outorgado que lhe permitia a posse sobre o locado. Discute-se apenas se o “locado” abrange o referido barracão. De forma directa não se provou que abranja, nem que deixe de abranger o barracão. Não se provou que fosse por mera tolerância dos AA, nem que tivesse sido acordado que o arrendamento o abrangia. Mas provou-se que a R. passou a utilizar o barracão desde a data do arrendamento sem oposição de ninguém, ou seja, que o faz desde 1959, que por volta de 1980 aí instalou uma cozinha, e para tanto fez obras que todos os AA assistiram. Apenas em 1993 surge a primeira reacção de oposição da parte dos AA com a interposição da acção de despejo, ou seja, decorridos mais de 13 anos sobre a data da mudança, e mais de trinta anos sobre a utilização do barracão. E estes factos falam por si mesmos. Pois que tipo de ocupação pode existir quando surge acompanhada de um arrendamento (de um espaço ao lado), sem que exista oposição durante mais de 30 anos, mesmo quando os senhorios e arrendatários vão mudando?! É que note-se que os aqui AA não foram os senhorios originais, e a actual R. foi antes pertença de sócios que já o não são. Que tipo de ocupação, repete-se, pode existir durante mais de 30 anos? É razoável existir “mera tolerância” para ocupação de 20 metros quadrados de barracão mas arrendamento para a restante área, muito maior e que integra o restaurante?! E é razoável que se existisse “mera tolerância” esta se manteria não obstante a mudança de titulares e durante 34 anos após a ocupação, e 13 anos após a transformação em cozinha?! É razoável que possa existir arrendamento de um espaço que acaba no barracão, ao qual não se pode aceder senão pelo restaurante arrendado, mas que não inclua esse barracão? É razoável que se arrende tudo, todo um espaço, deixando de fora um barracão ao qual não se consegue aceder senão pelo espaço arrendado?! Naturalmente que não. E por todo o exposto, as regras da experiência comum determinam que a única explicação possível para uma ocupação de um espaço ao qual só se acede pelo locado, sem oposição de ninguém durante décadas, e depois de instalada uma cozinha durante 13 anos, reside no facto de esse mesmo espaço ter sido arrendado juntamente com o resto do locado. Não há pois dúvida que a posse da R. desde essa data foi titulada, tendo direito a manter-se no locado e no barracão. Não resta assim senão julgar neste tocante a presente acção improcedente.” Dissentindo deste enquadramento jurídico dos factos apurados, sustentam “ex adverso” os Apelantes que, perante a matéria factual apurada pelo tribunal “a quo”, a presente acção não podia deixar de ser julgada procedente, por provada, reconhecendo-se que os Autores/Apelantes são os proprietários do imóvel em questão e condenando-se a Ré a abrir mão do espaço por ela ocupado, visto ela não ter logrado provar que esse espaço se encontra compreendido no objecto do contrato de arrendamento por ela celebrado em 1959 com o então proprietário do imóvel. Quid juris ? Nenhuma dúvida se suscita quanto à natureza da presente acção: trata-se, inequivocamente, de uma acção de reivindicação. Na verdade, os Autores não se limitaram a pedir o reconheci_mento, pelo Tribunal, do seu direito de propriedade sobre o imóvel em questão, porventura tornado duvidoso por qualquer circunstância, designadamente, pela eventual afirmação por parte da Ré de que seria titular dum direito real sobre tal prédio, conflituante e/ou incompatível com o direito de propriedade dos Autores - caso em que não estaríamos frente a uma acção de reivindi_cação, mas perante uma acção declarativa de simples apreciação positiva [13] (cfr. art. 4º, nº 2, al. a), do Cód. Proc. Civil). Por outro lado, os Autores fundamentaram o pedido de conde_nação da Ré a entregar-lhes imediatamente a parcela do imóvel por ela ocupada (o espaço ocupado por um dos dois barracões construídos na traseira da fracção autónoma - composta de uma divisão grande [onde se situava a cozinha e a sala de refeições] e um páteo – dada de arrendamento à Ré em 1959, barracão esse onde a Ré construiu, por volta de 1980, uma cozinha) na afirmação peremptória de que são titulares do direito de propriedade sobre o imóvel em questão, e não na alegação de que teriam sido privados da posse do local em questão por actos de esbulho praticados pelo Ré - caso em que estaríamos frente a uma acção de restituição de posse (art. 1278º do Cód. Civil) -, tão pouco fazendo assentar o pedido de condenação da Ré (na entrega da aludida parcela do mesmo prédio) na alegação de que teriam celebrado com esta um qualquer negócio jurídico do qual emergisse, como seu efeito, a obrigação para ela (Ré) de abrir mão do imóvel - hipótese em que a discussão a travar na acção não teria por tema o domínio do prédio em causa, tudo se cifrando, afinal, em apurar se a Ré teria ou não cumprido essa obrigação a que estaria contratualmente ads_trita [14]. Que o Cód. Civil português de 1966 acolhe a concepção segundo a qual, na acção de reivindicação, a restituição da posse depende do reconhecimento da propriedade do autor, visando, portanto, a acção este reconhecimento, do qual, depois (como de resto em todas as acções de condenação), decorre a ordem de restituir a coisa, é algo que ressalta transparentemente da redacção utilizada no art. 1311º, nº 1, do mesmo diploma: «O proprietário pode exigir judicialmente de qualquer possuidor ou detentor da coisa o reconhecimento do seu direito de propriedade e a consequente restituição do que lhe pertence». No caso dos autos, elegendo os Autores, como “causa peten_di " do pedido de condenação da Ré a abrir mão da mencionada parcela do prédio em questão e a entregar-lha (a eles Autores), a circunstância de - segun_do alegaram - serem proprietários do mesmo prédio, isto é, titulares do direito de propriedade sobre o referido imóvel, está-se, inequivo_camente, perante uma acção de reivindicação. A circunstância de os AA. formularem, a par do referido pedido de condenação da Ré a restituir-lhe a parte do prédio urbano em questão que ela ocupa, o pedido de que se condene a mesma Ré a pagar-lhe também uma indemnização pelos danos (rectius, pelos lucros cessantes, traduzidos na não atribuição aos Autores dum subsídio camarário para a realização de obras no seu imóvel) decorrentes do carácter clandestino da obra levado a cabo pela Ré ao transformar o aludido barracão numa cozinha, tão pouco afecta a caracterização da acção como de reivindicação. Na verdade - como bem observa ANTUNES VARELA[15] -, «nada surpreende que, na acção de reivindicação, ao lado das duas finalidades típicas que a caracterizam, o autor inclua ainda a indemnização dos danos causados pelo possuidor», indemnização essa que pode visar o ressarcimento de danos de vária ordem: «a coisa que deve ser restituída pode ter sofrido danos causados pelo possuidor; este pode ter tirado dela vantagens, que tenha de repor, ou ter realizado despesas ou benfeitorias, de que pretenda ser indemni_zado»[16] [17] [18]. Acresce que a cumulação de tais pedidos é permitida pelo art. 470º, nº 1, do Cód. de Proc. Civil [de 1961], já que, por um lado, os mesmos não são entre si substancialmente contraditórios nem lhes correspondem formas de processo diferentes, e, por outro lado, o Tribunal onde a acção foi proposta é o competente, quer internacionalmente, quer em razão da matéria ou da hierarquia, para deles conhecer (vide arts. 31º, nº 1, ex vi do art. 470º, nº 1, 65º-A, al. a), 65º, nº 1, al. a), 74º, nº 2, 66º, 67º, 71º e 72º a contrario, todos do cit. C.P.C. de 1961). Só que, nas acções de reivindicação, a procedência do pedido de condenação do réu a entregar ao autor a coisa (por si possuída ou detida) depende - como vimos - absolutamente do reconhecimento judicial do direito real (de propriedade ou outro: cfr. art. 1315º do Cód. Civ.) cuja titularidade o reivindicante se arroga (cfr. cit. art. 1311º, nº 1). E, para o Tribunal poder reconhecer ao autor o direito real, há-de este invocar factos susceptíveis de gerar esse direito, segundo a ordem jurídica constituída. Com efeito, nas acções reais - dentre as quais a acção de reivindicação constitui verdadeiro paradigma[19] -, a causa de pedir é o facto jurídico de que deriva o direito real (art. 498º, nº 4, do C.P.C.), in casu o direito de propriedade. Temos, assim, que «a indicação da causa de pedir só estará completa se o reivindicante indicar uma