| Acórdão do Tribunal da Relação de Lisboa | |||
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| Relator: | ISABEL TEIXEIRA | ||
| Descritores: | PENHORA BENS DE TERCEIRO SUSTAÇÃO DA EXECUÇÃO | ||
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| Nº do Documento: | RL | ||
| Data do Acordão: | 10/23/2025 | ||
| Votação: | UNANIMIDADE | ||
| Texto Integral: | S | ||
| Texto Parcial: | N | ||
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| Meio Processual: | APELAÇÃO | ||
| Decisão: | PARCIALMENTE PROCEDENTE | ||
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| Sumário: | Sumário: I – A nulidade da sentença por falta de fundamentação ocorre quando a decisão judicial não se tenha pronunciado sobre questões efetivamente colocadas pelo sujeito processual. II - A decisão em que o tribunal a quo conhece apenas uma das questões suscitadas, sem que as demais tenham ficado prejudicadas pelo conhecimento daquela, incorre na apontada nulidade. III – os artigos 56º, nº 2 e 735º, nº 2 do Código de Processo Civil preveem expressamente o caso de poderem ser penhorados bens de terceiros, que não são os devedores, mas são os adquirentes de bens onerados, apenas com o fim de fazer acionar direito real constituído para garantia do crédito exequendo sobre os bens desse terceiro. IV – Se o único bem onerado já está onerado com uma penhora anterior, então a sustação da execução quanto a esse único bem penhorável significa a sustação integral da execução e, consequentemente, a sua extinção, sem prejuízo de renovação (caso seja levantada a penhora anterior), ao abrigo do nº 4 do art. 794º e do nº 5 do art. 850º, ambos do Código de Processo Civil. | ||
| Decisão Texto Parcial: |  | ||
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| Decisão Texto Integral: | Acordam na 6.ª Secção do Tribunal da Relação de Lisboa: I – Relatório: Identificação das partes e indicação do objeto do litígio Tem origem o presente recurso no âmbito de uns embargos de executado que a recorrente Partefiel - Empreendimentos e Construção, Lda. deduziu por oposição à execução sumária para pagamento de quantia certa, que por sua vez contra si instaurou a recorrida Caixa Geral de Depósitos, S.A.. A execução foi instaurada pela recorrida em 06/07/2022 contra a recorrente, exigindo aquela o pagamento do montante de 3 585 784,76 €, com base em quatro escrituras de mútuo garantido por hipoteca sobre imóvel. A mutuária foi a sociedade “Vilanorte – Construções, Lda”, que não cumpriu as prestações a que estava contratualmente obrigada e, entretanto, foi declarada insolvente, razão pela qual a exequente lançou mão da execução contra a ora exequente por ter, entretanto, adquirido à sociedade “Vilanorte – Construções, Lda” um imóvel dado em hipoteca a favor da exequente. A exequente pediu apenas a penhora do referido imóvel adquirido pela executada, tendo o mesmo sido efectivamente penhorado em 2023/09/20. Após, foi citada a executada, ora recorrente, que veio deduzir a oposição mediante embargos de executado em que se insere o presente recurso. * Na petição de embargos, a recorrente diz que, perante o título executivo, não é devedora, razão pela qual não pode ser demandada como executada, que a execução não pode prosseguir porque o imóvel dado em hipoteca já estava onerado com penhoras anteriores à instauração da execução; impugna a genuinidade de uma das escrituras dadas à execução; invoca inconstitucionalidade do art.º 9º do DL n.º 287/93 de 20.08; alega que outra delas não cumpre os requisitos de exequibilidade; impugna a validade e existência das obrigações exequendas; invoca a prescrição da dívida exequenda; violação dos limites da hipoteca e invoca abuso do direito. Admitidos os embargos, contestou a embargada/exequente, ora recorrida, circunstanciadamente impugnando a matéria alegada pela embargante/executada e concluindo pela improcedência dos embargos. Realizou-se audiência prévia, no âmbito da qual a embargante requereu: “Em virtude do requerimento hoje entregue nos autos via "citius", com a ref:ª 52125052, a executada "Partefiel- Empreendimentos e Construção, Ld.ª" veio requerer a junção de certidão de registo predial que demonstra que, à data de hoje, mantém-se penhoras em processos executivos anteriores sobre o bem hipotecado. A executada apenas foi accionada em virtude de ser proprietária do bem hipotecado, mas não é devedora nos presentes autos. Logo, não podendo a execução prosseguir sobre outros bens da executad, deve a mesma ser extinta com os efeitos da sustação global, porque não faz senmtido a discussão da oposição, caso não seja possível prosseguir o presente processo executivo. Pede deferimento." Respondeu a embargada/exequente: "A Caixa Geral de Depósitos, SA (de ora em diante CGD, SA), vem exercer o contraditório em relação ao ora requerido pela embargante, nos seguintes termos: a CGD, SA, em sede de contestação aos embargos, sempre delimitou a legitimidade passiva da executada ao facto desta ser a actual titular inscrita do bem sobre o qual se encontra regsitada e permanece validamente inscrita a hipoteca a seu favor. Relativamente ao ora alegado, esclarece-se que apenas existe uma penhora anterior em vigor sobre o bem ora identificado nos autos e não várias. A sustação integral da execução, por força da existência de uma penhora anterior registada, no caso a favor da Fazenda Nacional, determina apenas a extinção da execução, nos termos do nº 4 do art.º 794º do CPC, e do art.º 849º, nº 1, alínea e) do CPC, sem prejuízo da sua renovação, dependendo do resultado desse processo de execução fiscal. Entende a exequente CGD, SA, que a suspensão integral não determina "per se" a extinção dos embargos de executado, até porque, em desde de contestação, foi invocado pela exequente a questão da "conduta abusiva da executada" e a sua "litigância de má-fé", questão que entende poder e dever ser objecto de decisão, cuja sustação da execução não contende. Por isso, opoe-se a exequente à suspensão dos presentes embargos." * Após, a MMª Juiz a quo proferiu o seguinte despacho: «Na presente data, a ora embargante "Partefiel - Empreendimentos e Construção, Ld.