Acórdão do Tribunal da Relação de Lisboa
Processo:
9308/20.8T8LSB.L1-6
Relator: ADEODATO BROTAS
Descritores: REGULAÇÃO DAS RESPONSABILIDADES PARENTAIS
CAPACIDADE ECONÓMICA
PROGENITOR GUARDIÃO
SUPERIOR INTERESSE DA CRIANÇA
Nº do Documento: RL
Data do Acordão: 10/13/2022
Votação: UNANIMIDADE
Texto Integral: S
Texto Parcial: N
Meio Processual: APELAÇÃO
Decisão: PROCEDENTE
Sumário: 1–Vem sendo entendido que deve considerar-se fundamentada a sentença que, aplica normas jurídicas apesar de não as identificar. Ou seja, o juiz não tem de especificar os artigos ou demais fontes legais de que fez uso, embora não possa deixar de enunciar, de modo expresso ou implícito o teor material da regra ou princípio em que se apoiou.

2–Ocorre ininteligibilidade se da decisão ou de uma parte da decisão se puder retirar mais que um sentido; verifica-se obscuridade se da sentença não se puder retirar sentido algum. Isto é, quando a própria decisão não é compreensível nos termos gerais do artº 236º, ex vi do artº 295º do CC.

3–O não atendimento de um facto que se encontre provado ou a consideração de algum facto que não devesse ser atendido nos termos do artigo 5º, n.º 1 e 2, do CPC, não se traduzem em vícios de omissão ou de excesso de pronúncia, dado que tais factos não constituem, por si, uma questão a resolver nos termos do artigo 608º, nº 2, do CPC.

4–Para efeitos do artº 1880º do CC, a ideia de razoabilidade não abrange a possibilidade de o devedor invocar, para se desonerar da obrigação, desentendimentos e conflitos com os filhos, normais entre gerações diferentes, ou um corte de relações da iniciativa do filho.

5–Os pais divorciados devem suportar as despesas dos filhos, em formação académica, após a maioridade, dentro dos limites das suas possibilidades económicas. O mesmo é dizer que devem ser aferidas as capacidades económicas de cada um dos progenitores para suportarem essas despesas; e se a possibilidade económica do progenitor é superior à da progenitora, essa diferença de capacidades económicas deve reflectir-se na quota-parte dos alimentos à filha que cada um deve suportar.

6–A necessidade de explicações a disciplinas em que o filho apresenta dificuldades é uma decisão que pode ser tomada pelo progenitor residente sem ter de, previamente, obter concordância do outro progenitor. É o progenitor guardião quem está melhor colocado para perceber essas dificuldades e necessidades do filho de obter explicações que ajudem a melhorar o seu desempenho escolar. Aliás, é do superior interesse da criança ser ajudada com explicações com vista a melhorar as suas performances nas disciplinas em que sente dificuldade.

(Sumário elaborado pelo Relator)
Decisão Texto Parcial:
Decisão Texto Integral: Acordam neste colectivo da 6ª Secção Cível do Tribunal da Relação de Lisboa:


I–RELATÓRIO.


1–SCP, instaurou, a 24/04/2020, acção especial para alteração do regime de regulação das responsabilidades parentais quanto, à então menor, B.., contra CPA, com vista a ser fixada uma pensão de alimentos mensal a favor da filha de ambos, não inferior a 400€ mensais e, ser fixada a residência habitual da (então) menor junto do requerente e, ser-lhe atribuída, em exclusivo, a guarda da filha.

Alegou, em síntese, que ele e a requerida se encontram divorciados, tendo acordado na forma como exercem responsabilidades quanto à única filha, então menor, em regime de guarda partilhada. A partir de Setembro de 2019 a menor passou a residir apenas com o progenitor, não tendo voltado a viver com a mãe. Que o requerente, desde 09/05/2018, tem sido ele quem paga todas as despesas da menor, sendo que a requerida em nada contribui para as despesas de alimentação ou outras despesas daquela. No Verão de 2019 a menor necessitou de ter explicações de Geometria Descritiva para se preparar para os exames nacionais do 10 º ano. A necessidade dessas explicações foi reconhecida por ambos os progenitores, mas a requerida não contribuiu para o respectivo custo. Durante o ano lectivo de 2019/2020, a menor teve em média 25 horas de explicações por mês nas disciplinas Português, Filosofia e Geometria ao custo/hora €32,50. Que apenas conseguiu proceder ao pagamento dos valores em causa com apoio do seu pai, avô da então menor. Entende o requerente que a filha deve continuar a viver consigo, devendo a requerida proceder ao pagamento de pensão de alimentos no valor de €400,00 mensais.

2–A requerida respondeu contrariando a versão dos factos trazida a juízo pelo requerente. Indicou as dificuldades em estar com a filha, apesar das tentativas feitas nesse sentido. Considerou ainda a irrazoabilidade dos valores peticionados a título de despesas de estudo, maxime as relativas às explicações.

3–Realizou-se tentativa de conciliação, sendo a mesma infrutífera.
As partes alegaram e apresentaram meios de prova.

4–A jovem atingiu a maioridade a 16/03/2021.

5–Realizado julgamento, no qual foi ouvida a B, com data de 22/02/2022, foi proferida sentença, com o seguinte teor decisório:
IV- Decisão
Face ao que precede e com os fundamentos expostos decide-se julgar a acção proposta pelo Requerente SCP contra a Requerida CPA parcialmente procedente por provada. Em consequência:
A)- Condeno a Requerida a pagar ao Requerente o valor de €150,00 mensais a título de pensão de alimentos devida à filha de ambos …, desde 24 de Abril de 2020 a 16 de Março de 2021;
B)- Condeno a Requerida a pagar ao Requerente de 1 de Abril de 2021 em diante o valor de €100,00 a título de pensão de alimentos a favor da filha comum, maior B… até que a mesma conclua os estudos ou atinja os 25 anos, de vendo a matrícula e aproveitamento escolar daquela ser anualmente comprovados junto da Ré;
C)- Absolvo a Requerida quanto ao demais peticionado”.