aquisição originária, ou melhor, aclarar como se constituíu o seu direito real»[20]. Essa aclaração, terá o reivindicante de a fazer alegando factos dos quais resulte demonstrada a aquisição originária do domínio, por sua parte ou de qualquer um dos intervenientes na cadeia de transmissões verificadas até o direito se encontrar na sua titularidade. Por isso que, uma de duas: ou o reivindicante «invoca como título do seu direito uma forma de aquisição originária da propriedade, como a ocupação, a usucapião ou a acessão» - caso em que apenas necessitará de alegar e provar os factos de que emerge o seu direito, visto que, uma vez demonstrada, por exemplo, a usucapião, «a reivindicação procede sempre, uma vez que, por ela, se extinguem todos os direitos anteriores em contrário»[21] -, ou o reivindicante invoca como título do seu direito uma aquisição derivada (v.g. contrato de compra e venda, doação, sucessão hereditária, etc.) - hipótese em que terá de alegar os factos concretos tendentes a mostrar, não apenas que adquiriu a coisa por um título legítimo, mas ainda que o direito de propriedade já existia na esfera jurídica do transmitente [22] [23] [24] [25] [26] [27] [28] [29]. No caso dos autos, os Autores não articularam factos concretos integradores de uma qualquer das diferentes formas de aquisição originária do direito de propriedade (v.g. ocupação, usucapião, acessão - cfr. art. 1316º do Cód. Civil), tendo-se limitado a juntar aos autos uma certidão (passada pela Conservatória do Registo Predial competente) comprovativa de que a aquisição do prédio urbano (onde se localiza o barracão/cozinha situado no logradouro que é objecto desta acção) se encontra inscrita a seu favor no registo predial. Perfilhando-se um critério rigorista, dir-se-ia ser a petição inicial inepta, por falta de alegação de qualquer modo de aquisição do domínio, numa acção que - como a presente - tem natureza real (cfr. cit. art. 498º, nº 4, do C.P.C.)[30]. Isto porque, pese embora a circunstância de os Autores beneficiarem da presunção estabelecida no art. 7º do Cód. do Reg. Predial - já que se encontra registada a favor deles, na Conservatória do Registo Predial competente, a aquisição da fracção designada pela letra “B”, correspondente ao rés-do-chão direito, do prédio sito na Avenida ..., 76, 78 e 80, em S..., freguesia de ..., composto de casa de ..., ... andar e águas furtadas, com 130 metros quadrados e logradouro de 793 metros quadrados, descrito na 2.ª Conservatória do Registo Predial de S... com o n.º ... e inscrito na respectiva sob o artigo 134.º -, pode, com boas razões, entender-se que a presunção legal estabelecida naquele preceito respeita apenas ao onus probandi, isto é, só dispensa o autor de provar os factos concretos conducentes à aquisição, por ele ou pelos seus antecessores jurídicos, do domínio sobre o prédio reivindicado, não o isentando, porém, do ónus de alegar tais factos[31]. Outra tem sido, porém, a orientação que tem prevalecido, desde os anos oitenta do século XX, na jurisprudência. Escreveu-se, por ex., no Ac. do S.T.J. de 17/1/85[32], que, «embora o Código Civil aluda às presunções legais com o sentido que deriva do texto claro do artigo 349º» - do qual transparece, como vimos, que quer as presunções legais, quer as judiciais são sempre ilações tiradas de um facto (conhecido) para firmar outro facto (desconhecido), residindo justamente o alcance das presunções, para os respectivos beneficiários, na dispensa da prova do facto presumido (cit. art. 350º, nº 1, do Cód. Civ.) -, «talvez não repugne acompanhar Rosenberg (Tratado de Derecho Processal Civil, ed. argentina de 1955, II, pág. 220) quando, referindo justamente como exemplo o direito inscrito num registo, observa que as presunções de direito são dirigidas à existência ou inexistência de um direito ou de uma relação jurídica, que o objecto destas presunções não são os factos, em particular, não é a tipicidade do nascimento (da aquisição) ou da extinção do direito (relação jurídica), mas sim directamente a existência ou a inexistência do direito e que, por isso, a parte favorecida com uma dessas presunções não necessita de fazer afirmações sobre o nascimento (aquisição) ou sobre a extinção, nem de oferecer provas disso». De modo que, traduzindo o próprio registo uma presunção de direito (que não de meros factos), no sentido que ROSENBERG dá a este conceito - entendimento a favor do qual fala a letra do próprio art. 7º do Cód. do Registo Predial -, o autor da acção de reivindicação, quando favorecido pela inscrição registral em seu nome da aquisição do prédio objecto da causa, estaria verdadeiramente dispensado do ónus de alegar todos os factos concretos de que deriva o seu direito de propriedade[33] [34] [35] [36] [37] [38] [39] [40]. «A conciliação ou articulação entre a exigência da prova - a fazer pelo autor em acção de reivindicação (art.º 1311.º do CC) - de se haver operado uma aquisição originária do direito de propriedade ou uma ou várias aquisições derivadas que formem uma cadeia ininterrupta a desembocar numa aquisição originária do mesmo direito e a força da presunção resultante da inscrição registral da aquisição por outro, faz-se no sentido de que tal inscrição dispensa o seu titular de provar a aquisição originária (inversão do ónus da prova – art.º 344.º, n.º 1, do CC), bem como a eventual cadeia de aquisições derivadas anteriores à aquisição que conseguiu fazer inscrever», já que deriva do registo a presunção de que o direito existe e pertence ao titular nele inscrito (presunção legal relativa ou juris tantum) - (art.ºs 5.º, n.º 1 e 7.º do CRPred)» - Ac. do STJ de 13/7/2010 (Proc. nº 122/05.1TBPNC.C1.S1; Relator – FERREIRA DE ALMEIDA), cujo texto integral pode ser acedido, via Internet, no sítio www.dgsi.pt. Eis por que, na linha da orientação maioritariamente sufragada pela jurisprudência, entendemos não ser caso de se considerar inepta a petição inicial (por falta de causa de pedir), com a consequente absolvição da Ré da instância (nos termos dos arts. 510º, nº 1, al. a), 493º, nºs 1 e 2, 494º, nº 1, al. a), 288º, nº 1, al. b) e 193º, nºs 1 e 2, al. a), todos do Cód. Proc. Civil de 1961), sendo certo que, ultrapassada a fase do despacho liminar, e conquanto o Tribunal pudesse ainda conhecer dum vício da p. i. como a ineptidão, mesmo depois de ordenada a citação do réu (art. 479º, nº 3, do mesmo diploma), já não poderia agora indeferir-se liminarmente a petição, havendo antes lugar à absolvição da Ré da instância (se disso fosse caso). Os Autores/Apelantes beneficiam, pois, da presunção legal (estabelecida no cit. art. 7º do Cód. do Reg. Pred.) de que são titulares do direito de propriedade sobre o prédio urbano onde se localiza o barracão (ora convertido em cozinha) situado no logradouro que é objecto desta acção. Não era, por isso, necessário produzir-se prova, em audiência de discussão e julgamento, sobre os factos concretos integradores de um qualquer dos vários modos de aquisição originária do direito de propriedade sobre tal imóvel, por parte dos Autores. Isto, ainda mesmo que tais factos houvessem sido por eles (Autores) alegados (na petição inicial) e a Ré os tivesse impugnado (na sua contestação). É certo que a presunção estabelecida no referido art. 7º do Cód. do Reg. Pred. é “juris tantum”, isto é, admite prova em contrário[41]. Simplesmente, as presunções legais importam, como vimos, a inversão do ónus da prova (art. 344º, nº 1, do Cód. Civ.). Ora, recaíndo, em princípio, sobre o autor, na acção de reivindicação, o ónus de provar ou a sua aquisição originária do direito de propriedade sobre a coisa reivindicada ou - caso invoque a seu favor uma aquisição derivada - que o direito de propriedade sobre tal coisa já existia na esfera jurídica do transmitente (cfr. supra), temos que, se a favor daquele existir uma presunção legal de existência e titularidade do domínio sobre a coisa objecto da acção - como ocorre no caso vertente - e ele estiver, portanto, isentado do ónus de provar os factos concretos integradores da aquisição, por parte dele ou do seu antecessor jurídico, de tal domínio - como, in casu, também sucede -, será sobre o réu que impenderá então o ónus de ilidir a presunção de existência do direito de propriedade do autor sobre a coisa - para o que terá de alegar e provar factos concretos demonstrativos de que a coisa pertence a outrem que não o