ª "veio invocar e requerer a extinção da presente oposição nos termos e conforme requerimento junto aos autos e ora reiterado. Na sequência do diálogo encetado, no âmbito da presente diligência, a embargada CGS, SA veio deduzir oposição ao ora requerido. Cabe apreciar. Conforme resulta dos autos de execução, foi proferido despacho de sustação, nos termos do art.º 794º do CPC em concreto e em relação ao bem imóvel sobre o qual incide e recai a hipoteca, cuja discuissão em relação à possibilidade de execução é feita na presente oposição. Também foi nesta diligência referido pela CGD, SA que, na sequência do proferimento do despacho de sustação foi reclamado o respectivo crédito no âmbito da execução, cuja penhora mais antiga gerou a sustação nos presentes autos. Alegou também, a CGD, SA, com fundamento nas questões do "abuso de direito" e da litigância de má-fé" invocadas na resposta à oposição, que se opõe `a suspensão da oposição e requer o seu prosseguimento . Sucede que a questão da apreciação dos fundamentos da excepção peremptória do "abuso de direiro" e, a final, da "litigância de má fé " da parte ou das partes, contende e está- necessária e intrinsecamente- ligada à apreciação de toda a matéria de facto e de direito invocada na oposição. Deste modo, o Tribunal considera que a discussão e julgamento destas questões- excepção peremptória, abuso de direito e litigãncia de má-fé-; não poderá ser feita sem que os autos prossigam na sua globalidade para apreciação de tudo que nos mesmos é invocado. O tribunal considera que e na sequência do despacho de sustação, no âmbito da execução, bem como da reclamação de créditos já deduzida, nessa sequência, pela embargada, devem operar neste incidente os efeitos da sustação apenas e em relação ao bem imóvel hipotecado em discussão nos autos. Pelo exposto, o Tribunal decide, nos termos dos art.ºs 794º, nº 4 e 5 e 849º, nº 1, alínea e), ambos do CPC, determinar a suspensão dos presentes autos de oposição, sem prejuízo de uma eventual e posterior renovação, dependendo do resultado do processo de execução fiscal também em curso e por acto, directo e interessado da CGD, SA para requerer nos autos de execução. Nestes termos, determina-se o arquivamento condicional da presente oposição, sem prejuízo de condicional e posterior renovação nos termos explanados. Em relação à sustação integral e extinção da execução, tais questões deverão ser conhecidas e apreciadas no âmbito dos autos de execução, atento o facto de a "Partefiel-Empreendimentos e Construção, Ld.ª" não ser a titular de outros bens que estejam em causa na execução.» * É deste despacho que veio a embargante recorrer e que agora se aprecia. No recurso, apresenta a seguintes conclusões: I. A execução tem como limites uma obrigação, ou um ónus, indiciado por um título (art.º 10º, 5, do CPC); II. No caso presente, foi indicado um ónus hipotecário sobre um bem a ser executado, pertencente a um terceiro, e nada mais. III. A Recorrente/Opoente invocou e provou, na oposição, a existência de penhoras registadas anteriormente, em outros processos, sobre o único bem que estava em causa na acção e requereu a extinção da execução por impossibilidade da execução prosseguir desde o início (art.º 849º, 1, al. f), do CPC). IV. Foi proferido despacho do Agente de Execução em 17/5/2024, o qual sustou a execução somente ao único bem sobre o qual incide o registo de hipoteca, nos termos do art.º 794º, 1, do CPC. V. Tal despacho foi reclamado, na medida em que a execução não podia prosseguir em outros bens da executada, por esta não ser devedora da Exequente, mas somente terceira titular do bem hipotecado. (art.º 818º, do CC e art.º 54º do CPC) VI. A execução, por força da sustação da execução do único bem a excutir ficou sem objecto para prosseguir, por essa via. VII. A impossibilidade de prosseguir a acção executiva é uma excepção dilatória de conhecimento oficioso. VIII. O tribunal confirmou a sustação da execução quanto ao referido bem, por despacho judicial de 28/1/2025, remetendo para a oposição, a decisão de outras questões, isto é, se deveria declarar a extinção da execução. IX. Por requerimento de 29/4/2025, a Opoente voltou a requerer a extinção da execução, tal como excepcionara na oposição, por subsistirem as penhoras. X. No âmbito da audiência prévia foi proferido o despacho recorrido, onde se reenvia para o Agente de Execução a decisão sobre se deve existir sustação integral e extinção da execução, o que viola o artº 723º,1, als. b) e d), do CPC e o art.º 719º, 1, do CPC. XI. Ocorre, pois nulidade por omissão do conhecimento de questões postas na oposição e o conhecimento de coisa diversa (art.º 615º, 1, al. d), do CPC) XII. Nestes termos, deve o despacho recorrido ser substituído por decisão que determine que a execução deve ser extinta, nos termos dos art.ºs 794º, 849º, 1, als. e) e f), do CPC. XIII. Dessa decisão decorre que a oposição é igualmente extinta e no caso de nova execução apresentada pela Exequente, os efeitos da oposição passada, ou futura, conforme os factos aduzidos pela Exequente, não dependerão da vontade desta última. XIV. Por conseguinte, a oposição não pode ser extinta condicionalmente à futura vontade da exequente vir pedir para prosseguir a execução sobre o bem sustado, deixando simultaneamente de ter defesa nos autos relativamente a outros actos na execução que se mantem. XV. O tribunal não pode coartar o direito de defesa da executada para o futuro, deixando-o dependente da intervenção/vontade da Exequente. XVI. Esta parte da matéria viola o direito de defesa constitucionalmente consagrado e o art.º 3º do CPC. Contra-alegou a recorrida, afirmando que a recorrente não tem legitimidade, nem interesse em agir, para recorrer da decisão proferida; defendeu que não se verificam as apontadas nulidades e em suma pugnando pela manutenção de decisão do tribunal a quo recorrida. A MMª Juiz a quo proferiu despacho sustentando que não se verificam as nulidades invocadas, dizendo na parte relevante: «(…) O bem imóvel nomeado à penhora no Requerimento Executivo (prédio misto, denominado por “Quinta …” ou “Quinta …”, sito na freguesia de Trafaria, concelho de Almada, descrito na 1ª Conservatória do Registo Predial de Almada sob a ficha n.