Acórdão do Tribunal da Relação de Lisboa
Processo:
1695/17.1PCSNT.L1-3
Relator: CONCEIÇÃO GONÇALVES
Descritores: PROCESSO SUMÁRIO
PRAZO DE DEFESA
JULGAMENTO NA AUSÊNCIA
SUSPENSÃO DA EXECUÇÃO
Nº do Documento: RL
Data do Acordão: 01/09/2019
Votação: UNANIMIDADE
Texto Integral: S
Texto Parcial: N
Meio Processual: RECURSO PENAL
Decisão: PARCIALMENTE PROVIDO
Sumário: 1. No processo sumário, em face da conjugação dos artigos 382º, nº 3 e 387º, nº 1, al. c), ambos do CPP, o arguido tem o direito potestativo de requerer prazo para a sua defesa, pelo que será sempre deferido, podendo ser deferido por um prazo inferior ao solicitado, sempre que o tribunal considerar este prazo adequado aos factos em causa.
2. O julgamento na ausência do arguido não enferma de nulidade insanável sempre que se mostrem assegurados os direitos de defesa do arguido, entendendo-se neste caso o direito de prestar declarações até ao encerramento da audiência, o direito de requerer que seja ouvido em 2ª data, o direito à notificação da sentença e o direito ao recurso, havendo o arguido de ser notificado com a advertência de que o julgamento se realizará mesmo que não compareça sendo representado por defensor.
3. O tribunal só deve negar a aplicação da suspensão da execução da pena de prisão, mesmo que o arguido tenha sofrido condenações anteriores, se a execução da prisão se revelar do ponto de vista da prevenção especial de socialização, necessária ou mais adequada que esta.
Decisão Texto Parcial:
Decisão Texto Integral: Acordam, em Conferência, no Tribunal da Relação de Lisboa.

I. Relatório.

1. A arguida MCL..., com os sinais dos autos, no âmbito do processo sumário supra identificado, do Tribunal Judicial da Comarca de Lisboa Oeste -Juízo Local de Pequena Criminalidade de Sintra -Juiz 2, foi julgada e condenada, por sentença de 2.01.2018, como autora material de um crime de condução de veículos sem habilitação legal, previsto e punido pelo art.º 3º, nº 1 e 2, do Decreto-Lei nº 2/98, de 3 de Janeiro, na pena de 6 (seis) meses de prisão.

2. A arguida, não se conformando com a sentença proferida, veio interpor recurso, terminando a motivação com a formulação das seguintes conclusões: (transcrição):

1. A arguida vem condenada da prática de um crime de condução sem habilitação legal, na pena de 6 (seis) meses de prisão efetiva, p.p. pelos números 1 e 2 do artigo 3º do Decreto-Lei 2/98, de 03/01,
2. O Tribunal a quo preteriu o direito de a Arguida estar presente na audiência de julgamento, de prestar declarações e de exercer o seu direito de defesa, ainda que tenha, por intermédio de mandatário constituído, requerido tempestivamente o exercício desses mesmos direitos, motivo pelo qual deverá a Douta Sentença e a Audiência de Julgamento realizadas ser nulas, nos termos e para os devidos efeitos do disposto no artigo 119.º/c) CPP (manifesta violação dos princípios constitucionais de direito ao exercício de defesa e de estar presente na audiência de julgamento – vide artigos 32.º e 20.º da C.R.P.).
3. A arguida apenas foi condenada pela prática desse mesmo crime - o qual não pretende omitir – 3 (três) vezes, encontrando-se um desses processos extintos, conforme CRC da arguida, tendo sido condenada em todos os processos em pena de multa. Pelo que mal andou o Douto Tribunal em considerar a aplicação da pena de prisão efetiva, como se estivesse a condenar um sujeito reincidente, em plena violação do disposto no número 2 do artigo 65.º do Código Penal. (vide Ac. do STJ, de 12/5/93, CJ/STJ, I, 2º, 230, Ac. de 3/7/97, CJ/STJ, V, 2º, 258, Acórdão de 15/12/98, CJ/STJ, VI, 3º, 241)
4. Não poderia o Tribunal a quo ter em linha de conta factos ocorridos em 2012 – decorridos 6 (seis) anos dos mesmos – como forma de agravar a pena aplicada ou, melhor dizendo, como forma de não aplicar a suspensão da pena de prisão. A verdade é que a arguida se encontra bem integra social e familiarmente, sendo mãe de duas filhas e tendo o seu próprio negócio, motivo pelo qual apenas poderia o Tribunal ter, ao abrigo do disposto no artigo 71º do Código Penal, aplicado a pena de prisão, porém, suspensa na sua execução. (Vide Ac. STJ de 11 de Fevereiro de 2004, Acórdão do STJ de 31-05-2006, Acórdão do STJ de 5-12-2001)
5. A escolha da pena terá assim de ser perspectivada em função da adequação, proporção e potencialidade para atingir os objectivos estabelecidos no referido art.º 40° do C.P., o que não se verificou in casu, motivo pelo qual deverá ser aplicado o regime da suspensão da pena aplicada à arguida ou, ao invés, a sua substituição por pena de multa.
6. Por último, a pena de prisão aplicada à arguida é inferior ao prazo de 1 (um) ano –sendo de 6 (seis) meses – e as necessidades de prevenção especial e geral existentes demonstram que a aplicação da pena de prisão por dias livres com fiscalização por meios eletrónicos de vigilância é suficiente para acautelar a reintegração da arguida e a proteção do ordenamento jurídico, ao abrigo do artigo 43.º do Código Penal.