autor, ou de que ela não pertence a ninguém, isto é, de que se trata de uma res nullius [42] [43], sendo certo, porém, que, tratando-se dum imóvel, só a 1ª alternativa enunciada tem cabimento, já que, atento o disposto no art. 1345º do Cód. Civil, é indemonstrável que uma coisa imóvel não pertence a ninguém. No caso dos autos, porém, não obstante os Autores beneficiarem da referida presunção legal de que são titulares do direito de propriedade sobre o prédio urbano em causa na acção, a Ré não alegou (na sua contestação) quaisquer factos concretos tendentes a demonstrar que tal prédio pertenceria a outrem que não os Autores. Acresce que os Autores - como lhes competia - alegaram que a Ré detém materialmente uma parte (uma dos dois barracões situados no logradouro) do prédio urbano objecto do presumido direito de propriedade de que aqueles são titulares. Com efeito, na acção de reivindicação, recai sobre o autor não apenas o ónus de provar que é titular do direito de propriedade sobre a coisa cuja restituição reclama, como também o de provar que ela é possuída (ou simplesmente detida materialmente) pelo réu [44]. Isto porque, «a causa de pedir na lide reivindicatória é complexa consistindo no facto jurídico de que deriva o direito de propriedade, que deve consistir na alegação de uma das formas originárias de adquirir, (podendo contudo bastar-se com a existência de uma presunção registral), exigindo-se alegação e prova da ocupação abusiva e da coincidência entre a coisa reivindicada e a detida pelo demandado» - Ac. do STJ de 24/10/2006 (Proc. nº 06A3284; Relator – SEBASTIÃO PÓVOAS), cujo texto integral está acessível, via internet, no sítio www.dgsi.pt. Ora, a Ré, pelo seu lado, não põe em causa: a) nem que ocupa materialmente uma parte dum determinado prédio; b) nem que essa parcela é a mesma cuja restituição os Autores reclamam na presente acção; c) nem que o prédio, de que ela ocupa uma parte, é o mesmo cuja aquisição se encontra registada na Conservatória do Registo Predial competente a favor dos Autores. De modo que, estando os Autores dispensados - como vimos - de provar os factos constitutivos do seu invocado direito de propriedade sobre o prédio urbano em questão, e não se mostrando controvertida entre as partes a identidade desse prédio com o que se encontra, em parte, na detenção material da Ré, os Autores, pelo seu lado, não teriam, em princípio, de provar em julgamento mais nenhum facto, para lograr ver proceder o pedido de reconhecimento do seu direito de propriedade sobre o identificado imóvel, bem como o pedido de condenação da Ré a restituir-lhes a parcela do mesmo prédio por ela ocupada. Ainda assim, porém, a acção não teria fatalmente de proceder na íntegra. É que, na acção de reivindicação, o demandado pode, mesmo sem impugnar a titularidade do direito de propriedade que o autor se arroga sobre a coisa, contestar o seu dever de a restituir a este. Para lograr evitar a sua condenação na entrega da coisa reivindicada ao autor, terá o demandado de alegar nos seus articulados (em ordem a poder prová-lo em audiência de julgamento): a) ou que tem sobre a coisa outro qualquer direito real que justifique a sua posse (v.g., usufruto, penhor ou direito de retenção); b) ou que detém a coisa por virtude de um direito obrigacional que lhe confira a detenção da mesma (v.g. arrendamento)[45]. Na verdade, como resulta do art. 1311º, nº 2, do Cód. Civ., a restituição da coisa será, em princípio, consequência directa do reconhecimento do direito de propriedade do autor, «salvo se o poder de gozo do proprietário está suspenso ou modificado pela constituição de um direito real ou obrigacional de outrem, caso em que se deve respeitar tal situação jurídica, só devendo ordenar-se a restituição se, e enquanto, não colidir com ela» (Acórdão da Relação do Porto de 3/3/1971, sumariado in BMJ nº 205, p. 263)[46] [47] [48]. A existência desses direitos reais ou obrigacionais, com relevância impeditiva da restituição da coisa ao proprietário, funciona, assim, como obstáculo ao exercício pleno da propriedade, isto é, como facto impeditivo do direito do proprietário de exigir a restituição da coisa. A invocação dos respectivos factos consubstancia, por isso, uma excepção peremptória[49] [50](art. 493º, nº 3, do C.P.C. de 1961), recaindo o ónus da sua alegação e prova sobre o réu da acção de reivindicação (art. 342º, nº 2, do Cód. Civil) [51] [52]. Ora, no caso sub judice, a Ré, embora não impugnando o direito de propriedade que os Autores se arrogam sobre o barracão ora convertido em cozinha sito no logradouro ora reivindicado, invocou precisamente a titularidade dum direito obrigacional que lhe conferiria o gozo da mesma dependência, ao excepcionar a inclusão do mesmo espaço físico no objecto do contrato de arrendamento celebrado em 27/2/1959 entre ela, como arrendatária, e o então proprietário do imóvel, GC, como senhorio. Nesta sede, porém, tudo quanto a Ré logrou provar foi que: a) Por escritura outorgada em ...02.1959, no Cartório Notarial de S..., intitulada de “arrendamento”, GC disse que dava de arrendamento à RS, Limitada, então representada por JM e LS, que disseram aceitar, a parte do rés-do-chão do prédio sito na Avenida ..., ..., ... e ..., em S..., freguesia de ..., composto de casa de ..., 1.º andar e águas furtadas, com 130 metros quadrados e logradouro de 793 metros quadrados, descrito na 2.ª Conservatória do Registo Predial de S... com o n.º ... e inscrito na respectiva sob o artigo 134.º, com o número 78 de polícia, composto de uma grande divisão e pátio que lhe corresponde, para o comércio e indústria de restaurante, casa de pasto, venda de vinhos e seis derivados, ou qualquer outro ramo de negócio que a inquilina resolva explorar, pelo prazo de seis meses, a começar em 01.03.1959, mediante a retribuição mensal de Esc. 800$00 (oitocentos escudos); b) Na traseira da fracção referida em a) foram construídos dois barracões que serviam para arrecadação de cereais, pipas de vinho e vasilhame; c) A Ré instalou num daqueles barracões a cozinha do seu restaurante para o que fez obras de adaptação que passaram pela construção de uma abertura rectangular de acesso ao pátio, aproveitando a porta existente, e pela cobertura do pátio com telha; d) A Ré passou a utilizar o barracão desde a data do arrendamento sem oposição de ninguém; [resposta ao Quesito 1º da Base Instrutória] e) Para aí guardar pipas de vinho, vasilhame e cereais; [Quesito 1º-A da Base Instrutória] f) A Ré utiliza o barracão referido em c) desde 1/3/1959; [Quesito 6º da Base Instrutória] g) O mesmo [barracão] só tem acesso através do nº 78 da Avenida ...; [Quesito 7º da Base Instrutória] h) Por volta de 1980 [a Ré] aí instalou uma cozinha; [resposta restritiva ao Quesito 2º da Base Instrutória] i) O barracão, antes de ser transformado em cozinha, era utilizado pela Ré como adega, para fazer e servir petiscos. [Quesito 14º da Base Instrutória]. Já, porém, não se demonstrou aqueloutra alegação da Ré segundo a qual, aquando da aludida escritura pública intitulada de “arrendamento”, outorgada em .../2/1959, as partes acordaram que o arrendamento abrangia o espaço relativo ao barracão supra indicado [cfr. a resposta negativa dada em 1ª instância ao Quesito 8º da Base Instrutória]. Apesar da resposta negativa dada ao Quesito 8º da Base Instrutória – no qual se inquiria, directamente, sobre a inclusão, no objecto do contrato de arrendamento celebrado entre as partes em 27/2/1959, do espaço concernente ao barracão no qual a Ré veio a edificar posteriormente uma cozinha -, o tribunal “a quo” veio a concluir, na sentença ora sob censura, pela inclusão do “barracão” ulteriormente convertido em “cozinha” no objecto do referido arrendamento, fazendo apelo, para tanto, a presunções judiciais (art. 351º do Código Civil). Na verdade, segundo o entendimento perfilhado pelo tribunal “a quo” na sentença recorrida -, conquanto se não tivesse feito prova directa de que o “locado” abrange o referido barracão (cfr. a resposta negativa dada ao Quesito 8º da Base Instrutória), nem que deixe de abranger o mesmo barracão (cfr. as respostas restritivas dadas aos Quesitos 1º[53] e 2º[54] da Base Instrutória), como, ainda assim, não deixou de se provar que a Ré passou a utilizar o barracão desde a data do início de vigência do aludido arrendamento sem oposição de ninguém, ou seja, que o faz desde 1959, que (por volta de 1980) aí instalou uma cozinha e, para tanto, fez obras que todos os AA. presenciaram, só tendo contra elas reagido, pela primeira vez, em 2003, “as regras da experiência comum determinam que a única explicação possível para uma ocupação de um espaço ao qual só se acede pelo locado, sem oposição de ninguém durante décadas, e depois de instalada uma cozinha durante 13 anos, reside no facto de esse mesmo espaço ter sido arrendado juntamente com o resto do locado” (sic). Quid juris ? Segundo uma orientação jurisprudencial pacífica, sempre se entendeu que: «As presunções ou ilações, como meios de prova, não podem eliminar o ónus da prova nem modificar o resultado da respectiva repartição entre as partes; - Um facto aditado por presunção, contrariando a resposta que passou pelo contraditório da prova, equivale seguramente a uma alteração da resposta dada, que o sistema jurídico não consente; - Se o conteúdo da conclusão retirada pela ilação foi directamente quesitada e julgada não provada, tal aditamento ao acervo factual resultante da discussão e julgamento da causa contraria frontalmente o resultado desse julgamento, consubstanciando uma alteração proibida da matéria de facto; - Consequentemente, o aditamento daquele facto, acrescentado na sentença e não constante do elenco da factualidade provada, não pode ser considerado, devendo ter-se por eliminado»[55] [56] [57]. Efectivamente, «as presunções são utilizáveis para se integrar ou completar a factualidade provada, nas respostas do tribunal às questões perguntadas, e não para contrariar a decisão sobre a matéria de facto ou suprir a falta de prova»[58]. Por isso, não obstante as referências contidas na sentença à admissibilidade da “prova” por presunção, nesse momento, na sentença, já não podia extrair-se o facto desconhecido (a inclusão do espaço físico correspondente ao barracão ulteriormente convertido em cozinha no objecto do contrato de arrendamento celebrado em .../2/1959) recorrendo a presunções (a que o tribunal podia recorrer – e devia, sendo caso disso – aquando da decisão sobre a matéria de facto, até porque muitos dos considerandos na motivação expostos assentam nas regras da vida e da experiência)[59]. «As presunções não são meio de suprir a falta de prova dos factos, pelo que, sujeito a prova e não provado determinado facto, não pode, posteriormente, ser extraído por presunção, sob pena de se estar a modificar (ilicitamente) a decisão quanto à matéria de facto»[60]. A esta luz, dir-se-ia que, não tendo a Ré logrado provar, directamente, o facto indagado no referido Quesito 8º da Base Instrutória (a saber: aquando da aludida escritura pública intitulada de “arrendamento”, outorgada em .../2/1959, as partes acordaram que o arrendamento abrangia o espaço relativo ao barracão supra indicado), não era lícito ao tribunal “a quo”, em sede de sentença, contrariar a anterior decisão sobre a matéria de facto ou suprir a falta de prova do mesmo facto, com recurso a presunções judiciais, e acabar por concluir – como de facto concluiu – que o espaço correspondente ao barracão que a Ré começou por utilizar, logo desde o início da vigência do arrendamento (1/3/1959), para aí guardar pipas de vinho, vasilhame e cereais e como adega, para fazer e servir petiscos, e onde mais tarde, por volta de 1980, instalou uma cozinha, foi por ela tomado de arrendamento juntamente com o resto do locado. Ainda assim, no caso “sub judice”, esta Relação – embora discordando de tal entendimento – não pode deixar de acatar (por dever de obediência) a tese que fez vencimento no Acórdão do Supremo Tribunal de Justiça proferido nestes autos em 29/10/2013, segundo a qual o impedimento a que o juiz, na sentença, altere respostas aos quesitos, deduzindo de factos que vinham provados soluções contrárias ao julgamento então efectuado pelo colectivo deixou de fazer grande sentido com a eliminação da intervenção do colectivo e a atribuição ao juiz singular da sua competência em matéria de julgamento de facto, pois passaram a ser apreciados por um único juiz – em muitos casos, como na presente acção, pelo mesmo juiz – todos os meios de prova, com ou sem valor tabelado. De sorte que, em princípio, nada obstaria – em tese - a que esta Relação interpretasse a resposta ao quesito 8º no contexto da sentença e da fundamentação do julgamento de facto - nas quais se explica expressamente que o tribunal respondeu negativamente considerando o apenas as provas directas, das quais entendeu não resultar, nem que o arrendamento abrangia o espaço do barracão, nem que o não abrangia – interpretação essa que – segundo o STJ - se conjuga com as restantes considerações expendidas na sentença, no sentido de concluir que o espaço do barracão foi “arrendado juntamente com o resto do locado”. Ocorre, porém, que, nos termos do art. 351º do Cód. Civil, «as presunções judiciais só são admitidas nos casos e termos em que é admitida a prova testemunhal". O que bem se compreende: «Se a lei exclui, na prova de determinado facto, a admissibilidade de prova testemunhal, é porque exige um grau de segurança na prova desse facto que, por identidade ou por maioria de razão, as presunções não podem dar» (PIRES DE LIMA-ANTUNES VARELA in “Código Civil Anotado”, Vol. I, 4ª ed., 1987, p. 313). «A inadmissibilidade da prova testemunhal e das presunções [judiciais] fundamenta-se, pois, na sua particular falibilidade» (LUÍS FILIPE PIRES DE SOUSA in “Prova por Presunção no Direito Civil”, 2ª ed., 2013, p. 171). Ora, o nº 1 do art. 394º do Cód. Civil declara inadmissível a prova por testemunhas “se tiver por objecto quaisquer convenções contrárias ou adicionais ao conteúdo de documento autêntico ou dos documentos particulares mencionados nos artigos 373º a 379º, quer as convenções sejam anteriores à formação do documento ou contemporâneas, quer sejam posteriores”. «A ratio desta norma advém de que a admissão de prova testemunhal de pactos contrários ou adicionais traduzir-se-ia, na prática, na inutilização do documento, sendo ainda certo que é possível às partes munirem-se de uma prova escrita dos mencionados pactos» (LUÍS FILIPE PIRES DE SOUSA in “Prova por Presunção no Direito Civil” cit., p. 187). «Pode ainda apelar-se a uma regra da experiência nos termos da qual o recurso à forma escrita é normalmente integral no sentido de que a adopção da forma escrita para parte de um acto documentado demonstra e comporta a sua escolha para todo o acto» (LUÍS FILIPE PIRES DE SOUSA ibidem). Na mesma linha, FILIPE CASSIANO DOS SANTOS sustenta (in “O contrato de instalação de lojista em centro comercial (e a aplicação do artigo 394º do Código Civil quando celebrado por adesão”, in Cadernos de Direito Privado, Nº 24, Outubro/Dezembro de 2008, pp. 3-20) sustenta que «a estatuição do nº 1 do Artigo 394º assenta na suposição, por parte da lei, de que as partes incluíram todos os acordos que alcançaram no documento em que formalizaram o contrato». «A não inclusão de eventuais acordos no texto reduzido a escrito significa que os contraentes não querem ficar sujeitos a uma prova por meio probatório de natureza distinta e mais falível do que aquele que eles próprios adoptaram para as suas convenções (princípio da valorização dos acordos celebrados por escrito)» (FILIPE CASSIANO DOS SANTOS, ibidem). De sorte que, no caso em apreço, estando provado – por documento autêntico (escritura pública) – que aquilo que foi dado de arrendamento à sociedade ora Ré, pelo então proprietário do imóvel (GC) foi, tão só, “a parte do rés-do-chão do prédio referido em A), com o número 78 de polícia, composto de uma grande divisão e pátio que lhe corresponde”, nunca seria admissível provar-se, por testemunhas, que, afinal, o objecto desse arrendamento era mais amplo, também abrangendo o espaço do barracão. Efectivamente, uma tal convenção, alargando o objecto do contrato de arrendamento celebrado entre as partes através da mencionada escritura pública outorgada em 27.02.1959, no Cartório Notarial de ..., constitui – inequivocamente – uma convenção contrária ou, pelo menos, adicional ao conteúdo desse documento autêntico, dele contemporânea ou posterior ao mesmo. Se assim é, estando legalmente proibida (ex vi do cit. art. 394º-1 do Código Civil) a prova por testemunhas de que o espaço do barracão foi dado de arrendamento à Ré juntamente com o resto do locado (expressamente identificado no