º ... da freguesia de Trafaria, e inscrito na matriz rústica sob o artigo .., Secção F e na matriz urbana sob os artigos ...., .... e ...., da referida freguesia) é propriedade da Executada PARTEFIEL- EMPREENDIMENTOS E CONSTRUÇÃO, LDA. cfr. Ap. … de 2012/10/16. Tal imóvel encontra-se onerado com hipoteca validamente constituída, e em vigor, a favor da CGD, para garantia do crédito dado à execução, cfr. Ap. 48 de 2002/09/12, para garantia do capital de € 1.585.000,00, sendo montante máximo de capital e acessórios de € 2.383.047,50 (tudo cfr. Certidão permanente junta ao requerimento executivo). Sobre o imóvel hipotecado a favor da CGD (supra identificado) encontra-se apenas registada a penhora inscrita sob a Ap. 51 de 2008/10/03, a favor da Fazenda Nacional, em processo instaurado contra a Vilanorte Construções, Lda., cfr. se atesta pela certidão permanente junta como doc. 1 em sede de contestação de embargos e cujo teor se dá por integralmente reproduzido, para todos os devidos e legais efeitos. Até à presente data, a CGD nunca foi citada por parte da Exequente Fazenda Nacional para reclamar créditos no âmbito da execução fiscal que deu causa ao referido registo de penhora, incidente sobre o supra identificado bem. Posteriormente, por Auto de Penhora datado de 20.09.2023, foi penhorado à ordem dos autos o supra identificado prédio misto (cfr. Ap. 2155 de 2023/09/20) – certidão permanente junta em 17.05.2024 aos autos principais, dos quais os presentes constituem Apenso. Uma vez que sobre tal imóvel encontra-se anteriormente registada penhora a favor de outro processo (processo de execução fiscal nº …059, pela AP. 51 de 2008/10/03, que corre os termos no Serviço de Finanças de Lisboa- 1), por decisão do Sr. Agente de Execução de 17.05.2024 foi a execução sustada, quanto a tal bem, nos termos e ao abrigo do disposto no art.º 794º, n.º 1 do CPC (tendo a CGD, na sequência de tal sustação, apresentado reclamação de créditos no identificado PEF). A Executada reclamou de tal decisão de sustação, proferida ao abrigo do disposto no art.º 794º, n.º 1 do CPC, onde invocou, nomeadamente, que tal preceito não seria aplicável à situação em apreço. Por despacho de 28.01.2025, a fls... dos autos principais, dos quais os presentes constituem apenso, foi decidido que «(...) opera efeitos a sustação da execução pelo AE». Quanto às demais questões (que são as excepções invocadas em sede de petição inicial de embargos – vide pontos 12 e 13 da reclamação), foi decidido que as mesmas «deverão ser dirimidas em momento próprio da execução, nomeadamente em sede de oposição à execução» - como, de resto, não poderia deixar de o ser. No início da Audiência Prévia que teve lugar no passado dia 29.04.2025, e após diálogo encetado entre os I. Mandatários das partes e a M.ma Juiz a quo, foi requerida pela Embargante a extinção da instância de embargos de executado, nos termos do art.º 849º, n.º 1, alínea e) e 794º, n.º 4, ambos do CPC. Ou seja, e cfr. foi pugnado pela I. Mandatária na referida diligência, aplicando analogicamente tais preceitos ao presente Apenso de Embargos de Executado. No tocante ao requerido por parte da Embargante no seu requerimento apresentado via Citius em 29.04.2025 – extinção da execução por sustação (que a mesma entende dever ser integral) – o douto Tribunal a quo decidiu que tais questões deverão ser colocadas, não em sede de Audiência Prévia no âmbito de Apenso de Embargos de Executado, mas sim nos autos principais de execução. Por isso decidiu, que: «Em relação à sustação integral e extinção da execução, tais questões deverão ser conhecidas e apreciadas no âmbito dos autos de execução, atento o facto de a "Partefiel- Empreendimentos e Construção, Ld.ª" não ser a titular de outros bens que estejam em causa na execução». Ou seja, uma vez que a decisão do Sr. Agente de Execução foi a de sustar a execução quanto ao bem imóvel penhorado (art.º 794º, n.º 1 do CPC) e não a de sustação integral (n.º 4 do mesmo preceito), caso a Embargante entendesse que deveria ser proferida decisão de sustação integral, e consequentemente de extinção da execução nos termos do art.º 849º, n.º 1, alínea e) do CPC, deveria requerê-lo nos autos principais, proferindo, aí o Tribunal decisão quanto ao requerido. Pelo exposto, e salvo melhor apreciação do Tribunal de recurso, afigura-se-nos que a decisão proferida não padece dos vícios apontados.» * II – Questões a decidir: Considerando que o objeto do recurso, sem prejuízo de eventuais questões de conhecimento oficioso, é delimitado pelas suas conclusões (arts. 635º nº4 e 639º nº1 do Código de Processo Civil), são as seguintes as questões a tratar: i. Questão prévia: falta de interesse em agir da recorrente; ii. Nulidade do despacho, “por omissão do conhecimento de questões postas na oposição e o conhecimento de coisa diversa”. iii. Decisão sobre se a execução deve ser extinta, nos termos dos art.ºs 794º, 849º, 1, als. e) e f), do Código de Processo Civil. iv. Responsabilidade pelas custas. i. Questão prévia: falta de interesse em agir da recorrente: A recorrida alega que «No início da Audiência Prévia que teve lugar no passado dia 29.04.2025, e após diálogo encetado entre os I. Mandatários das partes e a M.ma Juiz a quo, foi requerida pela Embargante a extinção da instância de embargos de executado, nos termos do art.º 849º, n.º 1, alínea e) e 794º, n.º 4, ambos do CPC.» e que assim não é parte vencida, pois o despacho sob recurso deferiu precisamente esse requerimento, pelo que não tem interesse em recorrer. Não se perfilha tal entendimento. Lida a totalidade do requerimento da recorrente, não se encontra qualquer referência à extinção dos embargos. Quem afirma «Na presente data, a ora embargante "Partefiel - Empreendimentos e Construção, Ld.