6–Inconformado, o requerente interpôs o presente recurso, apresentando as seguintes CONCLUSÕES:
A)–Vem o presente recurso interposto da douta sentença datada de 22/02/2022, proferida pela Meritíssima Juíza 3 do Juízo de Família e Menores de Lisboa, no âmbito do processo n.º 9308/20.8T8LSB, intentado pelo aqui Recorrente contra a ora Recorrida e relativos à Alteração da Regulação das Responsabilidades Parentais relativas à filha de ambos, … e, que, em síntese, condenou a Requerida, ora Recorrida: (a)-a pagar ao Requerente o valor de €150,00 mensais a título de pensão de alimentos devida à filha de ambos, …, desde 24 de Abril de 2020 a 16 de Março de 2021; (b)-a pagar ao Requerente de 1 de Abril de 2021 em diante o valor de €100,00 a título de pensão de alimentos a favor da filha comum, maior, … até que a mesma conclua os estudos ou atinja os 25 anos, de vendo a matrícula e aproveitamento escolar daquela ser anualmente comprovados junto da Ré;
B)–O Recorrente não se conforma com a referida sentença e visa com o presente recurso, por um lado, impugnar a decisão proferida sobre matéria de facto dada como provada e não provada nos termos previstos no n.º 1 do art. 640.º do CPC, adiante especificando os pontos de facto que considera incorretamente julgados, assim como os concretos meios probatórios constantes no processo que impõem decisão sobre os pontos da matéria de facto impugnados diversa da recorrida e, por outro lado, requer a alteração da matéria de facto dada como provada e não provada pelo Tribunal a quo, entendendo-se que este fez uma incorreta apreciação da prova produzida o que determinou um erro no julgamento de facto e, em consequência, na aplicação do Direito
C)–A interposição da presente ação visava adequar o regime (de Regulação das Responsabilidades Parentais) acordado entre os progenitores em 2018, às circunstâncias supervenientes ocorridas na vida da menor e não qualquer intenção antagonizar a Recorrida, chamando à colação os comportamentos da Recorrida que, na ótica do Recorrente, motivaram o seu progressivo afastamento da vida da filha de ambos.
D)–O Recorrente manteve até final essa posição, recusando-se a transformar o presente processo em soez “lavagem de roupa suja”, que em nada beneficiaria a desejável reaproximação da Recorrida à filha e o apaziguamento dos conflitos familiares.
E)–Também e como resulta da contenção do seu depoimento na audiência final, a B optou por não acusar a mãe de comportamentos, necessariamente disruptivos, que motivaram o progressivo distanciamento entre ambas.
F)–Esta postura urbana e pacificadora não foi assim entendida pela Meritíssima Juíza a quo, surtindo o efeito perverso de colocar em causa o próprio caráter da B, retratada como uma filha indigna que “exclui a mãe sem qualquer justificação da sua vida”, apenas por ter ficado “desagradada com o facto da mãe ter comprado uma casa na Amadora e não em Telheiras”.
G)–O Recorrente não aceita e não se conforma com essa visão redutora e injusta, que faz questão de clarificar, como se impõe na defesa da B.
H)–A decisão de condenar a Recorrida no pagamento da pensão mensal de 150€/mês até à data da maioridade da B foi expressa em escassas 15 linhas da douta sentença, das quais nada consta em concreto sobre as premissas e cálculos efetuados para apurar esse valor, que se fixa na parte final dessas linhas de forma patentemente conclusiva.
I)–De facto, após umas notas sobre o estatuto financeiro da Recorrida, nem sequer se cura de analisar os rendimentos do Recorrente ou os rendimentos disponíveis de Recorrente e Recorrida, nem as despesas de uma adolescente, nem a proporção que cada um dos progenitores deveria contribuir para essas despesas, em suma nada é explicado ou fundamentado quanto aos pressupostos da decisão de arbitrar 150€/mês – com a mesma fundamentação, poderia ter sido fixado qualquer outro valor.
J)–Assim, a douta sentença recorrida é, nesta parte nula, por absoluta falta de fundamentação ou de ininteligibilidade na fixação da concreta pensão de 150€/mês até à maioridade da B – cf., alínea b) e 2ª parte, da alínea c), do nº. 1, do artº. 615º, do Cód. de Processo Civil.
K)–Na fixação do valor dos alimentos após a maioridade da B, a douta sentença recorrida sopesou e valorou expressamente um facto que não foi alegado pelas partes, pois a Recorrida nunca invocou que o comportamento da filha fosse relevante em termos das suas responsabilidades alimentícias, antes focando a sua posição face ao pedido de alimentos nas suas limitações financeiras e, quanto às explicações, também na sua desnecessidade.
L)–Assim e sem prejuízo do que, a propósito do Facto Não Provado 2, infra se alega, a douta sentença recorrida é, nesta parte nula, por excesso de pronúncia, já que o Tribunal conheceu e sobrevalorou um facto não invocado por qualquer das partes, concretamente a indignidade da alimentanda – cf., 2ª parte, da alínea d), do nº. 1, do artº. 615º, do Cód. de Processo Civil.
M)–A sentença recorrida incorre em manifestos erros de julgamento na decisão da matéria de facto, presumindo factos sem o necessário estribo probatório, desconsiderando a prova testemunhal recolhida e, em geral, norteando aprioristicamente a sua convicção quanto a cada desses factos pela defesa da posição da Recorrida e pela liminar e sumária condenação da B como única responsável pelo distanciamento entre mãe e filha.
N)–O ponto nº 29 dos Factos Provados (“A mãe não adquiriu casa em Telheiras por não ter possibilidades económicas para isso”) deve ser considerado como não provado, porquanto, na motivação da matéria de facto nada consta sobre as razões da Recorrida ter optado pela compra de uma habitação no concelho da Amadora, decisão que, aliás, violou ostensivamente o excerto do acordo de regulação reproduzido no Facto Provado 8.
O)–A Recorrida diz efetivamente que a aquisição da sua casa na Amadora assentou em razões económicas, mas essa alegação, desacompanhada de qualquer outro conforto documental ou testemunhal nunca poderá ser dada como provada.
P)–A Recorrida nem sequer alega ter procurado casa na zona de Telheiras, nada diz sobre o preço da casa que adquiriu, nada constando dos autos sobre os preços praticados em Telheiras e na Amadora, sendo inviável e inadmissível presumir que todas as casas de Telheiras são mais caras do que qualquer casa na Amadora, já que tudo dependerá do seu estado, do estado de conservação do prédio, da localização, da área útil e dos serviços próximos.
Q)–Com base no depoimento das testemunhas RP (cujo depoimento se encontra gravado em CD, dia 17 de novembro de 2021, em20211117155523_19990646_2871075) e JF (cujo depoimento se encontra gravado em CD, dia 17 de novembro de 2021, em 20211117152802_19990646_2871075) e do mais aportado aos autos, os factos efetivamente conhecidos pelo tribunal nesta matéria resumem-se aos seguintes:
a)-O Recorrente e a Recorrida adquiriram as suas atuais casas no inicio do Verão de 2019 (FP 7 e 13);
b)-Ambos dispunham de metade do valor líquido resultante da venda da casa de morada de família (FP 3);
c)-Ambos recorreram a mútuos hipotecários para poderem adquirir as respetivas habitações, sendo quase idênticos os respetivos encargos bancários (483,56€ - 480,52€/mensais – FP 23 e 26), ou seja, serão similares os valores que cada um obteve para custear a respectiva aquisição;
d)-O Recorrente adquiriu uma casa a necessitar de grandes obras, que aliás demoraram mais de 1 ano a estarem concluídas (FP 13 e 14);
e)-A Recorrida adquiriu uma casa que habitou de imediato ou quase de imediato (FP 7 e 9) e
f)-A Recorrida dá aulas na escola da Damaia, concelho da Amadora (FP 25).
R)–Face a este acervo factual, não ficou sequer demonstrado que o preço da habitação adquirida pela Recorrida (em estado habitável) fosse inferior ao da que foi adquirida pelo Recorrente (em mau estado), podendo, inclusive, extrapolar-se o contrário da circunstância da casa da Recorrida se encontrar em estado de ser habitada de imediato e a do Recorrente necessitar de grandes obras de recuperação.
S)–O facto da casa adquirida pela Recorrida se situar no concelho da escola onde dá aulas diariamente, não foi sequer sopesado na douta sentença recorrida como eventual causa direta e determinante da escolha, pela Recorrida, da localização da sua casa, pelo que, para além da (mal) comprovada impossibilidade económica, existe uma explicação também plausível para a escolha da casa adquirida pela Requerida - a de se situar no concelho onde tem o seu local de trabalho diário.
T)–O ponto 2 dos Factos Não Provados (“Entre a Requerida e a filha existiam outros problemas que a menor não contou ao pai, mas que terão sido determinantes para a recusa da então menor em permanecer em casa da mãe”) deve considerar-se como provado, pelo menos, o seguinte parte:
Entre a Requerida e a filha existiam outros problemas determinantes para a recusa da então menor em permanecer em casa da mãe
U)–A douta sentença recorrida, após expressar (natural) perplexidade por nenhuma das diretamente envolvidas esclarecer os motivos do distanciamento entre ambas, conclui, com toda a razão, que “o mero facto de não pretender residir com a mãe na casa da mesma na Amadora, não explica o distanciamento mais vasto que os outros patenteiam”.
V)–No entanto, essa reconhecida ausência de uma explicação para o distanciamento entre mãe e filha, é transformado, sem mais, na conclusão de ser a B a única responsável por esse afastamento, afirmando a Mma Juíza a quo que “não se vê que a progenitora tenha violado qualquer dever parental” e que “Entende-se, sim, que a actuação da filha que exclui a mãe sem qualquer justificação da sua vida” é censurável e deve ter reflexos no “âmbito dos deveres económicos da parentalidade”.
W)–A Recorrida é a pessoa adulta na sua relação com a filha, aquela que tem melhores ferramentas e experiência de vida para promover pontes de diálogo com a filha por forma a restabelecer os contactos (saudáveis) de que também a B necessita, para mais quando a Recorrida é professora e está profissionalmente vocacionada para lidar com adolescentes, com as suas inseguranças e bloqueios.
X)–A Recorrida conhece bem a filha, criou-a e com ela conviveu diariamente até aos 16 anos da B (em 2019), pelo que, sendo a pessoa melhor colocada para saber o que efetivamente provocou o distanciamento retratado nos autos, ao vir dizer que nada sabe e nada viu, ou está a mentir ou não tem qualquer interesse pelo que a B pensa, anseia e precisa.
Y)–As razões do afastamento entre mãe e filha só logisticamente terão a ver com a aquisição da casa da Amadora, não podendo minimizar-se os efeitos dessa decisão da Recorrida na perceção da B, já que essa decisão da Recorrida:
a)-foi tomada unilateralmente, sem prévio conhecimento ou mera informação à B, como se esta fosse alheia e desinteressada quanto à casa onde iria viver em cada semana alternada;
b)-violou ostensivamente a obrigação consagrada na 2ª parte do nº 2 do artº 1878º do CC;