Nestes termos e nos demais de direito que V. Exas. Doutamente suprirão, deverá ser revogada a sentença condenatória aqui recorrida, caso não seja este o entendimento de V. Exas. deverá a pena de prisão em que foi condenada a arguida ser convertida em pena de multa ou, ainda que assim não se entenda, em pena de prisão não privativa da liberdade, sendo suspensa na sua execução, em regime de prova.”

3. O recurso foi admitido com subida imediata, nos próprios autos e efeito suspensivo (cfr. fls. 53).

4. O Ministério Público veio responder ao recurso, formulando as seguintes conclusões (transcrição):
I. Perante as conclusões do recurso que delimitam o objecto do mesmo, as questões a decidir consistem em saber se a sentença recorrida enferma de nulidade por “violação dos princípios constitucionais de direito ao exercício de defesa e de estar presente na audiência de julgamento” bem como a apreciação da dosimetria da pena de prisão e se a mesma deveria ser substituída por pena de multa, suspensa na sua execução ou substituída por “pena de prisão por dias livres com fiscalização por meios electrónicos de vigilância”.
II. A arguida foi detida em flagrante delito no dia 18 de Dezembro de 2017 e, após apresentação ao Ministério Público no dia seguinte, requereu o prazo de quinze dias para a preparação da defesa.
III. Os artigos 382º, nº 5, e 387º, nº 2, al. c), do Código de Processo Penal determinam que o início da audiência de julgamento em processo sumário deverá ocorrer após o decurso do prazo solicitado pelo arguido para a preparação da sua defesa desde que compreendido dentro do limite de 20 dias após a detenção.
IV. Tais normativos legais devem ser interpretados à luz do artigo 6º da Convenção Europeia dos Direitos do Homem que consagra o direito a um processo equitativo e determina na alínea b) do seu nº 3 que o acusado tem, como mínimo, o direito de “dispor do tempo e dos meios necessários para a preparação da sua defesa”.
V. Ou seja, deve ser assegurada ao arguido a possibilidade de organizar a sua defesa de maneira adequada e sem restrições sendo certo que é ao próprio, por si ou por intermédio do seu defensor, que compete decidir sobre o que é necessário para a sua defesa de forma adequada, nomeadamente em termos de prazo para o efeito, desde que compreendido dentro dos prazos estabelecidos no Código de Processo Penal.
VI. Não obstante, a audiência de julgamento em processo sumário foi realizada, após notificação para o efeito, e sem a presença da arguida, no dia 29 de Dezembro de 2017 (ou seja, no 11º dia após a detenção).
VII. A factualidade constante do auto de notícia foi completada por despacho do Ministério Público proferido antes da apresentação a julgamento ao abrigo do nº 2 do artigo 389º do Código de Processo Penal de modo que o artigo 387º, nº 6, do Código de Processo Penal permitia o adiamento da audiência “a requerimento do arguido, com vista ao exercício do contraditório, pelo prazo máximo de 10 dias, sem prejuízo de se proceder à tomada de declarações ao arguido e à inquirição do assistente, da parte civil, dos peritos e das testemunhas presentes”.
VIII. Acresce que, nos termos da jurisprudência fixada pelo Supremo Tribunal de Justiça através do acórdão nº 9/2012, publicado no Diário da República, 1ª série, nº 238, de 10 de dezembro de 2012, “notificado o arguido da audiência de julgamento por forma regular, e faltando injustificadamente à mesma, se o tribunal considerar que a sua presença não é necessária para a descoberta da verdade, nos termos do nº 1 do artigo 333º do CPP, deverá dar início ao julgamento, sem tomar quaisquer medidas para assegurar a presença do arguido, e poderá encerrar a audiência na primeira data designada, na ausência do arguido, a não ser que o seu defensor requeira que ele seja ouvido na segunda data marcada, nos termos do nº 3 do mesmo artigo”.
IX. A arguida, por intermédio do seu defensor, e através do requerimento de 28 de Dezembro de 2017, manifestou a vontade de prestar declarações no âmbito do presente processo e requereu novamente a concessão de prazo para o exercício do direito de defesa.
X. Tendo tal requerimento sido indeferido.
XI. Afigura-se, assim, que os despachos proferidos nos presentes autos, e supra melhor identificados, fazendo uma interpretação errónea do disposto nos artigos 333º, nº 3, 382º, nº 5, e 387º, nº 2, al. c), e nº 6, do Código de Processo Penal, determinaram uma compressão injustificada do direito de defesa consagrado no artigo 32º da Constituição da República Portuguesa.
XII. E, em consequência, a realização da audiência de julgamento na ausência da arguida nessas circunstâncias enferma da nulidade insanável prevista no artigo 119º, al. c), do Código de Processo Penal.
XIII. Ficando prejudicada a apreciação das demais questões suscitadas.
           
