Acórdão do Tribunal da Relação de Lisboa | |||
Processo: |
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Relator: | VAZ GOMES | ||
Descritores: | ARRENDAMENTO PARA COMÉRCIO OU INDÚSTRIA NULIDADE FIANÇA RESPONSABILIDADE CIVIL | ||
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Nº do Documento: | RL | ||
Data do Acordão: | 05/06/2010 | ||
Votação: | UNANIMIDADE | ||
Texto Integral: | S | ||
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Meio Processual: | APELAÇÃO | ||
Decisão: | CONFIRMADA A DECISÃO | ||
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Sumário: | I-A fiança tem o conteúdo da obrigação principal e cobre as consequências legais e contratuais da mora, estando o fiador do arrendatário obrigado nos mesmos termos deste último por força da contratual assunção da obrigação de principal pagador (cfr. art.ºs 634, 640, alínea a) do CCiv). II- Se a obrigação principal do arrendatário decorrente da celebração do contrato de arrendamento inexiste face à declaração de nulidade do contrato de arrendamento que tem efeitos ex tunc, inexiste a obrigação daquele que se obrigou como seu fiador. | ||
Decisão Texto Parcial: | ![]() | ||
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Decisão Texto Integral: | Acordam os juízes na 2.ª secção Cível do Tribunal da Relação de Lisboa I – RELATÓRIO APELANTE/AUTORA: COMPANHIA DE SEGUROS * APELADAS/RÉS: V..., Lda.: B.... * Com os sinais dos autos. * Inconformada com a sentença de fls. 182/191, de 6/04/09 dos autos que declarou nulo o contrato de arrendamento dos autos, declarou supervenientemente inútil o conhecimento da parte do pedido de entrega do imóvel por a entrega ter ocorrido em 28/02/03, condenou a Ré V... a pagar à Autora a quantia mensal de 866,61 € desde Julho de 2001 a Março de 2002 e 903,88 € desde Abril de 2002 até Fevereiro de 2003 e também a pagar juros de mora sobre essas quantias até ao trânsito em julgado da acção, e desde esse trânsito até efectivo e integral pagamento, absolvendo ainda o co-réu B... do pedido, dela apelou A Autora em cujas alegações conclui: 1. Vem o presente recurso da douta sentença proferida pelo tribunal a quo, na medida em que nesta se declara nulo o contrato de arrendamento tendo por objecto o imóvel dos autos, e absolver o Réu B.... 2. Na óptica da Autora, o contrato dos autos é efectivamente um contrato de promessa de arrendamento, não tendo querido ou desejado que com o mesmo se executasse o contrato prometido. E com efeito, 3. Resulta da factualidade revelada no dito contrato, a mútua assumpção da obrigação de celebração futura do contrato prometido, válido e eficaz, dentro dos condicionalismos de forma legais. 4. O contrato-promessa dos autos foi celebrado pouco mais de um mês antes da alteração legislativa que se avizinhava (Dec.-Lei n.º 64-A/2000 de 22 de Abril), pelo que, seriam já as partes conhecedoras da alteração legislativa próxima. 5. As partes já nesta altura contavam com a produção dos efeitos que a breve prazo decorreriam da alteração da lei. Acresce que, 6. A arrendatária manifestou necessidade e urgência na imediata ocupação do locado – ver cláusula 12.ª; 7. Por tudo isto, as partes encontrar-se-iam convictas de estar a antecipar o cumprimento do contrato promessa, mas não ainda a celebrar o contrato definitivo prometido – art.º 440 do C.Civil. E assim, 8. A Autora tem a convicção de ter firmado uma promessa válida, a qual, em face da urgência manifestada pela arrendatária e da proximidade das alterações legislativas (em matéria de forma de arrendamento comercial) teria a virtualidade de, no futuro quase imediato, fazer operar a simples necessidade de formalização do contrato final, por simples escrito particular. 9. Neste aspecto, somos ainda de parecer que a aplicação da disciplina do n.º 2 do art.º 12.º do Código Civil pode permitir um entendimento diferente daquele que vem explanado no douto aresto, com o entendimento de que o legislador pretendeu estender o âmbito de aplicação dos factos (contratos) anteriores. 