Acórdão do Tribunal da Relação de Lisboa
Processo:
1016/14.5T8SNT.L1-4
Relator: FILOMENA MANSO
Descritores: FALTAS INJUSTIFICADAS
DESPEDIMENTO ILÍCITO
CONTRATO A TERMO
SALÁRIOS INTERCALARES
DEDUÇÃO
SUBSÍDIO DE REFEIÇÃO
Nº do Documento: RL
Data do Acordão: 10/07/2015
Votação: UNANIMIDADE
Texto Integral: N
Texto Parcial: S
Meio Processual: APELAÇÃO
Decisão: ALTERADA A DECISÃO
Sumário: I - O comportamento do trabalhador previsto no art. 351, nº2, g) do CT (faltas injustificadas ao serviço que atinjam, em cada ano, o número de cinco seguidas ou dez interpoladas), não constitui verificação automática de justa causa de despedimento, impondo-se averiguar se se mostra preenchida a cláusula geral contida no nº1 do mesmo preceito.
II - Não obstante a Autora ter dado, pelo menos, 11 faltas ao serviço no ano de 2014, não se tendo demonstrado qualquer factualidade que permita estabelecer uma relação de causa-efeito entre essa conduta e um prognóstico de imediata insubsistência da relação de trabalho, impõe-se julgar inexistente a justa causa de despedimento invocada pela entidade empregadora.
III - No contrato de trabalho a termo certo, ao trabalhador despedido ilicitamente assiste o direito às retribuições que deixou de auferir desde a data do despedimento até ao termo do contrato, se este ocorrer antes da sentença (art. 393,nº2 do CT).
IV - Nessas retribuições estão ainda incluídas todas as prestações que o trabalhador auferiria até ao final do contrato, não fora o acto ilícito do despedimento levado a cabo pelo empregador, como é o caso da compensação pela caducidade do contrato.
V - No cálculo dos salários intercalares não deve ser incluído o subsídio de refeição, face ao disposto no art. 260,nº2 do CT, a menos que o trabalhador comprove que a prestação que lhe é paga excede as despesas normais por ele efectuadas a esse título, por se tratar de factualidade constitutiva do direito de que se arroga (art. 342, nº1 do CC).

VI – Aos salários intercalares, devidos por força da ilicitude do despedimento relativo a um contrato de trabalho a termo certo, não deverão ser feitas as deduções estabelecidas no nº2 do art. 390 do CT, dado que a lei estabelece que essas retribuições constituem o mínimo da indemnização devida ao trabalhador.
(Sumário elaborado pela Relatora)
Decisão Texto Parcial: Acordam na Secção Social do Tribunal da Relação de Lisboa:



I - RELATÓRIO:


AA veio, mediante o formulário próprio, intentar a presente acção de Impugnação Judicial da Regularidade e Licitude do Despedimento, com processo especial, contra a sociedade BB, LDA opondo-se ao despedimento promovido pela empregadora, em 30.09.2014, através de decisão escrita que juntou e pedindo que seja declarada a ilicitude ou a irregularidade do mesmo, com as legais consequências.

Realizou-se a audiência de partes na qual não foi possível obter a conciliação.

A empregadora juntou o procedimento disciplinar e apresentou o articulado motivador do despedimento. Neste alegou, em síntese, que a Autora, sua trabalhadora, no período compreendido entre os dias 01 de Janeiro de 2014 e 02 de Setembro de 2014, faltou onze dias completos, injustificadamente.

Atendendo à violação dos deveres de assiduidade e pontualidade, sustentou a Ré que o despedimento foi lícito e regular devendo a acção ser julgada improcedente.

A Trabalhadora apresentou a sua contestação e, não negando as faltas apontadas pela empregadora, disse que as ausências registadas nos dias 20.02.2014, 12.06.2014, 23.06.2014, 01.08.2014, 21.08.2014 e 02.09.2014, foram todas previamente comunicadas à sua superior hierárquica, pelo que não devem ser consideradas faltas injustificadas.

A Trabalhadora acrescentou que, aquando da notificação da Nota de Culpa, não lhe foi indicado o local nem as horas para consulta do processo disciplinar, nem o prazo para resposta, o que na sua tese determina a invalidade de todo o processo.

Mais disse que, na decisão de despedimento, a Ré se limitou a fazer uma mera referência à norma legal (artigo 351º, nº 2, do Código do Trabalho), sem qualquer fundamentação de facto ou das razões que conduziram à cessação do contrato de trabalho.

