Acórdão do Tribunal da Relação de Lisboa
Processo:
1031/22.5SILSB.L1-9
Relator: MADALENA CALDEIRA
Descritores: ESPECULAÇÃO
TÁXI NO AEROPORTO
SUPLEMENTO INDEVIDO
MOMENTO DA CONSUMAÇÃO DO CRIME
LUCRO ILEGÍTIMO
Nº do Documento: RL
Data do Acordão: 01/26/2023
Votação: UNANIMIDADE
Texto Integral: S
Texto Parcial: N
Meio Processual: RECURSO PENAL
Decisão: IMPROCEDENTE
Sumário: I.–Comete um crime de especulação, p. e p. pelo artigo 35.º, n.º 1, alínea b), 2ª parte, do Regime das Infrações Antieconómicas e Contra a Saúde Pública (Decreto-Lei 28/84, de 20 de janeiro), o taxista que, em violação da tabulação de preços decorrente da Convenção para Tarifas de Táxi, altera o preço da corrida logo no seu início, por introdução de um suplemento ilegítimo, ainda que não chegue a cobrar o dito suplemento, por ter sido intercetado pelos OPC´s.

II.–O crime de especulação previsto no normativo mencionado é um crime de mera atividade (em contraponto com os crimes de resultado), consumando- -se com a simples alteração do preço, cuja quantificação encontra-se subtraída à livre disponibilidade do agente, não sendo exigido pelo tipo qualquer resultado da conduta do agente, nomeadamente a cobrança do suplemento ilegítimo ou a obtenção de lucro ilegítimo.


Decisão Texto Parcial:
Decisão Texto Integral: Acordaram, em conferência, os Juízes Desembargadores da 9ª Secção Criminal do Tribunal da Relação de Lisboa:


I.–RELATÓRIO

Por sentença datada de 03.08.2022 o arguido A foi condenado:
-  Pela prática, em autoria material, de um crime de especulação, previsto e punido pelo artigo 35.º, n.º 1, alínea b), do Decreto-Lei 28/84, de 20 de Janeiro, com referência às cláusulas 4.ª, 5.ª e 6.ª da Convenção para Tarifas de Táxi, na pena de 6 (seis) meses de prisão, substituída por 180 (cento e oitenta) dias de multa à razão diária de € 5,00 (cinco euros) e na pena de 100 (cem) dias de multa à razão diária de € 5,00 (cinco euros).