10. O espírito e a letra da lei permitem concluir pela intenção de desburocratizar os serviços de notariado, mas também, 11. A desburocratização dos serviços, na óptica do cidadão, tornando desnecessária a prática desse acto meramente formal, o qual se desenhou perante o legislador com um acto sem qualquer consequência a nível das garantias de todos os interveniente, ou seja, na prática, completamente injustificado. 12. Acrescendo que, como reconhecidamente se fez no dito preâmbulo, a desnecessidade de realização do acto formal – escritura pública – nem sequer transporta um prejuízo patrimonial ou de outra natureza para terceiros. 13. Porém, já é evidente que as partes não podem ser prejudicadas quando, objectiva e declaradamente, prescindiram daquela exigência formal, renunciando à sua invocação (como é o caso dos autos). 14. Tudo isto, de forma completamente esclarecida e informada, e tendo por base a invocação de razões de necessidade e urgência na ocupação que, nestes termos, apenas vieram a beneficiar o infractor! 15. De qualquer forma cremos que, idealmente, a construção dos factos dos autos passa pelo realce de dois momentos distintos: o momento da celebração do contrato de promessa de arrendamento e o momento da entrada em vigor do Dec Lei n.º 64-A/2000 (com o qual deixou de ser necessária a celebração do contrato definitivo com determinada forma). Pelo que, 16. Não tendo ainda as partes celebrado o contrato definitivo e verificando que, no presente as razões de forma permitem considerar que as partes possuem uma declaração formal que possui todos os requisitos formais necessários à sua validade. 17. A conclusão resulta numa construção jurídica que, reconhecendo a concretização de um contrato promessa, venha a considerar que o mesmo não tendo sido executado oportunamente, pode agora valer como contrato de arrendamento. 18. Inclusive, neste aspecto, se nos revela apta a disciplina constante no art.º 293 do CCiv: CONVERSÃO. 19. Por último não pode a Autora deixar de enfatizar o acordo constante da cláusula 13.ª do contrato em causa nos autos. Ou seja, 20. O fiador não só se declarou responsável solidário, com o inquilino, no cumprimento de todas as cláusulas, nos termos que constam da cláusula 10.ª do contrato dos autos. Como também, 21. Assumiu, solidariamente com a inquilina, e perante a Autora, o pagamento de “… todas as rendas vencidas…” , (leia-se: valores correspondentes a todas as rendas vencidas), acaso “… se viesse a considerar judicialmente nulo o contrato de arrendamento…”. 22. Isto é, já não estamos a falar de fiança propriamente dita mas de uma declaração contratual – no âmbito da liberdade reconhecida às partes, art.º 405 do C. Civil -, da pessoa que neste contrato até figura como fiador, mas que noutra qualidade, assume a responsabilidade pelo pagamento de determinado valor. 23. Obrigação esta que já não se encontra dependente das exigências de forma mencionadas na douta sentença recorrida e que, pelo menos nessa parte, merece a salvação do direito, por conversão ou redução já que a nulidade parcial do negócio não implica a sua invalidade total, quando as suas causas de nulidade não se impõem à parte não viciada. Em contra-alegações e em suma conclui o co-réu B...: A. O contrato dos autos é um contrato definitivo de arrendamento para fins comerciais, e não um contrato-promessa com antecipação de cumprimento nos termso do art.º 440 do CCiv, já que este dispositivo apenas se aplica se a antecipação se verificar apenas em relação a uma das partes, o que não acontece no caso dos autos já que desde a celebração do contrato dos autos que as partes cumpriram as respectivas obrigações daquele que seria o contrato definitivo -obrigação de disponibilizar o imóvel para ocupação pelo arrendatário e pagamento das rendas por parte deste ao senhorio (Conclusões 1 a 6); B. O contrato de arrendamento para fins comerciais dos autos estava sujeito a escritura pública nos termos dos art.