texto da escritura pública celebrada em 27/2/1959), óbvio é que, por força do estatuído no cit. art. 351º do mesmo diploma, também não é legalmente possível estabelecer-se, por presunção judicial, que o espaço correspondente ao barracão que a Ré começou a utilizar logo desde 1/3/1959 (para aí guardar pipas de vinho, vasilhame e cereais e como adega, para fazer e servir petiscos) e onde, mais tarde (em 1980), instalou uma cozinha, também lhe foi dado de arrendamento conjuntamente com “a parte do rés-do-chão do prédio referido em A), com o número 78 de polícia, composto de uma grande divisão e pátio que lhe corresponde”. Consequentemente, a dúvida sobre a inclusão (ou não) no objecto do arrendamento em vigor desde 1/3/1959 do aludido espaço físico correspondente a um dos dois barracões existentes na traseira da parte do rés-do-chão do prédio sito na Avenida ..., ..., ... e ..., em S..., com o número ... de polícia, composto de uma grande divisão e pátio que lhe corresponde – aquele que a Ré começou por utilizar, logo desde o início da vigência do arrendamento, para aí guardar pipas de vinho, vasilhame e cereais e como adega, para fazer e servir petiscos, e onde, mais tarde (por volta de 1980) instalou uma cozinha (para o que fez obras de adaptação que passaram pela construção de uma abertura rectangular de acesso ao pátio, aproveitando a porta existente, e pela cobertura do pátio com telha) – não pode senão ser resolvida, nos termos do art. 516º do C.P.C. de 1961, contra a Ré, por ser ela a parte a quem a prova de tal facto aproveitaria. A esta luz, não tendo a Ré logrado demonstrar – como lhe incumbia (nos termos das disposições conjugadas dos arts. 1311º-2 e 342º-2, ambos do Cód. Civil) – ser titular dum qualquer direito (real ou obrigacional) que lhe conferisse o direito a fazer uso do espaço físico correspondente ao aludido barracão ulteriormente convertido pela Ré em cozinha, a presente acção de reivindicação não pode deixar de proceder na íntegra, reconhecendo-se aos Autores/Apelantes a titularidade do invocado direito de propriedade sobre o mesmo espaço físico e condenando-se a Ré a abrir mão dele, entregando-o, livre de pessoas e bens, aos Autores/Apelados. Já não assim, porém, quanto aos demais pedidos condenatórios formulados pelos Autores/Apelantes (na PI) – os atinentes à condenação da Ré a remover quer o toldo, quer o reclame luminoso, bem como aqueloutro pedido de condenação da Ré no pagamento de uma indemnização aos Autores para o caso de ser indeferido o pedido de concessão dum subsídio camarário para obras no prédio por eles oportunamente deduzido -, que se mostram excluídos do objecto do presente recurso, razão pela qual, quanto a eles, a sentença absolutória proferida em 1ª instância transitou em julgado. Na sua contra-alegação de recurso, a Ré/Apelada, prevenindo a eventualidade de ser concedido provimento à Apelação dos Autores, requereu, a título subsidiário, a ampliação do objecto do recurso, nos termos do art. 684º-A, nº 2, do CPC, impugnando a decisão sobre matéria de facto proferida pelo tribunal de 1ª instância, no tocante à resposta negativa dada ao aludido Quesito 8º da Base Instrutória. Procedendo a Apelação dos Autores, quanto à 2ª questão suscitada nas conclusões da respectiva alegação (cfr. supra), cumpre, por isso, sindicar, nesta sede, este segmento da decisão sobre matéria de facto. 3) Se o tribunal “a quo” julgou erradamente a matéria de facto, ao considerar “não provado” o facto indagado no Quesito 8º da base instrutória. A Ré ora Apelante impugna, no presente recurso, a decisão sobre matéria de facto proferida pelo tribunal recorrido, no segmento em que teve por não provado o facto vertido no Quesito 8º da Base Instrutória. Na tese da Ré/Apelada, as provas testemunhais produzidas em audiência de julgamento reclamavam que o tribunal a quo tivesse respondido afirmativamente (em lugar de negativamente) ao referido quesito 8º da Base Instrutória. Quid juris ? Sob o ponto de vista formal, há que reconhecer que a ora Apelada cumpriu o que lhe era exigido pela lei processual para poder atacar a decisão de facto da 1.ª instância, na medida em que indicou o concreto ponto de facto que considera incorrectamente julgado (al. a) do n.º 1 do cit. art.º 685.º-B, do CPC) e referiu os concretos meios probatórios, constantes do processo, que – na sua perspectiva - imporiam decisão de facto diversa da recorrida (al. b) do n.º 1 do mesmo art.º 685.º-B), tendo curado de o fazer por referência ao assinalado na acta, nos termos do art. 522º, nº 2, do CPC (com menção expressa e precisa das passagens da gravação em que se funda – como o exige o nº 2 do cit. art. 685º-B). Falta, porém, saber se o referido Quesito 8º da Base Instrutória – que constitui o único segmento da decisão sobre matéria de facto proferida pelo tribunal de 1ª instância posto em crise no presente recurso – podia e devia ter sido considerado provado, em face das provas e contra-provas produzidas por ambas as partes. Isto dando de barato que o facto indagado no aludido Quesito 8º (se, aquando da aludida escritura pública intitulada de “arrendamento”, outorgada em .../2/1959, as partes acordaram que o arrendamento abrangia o espaço relativo ao barracão supra indicado) era, em si mesmo, susceptível de ser provado por testemunhas – o que (como vimos supra) não é sequer o caso, em vista da proibição estabelecida no cit. artigo 394º, nº 1, do Código Civil, dado trata-se duma convenção contrária ou, pelo menos, adicional ao conteúdo da escritura pública outorgada em ...02.1959, no Cartório Notarial de S..., pela qual foi dado de arrendamento à ora Ré, tão só, “a parte do rés-do-chão do prédio referido em A), com o número 78 de polícia, composto de uma grande divisão e pátio que lhe corresponde”. Tendo-se procedido à audição integral do CD em que ficaram registados os depoimentos prestados em audiência de julgamento pelas testemunhas que – segundo a ora Ré/Apelada/Impugnante – teriam confirmado, de forma satisfatória e convincente, a sua versão factual, pôde esta Relação confirmar que: a) nenhuma das testemunhas inquiridas em audiência de julgamento presenciou ou esteve sequer a par das negociações que culminaram na celebração da escritura pública de arrendamento outorgada em 27/2/1959, pela qual o então proprietário do imóvel (GC) declarou que dava de arrendamento à “RS, Limitada”, então representada por JM e LS, que disseram aceitar, a parte do ... do prédio sito na Avenida ..., ...,... e ..., em S..., freguesia de..., composto de casa de ..., ... andar e águas furtadas, com 130 metros quadrados e logradouro de 793 metros quadrados, descrito na 2.ª Conservatória do Registo Predial de S... com o n.º ... e inscrito na respectiva sob o artigo ...º, com o número 78 de polícia, composto de uma grande divisão e pátio que lhe corresponde, para o comércio e indústria de restaurante, casa de pasto, venda de vinhos e seis derivados, ou qualquer outro ramo de negócio que a inquilina resolva explorar, pelo prazo de seis meses, a começar em 01.03.1959, mediante a retribuição mensal de Esc. 800$00 (oitocentos escudos); b) as testemunhas que depuseram sobre a matéria do objecto do arrendamento limitaram-se a tecer juízos e interpretações pessoais sobre essa matéria, sem qualquer fundamento em percepções directas do conteúdo das negociações conducentes à outorga da referida escritura pública; c) tudo quanto resultou da prova testemunhal produzida foi a realidade fáctica traduzida nas respostas dadas aos Quesitos 1º, 1º-A, 2º, 5º, 6º e 14º da Base Instrutória: o barracão em questão foi usado desde sempre (i. é, desde o começo de vigência do arrendamento, em 1/3/1959) pela sociedade arrendatária, sem que se tenha apurado o que senhorio e arrendatária acordaram, em concreto, nessa altura, a tal respeito. Assim sendo, não se provou nem a versão dos AA. (vertida no Quesito 1º), nem a da Ré (contida no mencionado Quesito 8º) mas apenas o facto em si mesmo: o barracão foi usado pela sociedade arrendatária desde que abriu o restaurante e sem oposição de ninguém (numa 1ª fase para aí guardar pipas de vinho, vasilhame e cereais e como adega, para fazer e servir petiscos, e mais tarde, após as obras aí realizadas pela Ré, por volta de 1980, como cozinha). Só em 2003 é que os AA. se opuseram, pela 1ª vez, a essa utilização do espaço correspondente ao barracão/cozinha por parte da Ré, através da acção judicial de despejo julgada improcedente (por erro na forma processual utilizada: despejo em lugar de reivindicação). Assim sendo, não há, pois, que alterar a decisão recorrida, quanto à matéria de facto, visto que não se mostra verificado qualquer dos fundamentos tipificados no n.