ª "veio invocar e requerer a extinção da presente oposição nos termos e conforme requerimento junto aos autos e ora reiterado. Na sequência do diálogo encetado, no âmbito da presente diligência, a embargada CGS, SA veio deduzir oposição ao ora requerido. (…)», nos termos que a recorrida destaca não é a recorrente. É o tribunal a quo. E depois repetido pela recorrida, nas suas alegações. E fá-lo, certamente por lapso ou erro de escrita. Primeiro, porque não é objectivamente o que a recorrente diz, como se vê com toda a clareza do seu requerimento já integralmente reproduzido. Segundo, se assim fosse, se o que a recorrida tivesse pedido fosse a extinção dos embargos, então seria incompreensível a oposição da embargada. O que a embargante requereu foi, e citamos novamente, ipsis verbis: Em virtude do requerimento hoje entregue nos autos via "citius", com a ref:ª 52125052, a executada "Partefiel- Empreendimentos e Construção, Ld.ª" veio requerer a junção de certidão de registo predial que demonstra que, à data de hoje, mantém-se penhoras em processos executivos anteriores sobre o bem hipotecado. A executada apenas foi accionada em virtude de ser proprietária do bem hipotecado, mas não é devedora nos presentes autos. Logo, não podendo a execução prosseguir sobre outros bens da executad, deve a mesma ser extinta com os efeitos da sustação global, porque não faz senmtido a discussão da oposição, caso não seja possível prosseguir o presente processo executivo. Pede deferimento." Só por lapso ou má-fé se pode entender este requerimento como de extinção dos embargos. O que a embargante recorrente pretende é que se aprecie o seu requerimento de extinção da execução, por entender, e bem, que o mesmo é prejudicial ao prosseguimento dos embargos. Naturalmente, se a execução for extinta, a instância de embargos de executado, que tem como único objecto a oposição à execução, torna-se supervenientemente inútil, salvo para apreciação de questões incidentais, como a litigância de má-fé. Inexiste, assim, qualquer falta de interesse processual da recorrente neste recurso. A decisão em crise foi-lhe claramente desfavorável porque “arquivou condicionalmente” a oposição à execução, pondo fim ao meio de defesa próprio da executada, sem que tal fim tenha sido por esta requerido. Nada obsta, pois, ao conhecimento do mérito do recurso. * III – Fundamentação: Factos provados O acervo factual necessário para o conhecimento do presente recurso não se encontra elencado na decisão da 1ª instância, mas decorre, para além dos actos processuais ocorridos nos embargos e que já foram enunciados no relatório, da tramitação dos autos e certidões juntas, que assim se elenca: 1. A execução foi intentada, no dia 01/07/2022 por Caixa Geral de Depósitos, Sa, contra Partefiel - Empreendimentos e Construção, Lda., exigindo aquela o pagamento da quantia de 3 585 784,76 €, com base em: a. Documento particular celebrado em 26 de Maio de 1999 entre a exequente e a sociedade “Vilanorte – Construções, Lda”, denominado “contrato de empréstimo” mediante o qual aquela entregou a esta o montante de Esc. 100.000.000$00 (€ 498.797,90), mediante credito na conta de depósitos à ordem nº ..., de que a mutuária era titular, e que esta utilizou integralmente e se obrigou a restituir no prazo de 6 meses “ou na data da realização do contrato de Financiamento de médio longo prazo nº (…), o que ocorrer antes”, acrescido de juros a uma taxa indexada à Lisbor para o prazo de 3 meses, acrescida de 1,75%, donde resultava, na ocasião, na aplicação da taxa de juro nominal de 4,340% ao ano. b. Documento particular celebrado em 9 de Julho de 2002 entre a exequente e a sociedade “Vilanorte – Construções, Lda”, denominado “contrato de empréstimo” mediante o qual aquela entregou a esta o montante de € 1.230.000,00a título de “Restruturação das operações a crédito nº ..., mediante credito em conta, e que esta utilizou integralmente e se obrigou a restituir no prazo de 3 anos, incluindo um período inicial de carência de 6 meses. c. Documento particular celebrado em 18 de Junho de 1997 entre a exequente e a sociedade “Vilanorte – Construções, Lda”, denominado “Proposta/contrato de garantia bancária” mediante o qual aquela emitiu uma garantia bancária a favor do Serviço de Finanças de Lisboa – 5, no valor de € 358.672,60, destinada a garantir a liquidação do processo executivo nº 100865.Q/97, que corre termos no Serviço de Finanças de Lisboa – 5, em que era executada a ordenante da garantia, a sociedade VilaNorte – Construções, Lda, tendo ficado estipulado que o referido contrato vigoraria pelo prazo de 1 ano, renovável automaticamente por períodos iguais e não denunciável pela ora reclamante e que seria paga uma comissão de garantia de 1,25% ao ano, contada e cobrada trimestral e antecipadamente, com o mínimo de 3.000$00, a que corresponde o contravalor de € 14,96 (catorze euros e noventa e seis cêntimos) por trimestre/fracção, ambos alteráveis pela Caixa antes de cada trimestre; em caso de mora na liquidação de comissões, de despesas ou do valor pago pela Caixa ao beneficiário em execução da garantia bancária, os juros seriam calculados à taxa mais elevada de juros remuneratórios em vigor para operações activas (actualmente de 11,450% ao ano), acrescida de uma sobretaxa até 4 pontos percentuais, tendo a garantia sido, entretanto, cancelada pelo beneficiário. d. Escritura pública celebrada no dia 06 de Dezembro de 2002 entre a exequente e a sociedade “Vilanorte – Construções, Lda”, mediante a qual, para garantia da obrigações pecuniárias por si assumidas ou a assumir perante a Caixa Geral de Depósitos, SA, decorrentes de quaisquer operações bancárias, nomeadamente, mútuos, aberturas de crédito de qualquer natureza, descobertos em conta à ordem, letras, livranças, cheques extractos de facturas, warrants, garantias bancárias, fianças, avales e empréstimos obrigacionistas até ao montante de € 1.585.000,00, respectivos juros até à taxa anual de 11,450%, acrescida de uma sobretaxa até 4% ao ano, em caso de mora, a título de cláusula penal e despesas, a soc. Vilanorte constituiu hipoteca a favor da ora exequente sobre o seguinte imóvel: Prédio misto, denominado por “Quinta …” ou “Quinta …”, na freguesia de Trafaria, concelho de Almada, descrito na Conservatória do Registo Predial de Almada sob o nº ..., da dita freguesia, inscrito na matriz rústica sob o artigo .., Secção F e na matriz urbana sob os artigos ...., .... e ...., registada na aludida Conservatória através da inscrição C, Ap. … de 2002/09/13, até ao limite de € 1.585.000,00, a título de capital, acrescido de juros e demais encargos. 