ºs 7/2/b do D.L. n.º 321-B/90 de 15 de Outubro e 12/1 do CCiv, não lhe sendo aplicável a alteração que lhe foi introduzida pelo D.L. 64-A/2000 de 23/04 que entrou em vigor em data posterior à data da celebração, não sendo verdade que as razões que à data da celebração exigiam a escritura pública fossem destituídas de sentido, uma vez que a exigência da forma legal é ad substantiam e não ad probationem e filia-se em razões de interesse e ordem pública, sendo, por isso uma norma imperativa, cuja violação comina de nulo (art.ºs 220 do CCiv) o negócio em seu desrespeito celebrado, sendo nulas as cláusulas 12.ª e 13.ª do contrato onde as partes se vinculam a não exigir judicialmente e seja para que efeitos for a nulidade do contrato de arrendamento; a nulidade pode ser invocada a todo o tempo por qualquer interessado e pode ser conhecida oficiosamente pelo Tribunal nos termos do art.º 286 do CCiv (Conclusões 7 a 12); C. Não pode ser aplicada ao caso dos autos a redacção do art.º 7/2/b do RAU porque se trata de norma que regula a forma do negócio e não o conteúdo das relações jurídicas (art.ºs 12/2, 2.ª parte do CCiv) e porque a primeira parte do n.º 2 do art.º 12 do CCiv apenas se refere à situação contrária em que a nova lei veio exigir uma forma mais solene (Conclusões 13 a 18) D. Um contrato de arrendamento para fins comerciais, nulo por falta de forma não se pode converter no mesmo negócio válido, porquanto não é esse o alcance do art.º 293 do CCiv que fala em conversão em negócio de tipo e conteúdo diferente (Conclusões 19 a 20) E. Sendo nulo o negócio é também nula a fiança nos termso dos art.ºs 627 e 628 do CCiv; não pode operar a conversão nem a redução do negócio em relação à fiança prestada na medida em que todo o negócio é nulo, assim como o são as cláusulas referentes às obrigações do fiador, pela acessoriedade deste negócio, (Conclusões 21 a 26) F. São igualmente nulas as cláusulas 11.ª 13.ªa renúncia da invocação da nulidade por parte da locatária e do fiador, por violação do princípio da tutela do consentimento a que subjaz a exigência da escritura pública do arrendamento e bem assim como é nula a cláusula que afaste o direito das partes recorrerem a Tribunal (Conclusões 27 e 28) Questões a resolver: 1. Saber se ocorre erro de julgamento na sentença recorrida ao considerar-se que o contrato dos autos é um contrato definitivo de arrendamento para fins comerciais, na medida que o contrato é um contrato-promessa de arrendamento para fins comerciais que se basta com a forma escrita, com antecipação do cumprimento do contrato nos termos do art.º 440 do CCiv 2. Ainda que se considere que o contrato dos autos é um contrato de arrendamento comercial, saber se ocorre erro de julgamento na sentença recorrida ao desconsiderar a aplicação da nova redacção do art.º 7/2/b do RAU introduzida pelo DL 64-A/2000 de 22/04 por força do disposto no art.º 12/2 do CCiv; 3. Saber se ocorre erro de julgamento ao não ter considerada válida a obrigação assumida pela fiadora pela cláusula 13.ª do contrato, ao abrigo do princípio da liberdade contratual do art.º 405 do CCiv, salvando-se assim essa obrigação contratual quer por força da conversão quer por força da redução do negócio jurídico nos termso dos art.ºs 293 e 292 do CCiv. II- FUNDAMENTAÇÃO DE FACTO O Tribunal recorrido deu como assentes os seguintes factos que não vêm impugnados nos termos da lei de processo. 1. A Autora é dona e legítima proprietária da fracção autónoma, designada pelo 7.º andar, letra “B” do prédio urbano sito na Avª ..., n.º ... em Lisboa, inscrito na matriz predial urbana sob o art.º n.º ... da freguesia de Nossa Senhora de Fátima; 2. Entre a Autora e a primeira Ré foi celebrado um contrato, em 17.03.2000, que as partes intitularam de “contrato de promessa de arrendamento”, onde aquela prometeu dar a esta e esta prometeu tomar de arrendamento a referida fracção autónoma – cf. Documento de fls. 124 a 126 cujo conteúdo se dá por integralmente reproduzido. 