º 1 do art.º 712.º do CPC, improcedendo, por isso, o recurso quanto à impugnação da matéria de facto, mantendo-se intocada a fixada pela 1ª instância, mormente no que concerne à resposta (de “não provado”) dada ao Quesito 8º da Base Instrutória. Mantendo-se inalterada a decisão sobre matéria de facto, nomeadamente a resposta negativa dada em 1ª instância ao aludido Quesito 8º da Base Instrutória, óbvio é que a resolução da 2ª questão de direito suscitada nas Conclusões da Alegação dos Apelantes não sofre o impacto que resultaria da eventual prova do facto indagado naquele Quesito 8º. Permanecendo improvada a tese da extensão do objecto do arrendamento da fracção correspondente ao rés-do-chão-esquerdo do imóvel ao mencionado barracão sito nas traseiras desse rés-do-chão, ulteriormente convertido pela Ré) em cozinha, óbvio é que a Ré não logra obstar à condenação na entrega do correspondente espaço físico aos Autores/Apelantes (art. 1311º-2 do Cód. Civil). A mera circunstância de os Autores/Apelantes (e os seus antecessores jurídicos) não se terem oposto, durante décadas, à utilização feita pela Ré do aludido barracão, bem como à ulterior transformação deste em cozinha, não paralisa, em nome do instituto do abuso de direito, o exercício do direito dos Autores de pedir o reconhecimento do seu direito de propriedade sobre o espaço físico em questão e a consequente condenação da Ré a restituir-lho, já que – como se sabe – a acção de reivindicação não prescreve pelo decurso do tempo (art. 1313º do Cód. Civil). Só assim não seria se o direito do arrendatário se revestisse de natureza real, caso em que se poderia, eventualmente, hipotizar a constituição, por usucapião, dum arrendamento do espaço físico correspondente ao aludido barracão, constituído a favor da ora Ré. Simplesmente, o arrendamento não possui, entre nós, a natureza de direito real (tese abraçada, na doutrina nacional, por um único Autor – ANTÓNIO MENEZES CORDEIRO – e que é vivamente repudiada por todos os demais civilistas, especialmente pelos mestres coimbrões – ANTUNES VARELA, PIRES DE LIMA e HENRIQUE MESQUITA – que tiveram especial protagonismo no processo legislativo que culminou no actual Livro III do Código Civil de 1966, diploma nesta parte quase integralmente ainda em vigor na sua versão originária) e, como tal, é insusceptível de ser adquirido por usucapião. Consequentemente, a sentença recorrida não pode subsistir, ao menos no segmento – posto em crise no recurso dos Autores - em que julgou improcedente o pedido de condenação da Ré a restituir aos Autores o espaço em causa, livre e desocupado de pessoas e bens, bem como na parte em que absolveu a Ré do pedido da sua condenação a repor o espaço em questão no estado em que ele se encontrava, quando a Ré o ocupou. DECISÃO Acordam os juízes desta Relação em conceder provimento à Apelação, revogando a sentença recorrida e condenando a ora Ré/Apelada: - a reconhecer que os Autores são donos e legítimos proprietários do espaço ocupado pelo barracão e onde a Ré construiu a cozinha; - a repor esse espaço no estado em que o mesmo se encontrava quando a Ré o ocupou; - a restituir aos Autores o espaço em causa, livre e desocupado de pessoas e bens. Custas da Apelação a cargo da Ré/Apelada. Custas da acção a cargo dos Autores/Apelantes e da Ré/Apelada, na proporção de 1/5 e de 4/5, respectivamente. Lisboa, 21/1/2014 Rui Torres Vouga (relator) Maria do Rosário Gonçalves (1º-Adjunto) Graça Araújo (2º-Adjunto) --------------------------------------------------------------------------------------------------------------- [1] Cfr., neste sentido, ALBERTO DOS REIS in “Código de Processo Civil Anotado”, vol. V, págs. 362 e 363. [2] Cfr., também neste sentido, os Acórdãos do STJ de 6/5/1987 (in Tribuna da Justiça, nºs 32/33, p. 30), de 13/3/1991 (in Actualidade Jurídica, nº 17, p. 3), de 12/12/1995 (in BMJ nº 452, p. 385) e de 14/4/1999 (in BMJ nº 486, p. 279). [3] O que, na alegação (rectius, nas suas conclusões), o recorrente não pode é ampliar o objecto do recurso anteriormente definido (no requerimento de interposição de recurso). [4] A restrição do objecto do recurso pode resultar do simples facto de, nas conclusões, o recorrente impugnar apenas a solução dada a uma determinada questão: cfr., neste sentido, ALBERTO DOS REIS (in “Código de Processo Civil Anotado”, vol. V, págs. 308-309 e 363), CASTRO MENDES (in “Direito Processual Civil”, 3º, p. 65) e RODRIGUES BASTOS (in “Notas ao Código de Processo Civil”, vol. 3º, 1972, pp. 286 e 299). [5] LEBRE DE FREITAS-MONTALVÃO MACHADO-RUI PINTO in “Código de Processo Civil Anotado”, Vol. 2º, 2001, p. 670. [6] LEBRE DE FREITAS-MONTALVÃO MACHADO-RUI PINTO, ibidem. [7] Cfr., igualmente no sentido de que, «nos casos abrangidos pelo artigo 668º, nº 1, c), há um vício real no raciocínio do julgador (e não um simples lapsus calami do autor da sentença): a fundamentação aponta num sentido; a decisão segue caminho oposto ou, pelo menos, direcção diferente»», ANTUNES VARELA in “Manual de Processo Civil”, 2ª ed., 1985, p. 690. [8] Ac. da Rel. do Porto de 13/11/1974 (sumariado in BMJ nº 241, p. 344) e Ac. do S.T.J. de 21/10/1988 (in BMJ nº 380, p. 444). [9] «A nulidade da sentença, por oposição entre os fundamentos e a decisão, só ocorre quando a decisão seguiu caminho diferente do sentido apontado pelos fundamentos» (Ac. da Rel. do Porto de 12/4/1999 in Col. Jur., 1999, tomo II, p. 251). «Tal vício não existe quando a decisão se apresenta como consequência lógica dos fundamentos realmente invocados» (ibidem). [10] Ac. do S.T.J. de 21/1/1978 (in BMJ nº 281, p. 241). [11] Ac. do S.T.J. de 30/5/1987 (in BMJ nº 387, p. 456). [12] Ac. do S.T.J. de 13/2/1997 (in Col. Jur./STJ, 1997, tomo I, p. 104). [13] Efectivamente, «nem todas as acções reais, isto é, destinadas a fazer valer um direito real, são acções de reivindicação. A acção de reivindicação caracteriza-se pelos pedidos de reconhecimento do direito invocado (pronuntiatio), de natureza formal, e de entrega do bem reivindicado (condemnatio). Quando limitada a pretensão submetida a juízo à declaração do direito invocado estar-se-à perante acção de simples apreciação positiva, e não perante acção de reivindicação, que é uma acção de condenação» - Ac. do STJ de 22/1/2004 (Proc. nº 03B3959; Relator – OLIVEIRA BARROS), cujo texto integral está acessível no sítio da Internet www.dgsi.pt. [14] Cfr., neste sentido, PIRES DE LIMA e ANTUNES VARELA (in "Código Civil Anotado", vol. III, 2ª ed., Coimbra, 1984, pág. 113) e MANUEL RO_DRIGUES JÚNIOR ("A Reivindicação no direito civil português", in Revista de Legislação e de Jurisprudência, ano 57º, págs. 114, 115 e 129). [15] In Rev. de Leg. e de Jurispª, ano 116º, pág. 16, nota 2. [16] Ibidem. [17] Cfr., igualmente no sentido de que «a detenção indevida que na pura reivindicatória não tem o significado de facto ilícito, fonte de obrigações em sentido técnico, pode, todavia, assim dever considerar-se desde que se verifique o prejuízo e demais elementos da responsabilidade civil», MANUEL SALVADOR in “Suplemento aos Elementos da Reivindicação”, 1962, p. 35. «Então, ao lado do pedido de entrega haverá mais o do pagamento de indemnizações» (ibidem). Quando tal suceda, MANUEL SALVADOR entende (in ob. cit. p. 37), na esteira de PAULO CUNHA, que «a cumulação dos pedidos é real e não aparente, embora um principal (note-se que o pedido principal é o reconhecimento do direito e não o de largar mão dos prédios) e o acessório do pagamento de indemnizações». [18] Cfr. também, no sentido de que nada impede que se acrescentem aos dois pedidos que integram e caracterizam a acção de reivindicação (o pedido de reconhecimento do direito de propriedade e o da entrega do prédio) outros pedidos acessórios, tais como o pedido de indemnização por danos causados pelo demandado ou o pedido de demolição de obra indevidamente feita na coisa reivindicada, o Ac. da Rel. de Coimbra de 10/5/1988 (in Col. Jur. 1988, tomo 3, p. 63), o Ac. da Rel. do Porto de 16/3/1989 (sumariado in BMJ nº 385, p. 603), o Ac. do Supremo Tribunal de Justiça de 27/11/1991 (in BMJ nº 