2. A aquisição do imóvel dado em hipoteca e supra referido em 1. d. mostra-se registada a favor da recorrente Partefiel - Empreendimentos e Construção, Lda., por compra à sociedade “Vilanorte – Construções, Lda”, mediante a AP. … de 2012/10/16. 3. No requerimento executivo, a exequente indicou à penhora apenas o referido imóvel descrito na Conservatória do Registo Predial de Almada sob o nº ..., mais alegando que “II) O imóvel continua onerado com a mencionada inscrição hipotecária nos exactos termos em que a mesma foi constituída a favor da aqui reclamante porquanto esta não renunciou àquela garantia nem, tão pouco, foi ressarcida da totalidade das dívidas por ela garantida. JJ) Sucede que, actualmente o imóvel encontra-se registado a favor da executada Partifiel Lda, razão pela qual a presente execução é também instaurada contra titular inscrita, nos termos do disposto no artigo 54.º, n.º 2 do CPC.”. 4. O prédio descrito na Conservatória do Registo Predial de Almada sob o nº ... foi penhorado à ordem dos autos principais em 2023/09/20, mediante a AP. 2155. 5. À data da penhora, mostravam-se inscritos e em vigor no registo respectivo os seguintes ónus incidindo sobre o mesmo imóvel: a. AP. 48 de 2002/09/12 - Hipoteca Voluntária a favor de Caixa Geral Depósitos, S.A., sujeito passivo Vilanorte Construções, Lda, para Garantia das obrigações assumidas ou a assumir em conjunto ou em separado, decorrentes de quaisquer operações bancárias até ao montante de 1 585 000,00€, juro anual de 11.45%, clausula penal de 4%, despesas 63 400,00€; MONTANTE MÁXIMO ASSEGURADO: 2.383.047,50 Euros; b. AP. 17 de 2005/02/23 - Hipoteca Legal a favor do Centro Distrital De Segurança Social De Lisboa, garantindo o capital de 376.805,93 Euros; c. AP. 51 de 2008/10/03 – Penhora a favor da FAZENDA NACIONAL, para garantia da quantia exequenda de 9.197,36 Euros. 6. No dia 17-05-2024 o Sr. Agente de Execução proferiu, na acção executiva, a seguinte decisão: «Nos termos do disposto no nº 1 do artigo 794º do Código de Processo Civil, susto a execução quanto ao bem infra identificado, uma vez que sobre o mesmo bem subsiste penhora registada à ordem de outro processo de execução fiscal nº …059, pela AP. 51 de 2008/10/03, que corre os termos no Serviço de Finanças de Lisboa 1. IDENTIFICAÇÃO DO BEM: Prédio misto sito na freguesia de Trafaria, concelho de Almada, descrito na 1ª CRP de Almada sob o nº ..., e inscrito na matriz sob os artigos urbanos 2105, 2106 e 2150, e rústico .., secção F.». 7. No dia 03/06/2024 a executada, ora recorrente, apresentou um requerimento em que argui a nulidade da antecedente decisão do Sr. Agente de Execução, em que conclui, pedindo: «deve a decisão do Agente de Execução ser declarada nula, por falta de competência do agente de execução, a) ao vir decidir questão que já tinha sido submetida ao julgamento do juiz, no âmbito da oposição, b) por igualmente terem sido suscitadas questões prejudiciais no âmbito do oposição que têm de ser decididas previamente. Mais, subsidiariamente, deve a mesma decisão ser declarada nula por, a) conduzir a resultados ilícitos e b) violar o art.º 794º, 1, do CPC, por falta de pressupostos da sua aplicação». 8. Respondeu a exequente, pugnando pela improcedência do requerido, após o que, em 19/06/2024, foi proferido o seguinte despacho: «Reclamação deduzida pela reclamada: Admite-se liminarmente a reclamação. Notifique-se o AE para se pronunciar (artigos 3.º, 4.º e 5.º do CPC). Prazo: 20 dias.». 9. O Sr. Agente de Execução responde, reiterando a decisão. 10. Ordenado que os autos fossem ao MP este nada acrescentou ou requereu. 11. Em 28/01/2025 foi proferido o seguinte despacho: «Reclamação: Nos termos do artigo 794º, nº 1 do CPC: “Pendendo mais de uma execução sobre os mesmos bens, o agente de execução susta quanto a estes a execução em que a penhora tiver sido posterior, podendo o exequente reclamar o respetivo crédito no processo em que a penhora seja mais antiga.” Nestes termos e também atenta a não oposição do Ministério Público, opera efeitos a sustação da execução pelo AE. Quanto às demais questões, as mesmas deverão ser dirimidas em momento próprio da execução, nomeadamente em sede de oposição à execução. Custas pelo incidente que se fixam em 1 uc. Notifique.». 12. A Vilanorte Construções, Lda. foi declarada insolvente, por sentença de 26.05.2014, no âmbito do proc. 1499/13.0TYLSB que correu termos no Tribunal Judicial desta Comarca, Juízo de Comércio de Lisboa - Juiz 5, tendo a credora Caixa Geral de Depósitos, SA reclamado na insolvência créditos no valor total de 2.839.584,16€. Análise dos factos e aplicação da lei ii. Nulidade do despacho, “por omissão do conhecimento de questões postas na oposição e o conhecimento de coisa diversa”. Preceitua o art. 615º, nº 1, d) do Código de Processo Civil que é nula a sentença quando O juiz deixe de pronunciar-se sobre questões que devesse apreciar ou conheça de questões de que não podia tomar conhecimento; O tribunal só tem que se pronunciar sobre as questões que a lei – o art. 608º do Código de Processo Civil – lhe impõe, e não sobre os argumentos que as partes suscitam. A nulidade da sentença por falta de fundamentação ocorre quando a decisão judicial não se tenha pronunciado sobre questões efetivamente colocadas pelo sujeito processual (questões sobre as quais o tribunal tenha sido chamado a decidir), e não quando não se tenha pronunciado sobre todos os argumentos, razões ou motivos de que as partes se socorram para sustentar as suas