3. O contrato foi celebrado por um prazo de um ano com início a 1.04.2000, sendo sucessivamente renovado pelo período de seis meses. 4. No acto da assinatura (17.03.200) foram entregues pela Autora à 1.ª Ré as chaves da fracção autónoma, e esta passou a ocupá-lo desde então. 5. Foi convencionada a renda mensal de euros 847,96 (oitocentos e quarenta e sete euros e noventa e seis cêntimos). 6. Com as actualizações, em Abril de 2001, o valor da renda era de Euros 866,61 (oitocentos e sessenta e seis euros e sessenta e um cêntimos) 7. Com as actualizações em Abril de 2002, o valor da renda era de Euros 903,88 (novecentos e três euros e oitenta e oito cêntimos). 8. A 1.º Ré não pagou nem depositou a renda respeitante ao mês de Julho de 2001 (vencida a 1/06/2001), no montante de Euros 866,61. 9. Nem pagou ou depositou as rendas relativas aos meses de Agosto, Setembro, Outubro, Novembro e Dezembro de 2001 e as relativas aos meses de Janeiro, Fevereiro, Março, Abril e Maio de 2002, vencidas no primeiro dia útil do mês anteriores ao que dizem respeito. 10. O segundo Réu subscreveu o contrato identificado em 2) na qualidade de fiador. 11. A 28 de Fevereiro de 2003 foram entregues as chaves do locado à Autora. III- FUNDAMENTAÇÃO DE DIREITO São as conclusões de recurso que delimitam o seu objecto salvo as questões que são de conhecimento oficioso, e aquelas cuja decisão esteja prejudicada pela solução dada a outras (art.ºs 660, n.ºs 1 e 2, 288, 514, 684/3, 690/4, 713/2 do Código de Processo Civil, na redacção que lhe foi introduzida pelo DL 329-A/95, de 12/12, pelo DL 180/96 de 25/09 [1]). As questões a resolver são pois as indicadas em I, parte final. 1- Saber se ocorre erro de julgamento na sentença recorrida ao considerar-se que o contrato dos autos é um contrato definitivo de arrendamento para fins comerciais, na medida que o contrato é um contrato-promessa de arrendamento para fins comerciais ques e basta com a forma escrita, com antecipação do cumprimento do contrato nos termos do art.º 440 do CCiv. A sentença considerou que o contrato de arrendamento que as partes quiseram celebrar mediante o escrito particular de fls. 124/125 dos autos tornou-se imediatamente perfeito, deixando de estar dependente de qualquer outras manifestação de vontade nesse sentido, nem do estabelecimento de quaisquer outras cláusulas ou condições, sendo que no acordo firmado pelas partes e exarado no texto se encontram todas as declarações de vontade necessárias para a formação do arrendamento. Se bem lemos o acordo exarado naquele escrito a Companhia de Seguros Autora nesta acção, invocando a qualidade de legítima proprietária do imóvel sito na Av ... em Lisboa, dá de arrendamento para escritório, o andar daquele imóvel a V..., na qualidade de locatária e segunda outorgante, sendo o prazo do contrato de um ano com início a 1 de Abril de 2000 (14 dias após a data da outorga do escrito), sucessivamente renovado por períodos de seis meses nas condições e termos da lei, sendo a renda mensal de 170.000$00 anualmente actualizável paga adiantadamente em qualquer dos escritórios da senhoria no primeiro dia útil do mês anterior àquele a que respeita (cláusulas 1.ª, 2.ª, 3.ª, 4.ª, 5.ª); nele firmou como fiador e principal pagador, renunciando ao benefício da excussão prévia (é evidente lapso a referência a exclusão), quer em relação às obrigações da locatária decorrentes do contrato quer das renovações sucessivas, tanto em relação ao valor inicial da renda como às futuras rendas actualizadas nos termos legais B... (cl. 10.ª); Mais declaram o fiador e a locatária que “reconhecem que a falta de formalismo legal do presente contrato de arrendamento, na data do seu início se deve ao próprio interesse do locatário, urgência que tem na ocupação o arrendado e nesta conformidade uma e outra se vinculam a não invocar judicialmente, e seja para que efeito for, a nulidade do contrato de arrendamento(…)” (cl. 12.