Acórdão do Tribunal da Relação de Lisboa
Processo:
39017/03.6YXLSB-A.L1-7
Relator: LUÍS LAMEIRAS
Descritores: APREENSÃO DE VEÍCULO
RESERVA DE PROPRIEDADE
AQUISIÇÃO
MÚTUO
Nº do Documento: RL
Data do Acordão: 01/25/2011
Votação: UNANIMIDADE
Texto Integral: S
Meio Processual: AGRAVO
Decisão: NEGADO PROVIMENTO
Sumário: I – O processo cautelar de apreensão de veículo, no que à compra e venda com reserva de propriedade se refere, tem por objectivo preservar a integridade desse bem, em vista à sua restituição ao vendedor, consequente da resolução do contrato (artigos 15º, nº 1, 16º, nº 1, e 18º, nº 1, do DL nº 54/75, de 12 de Fevereiro);
II – Ainda que exista contrato de financiamento, e o comprador o haja incumprido, a utilização do mecanismo de apreensão cautelar de veículo apenas é permitida como dependência da acção resolutória do contrato de compra e venda;
III – Se o procedimento cautelar for fundado, apenas, na resolução do contrato de financiamento deve ser liminarmente indeferido.
(Sumário do Relator)
Decisão Texto Parcial:
Decisão Texto Integral: Acordam no Tribunal da Relação de Lisboa:

I – Relatório

1. FCE --- (sucursal em Portugal) e F--- SA pro-puseram, em 5 de Novembro de 2003, contra Luís ---, um procedimento cautelar, a pedir a imediata apreensão do automóvel marca Ford, modelo Transit, de matrícula ---, bem como dos respectivos documentos, e a sua entrega à requerente FCE -
Em suma, alegaram ter a requerente F---SA vendido ao reque-rido o referido automóvel; e a requerente FCE --- financiado a aquisição, na quantia de 12.838,98 €, a entregar pelo mutuário em sessenta prestações mensais; que, para garantia de reembolso, foi constituída reserva de propriedade em favor da F---SA. Ocorreu que o requerido deixou de proceder aos pagamen- tos acordados; a FCE --- interpelou-o e acabou por resolver o contrato de fi-nanciamento. O requerido jamais devolveu o automóvel.
Finalmente, de jure, alicerçam o direito cautelar invocado nos Decre-tos-Lei nº 359/91, de 21 de Setembro, e nº 54/75, de 12 de Fevereiro.

2. O procedimento cautelar foi liminarmente indeferido, por manifes-ta improcedência. Em suma, com os fundamentos de que (1) à FCE ---, como financiadora, não são facultados os direitos que o artigo 409º, nº 1, do Código Civil estabelece, e de que (2) se não mostram alegados factos integradores de contrato de alienação com a F---SA; (3) por conseguinte, se não vislum-brando contrato de compra e venda não cumprido; (4) ademais, na acção princi-pal, nem se pediu, como se impunha, a resolução do contrato de compra e venda.

3. Agravaram as requerentes.
E, nas conclusões da alegação, afirmaram, em síntese:
a) A situação descrita no requerimento inicial permite a admissão do procedimento cautelar desencadeado;
b) O agravado não cumpriu o contrato de financiamento e as obrigações que originaram a reserva de propriedade;
c) Está documentada a reserva de propriedade em favor da agravante F ---;
d) O Decreto-Lei nº 54/75, de 12 de Dezembro não exige que se encontrem reunidos na mesma esfera jurídica o direito de crédito e os direitos de resolução do contrato e de reserva de propriedade;
e) Pela tese da decisão agravada a reserva de propriedade seria completamente inútil; a mutuante, por o ser, nunca poderia fazer valer a garantia; nem a vendedora, porque já paga por aquela;
f) A FCE está sub-rogada no direito de reserva de propriedade;
g) Para a providência ser decretada basta provar a inscrição da reserva de propriedade e o não cumprimento das obrigações que originaram a reserva;
h) Deve ser revogado o despacho recorrido e admitido o procedimento cautelar.