5. Neste Tribunal, o Exmº Procurador Geral Adjunto emitiu parecer no sentido da manutenção do decidido, considerando, em síntese, não ter havido compressão injustificada do direito de defesa consagrado no art.º 32º da CRP; o prazo de 20 dias a que se refere o art.º 387º do CPP é um prazo estabelecido com referência exclusiva ao Ministério Público; a arguida requereu e foi-lhe deferida a pretensão de poder preparar a sua defesa, tendo o julgamento sido designado para o dia 29.12.2017, sendo que a arguida até essa data não contestou, não arrolou testemunhas, não invocou qualquer impedimento concreto, limitando-se a deixar correr o prazo, entendendo-se não ter fundamento vir agora invocar a preterição de garantias de defesa, mormente o direito de estar presente em julgamento.
Quanto à opção da prisão, entende, face aos antecedentes criminais da arguida, ser a prisão medida adequada e necessária, não sendo possível uma prognose positiva.

6. Foi dado cumprimento ao disposto no nº 2 do art.º 417º, do CPP, sem que a arguida tenha vindo responder.
           
7. Foram colhidos os Vistos legais, seguindo-se a realização da Conferência.

 Cumpre agora decidir.
                                            *
II. Fundamentação.
           
1. Como é sabido e aceite pacificamente pela doutrina e jurisprudência dos tribunais superiores, o âmbito do recurso é delimitado pelas conclusões, e neste caso a recorrente veio colocar as seguintes questões:
- Enferma a audiência de julgamento realizada na ausência da arguida de nulidade insanável prevista no art.º 119º, al. c) do CPP?
- A pena de prisão aplicada deverá ser substituída por medida não detentiva?
 
2. Decidindo.
 
2.1. Da nulidade insanável da audiência de julgamento nos termos previstos no art.º 119º, alínea c) do CPP.
                                                          *
a. A arguida veio invocar a existência de nulidade insanável da audiência de julgamento, considerando que o Tribunal a quo preteriu o seu direito de estar presente na audiência de julgamento e de prestar declarações, preterindo igualmente o seu direito de defesa.
Alega para tanto que após realização da fiscalização por parte do OPC apresentou-se junto do MP, fazendo-se representar por mandatário, requerendo a concessão de prazo de defesa, pedindo o prazo de 15 dias, vindo o MP a considerar que o prazo de defesa que antes fora concedido era adequado a satisfazer todos os direitos da arguida.
Diz ter reiterado a sua posição de pretender exercer o seu direito de lhe ser concedido aquele prazo de 15 dias para a sua defesa - os 15 dias totais para o exercício da defesa - assim como pretendia prestar declarações em audiência, sendo para isso necessário assegurar que a audiência fosse adiada, o que foi indeferido pelo Mmº Juiz.
 Entende a arguida que o tribunal negligenciou o facto de ser necessário o prazo adicional para o exercício da sua defesa, preterindo assim o seu direito de estar presente considerando que já tinha marcado, em momento anterior, viagem para Cabo Verde.

O Ministério Público veio também invocar a existência de nulidade insanável prevista no art.º 119º, al. c) do CPP.
Invoca para tanto o seguinte:
A audiência de julgamento foi realizada no dia 29.12.2017, ou seja, no 11º dia após a detenção da arguida.
A arguida manifestou vontade de prestar declarações através de requerimento de 28/12, por intermédio do seu defensor, o que foi indeferido, realizando-se a audiência na data designada.
Contudo, diz o Ministério Público, que a factualidade constante do auto de notícia foi completado por despacho do MP, nos termos previstos no nº 2 do art.º 389º do CPP, pelo que, nos termos do art.º 387º, nº 6, do mesmo diploma, a audiência de julgamento poderia ter sido adiada, a requerimento da arguida, pelo prazo máximo de 10 dias.
Em face destas circunstâncias, entende o Ministério Público que o Tribunal a quo fez interpretação errónea dos arts. 333º, nº 3, 382º, nº 5 e 387º, nº 2, al. c) e 6, do CPP, determinando uma compressão injustificada do direito de defesa consagrado no art.º 32º da CRP, pelo que a audiência de julgamento enferma de nulidade insanável prevista no art.º 119º, al. c) do CPP.