c)-humilhou uma jovem de 16 anos, em pleno processo de afirmação e de formação da personalidade, confrontada com o absoluto desprezo da mãe em relação aos seus interesses em assunto que lhe diz directamente respeito;
d)-muito desgostou a B, até por ter vivido a experiência de envolvência e de partilha que lhe foi proporcionada pelo pai, na escolha da casa adquirida por este, como foi testemunhada pela irmã do Recorrente, RP.
Z)–O que o tribunal deveria ter relevado e sopesado era e é o próprio processo de procura e escolha de casa, tal como foi executado pela Recorrida, e não a casa em si e o seu distanciamento do centro de vida da B, que, aliás, refere claramente “ Não tem nada a ver com a casa” – (depoimento se encontra gravado em CD, dia 17 de novembro de 2021, em 20211117150045_1999064_2871075);
AA)–No mesmo depoimento, a B também dá nota do desentendimento com a Recorrida, a propósito desta ter inicialmente concordado que a filha ficasse durante os dias de aulas em casa do pai, por causa dos transportes para a escola, e depois ter recusado essa opção, sem que a menor tenha percebido “muito bem porquê
BB)–Deste (contido) depoimento, percebe-se perfeitamente que o processo da aquisição da casa da Amadora e as dificuldades que viver aí colocavam à B iniciaram um ciclo de desentendimentos (como diz a B) entre ambas, agravados com o distanciamento provocado pelos sucessivos confinamentos, que até impediram, por largos períodos, deslocações entre conselhos.
CC)–Desentendimentos que também decorrem das constantes críticas da Recorrida à filha, como se pode perceber, por exemplo, no depoimento da testemunha JF, no sentido da Recorrida ter enviado à filha mensagens “realmente desagradáveis” e dito à filha que era uma “marionete”;
DD)–Assim, e do que se pode retirar dos autos, a forma como a Recorrida escolheu e adquiriu a sua casa constituirá o primeiro e marcante episódio deste processo de progressivo distanciamento entre mãe e filha, do processo continuado de desgaste na relação entre mãe e filha, que continuaram com as constantes críticas da Recorrida à filha e à família do Recorrente e com a questão da necessidade de “explicações”.
EE)–A este último propósito, é notório e decorre dos seus articulados (por exemplo, alínea g) do artº 27º do articulado de 08/06/2020, alínea b) do artº 17º das suas alegações de 20/04/21 e ponto 3 do seu requerimento de 29/09/21) que a Recorrida está convicta e acusa a filha de não ter “boas práticas de estudo” ou “adequada gestão dos seus horários” ou, ainda, beneficiar de “situações de facilitismo e alguma indisciplina no que respeita à gestão dos tempos de estudo,” em suma, para a Recorrida a filha é “mandriona” e só por preguiça e comodismo precisou de apoio de estudo.
FF)–Convicções e críticas que, certa e inevitavelmente, a Recorrida não se coibiu de transmitir à B, agravando ainda mais o distanciamento de que tanto se lamenta, quando, em vez de uma postura sem um pingo de empatia mas de amarga e desmotivadora visão das qualidades e necessidades da filha, deveria reconhecer, senão enaltecer, o esforço da B, que, para além de frequentar as aulas na escola, passou horas infinitas (cfr o número de horas documentados nos autos) dentro de uma sala a receber explicações.
GG)–Sacrifico que, reconheçamos, é penoso para qualquer adolescente e surtiu frutos (FP 30 e 31), sem qualquer palavra de louvor ou de congratulações da Recorrida, que bem conhecia o há muito traçado objetivo de ingressar em Belas Artes.
HH)–O ponto 6 dos Factos Não Provados (O Requerente pagou todas as despesas da filha desde a separação do casal) deverá ser considerado provado no período temporal que releva para a decisão da presente causa, ou seja, “O Requerente pagou todas as despesas da filha desde a data de entrada da presente ação”;
II)–Como, na sequência da confissão da Recorrida, que a sua última contribuição data de 04/01/2020, expressamente se reconhece na pág. 10 da douta sentença recorrida: Ora, dúvidas não subsistem de que desde essa data (24/04/2020) até 16 de Março de 2021, foi o Requerente quem suportou as despesas da filha, incluindo alimentação, consumos domésticos, vestuário e calçado e despesas recreativas”;
JJ)–O Recorrente fez prova dos custos com explicações ministradas à B no período de setembro de 2019 a julho de 2021, tendo a douta sentença recorrida decidido essa questão no penúltimo parágrafo da pág. 7, no qual expressa o entendimento de que “não se demonstrou que tais valores (pagos a titulo de explicações) fossem essenciais” ou que a “requerida concordou com os valores pagos” e, ainda, que a “mãe não foi ouvida quanto ao centro de explicações escolhido”.
KK)–Mais uma vez imperou a posição da Recorrida, a consagração da tese desta, de que a B não sabe estudar, de que a escola pública é suficiente para obter as notas de exceção exigidas para ingresso na Faculdade de Belas Artes e que as “explicações” se inserem num processo de “facilitismo” de que o Recorrente é responsável.
LL) (….)
(…)UU)Ou seja, para a Mmª Juíza a quo, em mais um gritante exemplo de dualidade de critérios na apreciação do que sabe e presume sobre os comportamentos da Recorrida e da B, considera que o não pagamento de qualquer despesa relativa a um filho menor (desde logo, as sumariadas nos nºs 1 e 2 do artº 2003º do CC)–não traduz uma violação de um dever parental
VV)–O quadro, erroneamente representado pelo Tribunal a quo, de uma mãe sem mácula, cumpridora dos seus deveres parentais e de uma adolescente perversa que, sem justificação, afasta a mãe da sua vida, está subjacente à decidida fixação, até à maioridade da B, da exígua pensão mensal de 150€/mês.
WW)–Resultando dos recibos de vencimento juntos às alegações de 19 e 20/04/21, que a Recorrida aufere um salário mensal base (1.869,75€) superior ao do Recorrente (1.453,88€, acrescido de isenção de horário de trabalho de 290,78€, não se podendo considerar as ajudas de custo de 483,54€, ou seja, as despesas incorridas pelo Recorrente no exercício da sua atividade profissional e que a sua entidade patronal se limita a ressarcir) e da similitude das documentadas despesas pessoais do Recorrente e da Recorrida, o Recorrente aceitaria que, como princípio, as despesas relativas à B fossem partilhados por ambos os progenitores na proporção de metade.
XX)–Ora, as despesas da B, sem incluir as escolares e médicas, foram calculadas, sem nada se afirmar nos autos em contrário, nos artºs 33º e 34º das alegações do Recorrente de 19/04/21, em 600,00€ de média mensal, pelo que a pensão de alimentos devida pela Recorrida à B enquanto menor, não deverá ser fixada em montante mensal inferior a 300€, acrescida, na proporção que for doutamente decidida, da comparticipação da Recorrida nas despesas com explicações do período de 22/04/20 a 16/03/21, no total documentado de 3.038,75€.
YY)–Quanto à pensão de alimentos devida pela Recorrida à B a partir da maioridade, o arbitrado montante mensal de 100,00€ é até inferior ao proposto pela Recorrida (150€) no início da audiência de julgamento e foi confessadamente decidido em termos de aplicação de uma pena à B, acusada e condenada como filha indigna e não merecedora da tutela jurisdicional que o tribunal a quo foi chamado a salvaguardar no âmbito do RGPTC.
ZZ)–Com a agravante da B não ter sequer direito a qualquer pensão com base no período de 17 de março a 31 de março de 2021;
AAA)–O demolidor juízo do “comportamento do filho para com os progenitores” obliterou tudo o que deveria ter sido ponderado e sopesado, desde os rendimentos disponíveis dos pais, a proporção do seu contributo para as despesas já apuradas da filha, agravadas pelas maiores exigências financeiras da frequência do ensino superior com a componente técnica do que frequenta a B e as inerentes despesas com programas informáticos, computador, estiradores, material de desenho etc.
BBB)–De facto e para além da “indignidade”, único fundamento conhecido desta decisão é que “o pai e requerente aufere €1852,50, contando ainda com o apoio económico da sua família”, ou seja, como o Recorrente precisou do apoio da família porque a Recorrida o obrigou a ter de suportar todas as despesas da filha de ambos, fixa-se uma pensão mínima para que o Recorrente mantenha essa dependência e os seus familiares essa obrigação.
CCC)–Argumento que só pode ter uma justificação: a Mmª Juíza a quo tem plena consciência de que a quantia de 100€ constitui uma ínfima parte das despesas “normais” de uma estudante universitária e que o Recorrido terá de se empenhar todos os meses para poder facultar à filha um mínimo de condições de vida e de estudo.
DDD)–Termos em que, sem prejuízo da comparticipação da Recorrida e na proporção que for doutamente decidida, nas despesas com explicações do período de maio de 2021 a julho/2021, no total de 893,75€, a pensão de alimentos devida pela Recorrida à B após a maioridade desta não poderá ser fixada em valor inferior em 300€ mensais, acrescido das despesas de saúde e, excluindo as matrículas e propinas, das despesas com aquisição de material essencial informático e didático essencial ao curso de Arte Multimédia da Faculdade de Belas Artes.
EEE)–Como corolário do deformado juízo sobre as causas do distanciamento entre mãe e filha, a Mma Juíza a quo inseriu expressamente na parte final da sentença e na alínea B) da decisão e como condição de manutenção da obrigação alimentícia, a obrigação da B comprovar anualmente o seu aproveitamento escolar, quando tal exigência não decorre da lei (artº 1905º nº 2 do CC), nem faz sentido em uma relação de mãe e filha e face à faculdade do progenitor “obrigado à prestação de alimentos” fazer “prova da irrazoabilidade da sua exigência”
FFF)–Atendendo ao supra exposto, verifica-se que a decisão recorrida:
a)-incorreu em erros na análise critica dos factos, não valorando a prova documental e testemunhal carreada para os autos, bem como na aplicação do direito ao caso sub judice.
b)-violou, desde logo, ao primado da tutela jurisdicional dos interesses do menor que o tribunal a quo foi chamado a salvaguardar no âmbito do RGPTC, bem como o disposto nas alíneas b), c) e d) do nº. 1 do artº. 615º e no artº 607º nº 4, ambos do CPC e nos artºs 1879º, 1880º, 1885º, 1905º nº 2, 2003º e 2004º, todos do CC.
NESTES TERMOS, NOS DEMAIS DE DIREITO APLICÁVEIS E SEMPRE COM O MUI DOUTO SUPRIMENTO QUE SE REQUER, DIGNEM-SE V. EXAS JULGAR PROCEDENTE O PRESENTE RECURSO E, CONSEQUENTEMENTE, REVOGAR A DECISÃO RECORRIDA, PROFERINDO OUTRA, QUE CONDENE A ORA RECORRIDA NO PAGAMENTO DAS SEGUINTES PENSÕES MENSAIS DE ALIMENTOS DEVIDOS À FILHA :
a)- DE 24/04/21 A 16/03/21, NO VALOR DE 300€, ACRESCIDO, NA PROPORÇÃO QUE FOR DOUTAMENTE DECIDIDA, DA COMPARTICIPAÇÃO DA RECORRIDA NAS DESPESAS COM EXPLICAÇÕES CUSTEADAS PELO RECORRENTE NESSE PERÍODO, NO TOTAL DOCUMENTADO DE 3.038,75€;
b)-DESDE 17/03/21 EM DIANTE, NO VALOR DE 300€, ACRESCIDO, NA PROPORÇÃO QUE FOR DOUTAMENTE DECIDIDA, DA COMPARTICIPAÇÃO DA RECORRIDA NAS DESPESAS COM EXPLICAÇÕES CUSTEADAS PELO RECORRENTE DE MAIO/21 A JULHO/21, NO TOTAL DOCUMENTADO DE 893,75€

