Acórdão do Tribunal da Relação de Lisboa
Processo:
316/19.2T8FNC.L1-7
Relator: LUÍS FILIPE PIRES DE SOUSA
Descritores: PROPRIEDADE HORIZONTAL
PARTES COMUNS
LEGITIMIDADE PASSIVA
CONDOMÍNIO
CONDÓMINOS
Nº do Documento: RL
Data do Acordão: 01/21/2020
Votação: UNANIMIDADE
Texto Integral: S
Texto Parcial: N
Meio Processual: APELAÇÃO
Decisão: PROCEDENTE
Sumário: I. Os nos. 3 e 4 do Artigo 1424º do CC constituem regras especiais face aos nos. 1 e 2 do mesmo Artigo, sendo que o nº3 permite que se extraia dele uma regra mais ampla, segundo a qual as despesas correntes inerentes à utilização das partes comuns que só sirvam alguns condóminos são suportadas apenas por eles.
II. Os nos. 3 e 4 do Artigo 1424º do CC constituem condicionamentos imperativos de conteúdo  do título constitutivo da propriedade horizontal.
III. Deduzindo os autores pedidos tendo em vista a observância do disposto nos nos. 3 e 4 do Artigo 1424º do CC, a ação pode ser intentada contra o Condomínio, representando pelo seu Administrador, não sendo necessário demandar todos os condóminos.
Decisão Texto Parcial:
Decisão Texto Integral: Acordam os Juízes na 7ª Secção do Tribunal da Relação de Lisboa:

RELATÓRIO
 AA e BB  interpuseram ação comum de condenação contra o Condomínio do Edifício XX, representado pela sua Administração de Condomínio eleita para o ano de 2018, formulando os seguintes pedidos de condenação do Réu: isentar os autores, habilitantes do Bloco C, do pagamento das despesas de manutenção dos elevadores dos Blocos A e B; isentar os autores , habitantes do Bloco D, do pagamento das despesas de eletricidade dos Blocos A e B); a instalar um contador para o consumo individualizado de água do Bloco C; isentar os autores , habitantes do Bloco C, do pagamento das despesas de água dos Blocos A e B.
Fundamentando tais pretensões, alega que o Condomínio é constituído por três blocos com áreas privativas devidamente individualizados no título constitutivo da propriedade horizontal, não estando a ser individualizados os custos de água e eletricidade, sendo que os condóminos do Bloco C vêm comparticipando nas despesas dos Blocos A e B. Fundamentam os pedidos no disposto no Artigo 1424º, nºs 3 e 4, do Código Civil.
O Condomínio contestou, arguindo – além do mais- que os autores nunca intentaram qualquer ação de anulação das deliberações tomadas nas assembleias de condóminos, sendo que os autores não poderão beneficiar de isenções a que não têm direito uma vez que as partes comuns são complementares, integram as frações autónomas, não podendo estas desligar-se das partes comuns por se tratarem de direitos indivisíveis e irrenunciáveis.
Concluiu pela improcedência da ação.
Em 25.3.2019, foi proferido o seguinte despacho:
«Tendo presente o teor da petição inicial, designadamente a causa de pedir e pedido, tendo ainda presente que para as despesas necessárias ao pagamento de serviços de interesse comum (e apenas estes) sejam repartidas de forma diferente do critério supletivo previsto no art. 1424º, nº1, do Código Civil, os condóminos terão de aprovar, sem oposição e por maioria representativa de dois terços do total do prédio, uma disposição do regulamento do condomínio onde elas sejam especificadas devidamente e concretizados e justificados os critérios que determinam a sua imputação (art. 1424º, nº2, do CC), o tribunal entende estar perante a exceção dilatória da ilegitimidade passiva (insuprível) porquanto deveriam estar na ação (parte passiva) todos os condóminos per e não o “condomínio”.
Dessa forma notifique as partes para, querendo, se pronunciarem.»
 Em 9.9.2019, foi proferida a seguinte decisão:
«Suscitou, oficiosamente, o tribunal, a questão da ilegitimidade passiva do Requeridos, exceção dilatória, insuprível, de conhecimento oficioso 576.º, n.ºs 1, 2, 577.º, al. e), 578.º, todos do Cód.Proc. Civil).
Cumprido o contraditório vieram os AA. Pronunciar-se nos termos constantes de ref.ª 3180915.
A questão é a de saber quem deve ser demandado na presente ação, se o “condomínio” se todos os condóminos, o que nos leva ao âmago do artigo 30.º do Cód.Proc.Civil.