411, p. 559) e os Acs. da Rel. de Coimbra de 7/1/1992 (sumariado in BMJ nº 413, p. 619) e de 12/7/1995 (sumariado in BMJ nº 449, p. 446). [19] Cfr., neste sentido, MENESES CORDEIRO in “Direitos Reais”, II vol., 1979, p. 846. [20] MENESES CORDEIRO in ob. e vol. citt., p. 847. [21] MENESES CORDEIRO in ob. e vol. citt., p. 848. [22] Cfr., neste sentido, PIRES DE LIMA-ANTUNES VARELA, in ob. e vol. citt., p. 115 e MANUEL RODRIGUES "A Reivindicação..." cit., in loc. cit., págs. 161-162 e 177-178. [23] Cfr., também no sentido de que, nas acções de reivindicação, «para efeito de prova da propriedade, se a aquisição for derivada, não basta provar a que título a aquisição se operou, é preciso provar que o transmitente já era titular do direito», o Ac. da Rel. de Lisboa de 10/5/1978 (in Col. Jur., 1978, tomo 3, p. 931). [24] Cfr., igualmente no sentido de que, «na acção de reivindicação, cabe ao demandante a prova do direito de propriedade sobre a coisa reivindicada, a qual terá de ser feita através de factos dos quais resulte demonstrada a aquisição originária do domínio, por sua parte ou de qualquer dos antepossuidores: quando a aquisição for derivada, como sucede no caso da transmissão por compra e venda, têm de ser provadas as sucessivas aquisições dos antecessores até à aquisição originária, excepto nos casos em que se verifique a presunção legal da propriedade, como a resultante da posse ou a resultante do registo», o Ac. do Supremo Tribunal de Justiça de 16/6/1983 (in BMJ nº 328, p. 546). [25] Cfr., uma vez mais no sentido de que, «na acção de reivindicação, que é uma acção real, proposta por aquele que se arroga o domínio da coisa contra o possuidor dela, o autor tem de provar uma forma originária de aquisição, não sendo suficiente a alegação e a prova de que a coisa foi comprada ou doada, visto que a compra e venda e a doação são apenas translativas do direito e não constitutivas dele», o Ac. da Rel. do Porto de 20/9/1990 (sumariado in BMJ nº 399, p. 573). [26] Cfr., ainda no sentido de que, «na acção de reivindicação de propriedade, a causa de pedir é o direito de propriedade violado pelo detentor da coisa», sendo que «a alegação e prova pertencem ao peticionante, a fazer conforme invoque uma forma de aquisição originária, como prova dos factos donde emerge o seu direito, ou uma forma de aquisição derivada, em que não basta provar a existência do negócio pretensamente translativo, mas em que é necessário provar o dominium auctoris ou a usucapião», o Ac. do Supremo Tribunal de Justiça de 4/2/1993 (in Col. Jur./Acs. do STJ, 1993, tomo 1, p. 137). [27] Cfr., uma vez mais no sentido de que «o mero contrato de compra e venda, aquisição derivada, não confere a qualidade de proprietário para efeitos reivindicativos», o Ac. da Rel. do Porto de 22/1/1994 (in Col. Jur., 1994, tomo 1, p. 216). [28] Cfr., todavia, no sentido de que, «apesar de competir ao autor, na acção de reivindicação, a prova do invocado direito de propriedade e de a aquisição derivada ser dominada pelo princípio nemo plus jus ad alium transferre potest quam ipse habet, deve admitir-se que a prova do direito do autor resulte de confissão do réu, nomeadamente quando o facto ficou a constar da especificação», o Ac. do Supremo Tribunal de Justiça de 29/4/1992 (in BMJ nº 416, p. 595). [29] Cfr., porém, no sentido de que, «numa acção de reivindicação proposta contra quem, alegadamente, se apropriou do imóvel por acto abusivo (ocupação por arrombamento), basta a invocação da aquisição derivada (compra e venda), o Ac. da Rel. de Lisboa de 7/5/1994 (sumariado in BMJ nº 437, p. 559). [30] Vide, nesta linha, o voto de vencido subscrito pelo Conselheiro Abel de Campos no Acórdão do S.T.J. de 29/10/1974 (in BMJ nº 240, p. 220). [31] É que - como se notou no Acórdão do S.T.J. de 17/1/1985 (in BMJ nº 343, p. 335) - da definição legal de presunção (constante do art. 349º do Cód. Civ.) resulta que quer as presunções legais, quer as judiciais, são ilações que se tiram de um facto conhecido para firmar um facto desconhecido, sendo certo que, segundo o art. 350º, nº 1, do mesmo Código, quem tiver a seu favor uma presunção legal escusa de provar o facto a que ela conduz. Por isso, o beneficiário da presunção estabelecida no art. 7º do Cód. do Reg. Pred. (presunção de que o direito de propriedade existe e de que pertence à pessoa em nome de quem está inscrito) apenas estaria dispensado do ónus de provar o facto desconhecido a que aquela presunção conduz; mas não estaria isentado do ónus de alegar os factos indispensáveis à procedência da acção de reivindicação em que seja autor. Isto é: visto que as presunções legais importam a inversão do ónus da prova (art. 344º, nº 1, do Cód. Civ.), o ónus da prova não acompanha, in casu, o ónus de alegação, pelo que não incumbe à parte favorecida com a prova mas onerada com a alegação a demonstração do facto (cfr. Miguel Teixeira de Sousa, in "Teoria Geral do Processo Declarativo", ed. policopiada da Associação Académica da Fac. de Dtº de Lisboa, 1982/83, pág. 344). De modo que, à luz deste critério rigorista, não suprindo a junção aos autos da certidão comprovativa da inscrição registral (da aquisição a favor do A.) a falta de alegação de qualquer modo de aquisição originária do domínio, a petição inicial deveria ter-se por inepta. [32] Publicado in BMJ nº 343, p. 335. [33] No Acórdão do S.T.J. de 28/5/1981 (publicado in BMJ nº 307, p. 266) - relatado, curiosamente, pelo subscritor do voto de vencido, supra aludido, no Ac. do mesmo Tribunal de 29/10/1974 -, entendeu-se igualmente que, «desde que, segundo a melhor doutrina, «o documento junto com a petição deve considerar-se parte integrante da mesma e por isso supre as lacunas de que a petição enferme» (Alberto dos Reis, Comentário ao Código de Processo Civil, vol. 2º, pág. 364, nota, e Acórdão da Relação de Lisboa de 19/2/1971, citado Boletim nº 204, p. 193), também poderá atribuir-se idêntica virtualidade à certidão registral do domínio e causa da sua aquisição, ainda que apresentada ulteriormente, quando o seu conteúdo não for impugnado pela parte contrária». Muito mais impressivos nos parecem, porém, os argumentos aduzidos no aresto primeiramente citado (o de 17/1/85, publicado in BMJ nº 343, p. 335). O texto do art. 7º do Cód. do Reg. Pred. coaduna-se, na verdade, melhor com a noção de presunção de direito, no sentido de presunção dirigida directamente à existência de um direito ou de uma relação jurídica, do que com a noção de presunção de facto subjacente ao art. 349º do Cód. Civil. [34] Cfr., também no sentido de que «basta a presunção do registo predial para fundamentar a acção de reivindicação», o Ac. da Rel. de Lisboa de 20/2/1981 (sumariado in BMJ nº 309, p. 390). [35] Cfr., de igual modo no sentido de que «o autor, em acção de reivindicação, terá sempre de alegar (e provar) uma forma de aquisição originária do direito de propriedade invocado, para além do título translativo, a não ser que invoque (e prove) a inscrição do prédio, objecto da lide, a seu favor», o Ac. da Rel. de Évora de 12/6/1986 (sumariado in BMJ nº 360, p. 677). [36] Cfr., também no sentido de que, embora, «na acção de reivindicação, deva, em princípio, o autor provar (e, por isso, alegar) a existência de um título de aquisição originária», já «não será assim, porém, se não for contestada a aquisição derivada, se beneficiar da presunção resultante do registo (cabendo então ao réu ilidi-la) ou se a aquisição derivada invocada resulta da partilha em que o réu haja intervindo como interessado», o Ac. do Supremo Tribunal de Justiça de 26/5/1987 (in BMJ nº 367, p. 575). [37] Cfr., igualmente no sentido de que «basta para a procedência da acção de reivindicação a presunção, não ilidida, do registo predial de inscrição de transmissão do prédio a favor do reivindicante se o transmitente for o último titular do direito inscrito no registo e isto se provar», o Ac. do Supremo Tribunal de Justiça de 6/1/1988 (in BMJ nº 373, p. 532). [38] Cfr., ainda no sentido de que embora «na acção de reivindicação, o proprietário tenha de provar a aquisição originária para exigir o reconhecimento do seu direito de propriedade; no entanto, se a favor do autor se verifica presunção legal de propriedade, designadamente a resultante do registo, o pedido pode basear-se nela», o Ac. do Supremo Tribunal de Justiça de 18/2/1988 (in BMJ nº 374, p. 414). [39] Cfr., uma vez mais no sentido de que, «demonstrando o autor de acção de reivindicação que o imóvel em causa se encontra definitivamente registado como sua propriedade, compete ao réu o ónus de ilidir a presunção legal derivada desse registo», o Ac. da Rel. de Coimbra de 10/1/1989 (sumariado in BMJ nº 383, p. 632). [40] Cfr., sempre no sentido de que, «na acção de reivindicação o facto jurídico de que deriva o direito de propriedade só pode ser constituído pela alegação de uma das formas originárias de adquirir, salvo se, por invocada a presunção do artigo 7.