7–A apelada contra-alegou, pugnando pela improcedência do recurso,  (…)
***

II–FUNDAMENTAÇÃO.

1–Objecto do Recurso.

É sabido que o objecto do recurso é balizado pelo teor do requerimento de interposição (artº 635º nº 2 do CPC) pelas conclusões (artºs 635º nº 4, 639º nº 1 e 640º do CPC) pelas questões suscitadas pelo recorrido nas contra-alegações em oposição àquelas, ou por ampliação (artº 636º CPC) e sem embargo de eventual recurso subordinado (artº 633º CPC) e ainda pelas questões de conhecimento oficioso cuja apreciação ainda não se mostre precludida.
Assim, em face das conclusões apresentadas pelo recorrente, são as seguintes as questões que importa analisar e decidir:
a)-As Nulidades da sentença, por:
i)-Falta de fundamentação;
ii)- Ininteligibilidade da fixação do valor dos alimentos;
iii)- Por excesso de pronúncia.
b)-A Impugnação da Matéria de Facto;
c)-A revogação da sentença, com alteração dos valores a pagar pela requerida/apelada a título de comparticipação das despesas com explicações e a título de alimentos.

Vejamos estas questões.
Previamente, importa ter presente a matéria de facto fixada pela 1ª instância.
Assim,

2–Factualidade decidida pela 1ª instância.

A)–Factos provados

1.–Requerente e Requerida divorciaram-se em 9 de Maio de 2018.
2.–No que diz respeito à filha B…, nascida em 16 de Março de 2003, foi decidido pelos progenitores que a mesma residiria alternadamente com cada um dos progenitores, tendo sido estabelecido que as despesas escolares, médicas, medicamentosas e com actividades extracurriculares seriam divididas pelos dois, em idêntica proporção.
3.–Após a venda da casa de morada de família, quer o Requerente, quer a Requerida foram viver para casa dos respectivos progenitores.
4.–Durante esse período, o decidido quanto ao exercício das responsabilidades parentais foi praticado por cada um dos progenitores.
5.–Os progenitores do Requerente e da Requerida residem em Telheiras.
6.–Tal como a casa de morada de família, as casas dos avós maternos e paternos de B ficam perto da escola que aquela frequentou nos anos lectivos de 2018/2019, 2019/2020 e 2020/2021, na Escola Secundária….
7.–Em 25 de Julho de 2019 a Requerida comprou uma casa na Amadora, sita na Avenida….
8.–Do acordo de regulação do exercício de responsabilidades parentais consta cláusula 3 no âmbito da qual se pode ler “Atenta circunstância da menor, seus pais e avós paternos e maternos terem os seus centros de vida no bairro de Telheiras, ambos os progenitores procurarão, na medida das suas possibilidades, que os seus futuros domicílios, nos quais a menor residirá com cada um deles, se situem na circunscrição ou nas imediações desse bairro.
9.–A partir da data em que a Requerida passou a viver na Amadora a B passou alguns dias com a mãe nas férias de Agosto de 2019 e alguns dias no mês seguinte.
10.–A partir de Setembro de 2019 a jovem recusou ficar em casa da mãe, invocando o percurso em transportes públicos entre a casa da mãe e a sua escola não tem uma duração inferior a uma hora.
11.–Numa fase posterior deixou de querer ir para casa da mãe.
12.–Durante os confinamentos, a menor viveu sempre com o pai, tendo contacto esporádico com a mãe.
13.–O Requerente comprou em 7 de Junho de 2019 uma casa em Telheiras e nela fez obras profundas.
14.–Passou a viver com a filha nessa casa em Agosto de 2020.
15.–Nessa casa, a B dispõe do seu próprio quarto e casa de banho.
16.–Na escolha da casa o Requerente teve em atenção a ligação da jovem ao bairro, aí tendo família e amigos.
17.–No Verão de 2019 a B teve explicações de Geometria Descritiva e de História de Artes para se preparar para os exames nacionais do 10º ano.
18.–Nos anos lectivos de 2019/2020 e 2020/2021 o Requerente custeou o valor de €10 097, 57 a título de explicações, pagas num centro de explicações e que foram leccionadas à sua filha.
19.–O Requerente pagou tais valores com sacrifício, sem contributo da Requerida.
20.–Pagou ainda material escolar associado à vertente educativa da filha, despesas de habitação, vestuário, alimentação, higiene, lazer e transportes da B, em valor concretamente não apurado.
21.–O Requerente procurou que a Requerida contribuísse para o pagamento de tais valores, sem que a mesma tenha respondido.
22.–O Requerente vive apenas do seu trabalho, sendo bancário e auferindo em março de 2021 remuneração líquida de €1852,50.
23.–O requerente tem despesas mensais onde se inclui a mensalidade do seguro multirriscos associado ao empréstimo bancário (€18,52), €2,86 de comissão de processamento de prestação hipotecária, €483,56, a título de prestação mensal de crédito para habitação, €55,75 (mensalidade de seguro de saúde associado ao empréstimo), €54,79 (mensalidade de seguro de vida), €54,79 (mensalidade do seguro de vida associado ao empréstimo), €53,50 (quota mensal do condomínio), €46,11 (telemóvel/internet), bem como alimentação, consumos domésticos, combustível, despesas de vestuário e calçado, bem como higiene pessoal.
24.–A jovem tem despesas mensais de vestuário, calçado, e higiene pessoal e alimentação, saúde, demais consumos domésticos.
25.–A Requerida é professora, dando aulas numa escola na Damaia, auferindo €1355,15.
26.–Tem encargos com o imóvel adquirido no valor de €480,52 mensais e despesas com alimentação, vestuário, calçado, higiene pessoal, combustível e com produtos e despesas domésticas de valor não concretamente apurado.
27.–A requerida sente-se triste com o afastamento da filha.
28.–A jovem não passou com a mãe férias de verão, dias festivos no Natal, Ano Novo, Páscoa, aniversário da mãe ou seu próprio aniversário.
29.–A mãe não adquiriu casa em Telheiras por não ter possibilidades económicas para isso.
30.–A jovem foi admitida na Faculdade de Belas Artes no curso de Arte Multimédia, com a média final de 17,9.
31.–Foi admitida em 37º lugar em 61 vagas a nível nacional.