ª); mais declaram locatária e fiador “que ainda que por qualquer motivo se viesse a considerar judicialmente nulo o contrato de arrendamento, por falta de forma, se considerarão sempre devedores à locadora de todas as rendas vencidas, com a indemnização por contrapartida da utilização das instalações pela locatária em virtude de reconhecerem que o presente contrato é economicamente cumprido pela locadora(…)”(cl. 13.ª). Ainda que no ponto 2 da fundamentação de facto conste que a Autora prometeu dar de arrendamento à 1.ª Ré e esta tomar de arrendamento, o certo é que tal factualidade como se vê da motivação da decisão de facto resulta única e exclusivamente do documento de fls. 124 e 125, não tendo sobre tal ocorrido verdadeiro julgamento na sede própria já que no momento processual azado o Tribunal recorrido dispensou a condensação dos factos assentes e controvertidos, Resulta do documento em causa, cláusula 1.ª, que a primeira outorgante na qualidade de legítima proprietária do imóvel o “dá de arrendamento(…) ao segundo outorgante”. Ora o teor do documento que suporta o acordo não foi posto em crise pelo sempre o seu teor se teria de considerar assente nos seus precisos termos e não noutros. Da mesma maneira que caso tivesse sido especificado incorrectamente o teor desse documento tal especificação não faz caso julgado em conformidade com a doutrina do assento n.º 14/94, de 26/05/1994, publicado no D.R. I-A, n.º 230, de 04-10-94, também o não faz a incorrecta transcrição do teor do acordo ainda que tal transcrição ocorra em momento posterior, ou seja em sede de julgamento como é o caso. Ou seja, a Autora “dá de arrendamento”, e não “promete dar de arrendamento”. Ainda que a interpretação gramatical do cabeçalho do acordo possa inculcar a ideia de que entre as partes foi acordado um contrato-promessa de arrendamento, em nenhuma outra parte do clausulado ocorre referência às obrigações e direitos resultantes do contrato-promessa, pelo contrário, resulta do teor das obrigações e direitos constantes das cláusulas contratuais que foi celebrado um contrato de arrendamento. Não se tendo feito a prova de uma vontade real, tão só de uma vontade declarada, não pode o sentido que a apelante pretende retirar do texto do acordo valer - n.º 2 do art.º 238 do CCiv. Um declaratário na posição do locatário e fiador deduziria do texto do acordo exactamente o contrário que a apelante pretende retirar - art.º 236/1 do CCiv. Não podendo a declaração valer como promessa de arrendamento fica prejudicado o argumento que a apelante pretende retirar que as partes quiseram, com o acordo, e apenas, antecipar de cumprimento do contrato definitivo -art.º 440 do CCiv, sendo que a antecipação aqui prevista apenas se refere à prestação de uma das partes e não a todas as prestações contratuais. Improcede nessa parte o recurso. 2- Ainda que se considere que o contrato dos autos é um contrato de arrendamento comercial, saber se ocorre erro de julgamento na sentença recorrida ao desconsiderar a aplicação da nova redacção do art.º 7/2/b do RAU introduzida pelo DL 64-A/2000 de 22/04 por força do disposto no art.º 12/2 do CCiv Dispõe o n.º 1 do art.º 7 do RAU, inalterado, pelo DL 64-A/2000, de 22/04: “O contrato de arrendamento urbano deve ser celebrado por escrito.” O n.º 2 do art.º 7.º que continha, antes da alteração que lhe foi introduzida pelo DL 64-A/2000, duas alíneas, a a) e a b), e sujeitava a escritura pública os arrendamentos sujeitos a registo e os arrendamentos comerciais entre outros, foi alterado pelo mencionado diploma, passando a estatuir: “A inobservância da forma escrita só pode ser suprida pela exibição do recibo de renda e determina a aplicação do regime de renda condicionada, sem que daí possa resultar aumento de renda (antiga redacção do n.