Por se tratar de pressuposto exaustivamente estudado e conhecido na doutrina e jurisprudência vamos dispensar de tecer considerações sobre o conceito.
Estamos no âmbito do n.º 1 do citado artigo 30.º, o qual dispõe que “O autor é parte legítima quando tem interesse direto em demandar; o réu é parte legítima quando tem interesse direto em contradizer.”, explicitando o n.º 2 que “O interesse em demandar exprime-se pela utilidade derivada da procedência da ação e o interesse em contradizer pelo prejuízo que dessa procedência advenha.”.
Ora, a questão suscitada tendo presente a causa de pedir e pedido, sabendo ainda que para que as despesas necessárias à conservação e fruição das partes comuns do edifício sejam repartidas de forma diferente do critério supletivo previsto no art. 1424.º, n.º1 do Código Civil, os condóminos terão de estar todos de acordo e modificar o título constitutivo da propriedade horizontal através da forma imposta pelo art. 1419.º do CC, o que configura, sem qualquer dúvida, uma questão entre condóminos, sendo neles que radica o interesse em contradizer a presente ação, sendo que, para tal, nela deverão ser parte.
Por outro lado, as funções do administrador estão elencadas no artigo 1436.º do Cód.Civil e, na sua maior parte, são de gestão corrente. Se autorizado pela assembleia pode demandar e ser demandado (artigo 1437.º do Código Civil), mas apenas em ações relativas à propriedade e posse de bens comuns (cf. Prof. Henrique Mesquita, in “Revista de Direito e Estudos Sociais”, XXIII, 132).
Pelo exposto, tendo a presente ação sido instaurada contra o “condomínio”, representado pelo seu Administrador, carecendo este de interesse em agir, não tem legitimidade passiva, verifica-se a exceção dilatória da ilegitimidade passiva, a qual é insuprível, pois que a regularização da instância apenas seria alcançada com a “saída” do Reu (singular) “Condomínio” e a “entrada” de todos os condóminos com o alcance supra referido, ou seja, estaríamos perante uma verdadeira substituição processual não admitida por lei e que obsta ao prosseguimento dos autos.
Estabelece o artigo 590.º, n.º 2, al. a) do Cód.Proc.Civil que, findos os articulados o juiz profere despacho pré-saneador destinado a providenciar pelo suprimento de exceções dilatórias (supríveis), sendo que, no caso tal não se mostra possível.
Pelo exposto julgo verificada a exceção dilatória insuprível da ilegitimidade passiva do Requerido “Condomínio do Edifício XX” e, em consequência, absolvo o mesmo da instância (cfr. Art. 576.º, n.º 2 e 577.º, al. e) ambos do Cód.Proc.civil).»
*
Não se conformando com a decisão, dela apelou o requerente, formulando, no final das suas alegações, as seguintes conclusões, que se reproduzem:
«
A. Os AA. ora recorrentes interpuseram contra o R. ação judicial tendente à alteração da forma como é feita a repartição das despesas comuns do condomínio.
B. É fundamento deste pedido a diferente estrutura dos Blocos A e B, e do Bloco C, do prédio, sendo aqueles típicos blocos de apartamentos, e este um conjunto de três moradias em banda.
C. Os encargos com a conservação dos Blocos A e B e do Bloco C, são diferentes, sendo mais elevados naqueles dois primeiros blocos pela existência de elevadores, garagem comum coberta, jardins, que não se verificam no Bloco C.
D. A repartição das despesas de condomínio pela permilagem sem a introdução de qualquer correção conduz a resultados iníquos, que originam que os AA., condóminos do Bloco C, paguem despesas de que não beneficiam por corresponderem apenas aos Blocos A e B.
E. Pugnando os Recorrentes pelo estabelecimento de um orçamento que individualize as despesas comuns do Bloco C, das dos Blocos A e B.
F. A ação foi interposta pelos AA. contra o Condomínio do Edifício XX, entendido como centro representativo da vontade coletiva de todos os condóminos, evitando que os condóminos fossem demandados, um por um.
G. A personalidade judiciária atribuída ao condomínio é meramente formal e, no fundo, os condóminos são partes na causa.
H. Tidas estas considerações, atenta a configuração dada à causa pelo Tribunal de 1.ª Instância, entendem os AA. que estão em confronto:
O regime previsto no art. 1436.º/b) /g), do CC, que dispõem o seguinte:
“São funções do administrador, além de outras que lhe sejam atribuídas pela assembleia:
...
b) elaborar o orçamento das receitas e despesas relativas a cada ano;
...
g) regular o uso das coisas comuns e a prestação dos serviços de interesse comum;
...”