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RECURSO DA DECISÃO
Inconformado, o arguido interpôs recurso da decisão, tendo extraído da sua motivação as seguintes CONCLUSÕES (que transcrevemos):
I.Veio o Arguido condenado pela prática de um crime de especulação p. e p. art. 35º, nº 1, al. b) da Lei nº 28/84 de 20 de Janeiro, por referência às cláusulas 4ª, 5ª e 6ª da Convenção para as Tarifas de Taxi numa pena de seis meses de prisão, substituída por 180 dias de multa a uma taxa diária de € 5,00, a que acrescem 100 dias de multa a uma taxa diária também de € 5,00.
II.O Tribunal a quo dá como provados todos os factos constantes da acusação, não havendo – para este Tribunal – factos não provados.
III.Ora, em face da prova produzida em audiência não há fundamento fáctico para a condenação pela prática do crime consumado
IV.Com particular relevância para a Sentença ora em crise, provou-se qual o local onde o Tribunal considerou consumado o crime – o da fiscalização.
V.O Arguido declara: (min. 4:05 – 4:10) “Quando a cliente entrou no aeroporto, e quando me disse que ia para Setúbal….”
VI.Depois, instado pela Srª Procuradora sobre onde foi abordado pela polícia, responde: (min. 9:12 – 9:14) “Foi na Rotunda…. Na Rotunda do Relógio”
VII.Facto confirmado pelo Agente da PSP: (min. 14:12 – 14:23) “(…) Na Praça do Aeroporto, uma fiscalização direccionada para o transporte em táxi, esse senhor foi mandado parar…”
VIII. Aliás, a própria Srª Procuradora chamou à atenção para o facto de a fiscalização ser feita no início do percurso: (min. 15:22 – 15:24 e 15:39 – 15:41) “Estava, supostamente, no início da corrida (…) só no fim é que se cobra mais….”
IX. Das declarações do Arguido e da Testemunha, ressalta, pois, que o percurso estava no seu início.
X. Ora, de acordo com o art. 35º do Decreto-Lei nº 28/84, comete o crime de especulação quem:
a)- Vender bens ou prestar serviços por preços superiores aos permitidos pelos regimes legais a que os mesmos estejam submetidos;
XI. Bem está de ver, que a venda, ou a prestação do serviço não estava concluída no momento da fiscalização.
XII. E nada nas declarações prestadas pelo Arguido, ou pela testemunha, podem levar à certeza que o crime de especulação se consumasse.
XIII. Das declarações prestadas pelo Arguido fica que não era sua intenção cobrar o excesso que o taxímetro marcava, sobre um suplemento que não era devido:
XIV. “(…)Mas, de todo, eu não fiz isso, como é que eu posso explicar…. De má-fé, porque num serviço de € 70,00 não faz sentido uma especulação de 70 cêntimos.”
XV. “ Lamento, não quis, aliás, chegando lá ao destino, eu ia obviamente reparar que era € 2,40, eu ia passar uma factura, não podia meter € 2,40.”
XVI. “Ia dizer à Senhora que tinha-me enganado, não é? Ia meter na factura € 1,60 que era da bagagem”
XVII. O crime não estava, portanto, consumado no momento da fiscalização, posto que o percurso a fazer estava no seu início, e nada podendo levar a crer que, efectivamente se consumasse, antes pelo contrário.
XVIII.Nem sequer poderia o Arguido ser condenado por tentativa, posto que nos termos do art. 23º do Código Penal, apenas é punível a tentativa nos crimes cuja pena de prisão é superior a 3 anos.
XIX.Ora, nos termos do disposto pelo art. 35º, nº 1 do Lei nº 28/84 de 20 de Janeiro, a moldura penal queda-se pelos 3 anos. A tentativa não pode, portanto, ser punível.
XX.Assim, fundamentando o Tribunal a sua decisão de considerar toda a acusação provada, após a inquirição do Arguido e do Agente Autuante, não poderia jamais chegar à conclusão de que o crime estava consumado no momento da fiscalização.
XXI.Apenas à chegada ao destino poderia o Tribunal confirmar se os elementos do tipo estavam preenchidos, e se o crime estava consumado.
XXII.Destarte, não podendo o Tribunal considerar o crime de especulação consumado, restava-lhe, em aplicação da lei, absolver o Arguido, o que agora se pugna.
Em suma, deve a sentença recorrida ser revogada, substituindo-se por outra que, fazendo correcta valoração jurídica da prova, reveja a decisão exarada, absolvendo o Arguido.

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RESPOSTA DO MINISTÉRIO PÚBLICO
O Ministério Público respondeu ao recurso no sentido da sua improcedência, nos seguintes termos (que transcrevemos integralmente):