b. Importa atentar nas seguintes ocorrências processuais:
-A arguida foi detida em flagrante delito em 18.12.2017, tendo sido libertada e sujeita a termo de identidade e residência, e notificada para comparecer no dia seguinte, pelas 9h00, perante o Ministério Público para ser submetida a audiência de julgamento em processo sumário, tendo sido advertida de que “a audiência se realizará, mesmo que não compareça, sendo representada por defensor, à data e hora acima designadas” (cfr. art.º 385º, nº 2, al. a) do CPP).
- A arguida no acto da sua detenção foi igualmente notificada de que tem direito a prazo não superior a 15 dias para apresentar a sua defesa, conforme previsto no nº 2 do art.º 383º do CPP.
-Em 19 de Dezembro de 2017, a arguida veio requerer a concessão de um prazo de 15 dias para a preparação da sua defesa (cfr. fls.22).
-Exercido pela arguida o direito ao prazo para preparação da sua defesa, o Ministério Público, nos termos previstos no nº 5 do art.º 382º, do CPP, notificou a arguida para comparecer no dia 29.12.2017, dentro dos 20 dias subsequentes à sua detenção e com a advertência de que “a audiência se realizará, mesmo que não compareça, sendo representada por defensor, à data e hora acima designadas”.
-A arguida, no requerimento apresentado em 19.12.2017, a fls. 22, requereu ainda que o julgamento agendado para o dia 29.12.20178 “fosse adiado para dia posterior, não superior ao prazo máximo de 20 dias consagrado no disposto no art.º 382º, nº 5 do CPP”.
-Sobre tal pretensão, entendeu o Ministério Público por despacho de 19.12.217 que “o prazo de defesa é adequado a satisfazer todos os direitos da arguida, considerando que “se fosse concedido o prazo de defesa requerido, só seria possível marcar data para audiência de julgamento para o dia 01 de Janeiro de 2018, ou seja, o prazo de defesa a conceder seria superior àquele previsto na lei (15 dias). Desta forma, indefere-se o requerido” (cfr. fls.23).
-Por fim, o Tribunal, no início da audiência de julgamento realizada na data agendada de 29.12.2017, proferiu o seguinte despacho:
“Foi já concedido prazo para a defesa conforme requerimento anterior da defesa da arguida, prazo que foi fixado dentro dos limites legais. Pelo exposto, indefiro o requerido -novo adiamento da audiência de julgamento- uma vez que o mesmo não tem fundamento legal. A arguida encontra-se regularmente notificada e representada pelo que o julgamento terá lugar na ausência da mesma.
O documento apresentado não constitui justificação bastante.
Porque a arguida se encontra regularmente notificada, mas faltou à audiência de julgamento vai condenada em multa que fixo em 3Uc” (cfr. fls. 31.).

c. Do direito.

A nulidade insanável invocada pela defesa, como pelo Ministério Público na 1ª instância, assenta na alegada preterição do direito de defesa, considerando a arguida ter sido preterida de prestar declarações na audiência de julgamento.
Como vimos, a recorrente fundamenta a violação do seu direito de defesa invocando que não lhe foi concedido o prazo total de 15 dias, mas apenas um prazo de 11 dias, considerando que este prazo mais curto preteriu o seu direito de estar presente visto que nesta data já tinha marcada uma viagem para Cabo Verde.
Entende, assim, a recorrente que o Tribunal negligenciou o facto de ser necessário o prazo adicional (total) para o exercício da sua defesa, preterindo assim o seu direito de estar presente.

E na perspectiva do Ministério Público na 1ª instância a audiência podia ainda ter sido adiada por mais um motivo, alegando que o Ministério Público, ao abrigo do disposto no art.º 389º, nº 2, do CPP, completou a factualidade constante do auto de notícia por se revelar insuficiente, o que sempre permitiria à arguida o adiamento da audiência, com vista ao exercício do contraditório, pelo prazo máximo de 10 dias.
E deste modo, concluiu o Ministério Público que o Tribunal ao assim decidir, ao não adiar a audiência de julgamento, determinou uma compressão injustificada do direito de defesa consagrado no art.º 32º da CRP, enfermando assim a audiência de julgamento de nulidade insanável prevista no art.º 119º, al. c) do CPP.