Por fim, a Trabalhadora alegou que as faltas dadas ao trabalho não originaram qualquer prejuízo ou risco para a empregadora, não assumindo, por isso, gravidade bastante para tornar imediata e praticamente impossível a relação laboral.

Pugnando pela ilicitude do seu despedimento, a Autora formulou pedido reconvencional, pedindo a condenação da Ré no pagamento de todos os créditos decorrentes do despedimento ilícito, em concreto, as retribuições mensais, os subsídios de refeição, a compensação pela caducidade do contrato de trabalho, as retribuições de férias, o subsídio de férias e o subsídio de Natal, tudo no montante global de € 6.460,36 (seis mil quatrocentos e sessenta euros e trinta e seis cêntimos).

Notificada da contestação, a Ré respondeu sustentando que o processo disciplinar não sofre de nenhum vício que o inquine, estando a decisão devidamente fundamentada. Impugnou ainda toda a matéria da reconvenção, concluindo pela improcedência do pedido reconvencional.

Foi proferido o despacho saneador, tendo sido dispensada a identificação do objecto do litígio e a enunciação dos temas da prova.

Procedeu-se a julgamento, com observância das formalidades legais, após o que foi proferida sentença, na qual foi exarada a seguinte:

DECISÃO que foi rectificada, a requerimento da Ré, por despacho proferido a fls 237-238:
Pelo exposto, julgo a ação parcialmente procedente, por parcialmente provada e, em consequência:
a) declaro lícito o despedimento da Autora AA;
b) condeno a Ré BB LDA a pagar à Autora a quantia global de 1.576,22 (mil quinhentos e setenta e seis euros e vinte e dois cêntimos), sendo:
- €485,00 (quatrocentos e oitenta e cinco euros), a título de subsídio de férias do ano de 2014;
- €363,74 (trezentos e sessenta e três euros e setenta e quatro cêntimos), a título de proporcionais do subsídio de Natal de 2014;
- € 727,48 (setecentos e vinte e sete euros e quarenta e oito cêntimos), a título de proporcionais da retribuição de férias e do subsídio de férias, pelo tempo de serviço prestado em 2014 - €363,74 + €363,74.
c) condeno a Ré a pagar à Autora os juros de mora sobre as quantias atrás referidas contados à taxa anual supletiva fixada para os juros civis, desde a data do vencimento de cada uma das prestações, até efetivo e integral pagamento;
d) no mais, absolvo a Ré do pedido.
Fixo à ação o valor de € 1.576,22 (mil quinhentos e setenta e seis euros e vinte e dois cêntimos) – cfr. artigo 98º-P, nº 2, do CPT.
Custas pela Autora e pela Ré, na proporção do decaimento, sem prejuízo do apoio judiciário de que beneficia a Autora.
Notifique e registe.

Inconformada, interpôs a Autora recurso para esta Relação na qual formulou as seguintes
EM CONCLUSÕES:

(…)

Contra-alegou a Ré pugnando pela manutenção do julgado, excepto quanto ao cálculo dos créditos laborais, cuja rectificação requer, pretendendo que o seu montante global ascende a €1.289,74 e não €1,752,74 como foi considerado na sentença.

Subidos os autos a esta Relação, o Exmo Procurador-Geral Adjunto emitiu parecer no sentido de que o recurso merece provimento.

Colhidos os vistos legais, cumpre apreciar e decidir.

Sendo o objecto do recurso delimitado pelas respectivas conclusões, a única questão a decidir consiste em saber, se existe ou não justa causa para o despedimento promovido pela Ré/Empregadora.

Como questão prévia, deverá ser apreciado o pedido de rectificação da sentença formulado pela Ré /Apelada.

II – FUNDAMENTOS DE FACTO:

A 1ª instância considerou assentes os seguintes factos:

1) A Autora foi admitida ao serviço da Ré, no dia 01 de Novembro de 2013, através de contrato de trabalho a termo certo, por tempo completo, para exercer funções inerentes à categoria profissional de Trabalhadora de Limpeza, por conta e sob a autoridade e direcção da Ré, auferindo o vencimento mensal ilíquido de € 485,00 (quatrocentos e oitenta e cinco euros).

2) A 03 de Setembro de 2014, foi instaurado pela Ré contra a aqui Autora processo disciplinar com base na prática por esta de factos relacionados com o seu absentismo desde 01 de Janeiro de 2014.