posições processuais ou substantivas – vide o acórdão do Supremo Tribunal de Justiça de 27-03-2014 (Processo nº 555/2002.E2.S1). Atentos os articulados acima resumidos, apresentados nestes embargos de executado, as partes suscitaram ao Tribunal que dirimisse as seguintes questões: - a legitimidade passiva da executada; - a impossibilidade de prosseguimento da execução, porque e o imóvel dado em hipoteca já estava onerado com penhoras anteriores; - a genuinidade, validade e suficiência dos títulos dados à execução; - a validade e existência das obrigações exequendas; - a prescrição da dívida exequenda; - violação dos limites da hipoteca; - abuso do direito; - litigância de má-fé da embargante/executada. A decisão em causa aborda apenas uma destas questões, dizendo “O tribunal considera que e na sequência do despacho de sustação, no âmbito da execução, bem como da reclamação de créditos já deduzida, nessa sequência, pela embargada, devem operar neste incidente os efeitos da sustação apenas e em relação ao bem imóvel hipotecado em discussão nos autos.” Fá-lo, depois de ter anunciado, no despacho supra referido em 11. da factualidade relevante, “Quanto às demais questões, as mesmas deverão ser dirimidas em momento próprio da execução, nomeadamente em sede de oposição à execução”. Fá-lo, por considerar que as demais questões ficaram prejudicadas pela sustação. Mas não se pode concordar com tal conclusão. A questão, na realidade, é muito simples. Se o tribunal de 1ª instância entendesse que a existência de penhora anterior determinava a aplicação do nº 4 do art. 794º do Código de Processo Civil, precisamente porque não podem legalmente ser penhorados outros bens, e consequentemente a extinção da execução, sem prejuízo do disposto no n.º 5 do artigo 850.º, então poderia afirmar que a exequente por ora não poderia impulsionar a execução, não subsistindo actualmente qualquer utilidade aos presentes embargos, que são daquela execução totalmente dependentes – art. 732º, nº 4 do Código de Processo Civil. Se assim entendesse, e entenderia bem, podia julgar extinta a instância de embargos por inutilidade superveniente da lide, nos termos do artigo 277º, al. e) do Código de Processo Civil. Sempre ressalvando que, caso viesse a execução a prosseguir nos termos do nº 5 do art. 850º do Código de Processo, nada obstaria a que também esta instância de embargos fosse renovada. Podia fazê-lo porque, nesse caso, a instância principal – a execução – estava extinta, com fundamento legal no art. 794º, nº 4 do Código de Processo Civil, e os embargos também tinham uma decisão – a extinção por inutilidade superveniente da lide, nos termos do artigo 277º, al. e) do Código de Processo Civil. Se nada mais fosse requerido pelas partes, estava definitivamente decidida a lide, na sua globalidade. E poderia fazê-lo, porque o mecanismo legal previsto nos artigos 849º, nº 1, al. d), 850º, nº 5 e 728º o permitem. Como também decorre das aludidas normas, se o exequente requeresse a renovação da execução extinta, os direitos do executado estariam garantidos, desde logo, pela possibilidade de reagir contra a decisão que recaísse sobre tal requerimento, como pela possibilidade de renovação da instância de embargos, nos precisos termos da execução, de que dependem absolutamente. O que não pode fazer é determinar o prosseguimento da execução, decidindo que «devem operar neste incidente os efeitos da sustação apenas e em relação ao bem imóvel hipotecado em discussão nos autos», ou seja, apenas sustando a penhora do imóvel duplamente penhorado, prosseguindo a execução, mas “arquivando condicionalmente” os embargos, figura cujo recorte legal nos escapa. Os embargos de executado só perdem utilidade se a execução for extinta ou em caso de transacção ou desistência. Não se concebe, por outro lado, que fiquem num estado de latência, sem objectivo nem fim à vista, sem decisão, quando na realidade, na execução, se a exequente olhasse para o despacho em crise, na sua literalidade, podia atrever-se a prosseguir a execução, nomeando outros bens à penhora, porque, recorde-se, o que foi decidido foi sustar a execução apenas quanto ao bem duplamente penhorado. Face ao que acabou de dizer-se, não pode deixar de concluir-se que a decisão em causa, ao decidir apenas uma das questões suscitadas, sem que as demais tenham ficado prejudicadas pelo conhecimento daquela, incorreu na apontada nulidade. iii. Decisão sobre se a execução deve ser extinta, nos termos dos art.ºs 794º, 849º, 1, als. e) e f), do Código de Processo Civil. Esta questão é apreciada, apesar da nulidade da decisão, porque foi expressamente requerida pela recorrente e o nº 2 do art. 665º do Código de Processo Civil assim o permite. Previamente, quanto à ilegitimidade passiva do embargante, é notório e decorre do próprio título executivo que a ora embargante não é devedora, não figura como devedora nos documentos de onde emerge a obrigação. Mas os artigos 54º, nº 2 e 735º, nº 2 do Código de Processo Civil preveem expressamente o caso de poderem ser penhorados bens de terceiros, que não são os devedores, mas são os adquirentes de bens onerados, previsão esta que é o mero reflexo processual do regime substantivo previsto no art. 818º do Código Civil. Conforme refere, entre outros, Lebre de Freitas in A Acção Executiva depois da reforma da reforma, 5ª edição, pág. 125, «dado não ser possível a penhora de bens pertencentes a pessoa que não tenha a posição de executado, a acção tem, na medida em que se quiser actuar a garantia prestada, de ser proposta contra o proprietário do bem». Assim, o título, conjugado com o registo da hipoteca sobre bem adquirido pela embargante, permite que a execução também tenha sido intentada contra esta e se resuma a fazer acionar direito real constituído para garantia do crédito exequendo sobre os bens desse terceiro – como sucedeu no caso vertente. A aquisição do imóvel onerado, pela embargante, por compra, não fez caducar ou de qualquer modo afectou a validade e efeitos da hipoteca, porque a hipoteca, como direito de garantia real que é, goza da característica de sequela, o que significa que acompanha o imóvel com a sua transmissão. É o que decorre dos art.s 721º e 730º do Código Civil. Nesta conformidade, por força do direito de sequela que assiste ao credor hipotecário, a hipoteca mantém-se inerente ao imóvel, apesar de ele poder passar para a esfera jurídica de terceiro que não é o devedor. A hipoteca garante a obrigação enquanto esta se não extinguir, quem quer que seja o devedor ou o titular do imóvel onerado. Quanto à proteção dos direitos de terceiro, decorre do art.