Articulado com o disposto no artigo 1424.º/3, do CC, que concede à administração do condomínio capacidade judiciária para que o seu administrador represente o condomínio em ações que tenham como objeto:
“3 - As despesas relativas aos diversos lanços de escadas ou às partes comuns do prédio que sirvam exclusivamente algum dos condóminos ficam a cargo dos que delas se servem.”
e,
I. A posição jurisprudencial no sentido de submeter a presente causa ao regime previsto no artigo 1424.º/2, do CC, impondo a demanda dos condóminos individualmente considerados.
J. Os AA. subsumem a ação por si interposta ao regime plasmado no art. 1433.º, do CC.
K. Podendo ser demandado como parte passiva o condomínio enquanto representante comum dos condóminos, cuja representação é assumida pelo administrador do condomínio, obviando, dessa forma, à demanda individualizada dos 17 condóminos do Edifício XX, que consubstanciariam na produção de 17 contestações sobre a mesma matéria, com um aumento de complexidade e custos processuais.
L. A ação interposta pelos AA. não visa, necessariamente, alterar o regulamento do condomínio, mas apenas vincular a sua administração à apresentação, de forma individualizada, de orçamentos distintos para os Blocos A e B, de um lado, e para o Bloco C, do outro.
M. O enquadramento da causa nos termos realizados pelos AA. subsume-se ao regime plasmado no art. 1424.º/3, do CC.
Por outro lado,
N. Entendem os AA., que no plano adjetivo, caso se entenda que a demanda deve ter como sujeitos passivos todos os condóminos, no estado atual da causa, esse suprimento é possível.
Vejamos,
O. O art. 1433.º/6, no que à impugnação de assembleias gerais respeita, dispõe que:
“6. A representação judiciária dos condóminos contra quem são propostas as ações compete ao administrador ou à pessoa que a assembleia designar para esse efeito.”
P. Dispõe ainda o art. 1437.º/2, do CC, que:
“2. O administrador pode também ser demandado nas ações respeitantes às partes comuns do edifício.”
Q. A lei substantiva atribui legitimidade passiva ao administrador, desacompanhado dos condóminos, em ações respeitantes às partes comuns.
R. A ação apresentada pelos AA. tem como objeto os termos em que são elaborados os orçamentos relativos às despesas com a fruição das partes comuns, no que concerne à necessidade de serem realizados orçamentos autónomos entre os Blocos A e B, e o Bloco C.
S. Não pode a lei e o aplicador reconhecer legitimidade ao condomínio para representar os condóminos quando são estes demandados, mas não a reconhecer ao condomínio para representar estes quando é aquele o demandado, e o efeito das decisões se deva produzir na coletividade de proprietários.
T. Pugnam os AA., pela introdução de fatores de correção, que reconheçam a diferente natureza das partes comuns do Condomínio do Edifício XX, em desenvolvimento do regime plasmado no supracitado art. 1424.º/3, do CC, entendendo que para decidir sobre aquele pedido não se verifica ilegitimidade passiva.
U. Contudo, caso assim se entenda, sempre esta será suprível, mediante a dedução de incidente de intervenção provocada nos termos do art. 316.º e segs., do CPC, que se encontra em tempo, nos termos do disposto no art. 318.º, do CPC.
V. No seguimento do citado Acórdão que consagra o condomínio como representante do coletivo de condóminos, a sanação de qualquer vício no processado poderia ser também obtida mediante ratificação/aceitação por estes em sede de intervenção principal da representação até ao momento ocorrida.
W. A lei admite expressamente que demandados que sejam os condóminos a sua representação seja realizada pelo condomínio na pessoa do seu administrador, a quem compete a representação coletiva dos condóminos, entendimento sufragado no Acórdão supracitado desta Relação e respetiva doutrina e jurisprudência.
X. O princípio de aproveitamento dos atos processuais, e condução dos processos no sentido de obtenção de um resultado útil para as partes intervenientes, impõe, também um resultado diverso à causa, no sentido do seu prosseguimento.
