Acórdão do Tribunal da Relação de Lisboa | |||
Processo: |
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Relator: | ISABEL CANADAS | ||
Descritores: | ERRO NA FORMA DO PROCESSO PROCESSO COMUM PRESTAÇÃO DE CONTAS | ||
Nº do Documento: | RL | ||
Data do Acordão: | 02/22/2007 | ||
Votação: | UNANIMIDADE | ||
Texto Integral: | S | ||
Meio Processual: | AGRAVO | ||
Decisão: | PROVIDO | ||
Sumário: | I - A forma de processo afere-se em função do tipo de pretensão formulada pelo autor e não em referência à pretensão que devia ser por ele deduzida. II - Ocorre o vício processual de erro na forma de processo quando a pretensão não seja deduzida segundo a forma geral ou especial de processo legalmente previstas. O mesmo só determinará a anulação de todo o processo, (como excepção dilatória) e a absolvição do réu da instância, nos casos em que a própria petição inicial não possa ser aproveitada para a forma de processo adequada (artºs. 199º, nº 1; 288º, nº 1, al. b); 493º, nº 2, e 494º, al. b), todos do C P C.) III - Visando o autor o pagamento de uma quantia líquida, a título de «ressarcimento do que entende constituir seus prejuízos, decorrentes da utilização exclusiva por parte da Ré, sua ex-mulher, do imóvel património comum do casal que constituiu a casa de morada de família de ambos», não ocorre erro na forma de processo a escolha do processo comum para o efeito. Na verdade, não tendo o autor formulado qualquer exigência de prestação de contas e de eventual condenação no pagamento do saldo; carece de qualquer cabimento legal a aplicabilidade do processo especial de prestação de contas, uma vez que a quantia reclamada não é configurada como resultando de um qualquer acto de administração da Ré relativamente a bem comum do dissolvido casal. (G.A) | ||
Decisão Texto Integral: | Acordam, na 2ª Secção Cível do Tribunal da Relação de Lisboa: I. Relatório 1. T instaurou a presente acção declarativa de condenação, com processo ordinário, contra M, pedindo que a Ré seja condenada a pagar-lhe: 4. Realizada a audiência preliminar, foi proferido despacho saneador, que julgou improcedente a arguida excepção dilatória de nulidade de todo o processo, decorrente da ineptidão da petição inicial (por falta de causa de pedir), e que, oficiosamente, «com base em erro na forma processual utilizada pelo Autor», anulou todo o processo e absolveu a Ré da instância.
5. Inconformado com tal despacho incidente sobre o erro na forma do processo, interpôs o A. recurso de agravo do mesmo - que foi recebido com o regime de subida imediata, nos próprios autos e com efeito suspensivo (cfr. despacho de admissibilidade de fls. 68)-, tendo formulado, a rematar a respectiva alegação recursória, as seguintes (transcritas) conclusões: 1ª. Com a presente acção, o Autor visou obter o ressarcimento do que entende constituir seu prejuízo, decorrente da utilização exclusiva por parte da Ré, sua ex-mulher, do imóvel integrado no património comum do casal dissolvido, o qual constituía a casa de morada de família de ambos, na sequência da decretação do divórcio, por sentença de 30-09-1999, com efeitos patrimoniais reportados a 5-10-1988; 2ª. O critério para resolver a questão do erro na forma de processo consiste em pôr o pedido formulado na acção em confronto com o fim, para que, segundo a lei o processo foi estabelecido, nos termos do artigo 460.º, n.º 2, do CPC; 3ª. O fim da acção de prestação de contas é o de estabelecer o montante das receitas cobradas e das despesas efectuadas de modo a obter a definição de um saldo e de determinar a situação do réu – de quite, de devedor, ou de credor – perante o titular dos interesses geridos, com apuramento do crédito para este eventualmente resultante da actuação daquele; 4ª. O processo especial de prestação de contas surge como impróprio para tutelar o direito reivindicado pelo Autor e inaplicável à luz do art.º 460.º, n.