º 5, nº 1 do Código do Registo Predial, que visa proteger o terceiro que, confiando na aparência de uma situação registral desconforme à realidade substantiva, celebra um negócio jurídico inválido com o titular inscrito e regista a sua aquisição, pronunciou-se de forma claríssima o Acórdão do Supremo Tribunal de Justiça de 8/10/2015, proc. n.º 6998/13.1TBBRG.S1, também disponível in www.dgsi.pt: “Tal como é pacificamente aceite – cfr. ac. de Uniformização de Jurisprudência, nº 3/99 de 18/05, publicado no Diário da República I série A, de 10-07-1999 - terceiros para efeito do art. 5º do Cód. de Registo Civil, são os adquirentes de boa-fé, de um mesmo transmitente comum, de direitos incompatíveis, sobre a mesma coisa. Ora como vimos, quando a ré II recebeu como beneficiária a hipoteca sobre o terreno para construção, este pertencia à sociedade JJ – ou pelo menos estava registado em nome da mesma e como tal se presumia. Por isso esta sociedade tinha plena legitimidade para dar aquele em hipoteca em garantia à ré II. Já o direito dos recorrentes sobre as frações era então futuro e, como dissemos, só com a constituição da propriedade horizontal é que as referidas frações passaram para a propriedade dos recorrentes. Por outro lado, o direito de propriedade adquirido pelos recorrentes sobre as referidas frações, não constitui direito incompatível com o direito de hipoteca da ré II. Ambos os direitos reais são compatíveis”. Como não consta, por ora, que ocorra alguma outra causa de extinção da hipoteca, mantém-se a hipoteca até que tal ocorra. Isto porque, salvo o caso da venda judicial, já referido a hipoteca só se extingue, como dispõe o art. 730º do Código Civil: a) Pela extinção da obrigação a que serve de garantia; b) Por prescrição, a favor de terceiro adquirente do prédio hipotecado, decorridos vinte anos sobre o registo da aquisição e cinco sobre o vencimento da obrigação; c) Pelo perecimento da coisa hipotecada, sem prejuízo do disposto nos artigos 692.º e 701.º; d) Pela renúncia do credor. Não há nenhuma declaração de renúncia e a coisa hipotecada existe. Claro que isto não significa que o embargante seja responsável pela totalidade da dívida. Precisamente porque o terceiro adquirente do prédio hipotecada não é o devedor, quanto a ele o exequente apenas pode executar o bem hipotecado e pelo valor da garantia registada. Assim sendo, o cerne da questão levantada nos autos é saber se, perante a existência de uma penhora registada em data anterior à dos autos sobre o imóvel penhorado e hipotecado, a execução deve prosseguir, sustando-se apenas a penhora, ou deve extinguir-se. O artigo 794º do Código de Processo Civil, sob a epígrafe Pluralidade de execuções sobre os mesmos bens, dispõe: 1 – Pendendo mais de uma execução sobre os mesmos bens, o agente de execução susta quanto a estes a execução em que a penhora tiver sido posterior, podendo o exequente reclamar o respetivo crédito no processo em que a penhora seja mais antiga. 2 – Se o exequente ainda não tiver sido citado no processo em que a penhora seja mais antiga, pode reclamar o seu crédito no prazo de 15 dias a contar da notificação de sustação; a reclamação suspende os efeitos da graduação de créditos já fixada e, se for atendida, provoca nova sentença de graduação, na qual se inclui o crédito do reclamante. 3 – Na execução sustada, pode o exequente desistir da penhora relativa aos bens apreendidos no outro processo e indicar outros em sua substituição. 4 – A sustação integral determina a extinção da execução, sem prejuízo do disposto no n.º 5 do artigo 850º. – destaque nosso. Quando se mostrem realizadas várias penhoras sobre o mesmo bem, apenas a execução onde foi efetuada e registada (quando se trate de bens ou direitos sujeitos a registo) a primitiva penhora deve prosseguir, sendo sustadas as restantes execuções. Nesses casos, deverá o agente de execução sustar tais execuções, podendo o exequente reclamar o seu crédito junto do processo onde sucedeu a primitiva penhora. Caso por qualquer vicissitude seja cancelada a primitiva penhora, pode ocorrer como que uma repristinação da execução, ficando prejudicada a anterior sustação e prosseguindo a execução e o apenso de reclamação de créditos com vista à venda executiva desse bem. Estabelece o (tantas vezes esquecido) nº 4 que a sustação integral conduz à extinção da execução, sem prejuízo do disposto no n.º 5 do artigo 850º. Nessa hipótese, ocorre a extinção da execução, mas com a possibilidade de, no futuro, o exequente poder requerer a renovação da instância executiva extinta caso indique, em concreto, outros bens penhoráveis pertencentes ao executado. A sustação integral refere-se, precisamente aos casos em que não há outros bens para além daquele que foi duplamente penhorado – cfr. GERALDES, António Santos Abrantes; PIMENTA, Paulo; SOUSA, Luís Filipe Pires de. Código de Processo Civil: anotado, Coimbra: Almedina, 2020, pag. 207. Tal inexistência de outros bens penhorados refere-se, necessariamente, não só aos casos em que não são encontrados outros bens, como aos casos em que, havendo outros bens, eles não podem ser penhorados por qualquer impedimento legal (por serem intrinsecamente impenhoráveis – art.s 736º a 739º - ou por excederem os limites de penhorabilidade nos casos em que excepcionalmente se permite a penhora de bens de terceiros, como é o caso dos herdeiros, dos cônjuges e dos adquirentes de bens onerados – art.s 735º, nº 740º, nº 1, 744º e 54º, nº 2 do Código de Processo