Y. Nestes termos, deve ser revogada a decisão proferida pelo Tribunal de 1.ª Instância, ordenando-se o prosseguimento dos autos, ou com o reconhecimento de legitimidade passiva para a demanda ao condomínio, ou determinando-se o suprimento da ilegitimidade mediante dedução de intervenção principal provocada dos condóminos.
Nestes termos e nos mais de direito, sempre com o douto suprimento de V. Exas., deve o presente recurso ser julgado procedente por provado, e em consequência revogada a decisão de absolvição por verificação de exceção dilatória insuprível da ilegitimidade passiva;
Prosseguindo os autos,
Ou com o reconhecimento de legitimidade passiva para a demanda ao condomínio;
Ou determinando-se o suprimento da ilegitimidade mediante dedução de intervenção principal provocada dos condóminos.»
Não foram apresentadas contra-alegações.
QUESTÕES A DECIDIR
Nos termos dos Artigos 635º, nº4 e 639º, nº1, do Código de Processo Civil, as conclusões delimitam a esfera de atuação do tribunal ad quem, exercendo um função semelhante à do pedido na petição inicial.[1] Esta limitação objetiva da atuação do Tribunal da Relação não ocorre em sede da qualificação jurídica dos factos ou relativamente a questões de conhecimento oficioso, desde que o processo contenha os elementos suficientes a tal conhecimento (cf. Artigo 5º, nº3, do Código de Processo Civil). Também não pode este Tribunal conhecer de questões novas que não tenham sido anteriormente apreciadas porquanto, por natureza, os recursos destinam-se apenas a reapreciar decisões proferidas.[2]
Nestes termos, a questão a decidir consiste em determinar se subsiste a exceção dilatória insuprível da ilegitimidade passiva.
Corridos que se mostram os vistos, cumpre decidir.
FUNDAMENTAÇÃO DE FACTO
A matéria de facto relevante para a apreciação de mérito é a que consta do relatório, cujo teor se dá por reproduzido.
FUNDAMENTAÇÃO DE DIREITO
Os autores subsumem os pedidos que deduzem ao disposto no Artigo 1424º, nº2 e 3, do Código Civil, segundo o qual:
«3. As despesas relativas aos diversos lanços de escadas ou às partes comuns do prédio que sirvam exclusivamente algum dos condóminos ficam a cargo dos que delas se servem.
4- Nas despesas de ascensores só participam os condóminos cujas frações por elas possam ser servidas
Estes nos. 3 e 4 constituem regras especiais face aos nos. 1 e 2 do mesmo Artigo 1424º, sendo que: «O nº3 parece permitir que se extraia dele uma regra mais ampla, segundo a qual as despesas inerentes à utilização das partes comuns que só sirvam alguns condóminos são suportadas apenas por eles – com a ênfase de que as despesas em causa são só as “correntes”» (Ana Prata (Coord.), Código Civil Anotado, Vol. II, Almedina, 2017, p. 260).
Estes nos. 3 e 4 constituem condicionamentos de conteúdo do título constitutivo da propriedade horizontal, constituindo normas imperativas. Conforme refere  Henrique Sousa Antunes, Direitos Reais, Universidade Católica Editora, 2017, p. 394, os nos. 3 e 4 do art. 1424º integram «(…) exemplos normativos que excecionam a regra da unanimidade para a modificação da repartição de encargos em função do valor relativo da cada fração ou estabelecem, legalmente, um critério diverso a esse respetio, critério que vindula o próprio título constitutivo. São os condicionalismos imperativos ao título constitutivo, procedimentais ou de conteúdo.»
Nos termos do Artigo 1437º, nº2, do CC, «O administrador pode também ser demandado nas ações respeitantes às partes comuns do edifício.».
A propósito da interpretação do Artigo 1437º, do CC, ensina Teixeira de Sousa,  https://blogippc.blogspot.com/search?q=O+que+significa+o+disposto+no+art.+1437.%C2%BA, que:
«Do disposto nos n.º 1 e 2 deste preceito resulta o seguinte:
– O administrador tem legitimidade para demandar qualquer dos condóminos ou um terceiro na execução das funções que lhe pertencem ou, fora destas funções, quando tenha sido autorizado pela assembleia de condóminos;
– O administrador tem legitimidade para ser demandado por qualquer condómino ou por um terceiro numa acção respeitante às partes comuns do edifício.