4. Não houve resposta.

2. Delimitação do objecto do recurso.
É habitual dizer-se – e é verdade – que são as conclusões do recorrente que delimitam o objecto do recurso (artigo 684º, nº 3, do CPC).
No caso vertente a questão decidenda é, portanto, e no essencial, uma única; a de saber se é viável o procedimento cautelar, a que se referem os artigos 15º a 17º do Decreto-Lei nº 54/75, de 12 de Fevereiro, A redacção aplicável é a pretérita à do Decreto-Lei nº 178-A/2005, de 28 de Outubro. na situação em que vendedor do automóvel seja a entidade, em favor de quem se encontre inscrita a reserva de propriedade, mas a aquisição haja sido feita com base num mútuo concedido por outra entidade, tendo esta entregue a totalidade do preço àquela, e o adquirente não haja cumprido as obrigações emergentes do contrato de mútuo.

II – Fundamentos
1. O contexto processual relevante para a decisão do recurso é o que se colige, desde já, do ponto 1. do relatório deste acórdão e que, segundo cre-mos, não há necessidade de aqui voltar a transcrever.
Vejamos, então, quanto à questão de fundo em causa.

2. O mérito do recurso.

2.1. Questão prévia.
Preliminarmente, não pode deixar de se notar que o procedimento cau-telar foi interposto na já longínqua data de 5 de Novembro de 2003. E faz-se essa nota para justificar algum tipo de lacunas que os autos cautelares contêm, por-ventura aconselhando – mas que se não fará – à obtenção do devido suprimento da parte do tribunal a quo.
Vejamos. O processo cautelar sobe a este tribunal apenas contendo o requerimento inicial do procedimento; completamente desacompanhado de qualquer documento, pese embora a sua referência a par-e-passo como contido na acção principal. A própria decisão recorrida faz apelo ao pedido formulado na acção principal, se bem que desta se omita qualquer outra notícia. A instância esteve – do que intui – suspensa, entre Abril de 2007 e Setembro de 2010, a pretexto do falecimento do requerido mas, a esse título, pouco mais se sabe, para além de que assim terá sido decidido em despacho de fls. 46 dos autos principais (fls. 57). Enfim, dos trâmites próprios do procedimento recursório (fls. 14, 59 e 65), o que não consta é o despacho de sustentação ou reparação a que se refere o artigo 744º do Código de Processo Civil.
Ainda assim. A natureza cautelar (?) do procedimento aconselha a uma imediata decisão sobre o mérito; e esta – porque respeita, afinal, a um despacho liminar – terá por alicerce o que é especificamente alegado pelas agravantes no seu requerimento inicial (fls. 2 a 5); que se crê, apesar de tudo, o bastante para o proferimento no tribunal superior de uma decisão conscienciosa.

2.2. É, no essencial, a seguinte a realidade de facto que subjaz à situação em apreço. O particular quer adquirir, por compra, um automóvel; po-rém, não dispõe do dinheiro para pagar o respectivo preço. Há contudo uma enti-dade financiadora que se dispõe a emprestar-lhe a quantia. O negócio, então, faz-se com os seguintes contornos: a financiadora entrega à vendedora a quantia do preço e o comprador assume a qualidade de mutuário relativamente a essa quantia. Ou seja. Do ponto de vista da vendedora não há particularidade – ela vende, entrega o bem e recebe o preço. Já do ponto de vista de financiadora e de comprador subsiste uma relação negocial duradoura: por via do contrato de crédito, este ficará a pagar aquela, por um período de tempo mais ou menos duradouro, um valor periódico, a título de restituição do empréstimo. Estaremos deste modo perante uma relação tripartida podendo considerar-se ambos os contratos – de compra e venda e de financiamento – como interdependentes e constituindo o segundo uma mera extensão do primeiro. Acórdão da Relação de Lisboa de 11 de Dezembro de 1997 in Colectânea de Jurisprudência XXII-5-120.
A especificidade, porventura principal, do quadro negocial é porém esta. Como a financiadora carece de uma garantia para o seu crédito, assentam as partes – comprador, financiadora e vendedora – em que a propriedade do bem fique reservada para a vendedora, até integral cumprimento do crédito, e de banda do comprador para com a financiadora.
Ora, quid juris se o contrato de crédito for incumprido? Será, neste caso, facultado o uso do mecanismo cautelar a que apela o DL nº 54/75, de 12 de Fevereiro?