Desde já adiantamos, com todo o devido respeito, que não vemos que o Tribunal recorrido tenha feito uma errada interpretação dos artigos 333º, nº 3, 382º, nº 5 e 387º, nº 2, al. c) e 6, do CPP, e que a audiência de julgamento enferme de nulidade insanável prevista no art.º 119º, al. c) do mesmo diploma.
Conforme resulta do art.º 382º, nº 3 do CPP, no processo sumário, o início da audiência de julgamento tem lugar no prazo máximo de quarenta e oito horas após a detenção, “salvo se o arguido exercer o direito ao prazo para preparação da sua defesa”. Neste caso, de o arguido requerer prazo para a preparação da sua defesa, “o início da audiência pode ter lugar até ao limite de 20 dias após a detenção”, conforme art.º 387º, nº 2 al. c) do CPP.
 Da conjugação destes preceitos legais resulta o direito que é conferido ao arguido de requerer prazo para preparação da sua defesa, que se apresenta como um direito potestativo, na medida em que, sempre que requerido pelo arguido deve ser deferido, apenas podendo variar o prazo concedido.
 Entendeu o legislador que a especial celeridade do processo sumário não podia deixar de consagrar um processo equitativo e com uma efectiva possibilidade do exercício do contraditório consagrado constitucionalmente nos artigos 20º, nº 4 e 32º, nº 2 da CRP.
Ora, no caso dos autos, a arguida requereu oportunamente o prazo de 15 dias para preparação da sua defesa, tendo sido deferido o prazo de 11 dias e designado o dia 29.12.2018 para a realização da audiência de julgamento.
A arguida veio então requerer em 19.12.2017 que o julgamento agendado para o dia 29.12.2017 fosse adiado para dia posterior, não superior ao prazo máximo de 20 dias consagrado no disposto no art.º 382º, nº 5 do CPP.
Sobre esta pretensão da arguida, visando mais prazo para a sua defesa, entendeu o Ministério Público que o prazo de defesa que lhe foi conferido revela-se adequado a satisfazer todos os direitos da arguida (cfr. fls. 23), assim como o Tribunal a quo , no início da audiência de julgamento, perante o requerido adiamento da audiência, decidiu que já tinha sido concedido à arguida prazo para a defesa, fixado dentro dos limites legais, assim indeferindo ao requerido por falta de fundamento.

Deste modo, nenhum reparo nos merece o decidido pelo Tribunal a quo no sentido do indeferimento do adiamento da audiência de julgamento, pois nenhum fundamento legal foi invocado pela arguida no sentido do alargamento do prazo de defesa. Importa referir que a arguida desde 19.12.2017 até à data agendada para o julgamento (29.12) nada fez: não contestou, não invocou a necessidade de levar a efeito diligências essenciais à sua defesa ou de reunir outras provas, não indicando qualquer meio de prova, assim como ao requer o alargamento do prazo de defesa não invoca qualquer justificação válida para tal pretensão.
Nestas circunstâncias, limitando-se a arguida a deixar correr o prazo fixado para apresentação da sua defesa, impunha-se o indeferimento do alargamento do prazo de defesa por falta de fundamento legal.

A audiência de julgamento veio a realizar-se na ausência da arguida, que devidamente notificada, não compareceu.
 Como vimos, a arguida bem como o Ministério Público na 1ª instância insurgem-se com o facto de o Tribunal não ter procedido ao adiamento da audiência, considerando que o alargamento do prazo possibilitaria a comparência da arguida em audiência, assim concluindo que a ausência da arguida nestas circunstâncias constitui nulidade insanável da audiência de julgamento, prevista no art.º 119º, al. c) do CPP.
 
Dispõe este preceito legal que “a ausência do arguido ou do seu defensor, nos casos em que a lei exigir a respectiva comparência”, constitui nulidade insanável, de conhecimento oficioso.
Esta exigência, da presença do arguido, justifica-se pelo interesse público em assegurar as condições de integridade do direito de defesa do arguido.
Ainda que de forma muito breve diremos que a solução que hoje está plasmada na lei, designadamente, nos artigos 196º, 312º, nº 2, 333º, nº 1 e 334, todos do CPP, permite que o processo possa ser julgado na ausência do arguido, aplicando-se ao processo sumário, conforme dispõe o art.º 386º do CPP, “as disposições deste Código relativas ao julgamento em processo comum, com as modificações constantes deste título”.
Esta solução passou a ser permitida com a revisão constitucional de 1997 (4ª revisão) que aditou o nº 6 do art.º 32º, depondo que “A lei define os casos em que, assegurados os direitos de defesa, pode ser dispensada a presença do arguido ou acusado em actos processuais, incluindo a audiência de julgamento”.
Passou assim a ter acolhimento constitucional o julgamento na ausência do arguido desde que a lei processual penal assegure ao arguido os direitos de defesa, entendendo-se neste caso, o direito de prestar declarações até ao encerramento da audiência, o direito de requerer que seja ouvido em 2ª data, o direito à notificação da sentença e o direito ao recurso.
O arguido, por força do TIR, fica a conhecer que a inobservância dos deveres processuais ali estipulados legitima a realização da audiência de julgamento na sua ausência, sendo representado, para todos os efeitos possíveis, por defensor.