I–Fundamentação
O arguido não se conformando com a sentença condenatória que lhe aplicou a pena de 6 meses de prisão, substituída por 180 dias de multa à taxa diária de € 5,00 e a pena de 100 dias de multa à razão diária de € 5,00, pela prática de um crime de especulação, p. e p. pelo art.º 35.º n.º 1 al. b) do DL n.º 28/84, de 20.01, por referência às Cláusulas 4.ª, 5.ª e 6.ª da Convenção para as Tarifas de Táxi, veio recorrer de tal decisão, invocando que:
a) o crime de especulação não se consumou e que a tentativa não é punível, por força do disposto no art.º 23.º do Código Penal.
O Ministério Público, porém, não concorda, nem se conforma, com tal entendimento veiculado pelo arguido nas suas motivações de recurso.
Senão vejamos.
a)-Da alegada não verificação da consumação do crime de especulação
Alega o arguido no recurso apresentado que pelo facto de o arguido ter sido fiscalizado pelos Agentes da PSP, na data e local dos factos, quando se encontrava ainda no inicio do percurso a realizar, não existe consumação do crime de especulação. Porquanto, segundo o recorrente, só após a conclusão da venda ou da prestação do serviço é que se pode concluir pela consumação do crime em causa. Ou seja, apenas à chegada ao destino é que seria possível afirmar que se encontram preenchidos todos os elementos do tipo de especulação.
Alegou ainda que o valor que o arguido fez constar do taxímetro, não chegou a ser efetivamente cobrado e por esse motivo não é possível afirmar tal valor seria efetivamente cobrado no final da viagem.
Salvo o devido respeito, não assiste qualquer razão ao arguido.
Com efeito, denota-se que o recorrente fez uma errada interpretação do disposto no artigo 35.º, n.º 1, al. a) e b) do Decreto-Lei n.º 28/84, de 20 de janeiro.
Verifica-se que o Tribunal a quo deu como provados os seguintes factos:
- No dia 16 de julho de 2022, pelas 22:04 horas, no cruzamento entre a Praça do Aeroporto e a Alameda Comunidades Portuguesas, em Lisboa, o arguido conduzia o veículo ligeiro de passageiros de matrícula ..., afeto ao transporte de táxi, ostentando quer no dispositivo luminoso exterior quer no taxímetro a tarifa 1, exibindo este o valor de 4,70 euros, acrescido de suplementos no valor de 2,40 euros, correspondente a bagagem (1,60 euro) e chamada telefónica (0,80 euro).
- Todavia, embora o passageiro, B, fizesse transportar bagagem, não havia efetuado qualquer reserva ou chamada telefónica para aquele serviço, havendo simplesmente entrado no táxi na praça de Táxis do Aeroporto com destino a Rio ART Hotel na Avenida Luísa Tody, 117, em Setúbal.
- O arguido bem sabia que o serviço que prestara ao cliente não o legitimava à cobrança de quantia superior, em 80 cêntimos e, não obstante, queria cobrá-la, desse modo logo a introduzindo nos suplementos, assim visando obter um lucro a que sabia não ter direito.
- Agiu de forma livre, consciente e voluntária, bem sabendo que a sua conduta era proibida e punida por lei.
Perante a matéria de facto dada como provada, suprarreferida, bem andou o Tribunal a quo ao concluir que se verificava o preenchimento do tipo de crime de especulação, previsto na al. b) do n.º 1 do artigo 35.º do Decreto-Lei n.º 28/84, de 20.01., na sua forma consumada.
Com efeito, dispõe o art.º 35.º do Decreto-Lei n.º 28/84, de 20.01, que:1- Será punido com prisão de 6 meses a 3 anos e multa não inferior a 100 dias quem:
a)- Vender bens ou prestar serviços por preços superiores aos permitidos pelos regimes legais a que os mesmos estejam submetidos;
b)- Alterar, sob qualquer pretexto ou por qualquer meio e com intenção de obter lucro ilegítimo, os preços que do regular exercício da actividade resultariam para os bens ou serviços ou, independentemente daquela intenção, os que resultariam da regulamentação legal em vigor; (sublinhado nosso)
c)- Vender bens ou prestar serviços por preço superior ao que conste de etiquetas, rótulos, letreiros ou listas elaborados pela própria entidade vendedora ou prestadora do serviço;
d)- Vender bens que, por unidade, devem ter certo peso ou medida, quando os mesmos sejam inferiores a esse peso ou medida, ou contidos em embalagens ou recipientes cujas quantidades forem inferiores às nestes mencionadas.
2- Com a pena prevista no número anterior será punida a intervenção remunerada de um novo intermediário no circuito legal ou normal da distribuição, salvo quando da intervenção não resultar qualquer aumento de preço na respectiva fase do circuito, bem como a exigência de quaisquer compensações que não sejam consideradas antecipação do pagamento e que condicionem ou favoreçam a cedência, uso ou disponibilidade de bens ou serviços essenciais.