º 3) Na pretensão do legislador, espelhada no preâmbulo do DL 64-A/2000, “o processo de simplificação da celebração de contratos de arrendamento mediante a dispensa de escritura pública foi projectado para os arrendamentos para o comércio, indústria ou exercício de profissão liberal(…)”. Concomitantemente o art.º 2.º desse diploma revogou as alíneas l) e m) do n.º 2 do art.º 80 do Código do Notariado, aprovado pelo DL 207/95, de 14/08, harmonizando assim a legislação quanto à desnecessidade de escritura. Com a alteração introduzida ao art.º 7 do RAU, pelo DL 64-A/2000, deve, implicitamente, considerar-se revogado o art.º 1029, n.º 1, do CCiv, o qual foi aprovado pelo DL 47.344 de 25/11/1966 e cuja estatuição conflitua expressamente com o teor daquele DL 64-A/2000 de 22/04, que lhe é posterior, já que não só do elemento gramatical como das razões expostas no preâmbulo do novo diploma resulta inequívoco o pensamento legislativo designadamente quanto à revogação daquela exigência formal, revogação essa que não constando expressamente no texto do diploma se tem de considerar implícita pois só assim se salvaguarda a unidade do sistema jurídico (cfr. art.º 9, n.ºs 1 e 2 do CCiv); de resto o legislador, já em 2006 e pela Lei 6/2006, de 27/02 veio a revogar expressamente o mencionado art.º 1029 do CCiv (cfr. art.º 2.º, n.º 1 dessa Lei que aprovou o designado (pela Lei) Novo Regime do Arrendamento Urbano). Todavia, o contrato dos autos é de 17/03/2000, por isso, anterior à entrada em vigor do referido DL 64-A/2000. Ser-lhe-á aplicável? Ocorrendo sucessão de leis no tempo, temos de nos socorrer do disposto no art.º 12 do CCiv. Interessam aqui as considerações judiciosas de Baptista Machado[2] relativas à distinção entre normas de conflitos e normas de transição: “A norma de conflitos dirime o conflito de lei num ou noutro sentido, isto é, limitam-se a determinar qual das leis é aplicável. As normas de transição, essas preocupam-se com o estabelecimento de um regime intermediário entre as duas leis, visando à conciliação dos interesses particulares com a regulamentação da lei nova e têm natureza material; entre as normas de conflitos há que distinguir aquelas que são dotadas de validade geral e fixam princípios que fornecem ao julgados um critério permanente de solução de conflitos (como, por exemplo as contidas nos art.ºs 12 e 13 do CCiv) daquelas que são estabelecidas pelo julgados com vista à solução de um conflito particular, surgido a propósito duma alteração legislativa determinada e não têm força obrigatória para além da transição legislativa concreta visada como é o caso das regras de conflitos contidas na Lei de Introdução ao Novo Código Civil Português. A norma de conflitos geral e permanente é a do art.º 12 do CCiv. Do n.º 1 resulta o princípio da não retroactividade, e que mesmo na hipótese de retroactividade ficam ressalvados os efeitos já produzidos pelos factos que a lei se destina a regular, o que significa que o efeito retroactivo produzido por uma cláusula de retroactividade será em efeito de grau mínimo; o n.º 2 reafirmando o princípio do n.º 1 fixa critérios (formais) de solução dos conflitos de leis no tempo. A primeira parte do n.º 2 do art.º 12 não se refere a situações ou relações jurídicas mas aos factos ou seja às condições de validade e aos efeitos de quaisquer factos. A primeira parte do n.º 2 do art.º 12 do CCiv é assim clara na resolução da situação que nos ocupa, porquanto a alteração legislativa dispondo sobre as condições de validade formal do contrato de arrendamento para fins comerciais, apenas se aplica aos contratos que vieram a ser celebrados após a sua entrada em vigor, corolário da regras da não retroactividade da lei nova nessa matéria. Assim sendo, à data da outorga do contrato dos autos era exigida, como se decidiu e bem na sentença recorrida a escritura pública para a formalização do acordado contrato de arrendamento comercial, o que sendo condição de validade ad substantiam, não tendo sido observado como não foi fere de nulo o contrato dos autos nos termos das disposições conjugadas dos art.