B)–Factos não provados

1.–O Requerente não foi capaz de alterar a situação de recusa da B em ir para casa da mãe, não obstante ter-se oferecido, mais do que uma vez para a levar a casa da mãe.
2.–Entre a Requerida e a filha existiam outros problemas que a menor não contou ao pai, mas que terão sido determinantes para a recusa da então menor em permanecer em casa da mãe.
3.–No dia do seu aniversário a menor não desceu para ir cumprimentar a mãe por força de um constrangimento ou manipulação exógena.
4.–A Requerida ignora e escarne do percurso académico da filha por razões economicistas, demonstrando uma absoluta falta de empatia e uma grosseira desconsideração para com a jovem, que explicarão as razões do distanciamento entre ambas.
5.–Valores concretos de despesas com alimentação, saúde, vestuário, calçado e higiene pessoal.
6.–O Requerente pagou todas as despesas da filha desde a separação do casal parental.
***

3–As Questões Enunciadas.

Nota Prévia:A Extensão das Conclusões do apelante e da apelada.

A apelante e o apelado encerram o recurso e a contra-alegação, respectivamente, com 58 conclusões em 10 páginas e, em XX conclusões em 15 páginas (!).
O que se revela extraordinário e completamente desfasado do que sejam, rectius,do que devem ser conclusões(…de resto, como o próprio nome indica…).
Por isso, importarecordaro que são conclusões.
Decorre do artº 639º nº 1 do CPC, no corpo da alegação o recorrente deve expor as razões de facto e de direito que fundamentam a sua discordância com a decisão impugnada e, nas conclusões, deve indicar, resumidamente, através de proposições sintéticas, os fundamentos de facto e de direito, por que pretende a alteração ou revogação da decisão.
Rodrigues Bastos (Notas ao Código de Processo Civil, vol. III, 3ª edição, 2001, Almedina, pág. 239, 3 e nota 184) com a clareza que o caracteriza, refere “As conclusões consistem: a)- na indicação da norma jurídica violada; b)- na exposição do sentido em que a normas jurídicas que servem de fundamento à decisão deveriam ter sido interpretadas e aplicadas; c)- e, quando se invocar erro na norma aplicável, a indicação da norma jurídica que deveria ter sido aplicada. E, tratando-se de impugnação da decisão de facto, é aplicável o artigo 690º-A” (actual 640º) – Veja-se ainda, de modo coincidente, Amâncio Ferreira, Manual dos Recursos em Processo Civil, 8ª edição, Almedina, pág. 168).

Pois bem, no caso dos autos, o apelante e a apelada – que, de resto, nem está onerado com a formulação de conclusões - estiveram longe de indicar, resumidamente, através de proposições sintéticas, os fundamentos de facto e de direito porque pretendem a alteração ou revogação da decisão ou a sua manutenção. Aquilo a que chamam conclusões mais não são que, praticamente, mera reprodução dos argumentos anteriormente apresentados, sem a mínima preocupação de síntese.
Esta técnicadeconcluir” dificulta, sobre maneira, o trabalho ao tribunal de recurso, desde logo na identificação/delimitação do objecto do recurso e das concretas questões que importa apreciar, exigindo um significativo esforço acrescido. Note-se que como lapidarmente anota Abrantes Geraldes, “…o volume das conclusões não é sinal de qualidade…” (Cf. Abrantes Geraldes, Recursos no Novo Processo Civil, 3ª edição, 2016, Almedina, pág. 131).
Poderia, é certo, haver lugar a despacho de aperfeiçoamento das conclusões, com convite a que o apelante sintetizasse, efectivamente, os fundamentos do recurso, conforme refere o artº 639º nº 3 do CPC: quando as conclusões sejam complexas, (extensas), o relator deve convidar o recorrente a sintetizá-las, sob pena de não conhecer o recurso. No entanto, a prolação de despacho de convite a esse aperfeiçoamento das conclusões depende do juízo que se fizer acerca do grau da gravidade das irregularidades ou incorrecções, em conjugação com a efectiva necessidade de uma nova peça processual que respeite os requisitos legais e com a ponderação sobre se aquela irregularidade perturbou, efectivamente, o exercício do contraditório (Cf. Abrantes Geraldes, Recursos…cit., pág. 132).
Pois bem, no caso em análise, não se considera necessário que a exagerada extensão das conclusões tenha sido factor de perturbação do exercício do contraditório, ou que exija que o apelante sintetize as conclusões.
No entanto, não se podia deixar passar em claro esta exageradíssima e repetitiva técnicade concluir a alegação praticada pelo apelante neste recurso e pela apelada na contra-alegação e, chamar a atenção para a necessidade de terem de observar - quanto mais não seja para futuro - as regras relativas ao dever de concluir resumidamente formulando preposições sintéticas.


3.1–As Nulidades da sentença.

O apelante afirma que a sentença sob recurso padece de três nulidades: uma, por falta de fundamentação; outra, por ininteligibilidade; outra por excesso de pronúncia.
Vejamos cada uma destas invocadas nulidades da sentença.

3.1.1-Assim, quanto à pretendida nulidade por falta de fundamentação.
O apelante diz que a decisão de condenar a recorrida no pagamento da pensão mensal de 150€/mês até à data da maioridade da B foi tomada de modo conclusivo, nada referindo em concreto sobre os cálculos efectuados, não analisando os rendimentos do recorrente, nem os da recorrida nem as despesas/necessidades da B, o que constitui falta de fundamentação geradora de nulidade da sentença nos termos do artº 615º nº 1, al. b) do CPC.
Padecerá a sentença desta nulidade?
Determina o artº 615º nº 1, al. b), que a sentença será nula quando não especifique os fundamentos de facto e de direito que justificam a decisão.
Ora bem, para efeitos da al, b) do nº 1 do artº 615º do CPC, a falta de fundamentação susceptível de consubstanciar a nulidade da sentença/acórdão ocorre apenas quando se verifica uma falta absoluta de fundamentos, quer de facto quer de direito. A motivação incompleta, deficiente ou errada não produz nulidade da sentença, apenas afecta a sua valia doutrinal, sujeita-a ao risco de ser revogada ou alterada quando apreciada em recurso. (Cf. Amâncio Ferreira, Manual dos Recursos em Processo Civil, 8ª edição, pág. 53).
Por outro lado, quanto à fundamentação de direito, vem sendo entendido que deve considerar-se fundamentada a sentença que, aplica normas jurídicas sem as identificar. Ou seja, o juiz não tem de especificar os artigos ou demais fontes legais de que fez uso, embora não possa deixar de enunciar, de modo expresso ou implícito o teor material da regra ou princípio em que se apoiou (Cf. Rui Pinto, Manual do Recurso Civil, AAFDL, Vol. I, 2020, pág. 78; no mesmo sentido, veja-se Amâncio Ferreira Manual dos Recursos em Processo Civil, 8ª edição, pág. 53; Antunes Varela et alii, Manual de Processo Civil, 2ª edição, pág. 688)

No caso dos autos, a sentença especifica os pontos de facto em que se fundamenta e, quanto à determinação do valor da pensão entre 24/04/2020 e 16/03/2021, no alínea A) do Ponto III, a 1ª instância deixa antever, a regra jurídica em que se baseou, ao mencionar os rendimentos da progenitora e os encargos que tem, o que implicitamente remete para o mecanismo do artº 2004º do CC.
A esta vista, resta concluir que a sentença não padece da invocada nulidade por falta de fundamentação.

3.1.2-A nulidade por ininteligibilidade.
O apelante entende que a sentença é nula, nos termos do artº 615º nº 1, al. c) por, diz, ser ininteligível porque nada é explicado ou fundamentado quanto aos pressupostos da decisão de arbitrar 150€/mês e que com essa mesma fundamentação, poderia ter sido fixado qualquer outro valor.
Será assim?
O artº 615º nº 1, al. c), parte final, determina que a sentença é nula quando ocorra alguma obscuridade que torne a decisão ininteligível.
Ocorre ininteligibilidade se da decisão ou de uma parte da decisão se puder retirar mais que um sentido, ou verifica-se obscuridade se da sentença não se puder retirar sentido algum. Isto é, quando a própria decisão não é compreensível nos termos gerais do artº 236º, ex vi do artº 295º do CC.
No caso em apreço, é manifesto que o apelante compreendeu perfeitamente o sentido da decisão: fixou em 150€/mês a pensão a pagar durante o período compreendido entre 24/04/2020 e 16/03/2021. Só que não se conforma com a fixação desse valor.
Ora, como bem refere Rui Pinto Coisa (Manual do Recurso Cível, cit., pág. 84 e seg.)Coisa diversa da obscuridade ou da ambiguidade da decisão, é o reclamante ter compreendido, mas com ela não concordar: caberá recurso se entender que para tal tem fundamento.”
Em suma, não se verifica a pretendida nulidade da sentença por ininteligibilidade.