º 2 do CPC; 5ª. A acção de prestação de contas é tanto mais descabido “in casu” quanto o facto de ser pacífico entre as partes processuais, bastando para assim apurar a leitura dos respectivos articulados, que a R. não praticou quaisquer actos de frutificação do imóvel, não tendo cobrado quaisquer receitas nem efectuado despesas. 6ª. O Meritíssimo Juiz a quo efectua errada interpretação e aplicação dos artigos 460.º e 1014.º, do CPC, ao determinar que a acção especial de prestação de contas é adequada à pretensão expressa pelo Autor, aqui Recorrente. 7ª. A acção declarativa de condenação, sob a forma de processo ordinário, surge como única fórmula processual apta e idónea a dar guarida ao pedido indemnizatório formulado pelo aqui Recorrente. Conclui pela revogação da decisão recorrida, «ordenando-se o prosseguimento dos autos na instância». II. Delimitação do objecto do recurso Conforme deflui do disposto nos artigos 684º, nº 3, e 690º, nºs 1 e 2, ambos do Cód. Proc. Civil, o âmbito de intervenção do tribunal ad quem é delimitado em função do teor das conclusões com que o recorrente remata a sua alegação (aí indicando, de forma sintética, os fundamentos por que pede a alteração ou anulação da decisão recorrida), só sendo lícito ao tribunal de recurso apreciar as questões desse modo sintetizadas, sem prejuízo das que importe conhecer oficiosamente por imperativo do artº. 660º ex vi do artº. 713º, nº 2, do citado diploma legal. 1. Do contexto processual relevante: - da quantia de 19.500.$00, como sua dívida ao A. relativa ao uso do prédio comum, equivalente a 50% do valor global das rendas vencidas desde Outubro de 2001, acrescida de juros legais, contados desde a data da citação até integral pagamento; - mensalmente, da quantia de 125.000$00, como retribuição pelo uso do referido prédio, seja ou não a título de arrendamento, desde Novembro de 2001 até à efectivação da partilha; - se assim se não entender, o valor das rendas vencidas, desde Outubro de 1988 até Outubro de 2001, relativa ao uso do citado imóvel, e vincendas à razão mensal de 250.000$00, devidas ao património comum indiviso. 1.2. O despacho saneador, ora sob recurso, é do seguinte teor, na parte respeitante ao conhecimento do erro na forma de processo: « Quanto à forma de processo Com a presente acção o Autor visa obter o ressarcimento do que entende constituir seus prejuízos, decorrentes da utilização exclusiva por parte da Ré, sua ex-mulher, do imóvel património comum do casal que constituiu a casa de morada de família de ambos, na sequência da decretação do divórcio, por sentença de 30-9-1999, com efeitos patrimoniais a 5-10-1988, correndo actualmente o respectivo processo de inventário. A acção adequada à pretensão do Autor vem especialmente regulada no Código de Processo Civil, como acção de prestação de contas, nos artigos 1014º a 1019º, dispondo a primeira dessas normas que “a acção de prestação de contas pode ser proposta por quem tenha o direito de exigi-las ou por quem tenha o dever de prestá-las e tem por objecto o apuramento e aprovação das receitas obtidas e das despesas realizadas por quem administra bens alheios e a eventual condenação no pagamento do saldo que se venha a apurar.” Com efeito tal é o que sucede no caso dos autos, em que o Autor pretende que a Ré seja condenada na quantia que reputa adequada, decorrente dos proveitos acrescidos da sua administração e gozo exclusivo de um imóvel que integra o património comum do casal e que é objecto de inventário, na sequência de divórcio de ambos, não estabelecendo a lei qualquer distinção quanto ao facto de o gozo ou administração ser, ou não, remunerado, ou quanto ao facto de a coisa administrada produzir um rendimento directo, de fonte externa, ou um rendimento meramente substitutivo. Sendo certo que a acção de prestação de contas tanto pode ser proposta por quem tenha o direito de exigi-las como por quem tenha o dever de prestá-las (art. 1014º do Cód. Proc. Civil), face ao que é alegado pelo Autor afigura-se que o respectivo processo é dependência do respectivo inventário