2.3. Convém notar que, como é claro, o que está principalmente em causa é o crédito incumprido, o contrato de mútuo que se mostra realizado entre a empresa financiadora e o comprador, e por este insatisfeito.
Do ponto de vista do contrato de compra e venda não se vislumbra qualquer crise; de facto, ele foi ajustado, pago o preço A inequívoca validade da realização da prestação – neste caso, do pagamento do preço – por terceiro, re-sulta do disposto no artigo 767º do Código Civil. e entregue a coisa. Em boa verdade, foi consistentemente cumprido, acabando por realizar efectivamente a função sócio-económica que lhe é própria, como contrato típico e enformado das características particulares que o compõem.
Com um único desvio Este emergente do exercício, pelas partes, do primado da liberdade negocial, quer firmando contratos diferentes dos tipicamente previstos, quer inserindo nestes cláusulas em que entendam por bem assentar (artigo 405º do Código Civil). – o de que o efeito real de transmissão da pro-priedade, que lhe é próprio, Artigo 879º, alínea a), do Código Civil. não teve (ainda) lugar; sendo deixado pelas partes para momento ulterior, precisamente em função do pontual cumprimento do mútuo, igualmente firmado.

2.4. É controverso o papel da reserva de propriedade, assim negocial-mente consagrada pelas partes, neste quadro de garantia de um crédito pertença de uma empresa financiadora, que não é a vendedora do bem ao comprador.
A seu propósito, muita e variada vem sendo a argumentação produzida, ao longo dos anos, sem que seja possível descortinar um caminho de consenso ou, até mesmo, de alguma tendência maioritária. Sobre o assunto, Fernando de Gravato Morais, “Contratos de crédito ao consumo”, páginas 299 a 300. Reflectindo a jurisprudência essa acentuada controvérsia, com peristentes e díspares decisões a tornarem desejável uma intervenção do legislador, nesta matéria, de molde a dissipar dúvidas e obviar à dispersão de correntes decisórias, que pouco contribuem para prestigiar os tribunais e a justiça. Assim, e ao passo que uns, nu-ma visão dita actualista, Sobre a interpretação actualista, neste contexto, veja-se o interessante Acórdão da Relação de Lisboa de 3 de Março de 2009, proferido na apelação nº 11151/08, 7ª secção cível, e relatado pelo Juiz Desembargador Manuel Tomé Soares Gomes. tendem a ajustar os precedentes institutos e quadros legais, com génese em outros contextos sócio-económicos, às actuais condições do mercado de consumo, Acórdãos da Relação de Lisboa de 13 de Fevereiro de 2003 in Colectânea de Jurisprudência XXVII-1-102, de 26 de Abril de 2007, proc.º nº 1614/2007-6, de 26 de Janeiro de 2009, proc.º nº 11279/2008-1, e de 12 de Outubro de 2010, proc.º nº 1129/10.2TBBNV.L1-1, estes in www.dgsi.pt. outros, na perspectiva de que tais quadros normativos não podem ser conformados a outras realidades diferentes daquelas que justifica-ram a sua elaboração, rejeitam um tal ajustamento ou adaptação, propugnando deverem ser os operadores no mercado, no prosseguimento dos respectivos interesses e dentro dos quadros legais que a ordem jurídica lhes confere, a optar pelos mecanismos mais adequados que nela se achem disponíveis, e não por outros que, pensados para situações distintas, só artificialmente ali possam ser tomados em consideração. Acórdãos da Relação de Lisboa de 16 de Dezembro de 2003, proc.º nº 7023/2003-7, e de 9 de Junho de 2005, proc.º nº 5879/2005-2, in www.dgsi.pt. E então, ao passo que para os primeiros, ainda a re-serva de propriedade pode ser accionada, em função da rescisão do contrato de mútuo, já para os segundos se trata de um resultado inadmissível, quando aquela só em função da rescisão de uma compra e venda é concebível; tudo sempre com as decorrências emergentes de cada um de tais raciocinios.