Logo a linguagem do preceito – que fala sempre de legitimidade, e nunca de representação – permite duvidar de que o mesmo estabeleça qualquer regra de representação do condomínio pelo administrador. A diferença entre a legitimidade e a representção reside no seguinte:
– Aquele que tem legitimidade para demandar ou ser demandado é parte, activa ou passiva, no processo; é ele o dominus litis, dado que quem tem legitimidade processual actua sempre em nome próprio;
– Aquele que actua como representante de alguém não é parte no processo: a parte é o representado (já assim Endemann, Das deutsche Civilprozeβrecht I (1868), 320); é, aliás, em relação ao representado que se afere a legitimidade processual, dado que é ele o dominus litis, pelo que quem pode ser parte legítima ou ilegítima é apenas o representado.
Do estabelecido no art. 1437.º, n.º 1 e 2, CC resulta que é o próprio administrador do condomínio que demanda ou é demandado: isto significa que o administrador actua como parte, e não como representante do condomínio. Sendo assim, o que se encontra consagrado no art. 1437.º CC é uma hipótese de substituição processual, ou seja, uma hipótese em que a parte demandante ou demandada não coincide com a titular do direito defendido em juízo. No caso regulado no art. 1437.º CC, o administrador é a parte substituta – é ele que demanda, em nome próprio, mas procurando tutelar os interesses do condomínio, ou é demandado, também em nome próprio, mas defendendo as partes comuns do edifício – e o condomínio é a parte substituída – é ele o titular dos interesses que o administrador vai procurar defender em juízo.
Na parte final do n.º 1 e no n.º 3 do art. 1437.º CC encontra-se consagrada uma situação de substituição processual voluntária. Na hipótese de o objecto da acção exceder o âmbito legal das suas funções ou recair sobre a propriedade ou a posse de partes comuns, a assembleia de condóminos pode autorizar o administrador a propor, em nome próprio, a acção. Só com esta autorização o administrador pode assumir o papel de substituto processual.
(…)
Assente a interpretação do disposto no art. 1437.º CC, o passo seguinte consiste em harmonizar o regime que resulta deste preceito com o estabelecido no art. 12.º, al. e), CPC quanto à atribuição de personalidade judiciária ao “condomínio resultante da propriedade horizontal, relativamente a acções que se inserem no âmbito dos poderes do administrador”.
Uma primeira nota é a de que a atribuição de personalidade judiciária ao condomínio não contende com a substituição processual estabelecida no art. 1437.º CC. Se se verifica uma situação de substituição processual, há uma parte substituta (que está presente em juízo como parte activa ou passiva) e uma parte substituída (que é a titular do direito que constitui o objecto do processo). Não só nada impede que esta parte substituída tenha personalidade judiciária, como é essa precisamente a regra: o normal é que a parte substituída tenha personalidade judiciária (nomeadamente, porque tem personalidade jurídica: cf. art. 11.º, n.º 2, CPC).
Num plano puramente doutrinário, até se poderia argumentar que a atribuição de personalidade judiciária ao condomínio é um pressuposto necessário da substituição processual estabelecida no art. 1437.º CC. Só podendo haver substituição processual se houver parte substituída, pode argumentar-se que a substituição processual que se encontra no art. 1437.º CC exige que o condomínio tenha personalidade judiciária (isto é, possa ser realmente uma parte substituída). Nesta leitura, seria a situação de substituição processual do art. 1437.º CC a requerer a atribuição de personalidade judiciária ao condomínio.
Abstraindo desta última observação, o problema que importa resolver é o da utilidade de concessão de personalidade judiciária ao condomínio. Se o art. 1437.º CC atribui legitimidade processual ao administrador para intentar acções ou ser demandado em acções relativas ao condomínio, qual a vantagem de conceder personalidade judiciária ao condomínio, ou seja, qual a utilidade que decorre de também se permitir que o condomínio possa demandar e ser demandado?
Novamente abstraindo da referida observação doutrinária, a resposta àquela questão não é evidente. A única coisa que se pode fazer é reconhecer que o regime legal admite duas vias quanto a acções relativas ao condomínio:
– A propositura da acção pelo ou contra o administrador, no regime de substituição processual: é o que se encontra estabelecido no art. 1437.º CC;
– A propositura da acção pelo ou contra o condomínio: é o que se pode retirar do disposto no art. 12.º, al. e), CPC.