3- Havendo negligência, a pena será a de prisão até 1 ano e multa não inferior a 40 dias.
4- O tribunal poderá ordenar a perda de bens ou, não sendo possível, a perda de bens iguais aos do objecto do crime que sejam encontrados em poder do infractor.
5- A sentença será publicada.”
Na verdade, ao contrário do que alega o recorrente, resulta do próprio teor do art. 35.º, n.º 1, al. b) do diploma legal suprarreferido, que tal crime para que se encontre consumado, basta que o arguido altere «sob qualquer pretexto ou por qualquer meio e com intenção de obter lucro ilegítimo, os preços que do regular exercício da actividade resultariam para os bens ou serviços ou, independentemente daquela intenção, os que resultariam da regulamentação legal em vigor». Não sendo assim necessário à consumação do tipo em causa que o agente conclua a prestação de serviço, bastando que altere o taxímetro com a intenção de obter um valor pecuniário indevido.
Neste mesmo sentido, veja-se o Ac. do Tribunal da Relação de Lisboa, de 22.02.1995, processo número 0336213, disponível em wwww.dgsi.pt, no qual se refere que “há consumação do crime de especulação quando ocorre indicação feita no taximetro de preço superior ao que legalmente é devido pelo transporte efectuado”.
No mesmo sentido, vide o Ac. Acórdão do Supremo Tribunal de Justiça de 18-01-1989, no qual se decidiu que “a alinea b) do n. 1 do artigo 35 do Decreto-Lei n. 28/84, de 20 de Janeiro, prevê um crime consumado de especulação. Assim, o comerciante, que expõe mercadorias para venda ao publico, no seu estabelecimento, afixando preços superiores aos que resultam da regulamentação legal, e autor material de um crime consumado de especulação, descrito tipicamente no preceito atras referido, mesmo que as não tenha  vendido” (processo n.º 039662 disponível em wwww.dgsi.pt).
Assim, não se exige, para a sua consumação do crime de especulação que o valor seja efetivamente cobrado, revelando tal circunstância, não para aferir do preenchimento do tipo, mas para a medida concreta da pena a aplicar.
Deste modo, contrariamente ao alegado pelo recorrente, impunha-se ao tribunal a quo que condenasse o arguido pela prática, na forma consumada, do crime de especulação, uma vez que a factualidade dada como provada preenche indubitavelmente a previsão legal da al. b) do n.º 1 do artigo 35.º do Decreto-Lei n.º 28/84.
De todo o modo, sempre se dirá que, ainda que estivéssemos perante a prática do crime de especulação, na forma tentada, impunha-se igualmente a condenação do arguido.
De facto, alega o recorrente que tendo o arguido praticado o crime de que vem acusado, na forma tentada, impunha-se a sua absolvição, por força do disposto no art.º 23.º do Código Penal.
Ora, uma vez mais, o recorrente faz uma errada interpretação hermenêutica-jurídica dos normativos aplicáveis É verdade que, o art.º 23.º do Código Penal estabelece que a tentativa só é punível se ao crime consumado respetivo corresponder pena superior a três anos de prisão. Sendo certo que o crime em causa é punível com pena de prisão até 3 anos.
No entanto, essa norma geral não tem aplicação no presente caso concreto, porquanto existe uma norma específica que prevê expressamente a punibilidade da tentativa do crime de especulação, conforme resulta do disposto no artigo 4.º, do Decreto-Lei n.º 28/84, de 20.01.
Com efeito, dispõe o artigo 4.º do referido diploma legal que: “Nos crimes previstos no presente diploma a tentativa é sempre punível.”.
Pelo que, indubitavelmente, a conduta do arguido sempre seria punível, mesmo que se entendesse que o tipo em causa estava preenchido apenas na forma tentada.
Pelo exposto, bem andou o tribunal a quo ao decidir pela condenação do arguido na pena de 6 meses de prisão, substituída por 180 dias de multa à taxa diária de € 5,00 e na pena de 100 dias de multa à razão diária de € 5,00, pela prática de um crime de especulação, p. e p. pelo art.º 35.º n.º 1 al. b) do DL n.º 28/84, de 20.01, por referência às Cláusulas 4.ª, 5.ª e 6.ª da Convenção para as Tarifas de Táxi.
Decidindo pela forma em que o fez, o Tribunal a quo não violou qualquer preceito legal ou constitucional, nem incorreu em qualquer vício.
Nestes termos, e face ao exposto, consideramos que deverá improceder o recurso apresentado pelo arguido, devendo assim ser mantida, nos seus precisos termos, a douta sentença recorrida.
Vossas Excelências decidirão, porém, como for de JUSTIÇA!