2.5. Vejamos então.
O assunto radica, no seu essencial, na apreciação do regime substantivo da reserva de propriedade (artigo 409º do Código Civil); e, do ponto de vista processual, do mecanismo cautelar da apreensão do veículo (artigos 15º, nº 1, e 16º, nº 1, do Decreto-Lei nº 54/75, de 12 de Fevereiro).
Quanto ao primeiro estabelece assim o artigo 409º, nº 1, do CC:
«Nos contratos de alienação é lícito ao alienante reservar para si a propriedade da coisa até ao cumprimento total ou parcial das obrigações da outra parte ou até à verificação de qualquer outro evento»
É fácil intuir a função principal deste pactum reservati dominii. Pires de Lima e Antunes Varela, “Código Civil anotado”, volume I, 4ª edição, página 376, e volume II, 3ª edição, página 234. Re-tem-se a propriedade do bem – suspendendo a produção do efeito real da venda (artigo 879º, alínea a), do CC) – de maneira a permitir, em caso de incumpri-mento das obrigações do comprador, a subsequente resolução do contrato (arti-gos 886º e 934º do CC); e, por conseguinte, a legitima e consequente reentrada do bem negociado na esfera de disponibilidade do vendedor.
Correspectivamente é a seguinte a disciplina do DL nº 54/75:
« ... não cumpridas as obrigações que originaram a reserva de propriedade, o titular dos respectivos registos pode requerer em juízo a apreensão do veículo e dos seus documentos.» (artigo 15º, nº 1).
«Provados os registos e ..., quando se trate de reserva de proprieda-de, o não cumprimento do contrato por parte do adquirente, o juiz ordenará a imediata apreensão do veículo.» (artigo 16º, nº 1).
«Dentro de quinze dias a contar da data da apreensão, ... o titular do registo de reserva de propriedade deve propor acção de resolução do contrato de alienação.» (artigo 18º, nº 1).
Trata-se aqui de um mecanismo cautelar, especialmente dirigido à aquisição de um bem específico – o veículo automóvel –, e cujo objectivo é o de conferir ao respectivo vendedor um instrumento processual que, com celeridade e eficácia, lhe permita acautelar os seus interesses; quer dizer, estabelecem-se condições adequadas a evitar a deterioração do automóvel no período, as mais das vezes, longo de discussão dos direitos de crédito, que a cláusula de reserva de propriedade tem por objectivo salvaguardar. Pretendeu o legislador prevenir a ocorrência de maiores danos, gerados pelo uso do veículo e pelo risco – que é acrescido em bens desta natureza – da sua deterioração ou destruição, que impossibilitasse o vendedor – que continua a ser proprietário – de o recuperar antes de completamente desvalorizado. Moitinho de Almeida, “O processo cautelar de apreensão de veículos automóveis”, 3ª edição, página 10.
O que está em causa é, primariamente, portanto a obtenção, pelo ven-dedor, do automóvel vendido, consequente à resolução do negócio da venda; Artigos 433º e 289º, nº 1, do Código Civil. e por conseguinte a salvaguarda da sua integridade até ao momento dessa restituição. Sobressaindo a concessão do crédito, aqui, como mero pressuposto resolutivo do negócio, na medida em que não cumprido pelo adquirente.
Com o que, o contrato de mútuo cujo incumprimento esteja na génese da reserva de propriedade nunca se configura, ele mesmo, como a justificação última para a apreensão do veículo, a coberto do regime cautelar em causa; antes se consubstanciando essa pela destruição por via resolutiva do negócio da venda que, aí sim, a insatisfação do mútuo possa explicar.
Com o que parece, agora, claro que a apreensão tutelada no regime sobredito se destina especificamente a proteger a integridade do automóvel vendido e, nessa medida, o conforto da esfera jurídica do vendedor, que haja sido confrontado com a frustração das expectativas criadas com a realização de negócio e, de tal modo, que outra solução lhe não restou que não a da sua destruição, com efeitos retroactivos.
Percebe-se agora, portanto, a referência enfática da lei – e apenas – ao contrato de alienação; como, de igual forma, a identificação da respectiva acção resolutiva (artigos 409º, nº 1, do CC, e 18º, nº 1, do DL nº 54/75). A inexistência da qual faz, aliás, precludir a precedente apreensão (artigo 19º, nº 1, alínea a), do Decreto-Lei nº 54/75). E que difere da outra alternativa – que aliás também justifica a apreensão –, e que é a da hi-poteca sobre o veículo automóvel, esta sim, verdadeira garantia de um direito de crédito, concedido para a concretização da compra, mas cuja insatisfação, ao invés de facultar a resolução desta, o que permite é a promoção da venda do próprio veículo, que desde o negócio já pertence ao adquirente, e para, com o respectivo produto, realizar a prestação debitória carente de realização.
Em suma, sufragamos o entendimento de que a reserva de propriedade com eficácia real, tal como está configurada no artigo 409º do CC, constitui então mecanismo de garantia do proprietário / alienante colimada à resolução do contrato fundada, seja em incumprimento por parte do adquirente (como é a regra), seja até na verificação de qualquer outro evento que as partes tenham previsto, nomeadamente, como fundamento da resolução, mas sempre no âmbito do contrato alienação em causa; assumindo, nessa medida, a cláusula de reserva de propriedade uma natureza de cláusula acessória do mesmo contrato de alienação, maxime do compra e venda, e através do qual se opera a transmissão do direito de propriedade da coisa para o vendedor sob condição suspensiva Lima Pinheiro, “A cláusula de reserva de propriedade”, 1988, página 115..