3.1.3- A nulidade por excesso de pronúncia.
Diz o apelante que a sentença é nula, por excesso de pronúncia, nos termos do artº 615º nº 1, al. d), segunda parte, porque a sentença valorou expressamente um facto que não foi alegado pelas partes, pois a recorrida nunca invocou que o comportamento da filha fosse relevante em termos das suas responsabilidades alimentícias
Padecerá a sentença dessa nulidade?
Em termos simples, o excesso de pronúncia ou pronúncia indevida ocorre quando o juiz conhece de questões de que não devia tomar conhecimento, como decorre do artº 615º nº 1, al. d), 2ª parte, que está relacionado com o artº 608º nº 2, 2ª parte. Essas questões, que se impõem ao juiz que resolva na sentença ou são, em primeira linha, por uma ordem de precedência lógica, as questões de forma (vícios de natureza processual, excepções dilatórias) susceptíveis de conduzir à absolvição da instância e consequente ineficácia do processo e que não tenham sido resolvidas no despacho saneador (artº 608º nº 1), quer tenham sido alegadas pelas partes, quer devam ser apreciadas oficiosamente. Depois e principalmente, o juiz aprecia e decide às questões de fundo, que constituem o mérito da causa, suscitadas pelas partes como fundamento do pedido ou como fundamento das excepções e, ainda, das que o juiz possa, rectius, deva conhecer ex officio (artº 608º nº 2).
Ora, a consideração ou desconsideração de factos não constitui uma questão que o juiz deva apreciar ou que lhe esteja vedado conhecer.
Na verdade, como bem se esclarece no acórdão do STJ, de 23/03/2017 (Tomé Gomes), I.– O não atendimento de um facto que se encontre provado ou a consideração de algum facto que não devesse ser atendido nos termos do artigo 5.º, n.º 1 e 2, do CPC, não se traduzem em vícios de omissão ou de excesso de pronúncia, dado que tais factos não constituem, por si, uma questão a resolver nos termos do artigo 608.º, n.º 2, do CPC.”.
Tanto basta para que se concluir pela improcedência da invocada nulidade do acórdão por excesso de pronúncia.
***

3.2- A Impugnação da Matéria de Facto.

O apelante, nas suas conclusões, pretende sejam alterados os pontos 29 dos factos provados, o ponto 2 dos factos não provados e o ponto 6 dos factos não provados.
Vejamos cada um deles.

3.2.1- O Ponto 29 dos Factos Provados.

Relembremos a redacção deste facto:
29.-A mãe não adquiriu casa em Telheiras por não ter possibilidades económicas para isso.”
O apelante pretende se considere esse facto como não provado. Diz que a sentença não fundamentou a decisão quanto a esse ponto, que a requerida não juntou qualquer documentação sobre os valores das casas na Amadora e em Telheiras. Invoca ainda o depoimento da testemunha JF.
Haverá razão para alterar esse ponto de facto em termos de o considerar não provado?
Não nos parece.
Primeiro, porque o ora apelante, nas alegações que apresentou 19/04/2021, ao abrigo do artº 39º nº nº4, ex-vi do artº 42º nº 5 do RGPTC, não impugnou nem a compra, pela requerida, da fracção autónoma na Amadora, nem impugnou que a compra nessa localidade fosse determinada por razões de incapacidade económica da requerida poder comprar em Telheiras. Aliás, no ponto 8º dessas alegações o requerente/apelante reconhece mesmo, expressamente, a compra dessa casa pela apelada na Amadora.
Segundo, é do senso comum que o valor médio do metro quadrado de imóveis para habitação é superior em Telheiras do que na Amadora.
Terceiro, porque na parte transcrita do depoimento da testemunha JF, nada é referido acerca da compra da casa da requerida mas, apenas, relativamente à compra da casa pelo requerente.
Em suma, entende-se não alterar o ponto 29 dos factos provados.

3.2.2- O Ponto 2 dos factos não provados.

Defende o apelante que o ponto 2 dos factos não provados deve ser considerado provado.
Invoca o testemunho de RP e de JF e as declarações da B.
Haverá fundamento para considerar esse ponto de facto como provado?
Recordemos a redacção do facto em causa:
2-Entre a Requerida e a filha existiam outros problemas que a menor não contou ao pai, mas que terão sido determinantes para a recusa da então menor em permanecer em casa da mãe.
A primeira instância fundou a sua decisão de não considerar provado esse facto escrevendo:
Igualmente nada se provou quanto às razões do distanciamento entre filha e mãe.
(…)
Pai e mãe mostraram-se incapazes de explicar, com factos concretos, os motivos do afastamento, o mesmo sucedendo com as testemunhas ouvidas que, em termos efectivos, nada puderam adiantar. Também a jovem teve um discurso vago, sendo certo que o mero facto de não pretender residir com a mãe na casa da mesma na Amadora, não explica o distanciamento mais vasto que os autos patenteiam.”

Ora bem, dos trechos transcritos, na alegação, dos depoimentos de RP e de JF, não resulta motivo para considerar aquele ponto de facto como provado. Na verdade, a RP referiu-se à “exclusão da B da decisão da mãe comprar casa”; e o JF também não concretizou quais outros “problemas” que pudessem existir entre a mãe e a filha, apenas referiu uma suposta mensagem – a que, de resto a B não se lhe referiu – em que a mãe diria que a filha era uma “marioneta”. E das declarações da B também não decorre que “outros” problemas existiriam entre ela e a sua mãe que a levaram a, praticamente, deixar de se relacionar com a mãe; de concreto, apenas referiu a compra inesperada da casa pela mãe e, a alteração da aceitação de a B ficar com o pai durante a semana e ir a casa da mãe aos fins de semana.
Enfim, perante estes meios de prova, somos levados a concordar com a decisão da 1ª instância de não considerar provado o ponto 2 dos factos não provados. Não se altera, por isso, a decisão da 1ª instância.

3.2.3- O Ponto 6 dos factos não provados.
Antes de mais, recorde-se a redacção do ponto 6 dos factos não provados:
6- O Requerente pagou todas as despesas da filha desde a separação do casal parental.
O apelante pretende que se considere provado que:
6-O Requerente pagou todas as despesas da filha desde a data de entrada da presente ação

Pois bem, a decisão da 1ª instância parece-nos correta na medida em que decorre dos pontos 3, 4, 5 e 6 dos factos provados (que não foram impugnados) que desde o divórcio, em 09/05/2018, os progenitores observaram o que estava determinado no regime de fixação das responsabilidades parentais e, somente cerca de dois meses depois de a progenitora ter adquirido casa na Amadora, a 25/07/2019, portanto já em Setembro de 2019, é que a B se recusou a ir a casa da mãe. Portanto, não pode considerar-se que o requerente pagou todas as despesas da filha desde a separação do casal. Pelo contrário, durante mais de um ano desde o divórcio (a 09/05/2018), as despesas foram sendo pagas de acordo com o estipulado no regime de regulação das responsabilidades parentais.
Note-se que a redacção do facto que o tribunal considerou não provado - O Requerente pagou todas as despesas da filha desde a separação do casal parental – corresponde ao que foi alegado pelo próprio requerente, ora apelante, no ponto 15º do seu requerimento inicial: “…desde 9 de maio de 2018, e em especial desde a altura em que deixaram a casa de morada de família, o Requerente tem pago todas as despesas da menor, incluindo despesas escolares, despesas com visitas de estudo, despesas com vestuário, despesas médico-medicamentosas.”.
O que o apelante pretende agora ver dado como provado corresponde a facto diverso do que havia alegado.
Por conseguinte, não se altera a redacção do ponto 6 dos factos não provados, nem se considera o facto como provado.

Em suma, improcede a impugnação da matéria de facto.                                                                      
***

3.3-A revogação da sentença, com alteração dos valores a pagar pela requerida/apelada a título de comparticipação das despesas com explicações e a título de alimentos.

Na apreciação das questões suscitadas começaremos por analisar a problemática do valor da pensão de alimentos a pagar pela requerida/apelada, à B; isto porque o raciocínio que se fizer acerca deste assunto servirá para apreciar a questão da pensão de alimentos desde a instauração da acção até à maioridade da jovem.
Igualmente, servirá para enquadrar, pelo menos parcialmente, a questão da contribuição da requerida para as despesas com explicações suportadas pelo progenitor, problemática que será apreciada em terceiro lugar.
Assim:

3.3.1- O valor dos alimentos a pagar mensalmente à B, desde que atingiu a maioridade.