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O recurso foi admitido a subir imediatamente, nos próprios autos e com efeito suspensivo.

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PARECER DO MINISTÉRIO PÚBLICO JUNTO DA RELAÇÃO
Subidos os autos a este Tribunal da Relação, em sede de parecer a que alude o art.º 416°, do CPP, o Exmo. Procurador-Geral Adjunto aderiu às alegações do recurso apresentadas pelo Ministério Público na primeira instância.

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Cumprido o disposto no art.º 417º, n.º 2, do CPP, não foi apresentada resposta.

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Após exame preliminar e colhidos os Vistos, realizou-se a conferência, cumprindo agora apreciar e decidir, nos termos resultantes do labor da conferência.

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II.FUNDAMENTAÇÃO

A DELIMITAÇÃO DO OBJECTO DO RECURSO
O objeto do recurso é delimitado pelas conclusões do recorrente, sendo essas que balizam os limites do poder cognitivo do tribunal superior, sem prejuízo das questões de conhecimento oficioso, como ocorre por exemplo com os vícios previstos nos artigos 410º, n.º 2, ou 379º, n.º 1, ambos do CPP (cfr. art.ºs 412º, n.º 1, e 417º, n.º 3, ambos do CPP).
Posto isto, passamos a delimitar o thema decidendum, que o mesmo é dizer a elencar as questões colocadas à apreciação deste tribunal, e que no caso é uma única:
Saber se os factos dados como provados não permitem sustentar a prática do crime de especulação na forma consumada.

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A DECISÃO RECORRIDA:
A decisão recorrida, que consta da gravação, deu como provados os seguintes factos:
1- No dia 16 de julho de 2022, pelas 22:04 horas, no cruzamento entre a Praça do Aeroporto e a Alameda Comunidades Portuguesas, em Lisboa, o arguido conduzia o veículo ligeiro de passageiros de matrícula ..., afeto ao transporte de táxi, ostentando quer no dispositivo luminoso exterior quer no taxímetro a tarifa 1, exibindo este o valor de 4,70 euros, acrescido de suplementos no valor de 2,40 euros, correspondente a bagagem (1,60 euro) e chamada telefónica (0,80 euro).
2- Todavia, embora o passageiro, B, fizesse transportar bagagem, não havia efetuado qualquer reserva ou chamada telefónica para aquele serviço, havendo simplesmente entrado no táxi na praça de Táxis do Aeroporto com destino a Rio ART Hotel, na Avenida Luísa Tody, 117, em Setúbal.
3- O arguido bem sabia que o serviço que prestara ao cliente não o legitimava à cobrança de quantia superior, em 80 cêntimos e, não obstante, queria cobrá-la, desse modo logo a introduzindo nos suplementos, assim visando obter um lucro a que sabia não ter direito.
4- Agiu de forma livre, consciente e voluntária, bem sabendo que a sua conduta era proibida e punida por lei.
4- Quanto aos antecedentes, por decisão proferida 04.03.2020, o arguido foi condenado na prática de um crime simulação de crime, em 60 dias de multa a uma taxa de 8,00 Euros diária.
5- O arguido exerce a função de taxista por conta de outrem, auferindo o vencimento mínimo, não tendo outras fontes de rendimento.
6- Paga 340,00 Euros de renda de um quarto.
7- Tem 3 filhos já maiores de idade.

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Relativamente à motivação, resumidamente, o tribunal atendeu: às declarações do arguido no que respeita às tarifas que o táxi exibia e ao facto de a passageira não ter realizado chamada telefónica para chamar o táxi, ao auto de notícia e fotos juntos ao processo e ao depoimento da testemunha agente da PSP, ouvido em sede de julgamento, o qual referiu que é habitual a cobrança de suplementos não devidos e que o arguido disse no momento da abordagem ter recebido uma chamada telefónica, o que foi na altura contrariado pela passageira, e só depois deste facto é que o arguido invocou erro ao carregar no botão dos suplementos, tanto mais que o taxímetro permitiria corrigir o erro, caso tal tivesse ocorrido. Esta prova contrariou a versão do arguido, segundo a qual o seu erro foi involuntário e iria ser corrigido no momento de passar a fatura à cliente.