3) Atendendo ao registo de absentismo da Autora, esta não compareceu ao serviço nem justificou as seguintes faltas:
- dia 06 de Janeiro de 2014, durante 1 dia;
- dia 07 de Janeiro de 2014, durante 1 dia;
- dia 20 de Fevereiro de 2014, durante 1 dia;
- dia 21 de Fevereiro de 2014, durante 1 dia;
- dia 08 de Abril de 2014, durante 1 dia;
- dia 26 de Maio de 2014, durante 4h30m;
- dia 12 de Junho de 2014, durante 4h30m;
- dia 23 de Junho de 2014, durante 4h30m;
- dia 25 de Junho de 2014, durante 1 dia;
- dia 17 de Julho de 2014, durante 1 dia;
- dia 01 de Agosto de 2014, durante 1 dia;
- dia 21 de Agosto de 2014, durante 1 dia;
- dia 01 de Setembro de 2014, durante 1 dia;
- dia 02 de Setembro de 2014, durante 1 dia.

4) O registo de absentismo foi participado à Ré no dia 03 de Setembro de 2014.

5) A Ré, através da Gerência, abriu e procedeu à instauração do competente procedimento disciplinar contra a Autora.

6) Por carta registada com aviso de recepção, foi comunicado à Autora a instauração do processo disciplinar, com intenção de despedimento, efectuada a sua notificação para apresentar a defesa e requerer as diligência de prova que entendesse por convenientes, no prazo legal, anexando a Ré a respectiva Nota de Culpa.

7) Nessa carta pode ler-se o seguinte:
“Exma. Senhora,
Serve a presente para notificar V. Exª de que lhe foi instaurado um processo disciplinar nos termos da Nota de Culpa anexa.
Atendendo aos factos que lhe são imputados, é intenção desta empresa proceder ao seu despedimento.
Nos termos do art.º 355º do Código do Trabalho, V. Ex.ª pode responder à Nota de Culpa nos termos e prazos aí indicados”.

8) A Autora recebeu a carta e a Nota de Culpa no dia 08 de Setembro de 2014.

9) A Nota de Culpa imputa à Autora a prática dos factos descritos no ponto 3) dos Factos Assentes.

10) Por carta datada de 17 de Setembro de 2014, a Autora solicitou à Ré que lhe fosse indicada a data, a hora e o local onde pudesse consultar o respectivo processo disciplinar, a fim de organizar a sua defesa.

11) Nessa carta, a Autora disse o seguinte:                        
“AA (…), foi notificada da Nota de Culpa, em 08 de Setembro de 2014, dando um prazo de dez dias úteis para responder, vem, por este meio, solicitar a Vossas Excelências que se dignem indicar a data, a hora e o local onde possa consultar o respectivo processo disciplinar, a fim de organizar a sua defesa”.

12) A Ré, por carta datada de 19 de Setembro de 2014, de que a Autora teve conhecimento no dia 23 de Setembro de 2014, disse o seguinte:
“(…) Em resposta à carta recebida no dia 19/09/2014, e uma vez que não lhe foi dada qualquer indicação em contrário, como decorre da lei, o processo pode ser consultado na Sede da Empresa das 09:00 às 17:00”.

13) À Nota de Culpa respondeu a Autora, por fax, em 22 de Setembro de 2014, conforme melhor consta do artigo 10º do articulado motivador do despedimento (cfr. fls. 30-31 dos autos).

14) A Autora faltou nos dias e períodos apontados pela Ré e não justificou as ausências, nem no âmbito do processo disciplinar.

15) A Ré nomeou instrutora no processo disciplinar.

16) Foi elaborado Relatório Final, no qual a instrutora nomeada, face aos elementos constantes dos autos e à prova produzida, entendeu propor que a sanção disciplinar a aplicar à Autora fosse o despedimento com justa causa.

17) Com data de 26 de Setembro de 2014, a Ré comunicou à Autora, que recebeu, a decisão de despedimento.

18) A Autora recebeu a comunicação do despedimento no dia 30 de Setembro de 2014.

Por se mostrar relevante para a decisão, adita-se ainda novo ponto com o seguinte teor:
19) Nos termos da cláusula 2ª do contrato de trabalho a termo referido em 1) “O presente contrato é celebrado com vista à satisfação das necessidades do serviço nas instalações da Unidade Hoteleira da Fundação (…) sita (…) Oeiras, com duração prevista até 31/3/2014, justificando-se a necessidade de admissão desta trabalhadora no regime do contratação a Termo Certo a Tempo Completo, de acordo com o disposto no artigo 140º nº4 do Código do Trabalho. A duração do Contrato de Prestação de Serviços com o cliente justifica a contratação a termo, pois este é um Contrato com termo a 31/03/2014, podendo ser renovado automaticamente por períodos de 12 meses.”