Civil. Descendo ao caso dos autos, como a recorrida exequente sempre reconheceu, precisamente por mor deste art. 54º, nº 2 do Código de Processo Civil, só pode penhorar o prédio misto, denominado por “Quinta …” ou “Quinta …”, na freguesia de Trafaria, concelho de Almada, descrito na Conservatória do Registo Predial de Almada sob o nº ..., da dita freguesia, precisamente por ser o único que lhe foi dado em hipoteca. Apoditicamente, se só pode penhorar esse bem, e se esse bem já está onerado com uma penhora anterior, então a sustação da execução quanto a esse único bem penhorável significa a sustação integral da execução e, consequentemente, a sua extinção, sem prejuízo de renovação (caso seja levantada a penhora anterior), ao abrigo do nº 4 do art. 794º e do nº 5 do art. 850º, ambos do Código de Processo Civil. O facto de a recorrida ter sido, ou não, citada no âmbito do processo em que foi levada a cabo a primeira penhora é irrelevante, porquanto ao abrigo do nº 2 do mesmo art. 794º, teve a oportunidade de o fazer, no prazo ali fixado. De outra sorte, não cabe aqui trazer a problemática da suspensão das execuções fiscais que poderia permitir o prosseguimento da execução1, pois não consta, nem foi alegado, que a execução fiscal esteja suspensa, ou sequer que o bem penhorado seja uma casa de habitação. Em síntese conclusiva, conhecendo parcialmente dos embargos, a execução deve ser extinta, nos termos dos art.ºs 794º, nº 4 e 849º, 1, al. d), sem prejuízo de renovação, nos termos do nº 5 do art. 850º, todos do Código de Processo Civil. Relativamente às demais questões suscitadas nos embargos, porque a exequente por ora não poderá impulsionar a execução, não subsiste actualmente qualquer utilidade em conhecer das mesmas, ou seja, do remanescente objecto dos embargos, que são daquela execução totalmente dependentes – art. 732º, nº 4 do Código de Processo Civil. Todavia, caso venha a execução a prosseguir nos termos do nº 5 do art. 850º do Código de Processo Civil, nada obsta a que também esta instância seja renovada. Nessa eventualidade devem ser conhecidas as demais questões suscitadas nos embargos. Procedendo, assim parcialmente, a apelação. * iv. Responsabilidade pelas custas. Não são devidas custas, pois a dedução dos embargos e a sua subsequente inutilidade não são imputáveis a nenhuma das partes, pelos motivos já expostos – art. 527º do Código de Processo Civil. IV – Dispositivo: Pelo exposto, julga-se a apelação parcialmente procedente e, consequentemente: - declara-se nula, revogando-a, a sentença recorrida; - julgam-se parcialmente procedentes os embargos e consequentemente a execução deve ser extinta, nos termos dos art.ºs 794º, nº 4 e 849º, 1, al. d), sem prejuízo de renovação, nos termos do nº 5 do art. 850º, todos do Código de Processo Civil. - no mais, declara-se extinta a instância de embargos por inutilidade superveniente da lide, nos termos do artigo 277º, al. e) do Código de Processo Civil, sem prejuízo da renovação, também desta instância nos termos do art. 850º, nº 5. Sem custas, sem prejuízo das que sejam devidas em caso de renovação. * Notifique. * Lisboa, 23 de outubro de 2025 Isabel Maria C. Teixeira Eduardo Petersen Silva Jorge Almeida Esteves ______________________________________________________ 1. Do art.º 794º decorre que o exequente na execução em que ocorreu a segunda penhora, para poder obter o pagamento do seu crédito através dos bens assim duplamente penhorados, terá de o ir reclamar à execução com penhora anterior, para que o seu crédito seja graduado e a final, pago, pelo produto da venda de tais bens e no lugar que lhe competir. No entanto, quando a execução em que se concretizou a primeira penhora é uma execução fiscal, não se pode proceder à venda do imóvel por a Lei nº 13/2016, de 23 de Maio que alterou o CPPT e a Lei Geral Tributária (aprovada pelo DL n.º 398/98, de 17.12), protegendo a casa de morada de família no âmbito de processos de execução fiscal, estabelecendo restrições à venda executiva de imóvel que seja habitação própria e permanente do executado (art.º 1º). Tais alterações aplicaram-se imediatamente em todos os processos de execução fiscal pendentes à data da sua entrada em vigor - dia seguinte ao da sua publicação (art.ºs 5º e 6º). Esta norma não impede a venda da habitação no âmbito de execuções hipotecárias, por iniciativa de instituições bancárias, como a presente (cfr. art.º 4º) limitando-se, nesse caso, a prevenir que “quando haja lugar a penhora ou execução de hipoteca, o executado é constituído depositário do bem, não havendo obrigação de entrega do imóvel até que a sua venda seja concretizada nos termos em que é legalmente admissível” (nº1) e, bem assim que “ enquanto não for concretizada a venda do imóvel, o executado pode proceder a pagamentos parciais do montante em dívida, sendo estes considerados para apuramento dos montantes relevantes para a concretização daquela venda” (nº2). Não há assim dúvidas que o aqui exequente continua a poder exercer o seu direito à cobrança coerciva do crédito hipotecário. Poder-se-ia levantar a hipótese de exercer o seu direito na execução fiscal, onde primeiro se concretizou a penhora, reclamando aí o seu crédito e requerendo o prosseguimento da execução. Todavia, o CPTT não parece admitir, ao contrário do CPC o impulso da execução fiscal por banda dos credores reclamantes. Além disso, afigura-se que a Lei nº 13/2016, de 23 de Maio impede efectivamente que em tais processos de execução, instaurados por iniciativa da Autoridade Tributária e Aduaneira, haja lugar à venda de imóvel que seja habitação própria e permanente do executado fora dos casos aí previstos. Assim sendo, a aplicabilidade do art. 794º, nesses casos, implica na prática a impossibilidade de satisfação do crédito do exequente, pelo que nessas concretas situações tem-se admitido o levantamento da sustação da execução ao abrigo do citado art. 794º, impondo-se, em contrapartida, a citação da Fazenda Nacional para reclamar o seu crédito nos termos do art.º 786º nº1 b) do Código de Processo Civil |