º do Código do Registo Predial, ficar dispensado da alegação de factos conducentes ao domínio, “ex vi” do disposto no artigo 350.º, n.ºs 1 e 2 do Código Civil», o Ac. do STJ de 8/2/2011 (Processo nº 12/09 9T2STC.E1.S1.; Relator – SEBASTIÃO PÓVOAS), cujo texto integral está acessível, vis Internet, no sítio www.dgsi.pt. [41] Cfr., neste sentido, Alberto Catarino Nunes (in «Código do Registo Predial Anotado», 1968, pág. 222, em anotação ao art. 8º do Código aprovado pelo Decreto-Lei nº 47611, de 28/3/1967 - disposição correspondente ao art. 7º do Código aprovado pelo Decreto-Lei nº 224/84, de 6 de Julho, actualmente em vigor). [42] Cfr., neste sentido, PIRES DE LIMA-ANTUNES VARELA, in ob. e vol. citt., p. 116. [43] Simultaneamente, há-de então o réu formular, na contestação, em via de reconvenção, o pedido de cancelamento da inscrição registral do facto que corporiza a aquisição, por parte do autor, do direito de propriedade sobre a coisa objecto da acção, suposto que se trate de um prédio (art. 8º, nº 1, do Cód. do Reg. Predial), sob pena de a impugnação dos factos abonados pelo registo ser inoperante (cfr., neste sentido, Acórdão do S.T.J. de 4/7/1972, in BMJ nº 219, p. 196). [44] Cfr., neste sentido, os Acórdãos do S.T.J. de 25/1/1974, de 24/2/1976, de 11/1/1979, de 2/12/1986, de 2/2/1990 e de 7/2/1995 (respectivamente in BMJ nºs 233 p. 195, 254 p. 167, 283 p. 234, 362 p. 537, 394 p. 481 e 444 p. 618), e os Acórdãos da Relação de Lisboa de 10/5/1978 (in Colect. de Jurispª, ano III, tomo 3, p. 931), da Relação do Porto de 31/1/1978 (in Colect. de Jurispª, ano III, tomo 1, p. 164), de 8/7/1982 (in Colect. de Jurispª, ano VII, tomo 4, p. 202), de 22/1/1994 (in Col. Jurispª, 1994, tomo 1, p. 216), da Relação de Coimbra de 9/12/1987 (in BMJ nº 372 p. 476), de 10/12/1991 (in BMJ nº 412, p. 559) e de 4/5/1993 (sumariado in BMJ nº 427, p. 592) e da Relação de Évora de 19/2/1987 (in Colect. de Jurispª, 1987, tomo 1, p. 306) e de 26/1/1989 (sumariado in BMJ nº 383, p. 632). [45] Com efeito - como bem observa MIGUEL TEIXEIRA DE SOUSA (in “A Acção de Despejo”, Lx., 1991, p. 20) -, «a distinção entre o objecto da acção de reivindicação e da acção de despejo não obsta a que a subsistência de um contrato de arrendamento entre as partes possa ser excepcionada e discutida numa acção de reivindicação». «Conforme resulta do art. 1311º, nº 2, CC, se na acção de reivindicação houver o reconhecimento do direito de propriedade, a restituição da coisa só pode ser recusada se o demandado possuir um título legítimo de posse da coisa: esse título pode ser um contrato de arrendamento do prédio reivindicado, pelo que o réu da acção de reivindicação pode impedir a condenação na restituição da coisa se excepcionar aquele título de posse» (ibidem): cfr., neste sentido, o Ac. da Rel. de Évora de 24/7/1974 (in BMJ nº 240, p. 279), o Ac. da Rel. de Lx. de 8/3/1978 (in BMJ nº 277, p. 307), os Acs. do STJ de 4/7/1980 (in BMJ nº 299, p. 320), de 18/12/1984 (in BMJ nº 342, p. 387) e de 26/1/1988 (in BMJ nº 373, p. 479) e o Ac. da Rel. de Lx. de 17/11/1983 (in Col. Jur. 1983, tomo 5, p. 113). [46] Cfr., no mesmo sentido, os Acórdãos da mesma Relação de 27/3/1974 (in BMJ nº 235, p.356) e de 26/10/1977 (in Col. Jur. 1977, tomo 5, p. 1199) e os Acórdãos do S.T.J. de 21/12/1978 (in BMJ nº 282, p.187), de 8/5/1979 (in BMJ nº 287, p.305), de 4/7/1980 (in BMJ nº 299, p. 320) e de 2/12/1986 (in BMJ nº 362, p. 537). [47] «Demonstrado o direito de propriedade, só é possível evitar a restituição desde que se demonstre a existência sobre ela de qualquer outro direito real que justifique a posse de outrém ou que a detém por virtude de direito pessoal bastante» (Ac. do STJ de 9/7/1991, proferido no Proc. nº 080646; Relator – CURA MARIANO, cujo texto integral está acessível no sítio da Internet www.dgsi.pt). [48] «Esses casos impeditivos da restituição ocorrem quando o Réu na acção tem uma ligação à coisa reivindicada, uma relação jurídica que permite não qualificar a ocupação como abusiva, "verbi gratia" se a fruição se abriga num contrato de arrendamento, ou comodato» - Ac. da Rel. do Porto de 8/5/2000 (Proc. nº 0050543; Relator – FONSECA RAMOS), cujo sumário está acessível, via Internet, no sítio www.dgsi.pt. [49] Cfr., no sentido de que se defende por excepção o réu em acção de reivindicação que alega ser locatário do prédio reivindicado, o Ac. da Rel. de Coimbra de 12/5/1987 (in BMJ nº 367, p. 576). [50] Cfr., igualmente no sentido de que «a invocação do arrendamento para paralisar o efeito do n.º 2 do artigo 1311.º do Código Civil tem a natureza de excepção peremptória», o Ac. do STJ de 8/2/2011 (Proc. nº 12/09 9T2STC.E1.S1; Relator – SEBASTIÃO PÓVOAS), cujo texto integral está acessível no sítio da Internet www.dgsi.pt. [51] «Numa acção de reivindicação o ónus da prova dos reivindicantes consiste na demonstração de que são os proprietários do imóvel reivindicado e de que este se encontra sob o uso material dos RR, a quem cabe alegar e provar que têm título legítimo para a ocupação». «Assim, os RR, neste tipo de acção, têm de alegar e provar a excepção peremptória, sem necessidade de reconvenção, sob pena de, não o fazendo, sucumbirem na acção» (Ac. da Rel. do Porto de 22/5/2001, proferido no Proc. nº 877-2001 e relatado pelo Desembargador EDUARDO ANTUNES, cujo texto integral está acessível no sítio da Internet www.dgsi.pt). [52] Efectivamente, «na acção de reivindicação, não impende sobre o reivindicante ónus de evidenciar a inexistência de um título eventualmente legitimador da ocupação pelo réu; mas impende sobre o réu ónus de demonstração de existência desse título» (Ac. do STJ de 7/2/1995 [Proc. nº 086254; relator - CARDONA FERREIRA], cujo texto integral está acessível no sítio da Internet www.dgsi.pt). [53] Perguntava-se se “A R. passou a utilizar o barracão referido em S) por mera tolerância dos AA.” e respondeu-se: “Provado apenas que a R. passou a utilizar o barracão desde a data do arrendamento sem oposição de ninguém”. [54] Perguntava-se se “em 2000 a Ré instalou nesse barracão uma cozinha, bem sabendo que aquele espaço nunca fez parte do arrendamento indicado em N) e O)” e respondeu-se: “Provado apenas que por volta de 1980 [a Ré] ai instalou uma cozinha”. [55] Ac. do STJ de 20 de Junho de 2006 (Proc. nº 06A1647), cujo texto integral está acessível, via Internet, no sítio www.dgsi.pt. [56] Cfr., também no sentido de que «É permitido às instâncias extrair conclusões ou ilações da matéria de facto dada por provada, Esclarecendo-a e completando-a (art. 349° C.Civil). Essencial é que não seja alterada a base factual e que a ilação ou conclusão se apresente como um desenvolvimento lógico dessa factualidade. Já não pode é a Relação dar como provado, com base em presunções, o que na resposta à base instrutória foi considerado não provado, já que tal implicaria uma alteração das respostas aos pontos controvertidos da matéria de facto fora das hipóteses previstas no n° l do art. 712° C.Pr.Civil.», o Acórdão do STJ de 6/11/2008 (Proc. nº 08B3232; Relator – ALBERTO SOBRINHO), acessível (o texto integral) in www.dg.i.pt. [57] Cfr., igualmente no sentido de que «as presunções, enquanto meios de prova, não podem eliminar as regras do ónus da prova nem são meio admissível para alterar as respostas aos factos, não podendo servir para inferir um facto que se deu como não provado», o Acórdão do STJ de 11/12/2012 (Proc. nº 1135/10.7TVLSB.L1.S1; Relator – GRANJA DA FONSECA), acessível (o texto integral) in www.dgsi.pt. [58] Acórdão da Relação do Porto de 17/9/2009 (Proc. nº 955/08.7TBLSD.P1; Relator – JOSÉ FERRAZ), cujo texto integral está acessível, via Internet, no sítio www.dgsi.pt. [59] Cit. Acórdão da Relação do Porto de 17/9/2009. [60] Cit. Acórdão da Relação do Porto de 17/9/2009. | ||
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