E decide-se ainda, com base no documento de 125-127, que formaliza o contrato de trabalho a termo certo referido em 1., aditar ao ponto 1 a expressão “acrescida de subsídio de alimentação”.

No mais mantém-se a factualidade dada como provada pela 1ª instância que assim se considera definitivamente assente.

III - FUNDAMENTOS DE DIREITO:

1. Questão prévia
Em sede de contra-alegações veio a Ré/Apelada requerer a rectificação da sentença recorrida, alegando enfermar a mesma de erro de cálculo quanto à remuneração das férias e subsídio de férias, por não ter tido em conta o disposto no nº3 do art. 245 do CT.
Este requerimento vem na sequência do pedido de rectificação da sentença formulado na 1ª instância, com idêntico fundamento, que foi conhecido nos termos que constam do despacho de fls 237-238 e que merece a discordância da Apelada.

Vejamos então.
Dispõe o nº2 do art. 614 do NCPC que “Em caso de recurso, a rectificação só pode ter lugar antes de ele subir, podendo as partes alegar perante o tribunal superior o que entenderem de seu direito no tocante à rectificação.”
Ora a apreciação da questão suscitada pela Apelada depende do juízo que venha a ser efectuado quanto à (i)licitude do despedimento (caso este se considere ilícito tal tem implicações na duração do contrato), pelo que sobre ela se tomará posição infra.

2. Da justa causa de despedimento
Como referimos a questão nuclear a decidir no recurso é a de saber se existe (ou não) justa causa para o despedimento da trabalhadora e, na negativa, quais as consequências em face do pedido formulado pela Autora.

Nos presentes autos discute-se a justa causa de despedimento da Autora, com base em factos que ocorreram após Fevereiro de 2009, pelo que o novo Código do Trabalho se mostra aplicável atento o disposto no artigo 7º, n.º 1, da Lei n.º 7/2009, citada, ao qual nos referiremos infra.  

Nos termos do art.º 351.º, n.º 1 do CT2009, constitui justa causa de despedimento o comportamento culposo do trabalhador que, pela sua gravidade e consequências, torne imediata e praticamente impossível a subsistência da relação de trabalho.

Neste conceito genérico de justa causa concorrem três elementos essenciais, a saber:
a)- elemento subjectivo - traduzido num comportamento culposo e grave do trabalhador por acção ou omissão;
b)- elemento objectivo - que se traduz numa situação de impossibilidade prática e imediata de subsistência da relação de trabalho;
c)- um nexo de causalidade entre aquele comportamento e esta impossibilidade.

Flui do exposto que só em casos culposos e particularmente graves seja admissível o despedimento do trabalhador. Todavia, tanto a culpa como a gravidade do comportamento (em si mesmo e nas suas consequências) e o decorrente juízo de prognose da aludida impossibilidade estruturam-se em critérios objectivos e de razoabilidade de acordo com o entendimento de um bom pai de família ou de um empregador normal em face das circunstâncias de cada caso em concreto.

E na apreciação da justa causa – em concreto – atender-se-á ao comportamento do trabalhador no quadro de gestão da empresa, tendo em conta os danos resultantes da conduta censurada, as funções exercidas na empresa, sem olvidar os reflexos da sua conduta nos seus companheiros e/ou subordinados e demais circunstâncias que no caso se mostrem relevantes.

A justa causa traduz-se, assim, numa situação de impossibilidade prática, de inexigibilidade no confronto dos interesses opostos das partes – essencialmente o da urgência da desvinculação do empregador e o da conservação do vínculo por banda do trabalhador.

E de tal sorte que, face à vocação de perenidade subjacente à relação de trabalho, apenas se justifica o recurso à sanção expulsiva ou rescisória que o despedimento configura, quando se revelarem inadequadas para o caso as medidas conservatórias ou correctivas, representando a continuidade do vínculo laboral uma insuportável e injusta imposição ao empregador em função do princípio da proporcionalidade.

Mas sempre que a exigência da permanência do contrato e a manutenção das relações pessoais e patrimoniais que ele pressupõe sejam de molde a ferir de modo desmesurado e violento a sensibilidade e a liberdade psicológica de uma pessoa normal colocada na posição do empregador, não poderá deixar de concluir-se pela impossibilidade prática de manutenção da relação de trabalho.