Regressando ao caso dos autos, vemos que foi concedido à arguida o prazo (de 11 dias) para exercer o seu direito de defesa, prazo que se configura adequada face à matéria de facto em causa. Por sua vez, a arguida não invocou qualquer fundamento legal que justificasse o alargamento do prazo ou o adiamento da audiência, pelo que, observando o Tribunal recorrido todos os ditames legais, não vemos que tal procedimento pudesse determinar “uma compressão injustificada do direito de defesa da arguida”, conforme foi alegado.
Neste caso, a presença da arguida na audiência de julgamento não é obrigatória, tendo sido notificada com a advertência de que o julgamento se realizará mesmo que não compareça sendo representada por defensor.
Dito isto, e atentando nas ocorrências processuais acima referidas, somos a concluir que no caso dos autos o Tribunal a quo, ao julgar e condenar a arguida sem ela estar presente na audiência, observou todas as formalidades legais, assegurando os direitos de defesa da arguida, pelo que a audiência de julgamento não padece da invocada nulidade insanável ou qualquer irregularidade.

Improcede, assim, a alegada nulidade.

2.2. Da substituição da pena de prisão aplicada.

Para bem decidir importa considerar os factos dados como provados pela Tribunal:
a. “1. No dia 18 de Dezembro de 2017, pelas 14h30, a arguida conduzia um veículo ligeiro de passageiros, de marca Audi A3, com a matrícula ..-PH-.., na Rua …, 2735-257, Cacém, sem que fosse titular de carta de condução ou qualquer outro título que a habilitasse a conduzir aquele veículo na via pública.
2. A arguida sabia que apenas poderia conduzir veículos na via pública sendo titular de carta de condução, que não tinha e sabia não possuir.
3. A arguida sabia ser proibida a sua conduta.
4. Agiu sempre livre deliberada e conscientemente.
5. Ao ser interpelada pelos elementos policiais apresentou um documento que disse ser carta de condução emitida pelas autoridades da República da Guiné-Bissau.
6. No âmbito do inquérito com o nº 2263/12.0PLSNT, que correu termos pela investigação de crime de furto, a arguida aceitou a aplicação do instituto da suspensão provisória do processo que decorreu entre 17/12/2012 e 17/03/2013, mas no qual viria a ser proferido despacho de acusação e daria origem a decisão referida em 8.
7. Por factos de 05/06/2013 e decisão de 12/06/2014, a arguida foi condenada pela prática, em autoria material do crime de condução sem habilitação legal, na pena de 100 dias de multa à taxa diária de 5,00 €;
8. Por factos de 15/12/2012 e decisão de 27/04/2016, no processo referido em 6 com o nº 2263/12.0PLSNT, a arguida foi condenada pela prática, em autoria material do crime de furto, na pena de 90 dias de multa à taxa diária de 6,00 €;
9. Por factos de 24/04/2017 e decisão de 26/04/2017, a arguida foi condenada pela prática, em autoria material do crime de condução sem habilitação legal, na pena de 240 dias de multa a taxa diária de 5,00 €.

b. Em sede de fundamentação da pena aplicada, o Tribunal consignou o seguinte:
 