Dado que o condomínio necessita de ser representado em juízo, esta última possibilidade coloca o problema de saber quem vai representar esse condomínio quando este é a parte activa ou passiva. A resposta pode ser encontrada no art. 26.º CPC: o condomínio é representado em juízo pelo seu administrador. Como resulta do acima exposto sobre o art. 1437.º CC e sobre a substituição processual que este preceito consagra, não é correcto entender que a representação do condomínio pelo administrador decorre do disposto no art. 1437.º CC ou que o estabelecido neste preceito duplica o que resulta do art. 26.º CPC. O que vale para a legitimidade processual do administrador como parte substituta não pode valer para a representação do condomínio por esse administrador.
Esta conclusão tem uma consequência prática. No caso de o condomínio demandar ou ser demandado e de ser representado pelo administrador nos termos do art. 26.º CPC, este administrador não necessita de nenhuma das autorizações previstas no art. 1437.º CC (diferentemente, mas em coerência com a aplicação deste preceito à representação do condomínio pelo administrador, Oliveira Magalhães, Julgar 23 (2014), 65 s.). A solução legal é facilmente compreensível: se pode ter alguma justificação que o administrador necessite da autorização da assembleia de condóminos para intentar uma acção na qualidade de substituto processual do condomínio (e, portanto, de parte), não tem nenhuma justificação que esse administrador necessite dessa autorização quando a acção seja proposta pelo condomínio e o administrador assuma apenas uma função de representação desta parte. É, aliás, incoerente que o condomínio decida instaurar, como parte, uma acção com um certo objecto e possa excluir o seu administrador -- que é o seu único representante -- de o representar nessa acção.»
O objeto da ação incide sobre a distribuição das despesas de eletricidade e dos elevadores entre os condóminos. Cabe ao administrador, elaborar o orçamento das receitas e despesas relativas a cada ano, bem como regular o uso das coisas comuns e a prestação dos serviços de interesse comum (alíneas b) e g) do Artigo 1436º do CC). Atentos os pedidos deduzidos, os mesmos subsumem-se ao âmbito dos poderes do administrador, sendo que os autores não estão a reabrir a discussão quanto a factos exauridos, mas a deduzir uma pretensão para futuro. Tanto mais que a  lei emprega a expressão «partes comuns» (quando se refere à legitimidade do administrador) – no art. 1437.º do CC – não só para se referir às partes materiais do edifício, mas ainda a todas as relações jurídicas conexas com a existência de partes comuns do edifício (Acórdão do Supremo Tribunal de Justiça de 3.2.2011, Oliveira Vasconcelos, 351/2000, Sumários).
Assim sendo, assiste personalidade judiciária ao condomínio porquanto estamos perante uma ação que se insere no âmbito dos poderes do administrador – alínea e) do art. 12º do Código de Processo Civil. Conforme visto supra, a ação pode ser intentada contra o Condomínio, sendo este representado pelo Administrador, sendo esse precisamente o caso porquanto os autores demandam o Condomínio, representado pelo Administrador.
A invocação que o tribunal a quo faz do regime do Artigo 1424º, nº1, do CC, não colhe porquanto tal norma geral é afastada pelas normas especiais imperativas dos nos. 3 e 4 do mesmo Artigo 1424º.
Termos em que procede a apelação.
DECISÃO
Pelo exposto, acorda-se em julgar procedente a apelação e, em conformidade, revoga-se a sentença recorrida, ordenando-se o prosseguimento dos autos por não estar verificada a exceção dilatória insuprível da ilegitimidade passiva.
Custas pelo apelado na vertente de custas de parte (Artigos 527º, nºs 1 e 2, 607º, nº6 e 663º, nº2, do Código de Processo Civil).

Lisboa, 21.1.2020
Luís Filipe Sousa
Carla Câmara
Higina Castelo
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[1] Abrantes Geraldes, Recursos no Novo Código de Processo Civil, Almedina, 2013, pp. 84-85.
[2] Abrantes Geraldes, Op. Cit., p. 87.
Conforme se refere no Acórdão do Supremo Tribunal de Justiça de 7.7.2016, Gonçalves Rocha, 156/12, «Efetivamente, e como é entendimento pacífico e consolidado na doutrina e na Jurisprudência, não é lícito invocar nos recursos questões que não tenham sido objeto de apreciação da decisão recorrida, pois os recursos são meros meios de impugnação das decisões judiciais pelos quais se visa a sua reapreciação e consequente alteração e/ou revogação». No mesmo sentido, cf. Acórdãos do Supremo Tribunal de Justiça de 4.10.2007, Simas Santos, 07P2433, de 9.4.2015, Silva Miguel, 353/13, da Relação de Lisboa de 22.1.2019, José Capacete, 15420/18.