2.6. Voltando ao caso concreto dos autos.
Não pode ser outro o sentido do alegado no requerimento da provi-dência, Artigo 236º, nº1, do Código Civil. senão o de que o requerido comprou o automóvel à F---SA e que, por outro lado, a FCE --- foi quem lhe emprestou o dinheiro com que o preço foi pago à vendedora. Em favor da F---SA – diz-se nestes autos – está inscrita a reserva de propriedade sobre o automóvel vendido; mas é a esfera da FCE --- que está credora, e carente do cumprimento do vendedor. Foram os créditos desta segunda que justificaram a reserva de propriedade em favor daquela primeira.
Ora, a vendedora tem a sua esfera perfeitamente satisfeita, mediante a realização da prestação debitória a que tinha direito; está meramente em questão o incumprimento do mútuo concedido pela financiadora, o qual entretanto já resolvido, segundo se dá notícia. Por conseguinte, a apreensão do veículo automóvel que, nestes autos, se viesse a decretar não prosseguiria o interesse na sua própria preservação e integridade, como pressuposto da sua entrega em condições à vendedora e consequente da destruição rectroactiva do negócio; a qual aliás até envolveria da parte desta a obrigação de restituir todo o preço, en-tretanto já recebido do mutuário / comprador. Ao invés, e porque subsistindo o negócio da venda – cuja extinção não surge minimamente indiciada –, o que tal providência visaria era suprir o cumprimento das prestações, por banda do requerido, emergentes do contrato de financiamento, porventura, mediante a venda do automóvel restituído e imputação do produto aos débitos existentes.
Mas isto é o próprio do instrumento da hipoteca; que não da reserva.
E nem se fale, aqui, em situação de sub-rogação, como as agravantes parecem querer supor, a qual nem os autos minimamente indiciam, nem nada tem que ver com o nexo negocial que se mostra configurado. A figura da sub-rogação regulamenta as condições em que o terceiro que cumpre a obrigação pode ficar investido nos direitos do credor (artigos 589º e seguintes do Código Civil). Rejeitando-a numa situação perfeitamente análoga à presente, veja-se o Acórdão da Relação de Lisboa de 23 de Novembro de 2000 in Colectânea de Jurisprudência XXV-5-99.
Em suma, o procedimento cautelar está, atentos os pressupostos que o alicerçam, votado ao insucesso; e, por isso, devia, como foi, ser liminarmente indeferido (artigo 234º-A, nº 1, do CPC). Acerca do alcance do regime do indeferimento liminar, contido no artigo 234º-A, nº 1, do Código de Processo Civil, vejam-se José Lebre de Freitas, João Redinha, Rui Pinto, “Código de Processo Civil anotado”, volume 1º, 1999, páginas 399 a 400, e Carlos Lopes do Rego, “Comentários ao Código de Processo Civil”, volume I, 2ª edição, página 218.
Improcedem as conclusões de alegação das agravantes.
E improcede, portanto, o recurso de agravo interposto.

2.7. As custas do recurso são encargo das agravantes, que decairam (artigo 446º, nº 1 e nº 2, do CPC).

3. Síntese conclusiva.
É a seguinte a síntese conclusiva que pode ser feita, a propósito do que fica de essencial quanto ao mérito do presente recurso:

I – O processo cautelar de apreensão de veículo, no que à compra e venda com reserva de propriedade se refere, tem por objectivo preservar a integridade desse bem, em vista à sua restituição ao vendedor, consequente da resolução do contrato (artigos 15º, nº 1, 16º, nº 1, e 18º, nº 1, do DL nº 54/75, de 12 de Fevereiro);
II – Ainda que exista contrato de financiamento, e o comprador o haja incumprido, a utilização do mecanismo de apreensão cautelar de veículo apenas é permitida como dependência da acção resolutória do contrato de compra e venda;
III – Se o procedimento cautelar for fundado, apenas, na resolução do contrato de financiamento deve ser liminarmente indeferido.

III – Decisão
Pelo exposto, acordam os juízes deste Tribunal da Relação em julgar o agravo improcedente e em confirmar a decisão recorrida.

Custas a cargo das agravantes.

Lisboa, 25 de Janeiro de 2011

Luís Filipe Brites Lameiras
Jorge Manuel Roque Nogueira
António Santos Abrantes Geraldes