“Da escolha e medida da pena.
Não obstante o disposto no art.º 70º do Código Penal, note-se que a arguida beneficiou mas não correspondeu às possibilidades de reintegração que lhe foram concedidas através do instituto da suspensão provisória do processo pela prática dos crimes de furto e de condução sem habilitação legal, vindo a ser condenada pela prática desses factos, revelando que nenhum empenho vem dedicando ao cumprimento da lei penal ou esforço de reintegração.
 Pelo contrário, viria a persistir no mesmo comportamento ilícito, vindo a ser novamente condenada pela prática do crime aqui em causa, de condução sem habilitação legal, muito recentemente, em 26/04/2017, o que, mais uma vez, não serviu para a exortar ao cumprimento da lei, continuando a mesma prática.
 Não obstante, a arguida que, como revelam as datas apostas no respectivo certificado de registo criminal e documento do SIMP, vem residindo em Portugal pelo menos desde 15/12/2012, em vez de procurar obter o título de condução e assim respeitar a lei nacional, apresentou uma carta de condução que disse ser emitida pelas autoridades da República da Guiné-Bissau, sendo certo que em Abril de 2017 havia sido interceptada pelo mesmo elemento policial sem qualquer carta de condução.
Isto é, mais uma vez fazendo uso das datas apostas no certificado de registo criminal que revelam a presença continua da arguida em território nacional, não é razoável que se apresente como titular da carta de condução da Guiné-Bissau quando poucos meses antes não possuía qualquer título.
Estes factos concretos legitimam a conclusão de que a arguida não só conduz veículos automóveis em território nacional desde 05/06/2013, até ao presente momento, sem carta de condução ou qualquer outro título válido, como se prepara para continuar esta mesma prática ainda que tenha que recorrer a títulos que com toda a probabilidade e apesar de inválidos são falsos quanto à origem da emissão.
Aliás, conforme consta do auto de notícia, a arguida apresentou um documento com o nº RGB-92673, que afirmou ser emitido pelas autoridades da Guiné-Bissau, existindo razões para acreditar que a arguida sempre residiu, pelos menos desde 15/12/2012 em território nacional, tendo sido interceptada no uso da condução sem habilitação legal, nessa data de 15/12/2012, em 05/06/2013, em 24/04/2017 e agora em 18/12/2017, pelo que existem fortes probabilidades desse documento ser falso, razão pela qual, a final, irá determinar-se a remessa de certidão ao Ministério Público para os devidos efeitos de procedimento criminal.
Assim, deve ser aplicada pena de prisão.
Na fixação da pena importa ter em conta:
- a culpa da arguida, que é muito elevada, revelando um comportamento sistemático e persistente de violação da lei estradal (mas não só);
- o dolo directo, intenso;
- a gravidade da ilicitude dos factos também muito elevada, notando-se que a arguida vem exercendo a condução sem habilitação legal desde 2012 e preparava-se para prosseguir nessa mesma actividade;
- as prementes necessidades de prevenção especial (estas extremamente elevadas) e geral, atenta a conhecida elevada sinistralidade automóvel nas nossas estradas;
- o comportamento anterior da arguida é marcado pela não adesão a aplicação de mecanismos de reintegração após a prática de factos criminosos, bem como por insensibilidade a advertências solenes.
Face ao exposto, é adequada e proporcional a pena de seis meses de prisão a aplicar à arguida pela prática do crime p. e p. pelo referido art.º 3º, nº 2.
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A recente condenação da arguida revela uma intensa necessidade de prevenção especial.
Dispõe ainda o art.º 50º do mesmo diploma legal que o tribunal suspende a execução da pena de prisão aplicada em medida não superior a cinco anos se, atendendo à personalidade do agente, às condições da sua vida, à sua conduta anterior e posterior ao crime e às circunstâncias deste, concluir que a simples censura do facto e a ameaça da prisão realizam de forma adequada e suficiente as finalidades da punição.
Vistas as circunstâncias concretas é de concluir que não estão preenchidos os requisitos de facto e de direito para a suspensão assim configurada, pois não existe nenhum facto concreto apurado que faça acreditar seriamente que a simples ameaça da pena realiza as finalidades da punição, mais uma vez se notando que a arguida foi recentemente e mais uma vez condenada tendo apresentado um documento que para além de inválido será manifestamente falso.
Na verdade, a personalidade da arguida, manifestada nas sucessivas violações revelam que não se deixa influenciar por ameaças de desvantagens ou punições de natureza diferente.
O efectivo cumprimento da pena de prisão, ainda que de curta duração, revela-se essencial e é exigida para prevenir, de modo eficaz, o cometimento de novos crimes.
Nestes termos, não é de suspender a pena de prisão a aplicar à arguida.”
 
A recorrente pugna em primeira linha pela suspensão da execução da pena, questionando assim a opção feita pelo tribunal a quo pela aplicação de pena privativa da liberdade.
                                                          
O tribunal a quo, em obediência ao critério da realização das finalidades da punição indicado pelo legislador no art.º 70º do Código Penal, optou pela aplicação de uma pena privativa da liberdade.
Considerando que a arguida já sofreu duas condenações pela prática do mesmo crime ora em questão, o Tribunal a quo concluiu, com fundadas razões, pela inadequação ou inconveniência da aplicação da pena de multa.

A arguida considera incompreensível o juízo de valor negativo realizado acerca da sua personalidade, alegando que o Tribunal apenas se reportou aos seus antecedentes criminais, nada tendo sido apurado acerca da sua pessoa, da sua integração social, familiar e profissional.
Refere ainda que não existem registos de qualquer sinistralidade em que tenha tido intervenção pelo que não tem fundamento a gravidade que o tribunal conferiu à sua conduta.
Atento o disposto no art.º 71º do CP, importa ponderar a ilicitude dos factos atendendo às circunstâncias em que os factos ocorreram, ou seja, a arguida não sendo detentora de carta de condução, conduziu o automóvel na via pública e agiu com dolo directo e intenso. Por outro lado, as exigências de prevenção geral são elevadas, sendo inquestionáveis os consideráveis índices de sinistralidade no nosso País para os quais em certa medida contribui a condução por quem não está legalmente habilitado para tal; as exigências de prevenção especial são também acentuadas atendendo que a arguida já sofreu duas condenações por factos de idêntica natureza.
Assim, em face das circunstâncias atinentes à ilicitude e à culpa, sem esquecer as exigências de prevenção geral e especial referidas, somos a entender que a pena de prisão fixada em 6 meses se afigura justa e adequada, não merecendo qualquer censura.