Esta impossibilidade (prática) existirá assim quando se consubstancie uma situação de quebra absoluta ou abalo profundo na relação de confiança entre o trabalhador e o empregador, tomando inexigível ao contraente interessado na desvinculação o respeito pelas garantias da estabilidade do vínculo, o que sucederá sempre que a ruptura da relação laboral seja irremediável, na medida em que nenhuma outra sanção seja susceptível de sanar a crise contratual aberta por aquele comportamento culposo.

Por outro lado, estabelece, ainda, o mesmo art. 351ºdo CT:
2. Constituem, nomeadamente, justa causa de despedimento os seguintes comportamentos do trabalhador:

g)Faltas não justificadas ao trabalho que determinem directamente prejuízos ou riscos graves para a empresa ou, cujo número atinja, em cada ano civil, cinco seguidas ou 10 interpoladas, independentemente de prejuízo ou risco.

Tal norma é a concretização do dever do trabalhador plasmado no art.º 128.º, n.º 1, alínea b) do mesmo diploma, segundo o qual: Sem prejuízo de outras obrigações, o trabalhador deve comparecer ao serviço com assiduidade e pontualidade.

A falta é a ausência do trabalhador no local de trabalho durante o período em que devia desempenhar a actividade a que está adstrito (art. 197,nº1 do CT), sendo o período normal de trabalho o tempo de trabalho que o trabalhador se obriga a prestar, medido em número de horas por dia e por semana (art. 198 do CT), correspondendo o horário de trabalho à determinação das horas de início e termo do período normal de trabalho diário e dos intervalos de descanso (art. 200 do CT).

Incumbe ao trabalhador, quando a ausência seja previsível, comunicá-la ao empregador, acompanhada da indicação do motivo justificativo, com a antecedência mínima de cinco dias.

Quando essa antecedência não possa ser respeitada, nomeadamente pela imprevisibilidade do motivo que fundamente a ausência, ainda assim o trabalhador está obrigada a comunicá-la ao empregador, logo que possível (art. 253, nºs 1 e 2 do CT). Acrescenta o nº3 que o incumprimento desse dever determina que a ausência seja injustificada.

Esta obrigação radica no princípio da boa-fé no cumprimento do contrato (art. 762 do CC), já que essa comunicação é, ou pode ser, imprescindível para que o empregador faça uma gestão adequada dos recursos humanos necessários ao exercício da sua actividade, providenciando nomeadamente pela substituição do trabalhador, de modo a obviar ou minorar os inconvenientes decorrentes da sua ausência.

É ao trabalhador que cabe o ónus de justificar as faltas, sendo justificadas as previstas nas várias alíneas do nº2 do art. 249 do CT, sendo injustificadas todas as não previstas naquele número.

Há que ter ainda presente que, em caso de ausência por períodos inferiores ao período normal de trabalho diário, como ocorreu no caso vertente, o nº2 do art. 248 estatui que “os respectivos tempos são adicionados para determinação da falta” e, caso a duração do período normal de trabalho diário não seja uniforme, considera-se a duração média para efeitos do disposto no número anterior (nº3 da mesma norma).

No caso presente, verifica-se que a Autora não compareceu ao serviço, pelo menos durante 11 dias interpolados.

Este número de faltas integra objectivamente a previsão da al. g) do nº2 do art. 351 do CT, mas que, de acordo com a orientação que perfilhamos, não dispensa a valoração da cláusula geral contida no nº1 do preceito.

Como refere Júlio Gomes, Direito do Trabalho, vol.I, 2007, pág.. 958, 959, sabendo-se embora que “ (…) 5 faltas injustificadas seguidas ou 10 interpoladas constituirão justa causa de despedimento sem necessidade de provar que as faltas tiveram consequências graves. Contudo, não se segue daqui, automaticamente, que cinco faltas injustificadas seguidas ou 10 interpoladas no mesmo ano civil sejam necessariamente justa causa de despedimento: é que sempre se exige culpa grave e, da mera circunstância de as faltas serem injustificadas, nem sempre se pode inferir a existência de culpa grave.”