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DA ANÁLISE DOS FUNDAMENTOS DO RECURSO:
SABER SE OS FACTOS DADOS COMO PROVADOS NÃO PERMITEM SUSTENTAR A PRÁTICA DO CRIME DE ESPECULAÇÃO NA FORMA CONSUMADA.
O Recorrente considera que os factos dados como provados não legitimam o seu enquadramento jurídico na prática do crime de especulação na forma consumada, dado que quando carregou no suplemento da chamada telefónica (no valor de 0,80 Euros) estava no início da corrida, sendo que não chegou a cobrar esse suplemento, nem tinha intenção de o fazer, pois tratou-se de um mero lapso, que iria corrigir quando dele se apercebesse, o que aconteceria certamente no ato de faturar o serviço, ou seja, no termo da corrida.
Vejamos se assiste razão ao Recorrente.

De acordo com o art.º 35º, do Decreto-Lei n.º 28/84, de 20 de janeiro, que estabelece o Regime das Infrações Antieconómicas e Contra a Saúde Pública, sob a epigrafe “especulação”:
1 - Será punido com prisão de 6 meses a 3 anos e multa não inferior a 100 dias quem:
a) Vender bens ou prestar serviços por preços superiores aos permitidos pelos regimes legais a que os mesmos estejam submetidos;
b) Alterar, sob qualquer pretexto ou por qualquer meio e com intenção de obter lucro ilegítimo, os preços que do regular exercício da atividade resultariam para os bens ou serviços ou, independentemente daquela intenção, os que resultariam da regulamentação legal em vigor;
c) Vender bens ou prestar serviços por preço superior ao que conste de etiquetas, rótulos, letreiros ou listas elaborados pela própria entidade vendedora ou prestadora do serviço;
d) Vender bens que, por unidade, devem ter certo peso ou medida, quando os mesmos sejam inferiores a esse peso ou medida, ou contidos em embalagens ou recipientes cujas quantidades forem inferiores às nestes mencionadas.
2 - (…)
3 - Havendo negligência, a pena será a de prisão até 1 ano e multa não inferior a 40 dias.
4 - e 5 - (…).

Importa realçar que o Recorrente foi condenado pela prática do crime de especulação previsto no n.º 1, al. b), do dispositivo transcrito (e não pela alínea a), como erradamente  parece pressupor-se no recurso - ver conclusão X do recurso) .
Se atentarmos devidamente na mencionada alínea b) depressa se concluirá estarem previstas neste normativo duas condutas típicas distintas, a saber:
- A alteração dos preços de bens ou serviços resultantes do regular exercício da atividade (sob qualquer pretexto ou por qualquer meio), com intenção de obtenção de lucro ilegítimo – 1º excerto; e
- A alteração dos preços de bens ou serviços que resultariam da regulamentação legal em vigor (sob qualquer pretexto ou por qualquer meio) – 2º excerto.
Ora, no caso em apreço existe uma convenção que regulamenta os preços da prestação de serviço de transporte de táxi, nomeadamente dos suplementos admitidos e quantias inerentes a cada qual, e foi esta específica regulamentação que foi violada pelo Recorrente, não exigindo a lei, neste segundo excerto da referida alínea b), a intenção de obter lucro, mas tão só a alteração do preço do serviço face ao que daquela convenção resulta.
Conforme se extrai da fundamentação de direito (gravada) da sentença recorrida, o crime em que o Recorrente foi condenado é o tipificado no aludido segundo excerto da alínea b).