e deverá correr no Tribunal onde corre o processo de inventário, nos termos do art. 1019º do Cód. Proc. Civil. Ao propor acção declarativa sob a forma de processo comum ordinário, quando a forma de processo adequada à sua pretensão, determinada pelo pedido e tendo em consideração a respectiva causa de pedir, seria a forma de processo especial – acção de prestação de contas, regulada no art. 1014º e seguintes do Cód. Proc. Civil, o Autor incorreu em erro na forma de processo, que constitui nulidade, de conhecimento oficioso do Tribunal, conforme decorre do art. 202º do mesmo diploma. Dispõe o art. 199º do Cód. Proc. Civil que o erro na forma de processo importa a anulação dos actos que não possam ser aproveitados, devendo praticar-se os que forem estritamente necessários para que o processo se aproxime, quanto possível, da forma estabelecida pela lei, bem como que não se devem aproveitar os actos já praticados, se do facto resultar uma diminuição de garantias do réu. Sendo certo que todos os actos praticados no processo pela Ré são inaproveitáveis, sob pena de daí resultar ablação dos direitos que a lei lhe concede na acção de prestação de contas (cfr. art. 1014º-A, nºs 2 e 3 do Cód. Proc. Civil), afigura-se que também os actos praticados pelo Autor são inaproveitáveis, incluindo a petição inicial, atentos o objecto e a tramitação da acção de prestação de contas, bem assim o pedido que da mesma deve constar, conforme dispõe o art.1014º-A, nº1 do Cód. Proc. Civil, totalmente distinto dos pedidos formulados pelo Autor na presente acção. Da insusceptibilidade de aproveitamento de qualquer dos actos praticados decorre a nulidade de todo o processo, que constitui excepção dilatória e é determinante da absolvição da Ré da instância (cfr. arts. 494º, al. b) e 288º, nº 1, al. b) do Cód. Proc. Civil), o que cumpre decidir. Termos em que, com base em erro na forma processual utilizada pelo Autor, anulo todo o processo e absolvo a Ré da instância (arts. 199º, 202º e 288º, nº 1, al. b) do Cód. Proc. Civil)». Para tal efeito, em conformidade com o disposto no artº. 460º do Cód. Proc. Civil: Assim, perante a invocação de um determinado direito subjectivo e livremente escolhida pelo autor a pretensão que contra o réu pretende deduzir, deve aquele, de seguida, ajustar a sua estratégia aos instrumentos processuais criados e, de entre eles, escolher aquele que for legalmente o mais adequado, e, desde logo, a forma de processo.. Por outro lado, partindo da noção de pedido que se colhe dos artºs. 274º, nº 2, al. c) e 498º, nº 3, ambos do Cód. Proc. Civil - efeito jurídico pretendido pelo peticionante, como forma de tutela do seu interesse -, há que considerar que a respectiva formulação integra duas componentes:
2.2. O caso concreto No petitório: - o A. especifica a prestação em que a Ré deve ser condenada (pagamento de uma quantia líquida por parte da Ré devida pelo uso de um prédio que integra o património comum do dissolvido casal / como «ressarcimento do que entende constituir seus prejuízos, decorrentes da utilização exclusiva por parte da Ré, sua ex-mulher, do imóvel património comum do casal que constituiu a casa de morada de família de ambos»); - enuncia o tipo de prestação judiciária (declaração condenatória), E quanto à forma de processo? Nos termos do artº. 460º do Cód. Proc. Civil, a forma de processo declarativo pode ser comum ou especial. Importa, assim, averiguar, se existe alguma forma especial de processo para o tipo de pretensão em apreço. No despacho saneador recorrido sustentou-se: «Com a presente acção o Autor visa obter o ressarcimento do que entende constituir seus prejuízos, decorrentes da utilização exclusiva por parte da Ré, sua ex-mulher, do imóvel património comum do casal que constituiu a casa de morada de família de ambos, na sequência da decretação do divórcio, por sentença de 30-9-1999, com efeitos patrimoniais a 5-10-1988, correndo actualmente o respectivo processo de inventário. A acção adequada