São absolutamente pertinentes e elucidativas as considerações de Menezes Cordeiro, no seu Manual de Direito de Trabalho, que (apesar de não deixar de manifestar a sua preocupação relativamente ao fenómeno do absentismo), regista a fls. 838:

‘…A falta injustificada, porque injustificada, já é, por si, ilícita e culposa, donde a sua relativa concretização.
Só falta ver a sua projecção da relação de trabalho.
Sempre que ocorram faltas injustificadas seguidas, em número superior a cinco e interpoladas, em número superior a dez, desaparece o requisito dos prejuízos ou riscos graves.
Temos pois de admitir faltas que, não obstante não causarem riscos ou prejuízos graves, tornem impossível a manutenção da relação de trabalho.
Este último ponto levantou dúvidas: poderia entender-se que, havendo cinco faltas seguidas ou dez interpoladas, não seria necessária a sindicância do n.º1. Houve mesmo algumas flutuações jurisprudenciais que, pelo menos aparentemente, se aproximaram dessa fórmula objectiva (…). Chegou mesmo a ser pedido um assento sobre a matéria, o qual foi recusado e julga-se que bem: não há contradição de julgados, uma vez que os diversos arestos, apesar de certas flutuações da linguagem, sempre exigem a ponderação das faltas injustificadas à luz da cláusula geral do n.º1’.

E também Monteiro Fernandes, em idêntico contexto expositivo – e referindo-se concretamente à previsão do art. 351, nº2, g), manifesta a sua esperança de que a Jurisprudência mantenha o rumo seguido, que é sugerido pela noção constante do n.º1 da norma: o de não se bastar com a simples materialidade do comportamento, ainda que literalmente subsumível num pretenso ‘tipo legal’ de justa causa; o de, enfim, requerer o preenchimento de condições de culpa e de gravidade objectiva para o preenchimento do mesmo “tipo legal”. No caso específico da citada alínea g), haverá mera desvalorização do elemento prejuízo (real ou potencial) na apreciação da gravidade dos factos; mas não se exclui a relevância do grau de culpa nem o alcance de outros factores de gravidade, como os respeitantes à prevenção especial e geral’
     
Também o S.T.J., (Acórdãos de 15.2.2006 e de 8.10.2008, entre outros, disponíveis em www.dgsi.pt) proclama actualmente o mesmo entendimento das coisas, como tem sido jurisprudência praticamente uniforme: o preenchimento do comportamento previsto na alínea g), não implica a verificação automática da justa causa de despedimento.

Assim, a cláusula geral contida no n.º1 da norma também cobre esta situação.

Simplesmente, como no caso dos autos, em que há mais de dez faltas interpoladas injustificadas, a Lei prescinde da existência de qualquer prejuízo ou risco.

Sendo necessário demonstrar o preenchimento do conceito de justa causa, (concretamente saber se se verifica um dos elementos em que a noção se analisa, como é corrente e pacificamente entendido, ou seja, se existe a necessária relação de causa-efeito entre o comportamento do trabalhador e a impossibilidade de subsistência da relação laboral), o sentido da solução começa a não oferecer dúvidas relevantes.

Como vimos, no ano de 2014 a Autora não compareceu ao serviço durante, pelo menos, 11 dias completos interpolados.

Este número de faltas integra objectivamente a previsão da al. g) do nº2 do art. 351 do CT, mas que, de acordo com a orientação que perfilhamos, não dispensa a valoração da cláusula geral contida no nº1 do preceito.

Ao faltar injustificadamente aquele número de vezes, a Autora violou reiteradamente o dever de assiduidade, sendo tal actuação ilícita e, como tal, merecedora de um juízo de censura, isto é, culposa.

Não tendo a Ré que demonstrar que dessa ausência ao serviço tenha resultado qualquer prejuízo ou risco para a empresa, resta averiguar se o sindicado comportamento da Autora, culposo embora, assumiu gravidade e consequências tais que tenha tornado imediata e praticamente impossível a subsistência da relação de trabalho.

Ora, dos factos provados – únicos que são relevantes para a decisão – nada resultou que nos leve a essa conclusão. Na verdade, nada foi invocado, quer no processo disciplinar, quer nos presentes autos (sendo certo que no presente processo apenas são atendíveis os factos oportunamente indicados na nota de culpa e decisão disciplinar, com excepção dos que não agravem a situação da trabalhadora).

Não temos assim qualquer elemento que permita estabelecer uma relação de causa-efeito entre a sindicada conduta da Autora (as faltas injustificadas que lhe são  imputadas) e um prognóstico de
imediata impossibilidade de subsistência da relação de trabalho.
Alegar que a gravidade do comportamento da trabalhadora reside precisamente na sua ausência, o que acarreta óbvios prejuízos à empresa, além de representar um raciocínio tautológico, constitui um exercício meramente especulativo, já que carece em absoluto do necessário suporte factual.