Posto isto, o crime de especulação tem subjacente a violação de um preço cuja quantificação encontra-se subtraída à livre disponibilidade dos operadores económicos, na situação aqui em concreto por tal quantitativo estar legalmente fixado.
O bem jurídico acautelado por esta criminalidade secundária é, basicamente, a estabilidade dos preços e a confiança dos consumidores e da economia em geral na transparência e veracidade da informação dos bens e serviços em circulação no mercado.
Pretende a lei assegurar que, num mundo de alterações económicas aceleradas e globais, os preços dos bens e serviços não sejam determinados por interesses dos que os comercializam, aproveitando-se da sua posição de superioridade ou de domínio face ao consumidor, mas pelo cumprimento das normas atinentes ao estabelecimento de tais preços, caso existam, ou pela lei da procura e da oferta, quando não existam aquelas normas de tabulação de preços.
O crime previsto especificamente na alínea b) do n.º 1, do art.º 35º, do Regime das Infrações Antieconómicas e Contra a Saúde Pública, é um crime de mera atividade (em contraponto com os crimes de resultado), não sendo exigido pelo tipo qualquer resultado da conduta do agente, bastando a alteração dos preços (no caso em análise contra o que está estabelecido na Convenção reguladora dos mesmos), seja a que título for, prescindindo-se até da intenção de obtenção de lucro ilegítimo quando a alteração do preço consubstancia em simultâneo uma violação de normativo legal que tabela o preço.
E mesmo quando se exige a obtenção de lucro ilegítimo (como ocorre na 1ª parte do dispositivo, que, como já referimos, nem é o caso dos autos), basta a atuação com a mira de obtenção desse lucro ilegítimo, não sendo necessária a comprovação do seu recebimento.
O que se penaliza é o desvalor da conduta do agente relativamente ao ato de alterar o preço, conduta que em si mesma consubstancia o resultado típico previsto no crime, não havendo necessidade de, a par daquele, se verificar a existência de um desvalor do resultado, traduzido na operação de venda do bem ou serviço com preço ilegitimamente incrementado e no prejuízo que possa ter criado ao consumidor, em contraponto da vantagem ilegítima que possa ter advindo para o operador económico. 

Face ao exposto, já se vê que o recurso do Recorrente é de improcedência manifesta, dado mostrar-se assente que o mesmo alterou o preço da corrida, por introdução de um suplemento ilegítimo (correspondente ao suplemento da chamada telefónica no caso inexistente), em violação do que resulta da Convenção que tabela os preços dos serviços de táxi.
Esta ação, realizada de forma livre, consciente e voluntária, com conhecimento da sua natureza proibida e punível, por si só, já preenche os elementos objetivos e subjetivos do tipo, na forma consumada.
De onde decorre que a cobrança efetiva de tal suplemento no fim da corrida é, para o preenchimento do tipo, absolutamente indiferente.
Neste sentido, vejam-se os dois acórdãos mencionados na resposta às alegações de recurso junta pelo Ministério Público, a saber:
  • O acórdão do Tribunal da Relação de Lisboa, datado de 22.02.1995, processo número 0336213, disponível em wwww.dgsi.pt, no qual se refere que “há consumação do crime de especulação quando ocorre  indicação feita no taximetro de preço superior ao que legalmente é devido pelo transporte efectuado”.
  • E o acórdão do Supremo Tribunal de Justiça, datado de 18.01.1989, processo n.º 039662, disponível em wwww.dgsi.pt, no qual se decidiu que “a alinea b) do n. 1 do artigo 35 do Decreto-Lei n. 28/84, de 20 de Janeiro, prevê um crime consumado de especulação. Assim, o comerciante, que expõe mercadorias para venda ao publico, no seu estabelecimento, afixando preços superiores aos que resultam da regulamentação legal, é autor material de um crime consumado de especulação, descrito tipicamente no preceito atrás referido, mesmo que as não tenha vendido”.
E nem se diga que o Recorrente apenas cometeu um lapso involuntário, que tencionava reparar no fim da corrida, dado que essa versão por si apresentada em sede de audiência de julgamento não fez vencimento, sendo que a matéria de facto dada como provada não se mostra impugnada, estando, por isso, assente.
Termos em que improcede o recurso.


III–Dispositivo
Pelo exposto, acordam os juízes da 9ª Secção Criminal do Tribunal da Relação de Lisboa em negar provimento ao recurso interposto por A.
Custas pelo Recorrente, fixando-se a taxa de justiça em 3 UC´s (art.ºs 513º, n.º 1, do CPP, e 8º, n.º 9, do RCP, com referência à tabela III anexa).
Notifique e D.N.



Lisboa, 26-01-2023


Madalena Augusta Parreiral Caldeira
António Bráulio Alves Martins
Maria Carlos Duarte do Vale Calheiros