O apelante insurge-se contra o valor da pensão mensal de alimentos à B fixado pela 1ª instância na quantia de 100€/mês.
Pede seja revogada a sentença, também nesse segmento decisório, defendendo que o valor adequado da pensão mensal a pagar, a cargo da recorrida, deverá ser fixado em 300 € até a B findar a sua formação académica. Mais requer o pagamento do valor de 893,75€ relativo a despesas com explicações tidas pela B entre Maio e Julho de 2021.
Invoca que a B tem despesas fixas na ordem de 600€/mês e que a circunstância, de não existir bom relacionamento entre mãe e filha não pode ser fundamento para diminuir o valor da pensão a suportar pela requerida como foi entendido pela 1ª instância.
Vejamos.
A 1ª instância fundamentou a sua decisão de fixar em 100€/mês o valor dos alimentos a pagar pela requerida à B, “(…)”
Recordemos a letra destes dois precitos.
Assim:
“- Artº 1880º - Despesas com os filhos maiores ou emancipados.
Se no momento em que atingir a maioridade ou for emancipado o filho não houver completado a sua formação profissional, manter-se-á a obrigação a que se refere o artigo anterior na medida em que seja razoável exigir aos pais o seu cumprimento e pelo tempo normalmente requerido para que aquela formação se complete.

Artº 1905º:
2- Para efeitos do disposto no artigo 1880.º, entende-se que se mantém para depois da maioridade, e até que o filho complete 25 anos de idade, a pensão fixada em seu benefício durante a menoridade, salvo se o respetivo processo de educação ou formação profissional estiver concluído antes daquela data, se tiver sido livremente interrompido ou ainda se, em qualquer caso, o obrigado à prestação de alimentos fizer prova da irrazoabilidade da sua exigência”.

Em termos gerais, os pais devem, dentro dos limites das suas possibilidades económicas, assegurar aos filhos a formação académica ou profissional. Por isso, o artº 1880º determina que a obrigação de alimentos não cessa com a maioridade, mantendo-se até que o filho complete a sua formação e na medida em que seja razoável exigir aos pais o seu cumprimento, pelo tempo em que perdura, normalmente, essa formação.
Digamos que o artº 1880º estabelece uma excepção ao artº 1877º, na medida em que o atingimento da maioridade não significa, necessariamente, uma causa de cessação da obrigação de alimentos.
Refere Clara Sottomayor (Regulação do Exercício das Responsabilidades parentais nos casos de Divórcio, 7ª edição, 2021, pág. 499)Nesta cláusula de razoabilidade incluem-se elementos objectivos como as capacidades intelectuais dos filhos, o custo do curso pretendido e as saídas profissionais devendo entender-se que um curso dispendioso e sem saídas profissionais não será abrangido pela obrigação do progenitor com poucos recursos económicos. Mas entendemos que a ideia de razoabilidade não abrange a possibilidade de o devedor invocar, para se desonerar da obrigação, desentendimentos e conflitos com os filhos normais entre gerações diferentes ou um corte de relações da iniciativa dos filhos…
Pois bem, deste ensinamento, com o qual concordamos, temos de concluir que a circunstância de a B se ter afastado da mãe, não pode ser considerada como factor para diminuir o valor dos alimentos a suportar pela mãe, como parece ter feito a 1ª instância.
O que releva são as possibilidades económicas dos progenitores e a razoabilidade de terem de suportar os alimentos aos filhos enquanto não cessarem a sua formação académica ou profissional.
Ora, no caso dos autos, não se apurou qual o valor concreto das despesas da B O requerente fala em 600€ mensais, que discriminou no ponto 34º das alegações de 19/04/2021.
Porém, a 1ª instância apenas considerou provado que “24. A jovem tem despesas mensais de vestuário, calçado, e higiene pessoal e alimentação, saúde, demais consumos domésticos.”, sem quantificar o valor dessas despesas. E não foi impugnado esse ponto de facto.
Ora bem, olhando para as parcelas de despesas indicadas pelo requerente para chegar àquele valor de 600€ verifica-se nelas inclui 300€ correspondentes a “metade das despesas” com telemóveis, energia eléctrica, água, despesas domésticas em geral e alimentação para dois adultos.
Reitere-se que não foram considerados provados os concretos valores dessas despesas.
Lançando mão de critérios de razoabilidade, acha-se adequado considerar que uma jovem da idade da B, do seu meio social – classe média – a estudar em universidade, a residir em Lisboa, tenha despesas da ordem dos 500€ mensais em “vestuário, calçado, e higiene pessoal e alimentação, saúde, demais consumos domésticos”, incluindo as despesas normais com a sua formação académica.
Como se referiu, os pais devem suportar essas despesas dos filhos em formação académica, dentro dos limites das suas possibilidades económicas. O mesmo é dizer que deve ser aferida a capacidade económica de cada um dos progenitores para suportarem essas despesas.
No caso em pareço, apurou-se que o pai tem um vencimento mensal na ordem dos 1 852,50€ e, despesas fixas mensais, na ordem dos 705,09€ (soma das diversas despesas referidas no ponto 23 dos factos provados), a que acrescerão despesas em valores não apurados com combustíveis, alimentação, vestuário e saúde e consumos domésticos em montantes não apurados.
No que toca à mãe, apurou-se que tem vencimento mensal da ordem dos 1 355,15€ e, despesa mensal com empréstimo à habitação de 480,52€, sendo razoável admitir que terá despesas fixas semelhantes às do progenitor com condomínio, seguro de vida associado ao empréstimo bancário, telecomunicações, electricidade, gás, água, despesas com alimentação, vestuário, higiene pessoal e da casa, combustível.
Daqui resulta que a possibilidade económica do progenitor é superior à da progenitora e, por conseguinte, essa diferença de capacidades económicas deve reflectir-se na quota parte dos alimentos à filha que cada um deve suportar.
Tudo ponderado, acha-se adequado e razoável atribuir ao progenitor um valor de pensão mensal de 300€ e, à progenitora um valor mensal de pensão de 200€.
Isto até a B terminar o curso universitário que frequenta.

3.3.2- O valor da pensão desde a propositura da acção até à maioridade da B.

O apelante defende que esse valor deve ser de 300€ mensais.
Baseava-se na alegação de as despesas  serem na ordem de 600€/mês.
Já vimos que não se apurou ser esse o valor. E, não se apurou qual o valor concreto das despesas.
Achou-se adequado fixar as despesas  em 500€ mensais desde que atingiu a maioridade. E nesse valor considerou-se a circunstância de a jovem frequentar a universidade. Ora, entre a propositura da acção (24/04/2020) e a maioridade (16/03/2021) essa circunstância não se verificava, pelo que é razoável considerar que as despesas eram um pouco menores. Não chocará se as fixarmos em 450€/mensais.
O critério da capacidade económica dos progenitores, que analisámos supra, seria igual durante aquele período e, por isso, o progenitor contribuirá com uma percentagem maior para os encargos .., na mesma proporção acima apontada: 3/5 para o progenitor e, 2/5 para a progenitora. Recorde-se que a regra geral do artº 2004º nº 1 do CC determina que os alimentos será proporcionados aos meios daquele que houver de prestá-los e às necessidades daquele que houver de recebê-los.
Assim, entre 24/04/2020 e 16/03/2021, a requerida/apelada responderá por uma pensão mensal de 180€.

3.3.3- A comparticipação nos encargos com as explicações.