Há assim – e para concluir – que julgar inexistente a justa causa invocada pela entidade empregadora.

Assim, sendo ilícito o despedimento, tem a Autora/Recorrente direito ao pagamento de indemnização dos danos patrimoniais e não patrimoniais que não deve ser inferior às retribuições que deixou de auferir desde o despedimento até ao termo certo do contrato (art.393, nº2, a) do CT).

De acordo com o nº1 do art. 273 do CT é garantida aos trabalhadores uma retribuição mínima mensal, seja qual for a modalidade praticada, cujo valor é determinado anualmente por legislação. Tendo o DL 144/2014, de 30.9 fixado essa RMMG em €505,00, a partir de 1.10.2014, é devida à Autora a quantia de €3 030,00 (€505,00x6), a título de retribuições intercalares vencidas desde a data do despedimento (30.9.2014) até 31.3.2015, data do termo da renovação em curso (o contrato renovou-se em 1.4.2014 pelo prazo de 12 meses).

No seu cálculo não deve ser tido em conta o subsídio de refeição.

É que este subsídio, por força do nº2 do art. 260 do CT, não deve considerar-se retribuição, salvo quando, sendo tal atribuição frequente, essa importância, na parte me que exceda os respectivos montantes normais, tenha sido prevista no contrato ou se deva considerar pelos usos como elemento integrante da retribuição do trabalhador.

Trata-se de disposição inovadora, cabendo ao trabalhador o ónus de provar que a quantia paga excede as despesas normais por ele efectuadas a esse título, por consubstanciar factualidade constitutiva do direito que se arroga (art. 342,nº1 do CC).

Não tendo feito essa prova, terá de se excluir o subsídio de refeição do cálculo das retribuições intercalares, assistindo razão á Apelante, nesta parte.

Entendemos que a estas retribuições intercalares, devidas por força da ilicitude do despedimento relativo a um contrato de trabalho a termo certo, não deverão ser feitas as deduções estabelecidas no nº2 do art. 390 do CT, dado que a lei estabelece que essas retribuições constituem o mínimo da indemnização devida ao trabalhador.

Esta interpretação não colide com o princípio da igualdade em relação a um trabalhador despedido no âmbito de um contrato de trabalho por tempo indeterminado, na medida em que este tem sempre direito à indemnização por todos os danos patrimoniais e não patrimoniais, e, sem prejuízo desta indemnização, o direito a receber as retribuições que deixou de auferir desde a data do despedimento até ao trânsito em julgado da decisão do tribunal, enquanto na contratação a termo em caso de despedimento ilícito o trabalhador tem direito apenas ao pagamento de indemnização pelos prejuízos causados, que tem como limite mínimo o correspondente ao valor das retribuições que deixou de auferir desde a data do despedimento até ao termo do contrato ou ao trânsito em julgado (neste sentido, vd. Acs.RL de 13.2.2008, RP de 11.6.2007, 9.12.2013 e 9.3.2015 e da RC de 5.6.2008).

Esta é também a posição defendida por Albino Mendes Batista in Estudos sobre o Código do Trabalho, pág.160 e Prontuário do Direito do Trabalho, nº66, pág. 123.

No âmbito das retribuições intercalares tem ainda direito a receber a retribuição de férias, vencidas em 1.1.2015 e igual montante de subsídio de férias (€505,00x2), sem que neste caso, atenta a duração do contrato, colha aplicação o disposto no nº3 do art. 245 do CT como pretende a Apelada no pedido de rectificação formulado, bem como €505,00 referentes ao subsídio de Natal vencido em 15.12.2014 (arts. 237,nº1, 264, nºs 1 e 2 do CT) e ainda €137,00, a título de proporcionais de férias, igual quantia a título de subsídio de férias e €126,22, a título de subsídio de Natal proporcional ao tempo de trabalho a considerar no ano da cessação do contrato, ou seja, até 31.3.2015 (arts.245, nº1, a) e b) e 263,nº2, b) do CT).
 
Tendo o contrato de trabalho tido o seu início em 1.11.2013, após seis meses a Autora adquiriu o direito a dois dias úteis de férias por cada mês da duração do contrato, nos termos do art. 239, nº1 do CT, ou seja, em 1.5.2014, o que perfaz €264,00, a título de subsídio de férias (a Autora não reclamou a retribuição de férias vencidas em 2014).