à pretensão do Autor vem especialmente regulada no Código de Processo Civil, como acção de prestação de contas, nos artigos 1014º a 1019º, dispondo a primeira dessas normas que “a acção de prestação de contas pode ser proposta por quem tenha o direito de exigi-las ou por quem tenha o dever de prestá-las e tem por objecto o apuramento e aprovação das receitas obtidas e das despesas realizadas por quem administra bens alheios e a eventual condenação no pagamento do saldo que se venha a apurar.” Com efeito tal é o que sucede no caso dos autos, em que o Autor pretende que a Ré seja condenada na quantia que reputa adequada, decorrente dos proveitos acrescidos da sua administração e gozo exclusivo de um imóvel que integra o património comum do casal e que é objecto de inventário, na sequência de divórcio de ambos, não estabelecendo a lei qualquer distinção quanto ao facto de o gozo ou administração ser, ou não, remunerado, ou quanto ao facto de a coisa administrada produzir um rendimento directo, de fonte externa, ou um rendimento meramente substitutivo. Sendo certo que a acção de prestação de contas tanto pode ser proposta por quem tenha o direito de exigi-las como por quem tenha o dever de prestá-las (art. 1014º do Cód. Proc. Civil), face ao que é alegado pelo Autor afigura-se que o respectivo processo é dependência do respectivo inventário e deverá correr no Tribunal onde corre o processo de inventário, nos termos do art. 1019º do Cód. Proc. Civil.» Ora, resolvendo-se a questão do erro na forma do processo em face do pedido formulado na acção em confronto com o fim a que, segundo a lei, o processo especial se destina, averiguemos do objectivo do processo especial de prestação de contas. A acção especial de prestação de contas - processualmente definida nos artºs. 1014º e segs. do Cód. Proc. Civil - tem por objecto o apuramento e aprovação das receitas obtidas e das despesas realizadas por quem administra bens alheios e a eventual condenação no pagamento do saldo que venha a apurar-se. Procedendo ao aludido confronto do pedido formulado pelo A. com o fim para que, segundo a lei, o processo especial de prestação de contas foi estabelecido, concluímos que não há correspondência entre o pedido do A. e tal fim: o A. não formula qualquer exigência de prestação de contas e de eventual condenação no pagamento do saldo; a quantia que reclama não é configurada como resultando de um qualquer acto de administração da Ré relativamente a bem comum do dissolvido casal. Isto é, em momento algum, a afirmação volitiva do efeito jurídico material pretendido pressupõe a qualidade jurídica de obrigada à prestação de contas por banda da Ré. Ao invés, alegando que, dissolvido o casamento por divórcio, os bens comuns, por força da retroação operada, passaram a estar sujeitos ao regime da compropriedade, pretende o A. ser indemnizado do uso exclusivo pela Ré da coisa comum. E dado que a forma de processo depende da pretensão deduzida na acção - não interferindo no julgamento da excepção dilatória em apreço a circunstância de a contextualização da causa de pedir poder apontar para um pedido diferente daquele que foi concretamente formulado, o que consubstanciaria vício já não de ordem processual, mas substantiva -, não existindo forma especial, ao pedido formulado adequa-se o processo comum, sob a forma ordinária, atento o valor declarado para a presente acção, de acordo com o previsto nos artºs. 460º, nº 1; 461º e 462º, todos do Cód. .Proc. Civil, e artº. 24º, nº 1, da Lei nº 3/99, de 13.1. IV. Decisão Posto o que precede, acordam os Juízes desta Secção Cível da Relação de Lisboa em, concedendo provimento ao agravo, revogar, em consequência, o despacho saneador recorrido, na parte em que conheceu, oficiosamente, da excepção dilatória de nulidade de todo o processo, decorrente de erro na forma do processo. Sem custas.
Lisboa, 22 de Fevereiro de 2007 (Processado e integralmente revisto pela relatora, que assina e rubrica as demais folhas) |