O apelante pretende que a apelada suporte, na proporção que for decidida, o custo das explicações despendido entre a instauração da acção e a maioridade da B no total documentado de 3 038,75€. Mais pede a contribuição da requerida, na proporção que for determinada, no pagamento de despesas com explicações entre Maio de 2021 e Julho de 21, num total documentado de 893,75€.
A 1ª instância entendeu não haver fundamento para condenar a requerida a suportar qualquer valor com as despesas em explicações, argumentando que:
O Requerente afirma que tem pago unilateralmente todas as despesas da jovem. Contudo, com excepção da questão das explicações, não faz prova das indicadas despesas. Também não demonstra ter procedido à comunicação das despesas em apreço à requerida, pelo que também por essa via não lhe são devidos valores.
Como se disse resultou provado que o Requerente despendeu o valor de €10 097,57 a título de explicações. Não se fez prova de que a Requerida tenha concordado ou sequer que tenha sido consultada quanto às disciplinas a que a filha teria explicações ou ao número de horas contratado ou ao local onde as mesmas teriam lugar (isto é, centro de explicações escolhido). Não se diga que tais despesas são despesas escolares, sem mais. Na verdade, aquelas compreendem inscrições, mensalidades e livros escolares, não podendo as explicações ser entendidas senão como despesas escolares extraordinárias. Sobretudo quanto atingem o valor que o requerente vem reclamar nos autos, superior a €10 000,00, e se tem em atenção a situação sócio-económica do casal parental. É o próprio requerente que diz ter feito um sacrifício para proceder a estes pagamentos, contando com o apoio da sua família.
Contudo, e uma vez pretendia que a mãe da jovem comparticipasse no pagamento daquelas, afigura-se de elementar metodologia suscitar a questão junto da mesma em momento prévio à contratação do centro de explicações e efectiva prestação de serviços por aquele. Não o tendo feito e considerando o teor do acordo de regulação do exercício de responsabilidades parentais, não pode a mãe ser condenada a pagar parte daquele valor. Não se diga que as explicações foram essenciais para o sucesso do projecto escolar da jovem. Ainda que o pai e a própria filha comunguem dessa visão, não ficou demonstrado que não seja possível (ou que não fosse possível à jovem, por qualquer limitação da mesma) entrar para o curso escolhido pela B sem recurso a explicações. Improcede, pois, nesta parte o peticionado.
Ou seja, a 1ª instância fundamenta a sua decisão de não condenar a requerida a comparticipar no pagamento das explicações, argumentando, em síntese, que o requerente não suscitou previamente junto da requerida a contratação do centro de explicações.
Será assim?
Tem-se discutido na doutrina e na jurisprudência a problemática da decisão dos progenitores sobre questões da vida corrente e questões de particular importância da vida dos filhos. E nem sempre é fácil distinguir entre ambas e, consequentemente, saber se determinada decisão deve ser tomada, singularmente, pelo progenitor guardião ou dever ser decidida com acordo prévio do outro progenitor.
Ora, como é sabido, a Lei 61/2008, de 31/10, introduziu alterações ao regime das responsabilidades parentais, estabelecendo, além do mais, como regra, a partilha por ambos os progenitores dos poderes decisórios relativos às questões cruciais da vida da criança tidas como de particular importância. Porém, não foi definido qualquer conceito do que sejam questões de particular importância nem indicados casos que permitam fazer luz sobre quais sejam essas questões de particular importância. Aliás, na Exposição de Motivos do Projecto de Lei 509/X, que esteve na base da Lei 61/2008, é dito que o exercício conjunto “…refere-se apenas aos actos de particular importância, a responsabilidade pelos actos da vida quotidiana cabe exclusivamente ao progenitor com quem o filho se encontra. Caberá à jurisprudência e à doutrina definir este âmbito…”.
Trata-se, pois, de conceito indeterminado.
A doutrina tem vindo a avançar com critérios delimitadores do que sejam questões de particular importância.
Assim, Helena Melo et alii (Poder Paternal e Responsabilidades Parentais, Quid Juris, 2009, pág. 136 e segs) referem que, as questões de particular importância correspondem ao “…conjunto dos actos de fundo que constituem traves mestras da vida da criança ou do adolescente e que compõem o núcleo essencial dos seus direitos…”.
Tomé Ramião (Divórcio e Questões Conexas, Quid Juris, 2009, pág. 147 e seg.) defende que as questões de particular importância deverão “…relacionar-se com questões existenciais graves, centrais e fundamentais para o seu desenvolvimento, segurança, saúde e formação da criança, todos os actos que se relacionem com o seu futuro, a avaliar em concreto e em função das circunstâncias.”.
Helena Bolieiro/Paulo Guerra (A Criança e a Família – Uma Questão de Direito(s); Visão Prática dos Principais Institutos do Direito da Família e das Crianças e Jovens, Coimbra Editora, pág. 175 e seg.) mencionam, igualmente, alguns exemplos do que sejam questões de particular importância.
Pensamos – aliás o legislador não o fez – que não é fácil dar uma definição de questões de particular importância”. E é preciso ter cautela com definições em direito. Parafraseando Erasmo (Adagiorum Chiliades) Omnis definitio in iure periculosa est (Em direito, toda a definição é perigosa).                                                                                                              
O que seja uma questão de particular importância deve ser decidida atendendo ao caso concreto ponderando às necessidades particulares, características próprias, meio em que se insere, vivência e socialização por que tem passado a criança ou adolescente. No fundo, questões de particular importância são todas as situações com potencial para causarem impacto forte na vida da criança analisada sob o ponto de vista das diversas vertentes que a compõem: saúde física e psicológica, formação e socialização.
Pois bem, como refere Clara Sottomayor (Regulação do Exercício das Responsabilidades…cit., pág. 331) A propósito das inscrições em estabelecimento de ensino, mesmo que se trate de um colégio privado e de decisões de transferência do ensino público para o privado ou vice-versa, e da orientação profissional do jovem julgamos necessário proteger a estabilidade da sua vida conferindo poderes de decisão ao progenitor residente, que melhor conhece as necessidades da criança e o seu desenvolvimento, uma vez que a acompanha emocionalmente e dela cuida diariamente. Parece mais adequado do ponto de vista do interesse da criança, não distinguir consoante a inscrição seja no ensino público ou particular, sendo ambas as decisões consideradas usuais na vida da criança e devendo ser tomadas pelo progenitor que cuida da criança no seu dia-a-dia.
E, a propósito de actividades extracurriculares continua aquela autora:Julgamos, conforme temos defendido, que estas actividades extracurriculares são, actualmente, actos da vida corrente da criança, para as quais não deve ser exigido consentimento de ambos os pais, sob pena de burocratização e paralisação da vida da criança, em relação a actos correspondentes às suas necessidades educativas…” (ob. cit., pág. 334).
Concordamos com este entendimento. A necessidade de explicações a disciplinas em que a criança apresenta dificuldades é uma decisão que pode ser tomada pelo progenitor residente sem ter de, previamente, obter concordância do outro progenitor. É o progenitor guardião quem está melhor colocado para perceber essas dificuldades e necessidades do filho de obter explicações que ajudem a melhorar o seu desempenho escolar. Aliás, é do superior interesse da criança ser ajudada com explicações com vista a melhorar as suas performances nas disciplinas em que sente dificuldade. Não nos esqueçamos que o critério de decisão primordial sobre as necessidades da criança está plasmado, além do mais, no artº 1906º nº 7 do CC: o superior interesse da criança norteia a decisão sobre todos os aspectos da vida dos filhos.
Pois bem, dito isto, é nosso entendimento que o requerente não carecia de prévio consentimento da requerida para que a filha de ambos tivesse explicações nas disciplinas em que apresentava maiores dificuldades. Por isso, não pode servir de fundamento para não co-responsabilizar a requerida em participar nas despesas com explicações a circunstância de não ter sido obtido prévio consentimento.
Aqui chegados, coloca-se a questão da proporção que a requerida/apelada deve suportar no custo dessas explicações.
Como vimos acima, a capacidade económica do requerente é superior à capacidade económica da requerida. Entendemos que, no que respeita à pensão de alimentos, fixar uma proporção de 3/5 para o requerente e de 2/5 para a requerida.
Dever-se-á manter essa proporção relativamente às despesas com explicações?
Não nos parece, pelas seguintes razões: primeira, porque as explicações constituem uma actividade extracurricular, com natureza excepcional e ocasional; segunda, por terem sido, efectivamente, muito caras em valor superior a 10 000€ e, com um custo/hora elevadíssimo, o que constitui uma despesa extraordinária que escapa ao normal do custo corrente com explicações e, oneraria, excessivamente, a requerida se tivesse de suportar dois quintos dessa despesa a acrescer ao valor da pensão mensal de alimentos; terceira, por ter sido o requerente quem escolheu aquele Centro de Explicações e, por isso, tem maior responsabilidade no suporte dessa despesa.
Assim, ponderando estas circunstâncias concretas, acha-se adequando determinar que a requerida suporte 1/5 do custo das explicações (3 932,50€ correspondentes à soma do valor de 3038,75, entre a propositura da acção e a maioridades e, 893,75€, entre Maio e Julho de 2021) no montante total de 786,50€.

Em suma, o recurso procede parcialmente.

***

III–DECISÃO

Em face do exposto, acordam neste colectivo da 6ª Secção Cível do Tribunal da Relação de Lisboa, julgar o recurso parcialmente procedente e, revogando a sentença sob recurso, decidem:
a)-Fixam em 180€ (cento e cinquenta euros) mensais, entre 24/04/2020 e 15/03/2021, a pensão de alimentos a pagar pela requerida à filha;
b)-Fixam em 200€ (duzentos euros) mensais a pensão de alimentos a pagar pela requerida à filha, desde 16/03/2021 até que ela complete a sua formação académica, no máximo até atingir 25 anos;
c)-Fixam em 786,50€ (setecentos e oitenta e seis euros e cinquenta cêntimos) o valor a pagar pela requerida a título de explicações ministradas à filha.

Custas na acção e no recurso na proporção de 1/5 para a requerida e de 4/5 para o requerente.



Lisboa, 13/10/2022



(Adeodato Brotas)
(Vera Antunes)
(Jorge Almeida Esteves)