Da substituição da pena de prisão.

A recorrente pugna pela suspensão da execução da pena, considerando que ainda que tenha sido condenada recentemente pela prática de um crime de condução sem habilitação legal, existe um longo hiato de tempo desde a 1ª condenação e a mais recente -de 2012 a 2017- e nunca foi condenada em pena de prisão, quer suspensa quer efectiva, considerando que a substituição da pena de prisão por medida não detentiva permite a sua reintegração, sendo advertência bastante para não voltar a delinquir.

Como sabemos, subjacente a esta questão estão finalidades exclusivamente preventivas, de prevenção geral e de prevenção especial. Conforme refere o Prof. Figueiredo Dias,[1] “a prevenção geral surge aqui sob a forma do conteúdo mínimo de prevenção de integração indispensável á defesa das exigências de prevenção especial de socialização. Quer dizer: desde que impostas ou aconselhadas à luz de exigências de socialização, a pena alternativa ou a pena de substituição só não serão aplicadas se a execução da pena de prisão, se mostrar indispensável para que não sejam postas irremediavelmente em causa a necessária tutela dos bens jurídicos e estabilização contrafáctica das expectativas comunitárias”. E o tribunal só deve negar a aplicação de uma pena alternativa ou de substituição quando a execução da prisão se revele, do ponto de vista da prevenção especial de socialização, necessária ou mais adequada do que estas.
O tribunal a quo decidiu-se pela aplicação de pena privativa da liberdade, entendendo que a substituição da pena de prisão por medida não detentiva não se revela conveniente e adequada à luz da satisfação das finalidades preventivas do caso.

Vejamos:
 
Como é sabido, suspensão da execução da pena de prisão só poderá ocorrer se a simples censura do facto e a ameaça daquela pena de prisão forem bastantes para afastar o agente da criminalidade, satisfazendo simultaneamente as necessidades de reprovação e prevenção do crime (cfr. art.º 50º do C.P.).
Este instituto pressupõe assim um juízo de prognose social favorável, isto é, a forte possibilidade de que a condenação e a ameaça da pena servirão de suficiente advertência para que no futuro não venha a cometer mais crimes.
In casu, verificam-se razões de prevenção especial que importa acautelar, considerando que a arguido já sofreu duas condenações por crime de idêntica natureza: por factos ocorridos em 5/6/2013 e decisão de 12.06.2014, na pena de 100 dias de multa à taxa diária de 5,00€, e posteriormente, em 24.04.2017 e decisão de 26.04.2017, na pena de 240 dias de multa à taxa diária de 5,00€, e, volvidos cerca de oito meses após esta condenação veio a cometer os factos em análise.
Por outro lado, resulta dos autos que a arguida se encontra socialmente integrada, trabalha na venda de roupa e tem duas filhas (cfr. fls. 8 e 9).
E se é bem certo que a arguida já sofreu duas condenações anteriores pela prática deste mesmo crime, importa realçar que nunca foi condenada em pena de prisão, quer suspensa quer efectiva, assim como a condenação por crime de furto, em 15.12.2012, foi igualmente em pena de multa.
Assim, em face das exigências de prevenção geral e especial em causa, encontrando-se a arguida integrada socialmente, entende-se que a suspensão da execução da pena pode ainda dar resposta sancionatória adequada, não comprometendo as necessidades preventivas em causa, permitindo a formulação de um juízo de prognose favorável, assim se decidindo declarar suspensa a execução da pena de prisão aplicada à arguida.
 Termos que o recurso procede nesta parte.

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III-Dispositivo.
Face ao exposto, acordam os Juízes da 3ª secção deste Tribunal da Relação de Lisboa, em dar parcial provimento ao recurso, declarando suspensa a execução da pena de seis meses de prisão em que a arguida foi condenado nos presentes autos, pelo período de um (1) ano.
-Quanto ao mais improcede o recurso interposto pela arguida.

Sem custas por não serem devidas.
Notifique.

Lisboa, 9/01/2019.

Elaborado, revisto e assinado pela Relatora Conceição Gonçalves e assinado pela Desembargadora Adjunta Maria Elisa Marques.

[1] In “Direito Penal Português- As Consequências Jurídicas do Crime”, Parte Geral, pág.333.