ºs 220, 289 do CCiv, com as consequências também fixadas na sentença recorrida para cujo teor se remete em consonância com o disposto nos n.ºs 5 e 6 do art.º 713. Improcede nessa parte também, o recurso. 3-Saber se ocorre erro de julgamento ao não ter considerada válida a obrigação assumida pela fiadora pela cláusula 13.ª do contrato, ao abrigo do princípio da liberdade contratual do art.º 405 do CCiv, salvando-se assim essa obrigação contratual quer por força da conversão quer por força da redução do negócio jurídico nos termso dos art.ºs 293 e 292 do CCiv. A sentença recorrida em suma considerou o seguinte: O teor das cláusulas 12.ª e 13.ª do contrato de arrendamento dos autos, ainda que o contrato de arrendamento fosse válido seriam sempre nulas por não estar na disponibilidade das partes o afastamento das regras imperativas, contidas no RAU e no Código Civil quanto às consequências da nulidade do negócio jurídico - art.º 280 do CCiv A vontade de prestar a fiança foi formalizada no mesmo escrito particular de arrendamento, o que tanto basta para a sua invalidade, em consonância com o n.º 1 do art.º 628 do CCiv. A fiança tem o conteúdo da obrigação principal e cobre as consequências legais e contratuais da mora, estando obrigado nos mesmos termos que a mencionada locatária V... por força da contratual assunção da obrigação de principal pagador (cfr. art.ºs 634, 640, alínea a) do CCiv). Ora, a obrigação principal da V..., decorrente da celebração do contrato de arrendamento inexiste face à declaração de nulidade do contrato de arrendamento que tem como muito bem se diz na sentença recorrida efeitos ex tunc. A condenação da V... no pagamento das mencionadas quantias é consequência da declaração da nulidade do contrato de arrendamento, na medida em que estando a V..., e só ela, dada a natureza pessoal do direito de uso e fruição (o arrendamento é um contrato intuitu personae), a restituir o uso e fruição à senhoria, e esta a restituir as rendas, não podendo aquela restituir o uso e a fruição também o não está obrigado o senhorio quanto às rendas, sendo que a obrigação de pagamento daquelas quantias radica na consideração de que o arrendatário é equiparado ao possuidor de má fé (art.ºs 1046, 1270/1 e 1271 do CCiv). O princípio da liberdade contratual referido pela apelante tem os limites da lei, designadamente das normas imperativas do Código Civil- cfr. art.º 405/1 e 280/1. Donde aquelas cláusulas contratuais sendo nulas como se disse nenhum efeito jurídico podem produzir. Por outro lado não se vislumbra qual o negócio de tipo ou conteúdo diferente do contrato de arrendamento que as partes efectivamente quiseram celebrar, no qual se possa converter o acordo dos autos em conformidade com o disposto no art.º 293 do CCiv, assim como não ocorrendo nulidade parcial não é possível a aplicação do disposto no art.º 292 do CCiv. Improcede também nessa parte o recurso. IV- DECISÃO Tudo visto acordam os juízes em julgar improcedente a apelação e confirmara sentença recorrida. Regime de Responsabilidade por Custas: As custas são da responsabilidade da apelante (art.ºs 446, n.ºs 1 e 2) Lxa., 6/05/2010 João Miguel Mourão Vaz Gomes Jorge Manuel Leitão Leal Ondina Carmo Alves [1] A acção foi distribuída à 3.ª secção do 10.º juízo Cível do Tribunal de Comarca de Lisboa em 06/05/2002, por isso antes da entrada em vigor do DL 38/03 de 08/03, que alterou o Código de Processo Civil que entrou em vigor, conforme art.º 23, no dia 15/09/03 e não se aplica aos processos pendentes por força do art.º 21/1 do mesmo diploma; ao Código de Processo Civil na mencionada redacção anterior à que lhe foi dada pelo DL 38/03, pertencerão as disposições legais que vierem a ser mencionadas sem indicação de origem. [2] Sobre a Aplicação no Tempo do Novo Código Civil, Livraria Almedina, Coimbra, 1968, pág.s 47/48 |