Acresce ainda a compensação pela caducidade do contrato a que alude o nº2 do art. 344 do CT.

É verdade que o direito à compensação só está expressamente previsto para os casos em que o contrato de trabalho a termo cesse por caducidade. É o que inequivocamente resulta da aludida norma, cujo teor é o seguinte: “Em caso de caducidade do contrato de trabalho a termo certo decorrente de declaração do empregador nos termos do número anterior, o trabalhador tem direito a compensação correspondente a 18 dias de retribuição base e diuturnidades por cada ano completo de antiguidade, calculada nos termos do artigo 366º.”

E também é verdade que o art. 393 do mesmo diploma, que trata das outras formas de cessação do contrato de trabalho a termo, não prevê aquela compensação nos casos de despedimento ilícito.

Todavia, isso não significa que o trabalhador não tenha direito àquela compensação. Vejamos porquê.

Nos termos do n.º 2 do art. 393, sendo o despedimento declarado ilícito, a entidade empregadora será condenada: a) no pagamento de indemnização dos danos patrimoniais e não patrimoniais, que não deve ser inferior às retribuições que o trabalhador deixou de auferir desde o despedimento até ao termo certo ou incerto do contrato, ou até ao trânsito em julgado da decisão judicial, se aquele termo ocorrer posteriormente; b) Caso o termo ocorra depois do trânsito em julgado da decisão judicial, na reintegração do trabalhador, sem prejuízo da sua categoria e antiguidade.

Do normativo referido resulta que a intenção do legislador foi repor o trabalhador na situação que teria se não tivesse sido despedido e, sendo assim, temos de concluir que o valor das retribuições que aquele deixou de auferir desde a data do despedimento até ao termo do contrato também inclui o montante da compensação a que teria direito no termo do contrato. Entendemos, por isso, que o termo “retribuições” utilizado na al. a) do n.º 2 do art. 393º não engloba apenas as retribuições salariais propriamente ditas, mas todas as importâncias que o trabalhador teria auferido até ao termo do contrato, nas quais se inclui naturalmente a compensação prevista no n.º 2 do art. 344º (neste sentido, vd. os Acs. RC de 5.6.2008 e da RP de 26.1.2004 e de 7.6.2004).

Tendo o contrato vigorado no período compreendido entre 1.11.2013 e 31.3.2015, tem a Autora direito a receber, a esse título, a quantia de €429,25 (€505,00:30X25,5d).

Sobre as discriminadas prestações salariais são devidos juros de mora a partir da data do respectivo vencimento e sobre a compensação pela caducidade do contrato a partir da citação, vencidos e vincendos, à taxa legal e até efectivo pagamento (arts. 804, 805, nº1 e 2, a) e 806, nºs 1 e 2, todos do CC).

Procede, pois, a apelação.

IV – DECISÃO:

Pelo exposto, acorda-se em alterar a sentença recorrida pelo que:

a) revoga-se a al. a) do dispositivo e declara-se ilícito o despedimento da Autora/Apelante por inexistência de justa causa;
b) altera-se a al. b) do dispositivo, condenando-se a Ré/Apelada a pagar à Autora :

1. a quantia de €3 030,00 (três mil e trinta euros), a título de retribuições intercalares vencidas desde a data do despedimento (30.9.2014) até 31.3.2015, data do termo da renovação em curso (o contrato renovou-se em 1.4.2014 pelo prazo de 12 meses);
2. a quantia de €1 010,00, a título de retribuição de férias vencida em 1.1.2015 e igual montante de subsídio de férias, bem como €505,00 referentes ao subsídio de Natal vencido em 15.12.2014;
3. a quantia de €137,00, a título de proporcionais de férias, igual quantia a título de subsídio de férias e €126,22, a título de subsídio de Natal proporcional ao tempo de trabalho a considerar no ano da cessação do contrato, ou seja, até 31.3.2015;
4. a quantia de €429,25 a título de compensação pela caducidade do contrato;
5. juros de mora sobre a quantia referida em 4. a partir da data da citação e sobre as quantias referidas em 1, 2. e 3. a partir da data do respectivo vencimento, vencidos e vincendos até efectivo pagamento, à taxa legal.
Custas por Apelante e Apelada na proporção do respectivo decaimento.


Lisboa, 7 de Outubro de 2015


Filomena Manso
Duro Mateus Cardoso
Isabel Tapadinhas

                                                        
Decisão Texto Integral: